O bi-panic nosso de cada dia... (pt. 1)
Eu devia estar há uns dez minutos procrastinando pra puxar o assunto das sexualidades. Mas não tinha uma brecha onde isso entrasse e eu não ia jogar o assunto do nada, ia ser muito na cara né.
O assunto tinha migrado de bebida pra navegação e agora eles discutiam quem tinha o melhor estilo. Sério isso?
— A Lady ganha de todos vocês. — O Jacob me encarou e deu um sorrisinho de canto pra mim. Eita. — As roupas dela pareciam mais confortáveis. Tenho certeza de que são mais bonitas também.
Todos os olhinhos se voltaram para mim.
— Ele está certo. Eu ganho. — Eu voltei a fingir desinteresse, mastigando meu mamãozinho.
— Eu tenho minhas dúvidas, senhorita. — O Haytham apontou para o meu vestidinho secando num galho não muito distante.
— Pois eu ganho sim. Na minha época tem roupa para todos os estilos. — Eu me ajeitei encarando o Haytham e ele parecia ter adorado o desafio, com um sorrisinho quase invisível. No que tu tá pensando CEO frio e calculista? — Tipo, o estilo que acho que combina com você é o formal. Pra isso temos uma coisa chamada terno... — irritei ele com meu tom exageradamente didático? Sim. Me arrependo? Ainda não. — Você ia adorar. É mais confortável que a sua roupa e você ainda estaria com essa sua cara de perigoso e mandão.
— E pra mim? — o Edward se exibiu. Ele nem tava adorando estar quase pelado.
— Pra você... — eu encarei ele por uns dois segundos. Tatuado, inconsequente e pirata? Badboy motoqueiro, certeza. — Um estilo badboy motoqueiro, com jaqueta de couro, calças de uma coisa chamada jeans, rasgadinho e botas de estilo militar.
Passamos mais uns minutos assim, nessa onda de me perguntarem qual estilo combinaria mais com cada. Obrigado Pinterest. Até que eles perguntaram o meu estilo e eu passei cinco minutos explicando o que eram shorts e croppeds e como o lugar onde eu moro é quente.
— E não lhe prendem quando a senhorita sai assim na rua? — o Haytham parecia surpreso, mas não indignado.
— Não, não me prendem... — eu estava rindo deles, mas numa grande maioria eles pareciam mais curiosos e surpresos do que indignados ou algo assim. — Tá que tem muita gente de mente retrógrada que usa isso pra jogar a culpa na mulher pelas violências que elas sofrem-
— Se fosse esse o caso, isso não deveria acontecer em nossa época. — Eu olhei levemente surpresa para o Haytham. — Parece que algumas coisas não mudam.
— Realmente. Mas tem várias outras coisas que mudaram... Por exemplo, eu posso falar abertamente que gosto de rapazes e meninas que não vou ser presa, na maioria dos países. — Todo mundo se voltou para me encarar. Eu estava mentindo? Não, omitindo apenas. Eu já me apaixonei por mulheres... fictícias. — O quê?
— Isso é verdade? — é, agora eu acho que ele tá indignado. Eu concordei com um aceno e o Haytham pareceu ficar pensativo.
— Uma relação com a senhorita deve ser sem dúvida algo interessante. Ai! — eu ri quando o Connor deu um pescotapa no Edward. — Já ouvi boatos sobre relações assim e de homens com homens, mas após ver certas coisas, passei a me preocupar mais com o fato de as pessoas estarem ou não atirando em mim do que com quem elas transam.
Eu tive uma mini crise de riso e vi o Federico, o nosso belo adormecido, que tava acompanhando a conversa quietinho na dele, se remexer.
— Tem um pintor... acho que o nome dele é Leonardo alguma coisa. — Ele me espiou e abriu um sorrisinho. — Um bom homem, gostei dele. Soube que ele dorme e se relaciona com homens, isso trouxe alguns problemas para ele. As pessoas gostam de julgar e aprendi a não fazer isso. Segundo elas, sou um beberrão vagabundo que desperdiça sua vida em bordéis e tavernas, arrumando brigas. Ao meu ver, estou aproveitando um pouco de minha juventude antes de assumir o lugar do meu pai, um pouco de inconsequência juvenil nunca matou ninguém.
Eu sorri para ele, vendo que apesar de sua postura preguiçosa, deitado com os braços cruzados em frente ao corpo e as costas apoiadas a uma árvore, ele ainda estava atento à conversa.
— E na época de vocês, como são as coisas? Elas são bem próximas. — Federico perguntou, fazendo todos voltarem seus olhos para Shay, Haytham e Connor.
— Não sei como são os costumes dos colonos, — a cara do Haytham é impagável. Ele odeia quando o Connor chama eles de 'colonos' — e, na verdade, nem do meu povo quanto a isso. Não me recordo de ter ouvido algo sobre isso...
— Mas qual a sua opinião pessoal, pensando nisso agora. — Eu o encarei levemente preocupada e apreensiva. Tanto eu, quanto o Jacob, tínhamos um crush gigantesco no Connor.
— Eu não sei. Nunca parei para pensar nisso. Mas creio que isso seja algo que não se pode controlar. Minha mãe me dizia que não se pode controlar o amor, que por muitos anos ela amou meu pai, mesmo depois do que ele fez. Eu nunca soube exatamente o que ele fez, apenas que ele quebrou uma promessa. — Ele deu ombros. Ele tinha a mente mais aberta do que eu imaginei.
— Bem... — Shay pigarreou parecendo sem jeito. — Já ouvi boatos entre a tripulação sobre isso. Longos períodos no mar, sem a companhia de uma mulher, homens solteiros, às vezes não, acabam por ter algum tipo de relação desse tipo. Isso me deixa confuso. Com que olhos isso é visto na sua época?
— Depende muito da pessoa. Mas num geral, é mais aceito. É claro que ainda tem muita gente babaca, mas não vão mais te apedrejar em praça pública ou te acusar de sei-lá-o-quê e te prender ou coisa assim... — o Haytham olhava pra um cantinho do chão como quem tá tendo uma crise existencial e repensando a própria existência. — Mas a minha opinião sincera e verdadeira é a de que, se ambos são maiores de 18, completamente cientes do que estão fazendo e não estão machucando ninguém, o que inclui eles mesmos, que sejam felizes. Ah, e não pode ter começado de forma estranha, tipo um cara com 25 anos apaixonado numa criança e que esperou ela crescer pra ter um relacionamento. Isso é nojento.
A conversa seguiu assim por alguns minutos. Eles me questionavam sobre quais tabus ainda existiam e quais haviam sumido na minha época. Foi assim que eu vi que não andamos muito pra frente não. Os passos não foram tão grandes assim.
Levou mais alguns minutos antes que um Jacob muito inquieto se assumisse, digamos assim. Eu nem morri de rir com os rapazes tendo um momento 'ah, isso explica tudo'. O Alexios e o Eivor o seguiram, mas como eles eram mais na deles, não mudou muita coisa. Só o Jacob que se sentiu sem jeito e meio deslocadinho... até o Edward ter a atitude mais fofa que um pirata já teve na história: ele cantou o Jacob na maior cara dura.
— Isso vai acabar com sua fama de pirata. — Eu me sentei ao lado dele, exibindo um sorrisinho quando o Jacob foi se juntar ao Alexios. Ele me olhou levemente alarmado. — Piratas tem que ser durões e malvados. O que vão dizer se virem você tendo uma atitude fofa?
— Ah, senhorita. — Ele riu de jogar a cabeça pra trás. — Minha fama de durão e malvado me precede, mas creio que aqui possa ter atitudes mais leves e humanas.
— Obrigada por isso, Edward. — Eu apoiei meu rosto ao seu ombro e ele sorriu, passando seu braço ao meu redor, sem um pingo de maldade.
— Não por isso, senhorita. Ele é um bom rapaz, tem espírito de líder pelas histórias que conta e deve ser um ótimo companheiro de batalhas. Isso não quer dizer nada para mim. — Ele parou por um instante e eu acompanhei seu olhar, ele tinha os olhos no Jacob brincando de queda de braço com o Alexios. — Além do mais, eu tenho uma péssima reputação nas cidades, quem sou eu para julgá-lo...
***
Uma semana. Eu estava começando a me perguntar o que estaria acontecendo em casa. Teria eu me transformado em uma desaparecida? Teria eu entrado em coma?
— Lady... — o Jacob estava em cima de alguma árvore, mais entediado do que eu, porém com menos calor. — O que tem para fazer?
— Nada. — Estávamos em uma ilha deserta, não tinha nada pra fazer.
— Que tal irmos para a cachoeira? — eu me sentei, voltando meus olhos para ele e o encarando. — É dia de banho de qualquer forma, vamos ter que ir para lá de qualquer jeito.
Eu pensei por uns momentinhos antes de concordar. Ele desceu da árvore e começamos a arrumar as coisas para poder ir para a cachoeira.
— Okay, vamos. — Eu peguei a cestinha com as toalhas, calcei minhas 'sandálias', que basicamente eram o mesmo esquema das cestas, mas amarradinhas nos meus pézinhos, e o bastão.
Sim, eu ganhei um 'bastão', basicamente um galho que o Connor esculpiu para que ficasse parecendo um bastãozinho para as armadilhas que ele fez. Calma, que tem mais e eu vou chegar lá.
— Você sabe que tem uma armadilha indo para a cachoeira, né? — eu olhei para o Jacob e ele concordou, fazendo um sinal de indiferença. — Tá bem...
Uns dois dias antes, o Connor espalhou algumas armadilhas ao redor do nosso abrigo para evitar predadores e mostrou a todos, incluindo eu, onde elas estavam. Bem, a quase todos, já que o Jacob cismou que ele saberia identificar as armadilhas depois de ver a primeira. Por isso eu tenho o bastãozinho.
— Seguindo a regra imposta por todo mundo, eu vou na frente. — Ele revirou os olhos, me fazendo rir enquanto eu colocava o casaco do Connor na arvorezinha do Haytham. É, o Haytham tem uma árvore onde ele marca os dias e o casaco do Connor é o nosso sinal de que vamos pro rio.
A cada passo, eu meio que esfregava o bastão no chão, procurando pelas armadilhas, eu lembrava mais ou menos onde estava, mas não queria arriscar.
— Está muito assustada, Lady. Confie em mim. — O Jacob sorriu, me olhando sobre o ombro e eu pensei que talvez ele estivesse certo. Isso até eu ouvir um crack. — Merda.
O Jacob foi laçado pelo pé, sendo puxado e ficando de ponta cabeça, pendurado em uma árvore. Levou uns dois segundos até eu ver que ele estava bem e ter uma crise de riso.
— Lady! Socorro! — o Jacob se remexeu, tentando alcançar o próprio pé e se soltar enquanto eu me acabava de rir. — Lady!
— Primeiro, eu nem alcanço aí. Segundo... não foi você que disse que sabia exatamente onde estavam as armadilhas? — eu me aproximei dele, tentando, ainda que inutilmente, alcançar a corda. — Eu não alcanço, vamos ter que esperar o pessoal passar aqui...
— Não acredito que vou ter que aguentar o Haytham... — ele suspirou e eu ri, lembrando do celular. Esse momento precisa ser registrado. — O que está fazendo?
— Eu vou registrar esse momento. — Eu abri a câmera do celular, me colocando ao lado do Jacob e fazendo uma pose segurando o rosto dele. — Pronto. Registrado para a posteridade.
Eu desliguei o celular e procurei um lugar onde pudesse me sentar enquanto esperávamos que alguém aparecesse. Demorou alguns longos minutos até o Eivor e Connor aparecerem com um enorme sorriso.
— Quem foi mesmo que disse que sabia onde todas as armadilhas estavam? — o Eivor segurou as costas do Jacob enquanto o Connor subia na árvore para soltar a corda. — Você está bem Lady?
— Ótima. — Eu ri quando a corda finalmente se soltou e o Jacob caiu praticamente no colo do Eivor. — Agora... vamos pra cachoeira ou vamos voltar para o abrigo?
— Cachoeira. — O Connor saltou da árvore para o chão, ajeitando as armas na cintura antes de pegar as coisas que o Jacob carregava e tomar a frente na trilha. — Os outros devem nos encontrar lá.
Nós chegamos na cachoeira e eu ri ao ver o Jacob e o Eivor praticamente disputando pra ver quem tirava a roupa mais rápido enquanto eu e Connor arrumávamos nosso cantinho de sol antes de ir para a água.
Não demorou muito para o resto do pessoal aparecer e se acomodarem bem à vontade. Eu estava estirada, tomando sol com a companhia do Alexios e do Federico, que devia estar tirando a maior soneca enquanto os rapazes estavam divididos em grupinhos, conversando ou brincando um pouco na água. E eu fiquei feliz de ver o Haytham conversando com alguém além de mim e do Shay, ele parecia estar se dando razoavelmente bem com o Eivor.
O Shay e Connor conversavam em um cantinho e o Jacob e Edward estavam meio que fazendo uma competição de salto. O Edward estava sobre a pedra, pronto para saltar quando olhou para trás e depois para o céu antes de pular na água. Ele trocou algumas palavras com o Jacob antes de ir para perto do Shay e do Connor, conversando com eles.
— Aconteceu alguma coisa. — Eu me levantei, sendo seguida pelo Alexios e Federico, entrando na água e indo até os rapazes. — O que aconteceu?
— Acho que tem uma tempestade vindo. O clima está mudando. Talvez devêssemos voltar ao abrigo. — O Edward apontou para o alto das árvores e eu notei que a brisa fresquinha que balança de levinho as folhas tinha se transformado em um vento que sacode as árvores e faz as folhas caírem.
— As roupas estão quase secas, se ficarem abertas devem secar até amanhã. — Nós começamos a sair da água, nos dividindo e conquistando, no caso, juntando as coisas. — O que mais vamos fazer quando voltarmos?
— Eu e o Eivor vamos buscar materiais para deixar a fogueira de forma segura sob o abrigo. Você e o Jacob podem juntar tudo o que precisa ser mantido seco em cestas e guardar. — O Connor amarrou a tanguinha dele, calçando as botas rapidinho enquanto Eivor fazia o mesmo.
— Eu e o Alexios vamos atrás das armadilhas. — O Shay trocou um olhar com o Haytham que concordou com um aceno.
— Vou com o Edward e o Federico recolher alguns outros recursos, como água e frutas. — A situação não deu muita brecha pro Edward reclamar, então ele só concordou com um aceno. — Voltamos para o abrigo o mais rápido possível para ajudar com o que for necessário.
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