Bônus: Sr. e Sr. Kim
As paredes cor de lavanda do Borahae causavam um sentimento reconfortante de acolhimento, mas não eram o suficiente para que Namjoon se sentisse melhor. Os corredores silenciosos, onde escutavam-se apenas sussurros de um trio de garotas que por ali passavam, e os risos abafados das crianças do jardim, não sufocavam o músico como sua própria casa. Contudo, sabia que ali não era o seu lugar, que as pessoas que circulavam por aquele imóvel nada mais eram que meros conhecidos e alguns funcionários. Estar naquele orfanato lhe trazia certa paz, mas não fazia-o esquecer do seu tormento diário. A culpa lhe corroía como uma praga, tirando toda sua paz e fazendo-o se sentir amargo. A briga com Yoongi havia sido intensa, ainda revivia aquele momento em um loop infinito na sua cabeça, como se fosse seu martírio pessoal.
Talvez ele tenha sido muito cruel, duro em palavras. Não deveria ter se exaltado tanto, era apenas mais uma matéria como tantas outras. Acusar Yoongi não resolveria nada, mesmo que no fundo soubesse que o amigo tenha sim sua parcela de culpa, não poderia cobrar perfeição de um ser humano falho como todos os outros. No entanto, o orgulho falava mais alto e, por isso, Namjoon não estava falando com o amigo, sequer conseguia encará-lo. Porque assim como Yoongi, ele também cometia erros, e ninguém poderia culpá-lo por isso. Mas, enquanto caminhava sem rumo pelo orfanato, não pôde deixar de pensar no amigo, em como ele pareceu quebrado ao ouvir todas aquelas facas em forma de palavras de Namjoon.
Deveria pedir desculpas? Sabia que sim, mas na prática era bem mais difícil encará-lo depois de ter sido tão babaca. Portanto, não sabia o que faria a seguir. Perambulava pelo Borahae à procura de algo que nem sabia o que, fugindo da sua família, se escondendo de si mesmo, mascarando sentimentos.
Sozinho pra caralho.
Um suspiro cansado escapou por entre os lábios corados por lip balm, Namjoon encarou as paredes sem saber para onde ir. Até que uma porta entreaberta logo a frente o chamou em sussurros sedutores, fazendo-o se aproximar a passos lentos. Como se uma força maior o empurrasse para lá, ou a gravidade se invertesse ao jogá-lo para frente lentamente. Caindo de um desfiladeiro, caminhando na direção da linha de chegada da corrida, era como se esperasse por aquele momento a vida toda. Nada fazia sentido, talvez Namjoon estivesse ficando louco. Antes de adentrar o cômodo, ele olhou ao redor no extenso corredor apenas para confirmar que realmente estava sozinho. Sua mão alcançou a maçaneta com certa hesitação, ele engoliu em seco e finalmente o fez.
O ambiente cheirava a livros velhos, lavanda e um perfume a mais que não conseguiu decifrar de cara. Se tratava de uma pequena biblioteca improvisada, onde havia uma ampla mesa para leitura e uma janela extensa que facilitava a entrada de luz no cômodo. As paredes exibiam quadros, pinturas exóticas e abstratas que só faziam sentido se olhar com atenção. Um vaso de Hortência jazia à sua frente, próximo a janela, recebendo a luz solar para produzir seu próprio alimento. A ausência de flores na planta chamou a atenção de Namjoon, como um apreciador da natureza. Era tão linda, exibindo suas folhas lustrosas que reluziam sob o sol, mas, aparentemente, a primavera não a alcançou. Ele deu mais dois passos para dentro, desviando as íris cor de chocolate para os quadros das paredes, sentindo-se tentado a conhecer o artista. Eram rabiscos, arebescos coloridos, como se uma criança tivesse feito. Mas sabia que esse não era o caso, pois a assinatura no canto das telas era delicada e bem feita. Não era um amador, mas Namjoon gostaria de poder perguntar o que levou-o a rabiscar aquelas coisas.
O músico caminhou pelas estantes, se perdendo nas lombadas dos livros e divagando a respeito dos títulos. A maioria eram clássicos da literatura coreana e vários outros americanos também. Versões antigas, relíquias. Namjoon temia até mesmo tocá-los e destruí-los. O som de passos no assoalho de madeira lhe chamou a atenção, e ele logo olhou para frente a fim de ver de quem se tratava. Surpreendeu-se ao deparar com Kim Taehyung na sua frente, segurando um exemplar de O Retrato de Dorian Gray, e usando um sobretudo tão marrom quanto o seu cabelo. Ele pareceu surpreso ao ver Namjoon ali, mas ofereceu um sorriso gentil ao se curvar em comprimento.
— Sr. Kim. — saudou, com certo divertimento, como se falar o próprio sobrenome fosse engraçado.
— Sr. Kim, olá. — Namjoon estava constrangido, não sabia se deveria estar ali, se podia estar naquele cômodo sem ser convidado. E mesmo que a expressão de Taehyung fosse amigável, algo naquele homem o intimidava. — Desculpe, eu estava passando e vi a porta entreaberta...
— Está tudo bem, Namjoon. Fique à vontade.
Taehyung tinha uma voz grave, aveludada, causava certos arrepios ilógicos. Não fazia sentido as reações que sua presença causava no corpo rijo de Namjoon, assim como não fez sentido ele se sentir tão entorpecido ao escutar seu nome sair daqueles lábios fartos. Ele sorriu fraquinho, tentando esconder seu leve tremor e acabou por revelar um par de covinhas adoráveis. Sentiu Taehyung olhá-lo com certo fascínio, e isso o agradou um pouco.
— Certo, obrigado.
— Você gosta de livros?
Aquela era a primeira vez que Namjoon conversava com Kim Taehyung sem ter a presença de terceiros. Era a primeira vez que ele lhe dirigia a palavra diretamente, olhando em seus olhos, aguardando por uma resposta. Nunca haviam tido a oportunidade de dialogarem sobre qualquer assunto que fosse, portanto, o músico sentia-se curioso e até um pouco ansioso.
— Gosto, mas devo dizer que os quadros na parede me fisgaram mais. Conhece o artista?
Taehyung adquiriu um brilho nostálgico no olhar e sorriu novamente, dessa vez mais genuíno e doce. Ele moveu o livro de uma mão para outra e começou a caminhar na direção de Namjoon, da parede, dos quadros, não tinha certeza exatamente.
— Você gostou? — ele perguntou empolgado, já próximo do músico, encarando as artes com extrema doçura. — Eu que pintei.
— É sério? — Namjoon exclamou surpreso, ao se virar para ficar lado a lado com o homem. — São incríveis, e sim, eu adorei. Mas... o que elas significam?
O diretor encarou as telas como se ponderasse em uma resposta e suspirou, fazendo Namjoon acompanhar seu ato sem nem mesmo entender porquê.
— Não sei, são apenas meus pensamentos ganhando forma com tinta e pincel.
— São lindos.
Taehyung lhe encarou, os olhos brilhando e um sorriso mais doce que o chocolate ao leite do seu olhar.
— Obrigado.
Namjoon sentiu as famosas borboletas no estômago ao se deparar com o sorriso retangular adorável do rapaz, e sentiu-se amolecer pelos olhos de meia lua. Ele era bonito demais para estar tão perto, isso era um perigo para sua sanidade mental. Tão hipnotizante, que o músico até mesmo se esqueceu do que havia levado-o até ali, dos motivos que fizeram ele fugir dos seus amigos e esgueirar-se na primeira sala vazia do Borahae. Nunca teve dificuldades em aceitar que gostava de homens, assim como percebeu de imediato assim que viu Taehyung pela primeira vez, o quanto se sentia atraído por ele.
Seria idiota se dissesse que não sentiu nada quando se deparou com aquele olhar intenso assim que chegou no orfanto, ou que não se sentiu tentado ao provar o caramelo da sua pele. Kim Taehyung era magnético, isso não podia-se negar. Jamais conheceu alguém dono de tanta leveza, como se flutuasse no ar, sorrisse o tempo todo, príncipe da paz. Mesmo que carregasse o mundo nas mãos, agia como se não fosse nada demais e apenas sorria como um garotinho. Por isso, o músico não conseguia desviar o olhar, não era capaz de não sorrir de volta, e quase derreteu-se no chão daquela biblioteca ao ter aquele riso tão singelo direcionado a si.
Namjoon estava fazendo papel de bobo, deveria sair dali logo.
— Eu... Preciso voltar, com liçen-
Antes que pudesse terminar sua frase atrapalhada, o músico deu um passo em falso enquanto tentava se afastar do diretor, e teria caído de cara no chão se não fosse por braços fortes o amparando. Ele o encarou, os olhos arregalados e a boca seca impossibilitada de proferir algo coerente. Taehyung tinha o rosto a centímetros do seu, seus olhos eram mais belos que qualquer quadro que ele pintou, sua boca; chamativa, sua pele; reluzente. Namjoon não queria olhar para outra direção além dele, não conseguia estar em outro lugar que não fosse naquela biblioteca, com seus braços ao redor do seu corpo. Como se tivesse dormido por uma longa noite de vinte e quatro anos, onde a escuridão reinava e a solidão era sua única companhia.
Contudo, encarar Kim Taehyung tão próximo de si, foi como ver a luz do dia pela primeira vez.
— Tome cuidado. — ele soprou no ar com suavidade, retirando as mãos do corpo alheio com delicadeza e lentidão. Parecia não querer se afastar, assim como Namjoon. — Você está bem?
Sua pergunta tinha um quê de diversão, como se estivesse diante de uma criança fazendo alguma travessura. O músico limpou a garganta, encarou a porta que ainda permanecia entreaberta e ponderou se deveria simplesmente sair correndo como um louco. No entanto, seus pés grudaram no lugar, criaram raízes que serpenteavam a aura de Taehyung, incentivando-o a continuar ali, falar com ele, olhar para ele.
Nada daquilo fazia sentido, mas Namjoon não conseguia parar.
— Estou, obrigado. — conseguiu murmurar, sentindo-se patético. Mas derreteu-se como gelo em fogo ao assistir Taehyung sorrir com doçura na sua direção. Por que ele tinha que ser tão bonito? — Eu vou indo agora. De verdade.
— Certo, eu te acompanho.
— Não precisa...
— Faço questão.
Taehyung sorriu docemente e Namjoon sentiu algo mudar. Em si, nos olhos dele, no ar, até mesmo na luz do sol que banhava sua pele timidamente. O músico não sabia dizer exatamente o que, mas soube naquele instante que nada seria como antes. Não estando na presença de Kim Taehyung, admirando seus olhos e se perdendo na curvatura do seu sorriso. Não havia como continuar na monotonia depois de conversar com aquele homem. Contudo, essa sensação não era ruim. Era agradável, como uma brisa fresca num dia de verão, ou respirar ar puro depois de um afogamento. Taehyung era leveza em pessoa, Namjoon era amante da paz. Por isso, sorriu de volta, dando espaço para aquele sentimento gostoso em seu peito se alastrar por todo seu corpo. Porque Taehyung valia a pena.
— Obrigado.
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