7

Manhãs eram sagradas. Yoongi apreciava cada momento ao lado dos seus amigos, mas o café da manhã era algo precioso. Gostava de sentar-se à mesa, rir do cabelo espetado de Jungkook e saborear a comida deliciosa de Hoseok. Era algo quase terapêutico, quando não tinha isso, seus dias pareciam frios e cinzentos. Momentos matinais ao lado dos meninos eram como a recarga de energia diária que precisava, aqueles pequenos atos eram muito mais significativos do que aparentavam.

Portanto, Yoongi não conteve sua careta desgostosa ao assistir Namjoon entrar na cozinha feito um furacão e praticamente jogar o tablet na mesa, assustando a todos não apenas com o ato, mas também pela voz ríspida e grave que reverberou pelo recinto.

— Que porra é essa?

Yoongi suspirou ao alternar o olhar entre o amigo e o aparelho na mesa.

— Me parece um ipad. — ele tinha um olhar tedioso, não havia acordado completamente e já estava tendo que lidar com um mau humor sem motivo aparente de Namjoon. O rapaz de fios castanhos bufou e passou a mão no rosto de maneira nervosa, e Yoongi resolveu ver o que tinha no tablet que deixou o amigo tão transtornado.

Foi então que viu a matéria. Apenas mais uma sobre seu nome, escrita por aquela revista maldita que amava persegui-lo desde a sua queda. Sua primeira reação foi desdenhar daquilo, como se não fosse nada demais, contudo, fios avermelhados na fotografia do topo lhe refreiaram. Alguém havia flagrado ele e Daeyang naquela madrugada, no exato momento em que Yoongi colocou sua jaqueta nos ombros da jornalista. Era uma imagem sugestiva, eles estavam com os rostos próximos, qualquer um que visse aquilo pensaria que eram, de fato, amantes.

— Até quando, Yoongi? — Kim praticamente cuspiu, alterado. — Até quando continuará na merda?

O rapper encarou-o, incapaz de pronunciar alguma resposta de imediato.

— Joonie... — Hoseok tentou intervir, mas foi ignorado.

— Eu tô cansado de assistir você cair e, consequentemente, arrastar nós três consigo.

— Não pedi para ser fotografado, não escolhi ser odiado. — Yoongi soltou o tablet de qualquer jeito na mesa, causando um barulho que assustou o garoto de cabelo vermelho, que deu um sobressalto no lugar, encarando o músico com os olhos grandes brilhando.

— Ah, mas não é como se fizesse algo para evitar tudo isso. — o rapaz puxou o cabelo castanho com força, como se desejasse arrancá-lo e Yoongi sentiu algo dentro de si morrer ao assistir aquela expressão tão decepcionada.

— Meninos, por favor... — novamente, Hoseok tentou intervir a favor da paz, mas, novamente, foi ignorado.

— O que está sugerindo? — Yoongi se levantou da cadeira, sentindo vontade de se atirar pela janela apenas para não precisar ver o olhar frio e cortante de Namjoon. — Que eu os provoco? Que gosto de toda essa merda de hate?

— Sim! — Kim gritou, fazendo o rapaz na sua frente recuar um passo. Não gostava que gritassem com ele, Namjoon sabia perfeitamente disso, mas continuou mesmo assim, e isso o machucou mais do que quando feriu a testa há quinze anos. — Porque você é a porra de um egoísta e não vê nada além do proprio umbigo. Me diga, alguma vez já pensou em nós? Em como o grupo é afetado pelo seu draminha?

Yoongi afastou mais um passo, um soco teria doído menos. Era isso que Namjoon pensava de si? Logo ele, um dos seus melhores amigos, que conhecia toda sua história e sabia bem como seu passado afetava cada ação sua. Kim Namjoon sabia de tudo, conhecia todos os seus medos e sentimentos tempestuosos, mas mesmo assim, atirava palavras para matar como se não fosse nada. Ele sentiu os olhos inundar, mas impediu-se de derramar alguma lágrima na frente deles, impediu-se de encarar qualquer um nos olhos pois se sentia idiota demais para isso. Ouviu a voz de Jungkook falando alguma coisa, mas não conseguiu discernir o que, pois as palavras amargas de Namjoon não saíram da sua cabeça. Martelando fortemente, ecoando infinita, incansavelmente. Era verdade? Yoongi estava mesmo sendo tão egoísta assim?

— Você sabe que não é bem assim... Namjoon, você sabe muito bem como a minha cabeça é fodida. — Min não reconhecia a própria voz, nem sabia dizer de onde havia tirado forças para pronunciar tantas palavras.

— Ah, vai se foder! — Namjoon praguejou, assustando todos naquela sala. — Acha que é o único com problemas aqui? Você está tentando justificar seus erros, colocar a culpa em algo por agir feito um babaca. Mas adivinha quem é o único culpado aqui?

Yoongi lhe encarou por trás da neblina do seu olhar, não reconhecia aquele homem na sua frente. Nunca havia visto-o sendo tão cruel, tão impulsivo. Namjoon era dono de uma personalidade doce, gentil, quase nunca perdia a paciência. Era um tipo de homem que, certa vez, parou o trânsito porque um caranguejo atravessava a rua. Portanto, aquela persona na sua frente fria e apática não se parecia em nada com o dono das covinhas mais lindas e conselhos sabeis.

— Meninos, chega. — Hoseok interviu novamente, dessa vez soando mais firme. — Namjoon, esfrie a cabeça antes de conversar com alguém, por favor.

O rapaz de fios castanhos bufou, murmurando algum palavrão antes de passar as mãos no rosto de forma nervosa. Yoongi encarou-o, sentindo vontade de chorar ou apenas sair correndo. Era como um fardo, algo que seus amigos carregavam por obrigação e isso os desgastava cada dia mais. Ele conseguia ver isso, era nítido pelos olhos de Namjoon o quanto estava farto de tudo aquilo, dele.

— Eu tô cansado, Hoseok. — disse Kim, mais calmo, porém ainda magoado. Yoongi sentiu uma pontada no peito, como se uma espada de três gumes lhe atravessasse a carne, mas continuou parado no mesmo lugar. Fingindo ser inabalável, atuando uma peça dramática em um personagem que não se parecia consigo.

— Certo. — exclamou com indiferença, e caminhou na direção da porta que dava acesso ao corredor onde ficavam os quartos. Passou por Jungkook, que tinha os olhos vermelhos e o rosto molhado, desejou abraçá-lo e pedir desculpas por todo o caos que causava naquela casa, mas apenas lhe lançou um olhar significativo, torcendo para ele conseguir ver isso através dos seus olhos e seguiu rumo ao seu quarto.

Colocou algumas roupas em uma mala de mão, selou-a com lágrimas e deixou todo aquele sentimento pesado e obscuro no fundo do seu peito, lhe corroendo como uma praga. Quando retornou à sala, encontrou somente o rapaz de madeixas vermelhas sentado no sofá. Ele alternou o olhar entre o rosto do músico e a bolsa na sua mão, tinha os olhos e a ponta do nariz vermelhos, denunciando que havia chorado.

— Onde vai? — ele perguntou, com a voz quebrada. Yoongi sentiu algo dentro de si morrer.

— Para o meu apartamento, quero ficar um tempo sozinho.

Na verdade, ele queria não ser um fardo, queria não causar o choro e ira dos seus amigos. Queria ser um peso morto na solidão do seu apartamento, afundar em sua própria angústia sozinho, no escuro. Mas Jungkook não precisava saber disso.

— O Namjoon... — o menino fungou. — Você sabe que ele só estava muito irritado, né? Sabe que ele falou tudo aquilo da boca pra fora...

— Sei. — mas isso não faz doer menos, quis completar, mas calou-se. Porque em parte sabia que o amigo tinha razão em suas palavras amargas, e a verdade doía como um inferno. Ele era um babaca egoísta. — A gente se vê mais tarde, JK.

Yoongi saiu daquela casa, deixando parte de si junto a lágrima solitária que escorreu pelo rosto de Jungkook. Seu coração estava em pedaços, seus olhos transbordando, mas ele engoliu o choro e a vontade de voltar, permanecendo apenas com o orgulho e mágoa. Ambos matando-o lentamente como uma morte de mil cortes.

[...]

Os pássaros alçando voo, as folhas sendo carregadas com o vento, as crianças que corriam pelo Borahae em meio a gargalhadas; tudo parecia ter um propósito, tudo acontecia por um motivo. Um canário ciscava o gramado em busca de alimentos para levar ao seu ninho, o vento soprava para o sul, então as folhas secas das árvores logicamente iam para essa direção, e as crianças... elas só estavam tentando sobreviver. No entanto, Yoongi não sabia porque estava fazendo o que fazia, não conhecia seu coração como deveria, temia olhar dentro de si e encontrar surpresas desagradáveis. Então, nada fazia sentido. Sua vida era pacata, sua existência, praticamente desnecessária.

Enquanto caminhava ao lado dos colegas de grupo, sentia vontade de simplesmente desaparecer do mundo. Considerava aqueles três garotos como irmãos, denominava o 4U como sua família. Mas, naquele dia, andavam lado a lado, em um silêncio e tensão tão palpável quanto a tristeza nos olhos de Jungkook. Faziam tudo no automático, mal se olhando, causando estranheza a todos que o rodeavam. Yoongi não sabia quem era, tampouco porque fazia o que fazia, portanto, não tinha ideia de como reverter seu caso, como deixar de ser um péssimo amigo.

Sentia-se perdido, como um cais sem porto, um navio naufragando em alto mar, onde pedidos de socorro eram levados ao vento para longe, nunca alcançando ninguém de fato. Era sempre muito fácil apontar o dedo na sua direção, fazer uma lista enorme de todos os seus defeitos e ofensas veladas a xingamentos infinitos. Mas ninguém parava para o ver de verdade, ninguém perguntava como ele chegou a esse ponto, ninguém oferecia uma mão quando ele caia, mas sim jogavam pedras. Estava acostumado a aguentar tudo calado, servir-se de saco de pancadas para jovens frustrados, mas o assunto mudava quando quem tinha pedras nas mãos era alguém muito próximo dele.

Namjoon não olhou na sua direção nem uma vez sequer, fingiu que Yoongi era invisível e isso o fez querer definhar ainda mais em sua própria angústia. Hoseok falou pouco consigo, parecia pisar em ovos o tempo inteiro, como se qualquer coisa que saísse da sua boca pudesse quebrar o amigo. E Jungkook parecia querer chorar toda vez que olhava para Yoongi, e isso doia, porra, como doia.

— Tudo bem? — uma voz aveludada lhe tirou de seus pensamentos sugadores e ele rapidamente encarou o rapaz parado ao seu lado, sentindo-se um tanto aturdido. Quanto tempo havia ficado naquela mesma posição encarando aquela árvore e pensando no quanto ele era ridículo?

— Ah, tudo sim. — balbuciou, sentindo-se ainda pior. Taehyung lhe lançou um sorriso afável, não parecendo acreditar nisso, mas nada comentou. Apenas se juntou a ele em sua observação sem sentido na árvore estranha do jardim.

— Sabe, não gosto do que estão fazendo aqui. — o rapaz de sobretudo marrom confessou, sem desviar os olhos da planta que tanto olhavam. A brisa suave acariciava levemente seus fios castanhos, enquanto agitava as flores de cerejeira espalhadas pela calçada do orfanato. — Mas não pude recusar aquela quantia de dinheiro, mesmo que Lee Bowook seja desprezível... por causa das crianças, não posso me dar o luxo de ser orgulhoso. Você deve saber disso, não é?

Yoongi o encarou, se dando conta de que ainda não haviam conversado sobre aquilo antes. Taehyung não havia mencionado o dinheiro e ele nem o questionou, pois ele sabia. Assim que Bowook confessou que ele aceitou seu suborno, ele soube porque o diretor havia feito aquilo. Pelas crianças, porque elas comem, vestem, e a ajuda que o governo fornece não cobria nem metade das despesas do orfanato. O músico suspirou, voltando a encarar a árvore, não entendendo bem o que Taehyung queria com aquele assunto.

— Eu sei, Kim. Não se preocupe, não precisa se justificar para mim. — ele suspirou, as íris castanhas acompanhavam o movimento suave das folhas da árvore que eram agitadas pela brisa calma.

— Eu só senti que deveria, você é a pessoa que mais nos ajuda e eu serei eternamente grato a isso.

Yoongi o encarou, forçando um sorriso lateral ao sentir toda a sinceridade naquela fala. Taehyung era um homem de ouro, sentia-se um tanto sortudo por ter conhecido-o naquela noite de inverno. A neve caía sem parar do céu, mas o rapaz permanecia naquela tempestade implorando a pessoas esnobes para poder dar um natal a crianças órfãs. O músico nunca conheceu alguém tão determinado, por isso o ajudou, por ele e pela iniciativa de fazer o bem.

— Se importa se eu acender um cigarro?

Taehyung lhe lançou um olhar decepcionado, ou preocupado. Yoongi quase pensou que ele diria sim e jogasse a carteira de cigarros da sua mão longe, mas tudo o que o diretor do Borahae fez foi suspirar e desviar os olhos para frente ao responder calmamente:

— Não, fique à vontade.

O rapaz de jaqueta de couro sequer segurou um suspiro aliviado. Naquele dia, mais do que nunca, precisava da nicotina para, ao menos tentar, aliviar todo o peso sob seus ombros. E funcionou por um breve momento, Yoongi observou a fumaça se desfazendo lentamente no ar e sentiu como se todas as palavras amargas de Namjoon estivessem desvanecendo junto, pouco a pouco. Contudo, a realidade lhe atingiu com força assim que tudo desapareceu e restou apenas o vazio do seu peito. Ele suspirou e deu mais uma tragada, tentando apagar aquele sentimento ruim que se alastrava por todo seu corpo como uma praga.

Ledo engano, droga nenhuma seria capaz de aliviar aquela pressão.

— Quando era criança — Taehyung começou, trazendo Yoongi de volta à realidade. —, eu conheci uma garotinha como Haerin. Ela vivia subindo naquela mesma árvore, quebrava pratos, copos, fazia birra, gritava e dava uma dor de cabeça para o meu pai. Ele achava que ela queria chamar atenção, que só estava sendo mimada. Ela chegou aqui com seis anos, então todos achavam que ela só não aceitava seu destino. Mas ninguém nunca cogitou a ideia dela estar sofrendo bullying, os adultos não percebiam que aquela era a forma dela pedir ajuda, de demonstrar sua dor.

— E o que aconteceu? — Yoongi nem percebeu o quanto ficou interessado naquela história, ao ponto do cigarro queimar sozinho entre seus dedos, transformando-se em cinzas que em breve seriam levadas com o vento, deixando para trás toda a sua angústia e vácuo do peito.

A história dessa garotinha lhe trouxe um gosto amargo na boca, como se olhasse através de um espelho quebrado e a imagem que visse não fosse ele, mas trazendo sim a familiaridade do seu próprio reflexo.

Taehyung suspirou antes de continuar, ainda encarando a paisagem à frente, tendo o cabelo agitado pela brisa fresca daquela tarde primaveril e a expressão serena, mesmo que seus olhos carregassem certa melancolia.

— Ela foi embora quando completou dezenove, e ninguém viu como ela sofria aqui dentro. — outro suspiro, o rapaz escondeu as mãos dentro dos bolsos do sobretudo antes de continuar: — Eu só fui entender isso quando conheci Haerin e vi a história se repetir, mas diferente do meu pai, investiguei mais a fundo e descobri que os meninos implicam com o cabelo dela. Eu os repreendo, faço o que posso, mas... como viu ontem, parece ser insuficiente.

— E então? — Yoongi questionou, em tom acusatório, sentindo o peito pesar uma tonelada. — Não vai tentar fazer mais nada? Vai deixar isso continuar?

— Todos os dias eu tento diminuir a dor da Haerin, Yoongi. — Taehyung lhe encarou, com a expressão séria, olhar duro. — Mas por hora, só posso fazer por ela o mesmo que faço por você.

Ele desviou os olhos para frente novamente, soltando outro suspiro pesado. Yoongi quase deu um passo para trás por reflexo. Do que ele estava falando?

— O quê? Como assim?

— Mostrar que estou vendo a dor dela e que ela não está sozinha. — o rapaz lhe encarou novamente, fazendo o músico se sentir intimidado por aquele olhar intenso. Era como se Taehyung pudesse ler toda sua alma, desvendar todos seus segredos mais obscuros. — Infelizmente, é só isso que posso fazer por vocês.

— E-Eu não sei do que está falando. — sua voz falhou, ele gaguejou pateticamente e quis se atirar da sacada por isso. Observou as cinzas do cigarro serem carregadas lentamente com o vento, desfazendo toda a nicotina que deveria estar em seu corpo.

Ele deu uma tragada apenas para evitar os olhos penetrantes de Taehyung sobre si.

— Sabe sim. — disse ele, com propriedade de quem conhecia toda a verdade por trás dos olhos tristes de Yoongi. — Não estou tentando demonstrar pena, só que... eu te vejo, Yoongi. Eu vejo a sua dor e quero que saiba que não está sozinho nessa.

Yoongi nada disse, continuou se drogando e observando a fumaça do cigarro se desintegrar no ar, desejando que a sombra negra que o acompanhava também se desfizesse assim. Não gostava da ideia de que outra pessoa o visse assim, não como alguém egoísta, mas sim um fraco e patético que derramava lágrimas no travesseiro. Preferia ser um babaca do que alguém digno de pena.

— Me ligue se precisar de um amigo. — foi tudo o que Taehyung disse, antes de sumir entre os corredores do orfanato, deixando Yoongi com todos os seus pensamentos gritantes e a fumaça do cigarro sufocando-o.

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