Capítulo XXXIII
C O L E
DEZ HORAS ANTES
EU ESTAVA SENDO SEGUIDO. Eles faziam questão de me deixar perceber. Primeiro no mercado, agora, nos portões escuros de St. Clair. Eram três homens, eu já os tinha visto antes: os paspalhões da Sick Rabbit, Milo e Ziggy, e um terceiro, com uma aparência menos burra e mais perigosa. Eles me observavam de longe e não pareciam ter pressa para ir embora — seja lá o que tivessem a resolver comigo, não podia esperar.
Enquanto meus amigos se divertiam à beira da piscina coberta, eu observei os três homens através das portas de vidro: eles atravessaram o gramado e entraram em um dos prédios escuros que abandonamos de portas abertas.
Segurei Seth pelo braço em um impulso.
— Todos já estão de volta?
— Ei, relaxa. — Ele sorriu para mim por um momento e aos poucos pareceu perceber a tensão sobre os meus ombros. Seth não era estúpido. Os olhos dele seguiram para a escuridão além do gramado e em questão de segundos pareceram identificar as silhuetas nas portas do prédio. — Sim. Todos estão aqui.
Lexie e alguns outros haviam feito uma pequena expedição ao prédio principal, mas eu não fazia ideia de quantos estavam envolvidos e nem se todos já haviam retornado para a festa em segurança.
Decidi acreditar em Seth.
Eu estava prestes a me despedir quando um grito agudo arrepiou os pelos da minha nuca.
Era minha irmã.
April dava braçadas na parte funda da piscina, rindo dos avanços atrapalhados de Hunter na água gelada. Ela parecia estar bem. Eu queria encontrar algum conforto no som daquela risada, mas a felicidade dela me despertava o mesmo desespero que crianças correndo com tesouras ou cachorros comendo chocolate.
Por que minha irmã precisava ser feliz aqui?
Por que Hunter?
Mais importante do que isso, por que diabos os fracassados da Sick Rabbit não me deixavam em paz?
Trocando o peso entre os pés, Seth lutava para manter seus olhos vermelhos bem abertos na minha frente. Ele me encarava com o máximo de sobriedade que qualquer um conseguiria reunir depois de virar todas sem exceção e pareceu lutar para formular a simples pergunta:
— Aconteceu alguma coisa, Cole?
Quase ri.
Se até o mais louco de nós estava preocupado, a minha situação era mais merda do que eu esperava.
— É o que eu pretendo descobrir — respondi, sem evitar o franzir de sobrancelhas. — Não deixe que os outros se aproximem dos prédios.
Seth assentiu devagar, parecendo apreensivo.
Meus olhos vagaram pela piscina uma última vez antes, demorando-se em April e Hunter, que se enrolavam em toalhas secas. Depois segui para Zack e os outros, que travavam uma disputa de saltos na piscina.
Eles ficariam bem.
Eu precisava acreditar nisso se quisesse seguir em frente.
● ● ●
Atrás das portas imponentes do prédio principal, havia um corredor longo, ladeado por escadas de mármore. Um silêncio absurdo tomava o interior do hall vazio. Por uma infinidade de tempo, observei a minha própria sombra se projetar por metros a minha frente acompanhado apenas pelo som do meu coração martelando em meus ouvidos, sem conseguir entender porque diabos eu estava ali.
Foi assim, sem receber qualquer aviso, que eu senti o primeiro soco.
Eu tossi, segurando meu abdômen, incapaz de respirar.
O próximo impacto me acertou nas costas com tanta força que me fez perder o equilíbrio. Eu caí de joelhos no chão, sustentando meu peso com braços que vacilavam. Mais uma vez, algo parecido com uma tora de madeira atingiu minhas costelas e eu estava vendo estrelas no escuro.
— Lembrem-se do que eu disse. — Alguém os repreendeu. — Eu preciso dele consciente, rapazes.
— Nas costas é covardia e na cabeça também não pode. — Uma segunda voz reclamou. No mesmo segundo, eu o identifiquei como Milo, o maluco magricela da Sick Rabbit. — Desse jeito, o garoto vai pensar que nós estamos aqui para uma xícara de chá.
Eu tentei me sentar, tremendo com o susto.
Talvez eu não tenha quebrado nada.
— Vejam só. — A primeira voz pareceu se alegrar. — Ele está reagindo.
Ergui meu rosto para encontrar um homem na casa dos trinta. Ele tinha o pescoço fechado de tatuagens, cabelos lisos e escuros penteados para trás e usava um casaco preto assim como os outros.
— O que vocês querem?
— Eu sempre imaginei como seria a vida dos moleques que estudam nesse colégio. — O tatuado cruzou os braços, dando um passo na minha direção. — Parece que eles não são muito diferentes de nós. Todo esse dinheiro e a educação continua decepcionante.
— O que você quer? — Grunhi impaciente, empurrando o chão para me levantar.
— Ziggy, ele está com pressa — o Tatuado declarou sem emoção. — Vamos ter que mostrar a ele a versão simplificada dessa noite.
— Mostre a ele o que fazemos com espertinhos — Milo riu.
Merda.
Eu tinha me esquecido que eles estavam em três.
Ziggy era o maior de todos. Ele usava uma barba branca e o rosto dele estava sempre vermelho, exatamente como o papai Noel do comercial da Coca Cola.
O coturno enorme dele se aproximou em um chute que expulsou todo ar dos meus pulmões.
— Nós não começamos bem, não é? — o Tatuado disse acima das minhas tossidas desesperadas por ar. — Meu nome é Asher. Meus amigos me chamam de Hammer e reze para você não precisar descobrir o porquê. Até agora você lidou com esses dois palhaços e enganá-los pode ser fácil para qualquer um com mais de dois neurônios, mas de alguma maneira seu trabalho conseguiu chamar a atenção do meu chefe.
Meu coração ameaçava pular do peito à marretadas.
Como assim, porra?
Eu pensei que tudo tinha acabado.
— Eu não estou feliz com isso, Cole — ele deu ênfase no meu nome como se fossemos conhecidos. — Eu queria estar com a minha garota, bebendo cerveja e assistindo a um bom jogo, entende? Não desfazendo as merdas de um pirralho.
— Eu não estou feliz com essa situação também.
— Ótimo. — Asher sorriu para mim como um tubarão. — Então, chegamos a um consenso. Milo.
Milo jogou algo aos meus pés. Eu identifiquei uma bolsa preta de educação física de uma alça, grande o suficiente para guardar um par de chuteiras quarenta e três.
Eu não reagi.
— O que é isso?
— Você está em dívida com Robb.
Como é que é?
— Não olhe pra mim, eu sou Ziggy. — O homem de barba branca disse, saindo da escuridão. — Aquele é o Milo.
— Não — quase gaguejei, sentindo meu estômago revirar. — Eu entreguei o dinheiro. Eu entreguei tudo.
— Você é muito esperto, Cole. Você acha mesmo que pode levar vantagem em um acordo com a Sick Rabbit?
— Não teve vantagem. Eu não passei a perna em vocês.
Embora eu estivesse perdendo quase a cabeça na frente dele, Asher continuou como se eu não o tivesse interrompido:
— Felizmente, Robert encontrou um jeito de usar isso a nosso favor. Você vai continuar a trabalhar para nós até que a sua dívida seja paga.
— Dívida?
— Você vai encontrar o que precisa aí dentro. — Ele disse enquanto eu descia o zíper da bolsa com os dedos trêmulos. Droga. Muita droga. — Venda tudo, entregue nosso dinheiro e nós esqueceremos que você tentou roubar da gente.
Eu dividi minha atenção entre os homens à minha frente.
Ziggy, o maior e mais velho dos três, não parecia ser um problema para mim — ele fazia o que era mandado e apenas isso. Milo, o magricela viciado, provavelmente estava procurando um motivo para cortar minha garganta, mas não o faria sem um comando. Quanto a Asher, ele parecia ser espécie de líder para os outros e, por isso, eu temia seu temperamento falsamente controlado.
— Eu vou fazer uma vez. Depois disso, acabou.
— Viu só, rapazes? — Asher estava sorrindo de novo. — Eu disse que seria fácil. Cole é um garoto esperto.
Eu passei a alça da bolsa sobre meus ombros e tentei me colocar de pé, ainda trêmulo de tantos chutes no estômago.
Até respirar doía.
Quando eu estava quase alcançando a porta, uma mão se fechou sobre meu ombro.
Era Ziggy.
— Onde pensa que vai, pirralho? — A voz de Asher me advertiu cheia de diversão. — Nós ainda não terminamos.
Eu me virei com dificuldade.
Minha cabeça doía pra caralho, mas eu fiz um esforço para parecer indiferente.
— Primeiro, eu preciso de uma cadeira — ele anunciou e Milo riu como um maníaco. — Nosso amigo peso pena parece prestes a desmaiar.
O som das pernas de metal se arrastando contra o chão de pedra preencheu o hall vazio. Um dos homens me empurrou de mão cheia e eu caí sentado sobre a cadeira com a alça da bolsa enroscada ao meu pescoço.
— Cole, meu chapa. — Asher me chamou novamente, espalhando alguns tapas pelo meu rosto para me acordar. — Você não está tentando vender um produto que nunca provou, está?
● ● ●
DEZ HORAS DEPOIS
O vapor do meu banho ainda embaçava os vidros do banheiro quando eu terminei de vestir minhas roupas. Meu cabelo cheirava a shampoo e molhava minha nuca, assim como o início das minhas costas. Era de se esperar que, depois de tanta água e sabão, a imagem refletida no espelho começasse a se parecer comigo, mas eu não conseguia enxergar nem mesmo a mais vaga das semelhanças e, naquele momento, eu não sabia distinguir se aquilo era bom ou ruim.
Para falar a verdade, eu não conseguia pensar muito além do básico.
Asher tinha me dito que em seis horas eu estaria como novo. Se meu relógio não estivesse errado, muito mais do que isso havia se passado e meu corpo continuava a ser atravessado por calafrios insistentes — além disso, é claro, uma taquicardia ansiosa perturbava minha paz e eu estava começando a me perguntar o quanto daquilo era efeito colateral da droga e o quanto era a minha consciência.
Uma batida na porta do meu quarto me despertou dos meus pensamentos inquietos.
Puta que pariu.
A bolsa.
Mais cedo, eu havia despejado todas as drogas em cima da minha cama.
Correndo até os lençois, eu enfiei os plásticos dentro da bolsa novamente e fechei o zíper sem delicadeza. O único lugar seguro dentro do meu quarto era o interior de um cofre esquecido pelos antigos moradores da casa: tinha as dimensões de uma mala e ficava no fundo do meu armário, exatamente como em hoteis.
Tranquei o cadeado e me coloquei de pé bem a tempo de ver a minha mãe atravessando a porta.
— Muito bem — ela usava as mesmas roupas de mais cedo, provavelmente arrumada para o trabalho. — Você parece gente outra vez.
Não era maldade.
Paige soava apreensiva, quase preocupada.
— O que veio fazer aqui?
— Eu estou aqui para te ver. — Ela pegou minha toalha sobre a cadeira, encarando meu cabelo como se fosse um problema a ser resolvido: — Não posso ver meu filho?
As mãos dela envolveram meus cabelos molhados. O tecido felpudo cobriu minha visão quase completamente. Nós ficamos em silêncio por um tempo enquanto ela terminava de passar a toalha na minha cabeça: eu sentado sobre a cama e minha mãe de pé.
Eu pensei em April, em seus lábios tremendo e em seus olhos castanhos iguais aos meus cheios de lágrimas.
De alguma forma, a minha tentativa de alertá-la sobre os novos perigos fracassara. Eu deveria ter ficado sóbrio antes de procurar por ela. Se eu não estivesse tão louco, teria antecipado esse problema e ela não teria me visto assim.
Depois de algum tempo, Paige arrumou a toalha sobre meus ombros e pareceu tomar coragem para quebrar o silêncio:
— Eu não quero que você volte a falar com seu pai daquele jeito. Ele se esforça muito por vocês.
Eu me afastei de suas mãos.
Mas é claro que ela tinha vindo ao meu quarto para isso.
— Como eu poderia esquecer? — Sorri de má vontade. — Você sempre está falando do quanto ele sacrificou por nós.
Depois de trocarmos um olhar demorado, dei as costas para minha mãe e andei até a janela para enganar o nervosismo.
Eu estava cansado de ouvir o quanto eu e April deveríamos ser gratos.
Não podíamos passar uma semana sem que um deles nos lembrasse.
— Isso não é coisa que se diga para seus pais — Paige deu um passo na minha direção, soando tão determinada quanto antes. — Eu alimentei você. Eu te segurei no meu colo e te coloquei para dormir mais vezes do que você poderia contar. Toda vez que você ficava doente, seu pai perdia noites de sono para cuidar de você. Ele se preocupa, Cole. Ele te ama. Por isso, nunca mais... Nunca mais diga isso.
Ali estava.
A dor. O pesar.
Eu me cansei daquilo.
Meus problemas se acumulavam aos montes e eu não tinha mais espaço para dramas familiares.
— Escuta, mãe — murmurei baixo. — Eu não tenho nada contra você e April, mas eu vou embora. Eu juro que vou embora dessa casa assim que puder.
Uma risada incrédula escapou de seus lábios cobertos de batom e, por um momento, foi como se eu pudesse ler sua mente.
Você gosta de uma vida cheia de luxo, meu filho.
Vá em frente e descubra quanto tempo você aguenta sem o dinheiro do seu pai para te bancar.
Inferno.
Eu queria que, pelo menos uma vez na vida, ela dissesse o que pensa, sem filtros ou gracejos, assim nós poderíamos discutir como uma família normal.
Mas, Paige jamais me daria essa satisfação.
Apesar de seus sorrisos e de sua postura moderna, ela não acreditava em comunicação aberta com os filhos. Minha irmã, April, não entendia isso. Ela caía no teatro toda vez e acreditava se comunicar com a mãe de igual para igual, quando, na verdade, as duas jamais estariam no mesmo nível — pelo menos, não para Paige.
A mulher na minha frente sorriu para mim e eu soube que, definitivamente, toda sua tentativa de me amolecer havia ficado para trás.
Ela estava furiosa comigo.
— Até esse dia chegar, você trate de respeitar seu pai. — Quando alcançou a porta, lançou um último olhar por cima do ombro: — E, antes que eu me esqueça: você está de castigo.
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