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Dois meses antes...

Como se fosse feito de vidro, ele sentia-se frágil e quebradiço. Talvez, todos os tapas que levou na infância tenham deixado-o trincado, e por isso, os próximos poderiam levá-lo ao chão em pedaços. Ele temia quando isso acontecesse, não sabia quais estragos poderiam causar a sua queda completa. Yoongi estava caindo, era uma estrela cadente, indo cada vez mais em direção à órbita terrestre, estando muito próximo de causar uma grande catástrofe.

A sensação era desesperadora, mas ele não conseguia parar, tal qual um meteorito.

Continuava sendo como um globo espelhado, pendurado no centro do salão, cintilando todas as luzes que refletiam nele, no entanto, pendia por um fio frágil. E quando esse cordão fino desatasse? O que seria daqueles que ainda restavam ao seu redor? Ele cairia, espalhando cacos por toda parte, perfurando a carne de todos aqueles que ainda esperavam algo de bom vindo dele; mudanças, recomeços, vícios findados. Seria mais uma decepção, seria o vilão que a Coreia tanto abomina.

"A queda de uma estrela"

Esse era o título da primeira matéria negativa ao seu respeito, escrita por um jornalista nada gentil ao destilar palavras de ódio e desprezo pelo rapaz, que contava sobre como Yoongi foi visto bebendo e dançando sobre uma mesa. Como se agir como um jovem, divertir-se beijando algumas bocas desconhecidas e esquecer a vida fora das luzes coloridas de uma balada fosse, de fato, um crime. Não entendia a maneira como a sociedade enxergava o mundo, desejando que sua imagem fosse imaculada, quase um santo. Yoongi estava longe de ser um santo, pelo contrário, ideias e atitudes promíscuas deixavam-no extremamente excitado. Portanto, o fato de a mídia pintar seu retrato com cores escuras e em uma imagem demoníaca, não lhe causava incômodo algum. Por isso, continuou fazendo o que lhe dava na telha, continuou pouco se fodendo para aquela maldita revista que perseguia-o feito abutres ao redor de algo pobre.

Yoongi suspirou por trás da máscara que lhe cobria parcialmente o rosto, a cidade caótica trazia um estranho sentimento de conforto. Estava familiarizado com o caos, seja dentro ou fora, a agitação já não o assustava mais. Ele encarou os carros deslizando os pneus pela avenida, e ponderou ao observar todas aquelas luzes em movimento. Quando foi que tudo começou a desandar na sua vida? Quando foi que se tornou essa pessoa tão amargurada e problemática? Sentia-se perdido em sua própria cidade, sozinho mesmo com a casa sempre cheia, sentia-se bem menos que o conteúdo de uma lixeira.

Uma brisa fria agitava delicadamente a cortina negra da franja, que caía sob seus olhos, ajudando no disfarce improvisado para poder caminhar pelas ruas em paz. Ainda tinha medo de ser abordado de modo abrupto, como foi há dois anos, a garota tinha uma faca e olhos assustadores. Min jamais conseguiu esquecer aquele olhar. Contudo, mesmo com o medo de ser surpreendido, que fazia-o encarar pontos escuros a todo momento, tentava não deixar esse sentimento dominá-lo ao ponto de impedir que andasse livremente pelas ruas. Ele colocou as mãos gélidas dentro dos bolsos do moletom tão negro, que mesclava-se facilmente ao cenário noturno a qual se encontrava. Yoongi era todo feito de escuridão, e ele não gostava disso, mas também não sabia como mudar.

O rapaz parou em frente a uma conveniência, encarou um casal sorridente que saia pelas portas duplas e suspirou novamente. O amor existia mesmo? Era quase inacreditável que pudesse existir alguém com um poder de te fazer sorrir mesmo com gestos mais simples, era surpreendente que, dentre todas as oito bilhões de pessoas do mundo, apenas uma faria seu coração palpitar. O amor era uma incógnita para Yoongi, conhecia pouco desse sentimento tão singelo. Por isso não entendia quando via algumas pessoas falarem sobre o jeito certo e errado de amar, quem amar ou não amar. O amor tem limites? Há regras? Por que parece ser tão difícil conjugar esse verbo?

Tinha a certeza que seu pai o amava, e ele também o amava da mesma forma. Seria sempre grato por tudo que ele lhe deu, por ter lhe resgatado e abraçado-o em meio aquele caos, demonstrando que o menino não estava mais sozinho. Sua madrasta também o amava, e ele a via como uma figura materna, que cuidou dele como se tivesse de fato dado a luz a ele. Esse era o amor que conhecia inicialmente, o amor fraterno, aquele que protege, educa e lhe alimenta. Um dos mais lindos amores do mundo, dar vida a alguém e zelar por ela com ternura. Admirável.

E sua mãe o amava? Essa era uma questão que lhe deixava melancólico, temia algum dia receber a resposta com todas as letras, pois por hora, ela estava exposta apenas nas entrelinhas. Se sua mãe realmente o amava, por que não lutou por ele naquele tribunal? Por que cedeu a guarda tão facilmente? Ela nunca lhe contou histórias para dormir, nunca lhe abraçou em meio a pesadelos e o deixou aos cuidados de um desconhecido. Ela algum dia amou a vida que gerou por nove meses? Pois mesmo depois de quinze anos desde o acontecido que separou-os, ela continuava longe, fria e apática. Preferindo os prazeres de um homem do que seu próprio filho, e mesmo que esse homem não fosse o mesmo monstro do passado, ainda era apenas... um homem ocupando o lugar do seu pai. E Yoongi, o que significava para ela?

Perguntas e mais perguntas... Não queria saber a resposta para nenhuma delas.

O músico agitou a cabeça coberta pelo capuz, desfazendo-se de todos aqueles devaneios infinitos sobre sua família e adentrou o estabelecimento. Refletir sobre todos os motivos que levaram sua mãe ser tão reclusa em seu próprio mundo não faria tudo ficar melhor, ter a certeza da sua falta de afeto era ainda mais dolorido. Não havia como voltar no tempo, nada poderia mudar o que passou, a cicatriz na sua testa era a prova disso. Nada pode remover marcas do passado, elas continuariam ali, como uma mancha de petróleo em uma lagoa translúcida. Irreparáveis. O rapaz parou em frente aos freezers de bebidas e considerou seriamente a ideia de levar um engradado de cerveja apenas para esquecer-se de todo o caos da sua família e como isso tumultuava seu interior. Por fim, bufou ao se lembrar que no dia seguinte teriam a ilustre visita do CEO da BK, e não queria estar de ressaca enquanto ouvia aquela voz irritante. Ele vagou as íris castanhas pelas vitrines e resolveu levar um doce, algo que fosse capaz de açucarar seu humor amargo.

E o seu favorito era sempre o sorvete de flocos, apanhou dois potes e seguiu rumo ao caixa, evitando contato visual com a moça sonolenta atrás dele. O sino da porta atrás de si soou, anunciando a chegada de mais clientes, mas ele não se deu ao trabalho de olhar. Pagou pelos doces rapidamente e praticamente correu de volta para fora, com a cabeça baixa, temendo ser reconhecido por qualquer alma que passasse por si. Contudo, seu corpo se chocou fortemente com outro, e ele salientou os olhos ao assistir a garota — parecendo ter uns quinze anos — cair violentamente no chão com a batida. Merda, onde estava com a cabeça?

Por reflexo, ajudou a menina a se levantar e murmurou uma série de pedidos de desculpas, enquanto as outras duas que acompanhavam-na ralhavam sobre ele ser um desastrado. Ele ignorou todas as ofensas e certificou-se que a garota que trombou estava bem, mas surpreendeu-se quando ela agarrou seu braço com força e fincou aqueles olhos grandes e negros no seu rosto.

— Eu sinto que conheço você... — ela murmurou, e Min desvenciliou-se do seu toque rapidamente. Claro que conhece, pensou ele, e justamente por isso, se curvou educadamente e se afastou com pressa. Contudo, um grito reverbeou pelo silêncio da noite: — Suga! Suga! É o Suga!

Yoongi fechou os olhos com força e suspirou. Que porra.

E então, ele correu.

A cena era tão bizarra que chegava a ser engraçada e intrigante aos olhos alheios. O jovem corria como se sua vida dependesse disso, enquanto três adolescentes perseguiam-no aos berros. Seu coração batia acelerado, recordou-se do dia em que foi surpreendido por uma fã maníaca e sentiu as pernas amolecerem, quase levando-o à queda. O capuz escorregou com a corrida, revelando os fios tão escuros quanto o céu noturno e as garotas gritaram mais. Seu pulmão pedia socorro, ele estava quase desistindo e deixando ser engolido por adolescentes cheias de hormônios e fanatismo. Contudo, viu sua salvação logo a sua frente e impediu-se de ser racional, seu medo era maior.

Uma moça entrava pela porta do motorista de um carro azul, inerte sobre o rapaz sendo perseguido e ele engoliu toda sua sanidade ao entrar no automóvel, agradecendo aos céus por não ter ninguém no banco do caronista, encostou a cabeça no banco e fechou os olhos, tentando acalmar as batidas desenfreadas do seu coração. Um perfume suave vagava pelo automóvel, ele suspirou profundamente e sentiu-se um pouco menos pior. Era uma mistura de rosas com jasmim, doce e inebriante. No entanto, sua gratidão durou pouco ao ouvir a moça gritar:

Ya! Quem é você? Ficou maluco? — as garotas de antes alcançaram o carro, e começaram a bater violentamente contra o vidro ainda aos berros. — Que merda é essa? Sai do meu carro!

— Por favor... — o músico implorou, com a voz rouca e trêmula. Ele retirou a máscara do rosto, tentando ganhar um pouco de confiança da moça. Seus dedos tremiam. — Me tira daqui, eu faço qualquer coisa...

— Só pode ser brincadeira! — ela gritou, em um tom claro de desconforto. Yoongi abriu os olhos e prendeu o fôlego por alguns segundos instintivamente.

Ela era absurdamente... linda.

De um jeito único, uma beleza que jamais viu em nenhuma mulher da Coreia. Os fios castanhos continham mechas vermelhas, a tez pálida, e os lábios também tingidos de vermelho escarlate, contudo... foram os olhos dela que prenderam o músico de uma forma surreal. Eram extremamente azuis, como o próprio oceano. Profundos, intensos, magnéticos. Yoongi quis pular dentro como se fosse um peixinho, explorar cada pequena parte daquele universo subaquático. E essa sensação de fascínio era muito estranha, fazia o rapaz ter uma espécie de déjà vu. Havia algo de familiar naquelas íris, o que era intrigante, pois tinha certeza que se lembraria de uma coreana de olhos azuis se de fato a conhecesse. No entanto, aquele brilho quase que de melancolia no olhar, aquela fortaleza, Yoongi tinha certeza que já viu aquilo antes.

Em uma outra vida, talvez?

Ya, idiota! — ela gritou alterada, assustando o musico. Os gritos abafados das garotas que ainda batiam no vidro trouxeram Yoongi de volta ao presente. Por um momento, esqueceu-se completamente que estava sendo perseguido, do seu medo irracional de fãs, pois tudo o que conseguia ver eram aqueles olhos oceânicos, que no momento, fitavam-no com ira. Ele engoliu em seco. — Eu mandei sair do meu carro!

Yoongi lançou um rápido olhar para a janela antes de juntar as mãos em súplica, se aproximando da moça.

— Por favor, me tira daqui! Elas...

— Cara, se essas malucas arranharem meu carro, eu acabo com você! — ela cortou-o, gritando novamente. Essa doida não sabia falar sem subir o tom de voz? — Agora, sai do meu carro!

Olhos dela faiscavam como as chamas de uma lareira acesa num dia de inverno, o carro estava aquecido e Yoongi estava começando a ficar impaciente. Sair daquele carro, e enfrentar um bando de adolescentes malucas estava fora de cogitação. Ele mediu a dona dos olhos oceânicos com o cenho franzido. Ela não o conhecia? Não parecia nenhum pouco afetada com a sua presença e isso era um fato muito... intrigante. Estava acostumado a ter as mulheres aos seus pés, mas, estranhamente, aquela em especial estava querendo distância dele.

Ya, você por acaso sabe quem sou? — não queria soar rude, mas a cada batida no vidro, seu coração batia acelerado no peito. Era só uma carona, só isso que ele pedia para aquela teimosa, por que era tão difícil ela aceitar?

A moça soltou um risinho amargo, antes de lançar um olhar de desprezo para Yoongi que o deixou levemente abalado.

— Óbvio, senhor bad boy da nação. — ela enfatizou o maldito titulo com tanto ódio, que ele soltou um risinho nasal descrente. Qual era o problema dessa mulher? Por que ela parecia odiá-lo tanto? — Você é um idiota metido e, pelo visto, um babaca arrogante. Agora saia do meu carro.

Aish! — ele soltou a sacola com os sorvetes nos seus pés e fitou a moça com olhos céticos, rosto vermelho e o coração batendo na garganta. — Eu só quero uma carona, você não sabe ser gentil?

— Você invadiu o meu carro e quer que eu seja gentil? — ela riu amarga. — Vai se foder.

Yoongi soltou um risinho nervoso, encarando aqueles olhos raivosos e sentiu uma vontade de gritar ou apenas gargalhar feito um lunático.

— Inacreditável. — murmurou, cético. — Senhorita boca suja, pode, por favor, me tirar de perto dessas doidas? Eu pago, eu sumo do mapa, faço o que quiser.

— Vai pro inferno. — as batidas contra o vidro se tornaram mais fortes e Yoongi se encolheu como um garotinho assustado. — Aish, elas são malucas?

O músico encarou as mãos batendo contra a janela, os olhos sedentos, os sorrisos exageradamente largos e sentiu-se afundar em areia movediça. Ouviu uma voz chamar pelo seu nome, mas era como um eco distante, um zumbido longínquo. As garotas continuavam batendo no vidro, seu coração batia ao ritmo de cada baque e o ar estava se tornando cada vez mais arenoso. Sentia os dedos trêmulos, a visão ficando turva e um peso cair sobre os seus ombros, deixando-o ainda mais transtornado.

Lembrou-se do olhar mortal que aquela sasaeng, da faca muito perto do seu pescoço, do arranhão no braço que ganhou graças a uma queda e a forma como ela dizia com propriedade que ele era dela. Seu peito doeu, como se estivesse sendo esmagado por uma prensa elétrica invisível, tornando seu coração pequenos fragmentos frágeis e estúpidos. A voz próxima de si continuava falando algo, em um espaço-tempo da sua cabeça, ouvia-se um som de um eco indistinguível. Os olhos felinos não desviavam-se do vidro, do olhar faminto das garotas, das mãos descontroladas, do desejo insaciável de alcançá-lo.

Yoongi estava apavorado.

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