Capítulo XXVII [PARTE DOIS]
A P R I L
OS LENÇÓIS DA CAMA ESTAVAM ARRUINADOS. Meu corpo, suado e trêmulo, permanecia jogado sobre o colchão desde o instante em que eu despenquei dos braços de Hunter para os travesseiros. Um simples movimento de quadril e o deslizar suave entre as minhas coxas confirmou o que eu já sabia: eu estava irremediavelmente preenchida e satisfeita.
Hunter havia me fodido até que nada além de sons desesperados abandonassem a minha boca. Ele sussurrou palavras macias aos meus ouvidos enquanto me segurava pelos cabelos e estocava fundo, tão intenso que eu mal conseguia respirar. Quando os últimos espasmos de prazer percorreram o meu corpo, ele me beijou devagar e eu tive certeza de que estava destruída em mais de um sentido.
Cinco dedos desceram pelo meu antebraço e aprisionaram meu cotovelo em um aperto gentil. Ele esfregou seu rosto contra a minha pele e, depositando um beijo, sussurrou:
— Seu piercing está doendo?
A pergunta me fez sorrir.
— Não.
Por incrível que pareça, eu sequer lembrava disso.
Movidos por um carinho preguiçoso, seus lábios subiram pelo meu ombro e estacionaram sobre a curva do meu pescoço.
— Bom. Não queria te machucar.
Embora tudo indicasse que aquela conversa chegara ao fim, a franqueza em sua voz havia capturado a minha atenção.
Hunter não tinha medo de ser firme. Ele afundava suas mãos sobre meu quadril e manuseava meu corpo sem dó — mesmo agora, a decisão em seus movimentos era capaz de fazer a minha cabeça girar.
— Se isso serve de alívio para a sua consciência, você saberia se tivesse me machucado. — Abri um sorriso travesso, atraindo um olhar desconfiado. — Eu não teria deixado barato.
Uma risada deliciosa quebrou o silêncio.
O som era como fogos de artifício rasgando o céu noturno. Uma explosão de energia envolvida pelo escuro.
— Você está tentando me tranquilizar, April?
— Não — retruquei meio emburrada, rosto quente. — Isso é uma ameaça.
Minha resposta arrancou mais risadas de seu peito.
Depois de um show de maturidade de ambas as partes, eu me levantei para usar o banheiro. Quando voltei, me dei conta de que a chuva lá fora havia diminuído. Hunter sequer deu sinais de reconhecer esse detalhe: tinha os olhos perdidos no escuro, iluminados pela chama tímida do cigarro entre seus lábios.
Guiada por um impulso egoísta, eu desejei que ele não fosse embora. Eu não estava pronta para me despedir.
Peguei meu celular e observei as horas.
— Nós temos tempo — ele murmurou como se adivinhasse, sua voz mansa, afagando minhas costas. — Eu posso ficar mais um pouco.
• • •
— E seu pai?
Quase me engasguei com a água que bebia. Havia acabado com uma garrafa inteira, sem pausas para respirar, quando Hunter me surpreendeu com a pergunta.
— Meu Deus. — Enxuguei a boca com as costas da mão. — Quer deixar meu pai em paz?
Era a segunda vez em que ele tocava no assunto. Mais cedo, no jardim, em um abrigo da chuva, nós tivemos uma conversa interessante sobre a aprovação do meu pai e eu fiz questão de deixar claro que Hunter não a conseguiria — praticamente ninguém a tinha, na verdade.
— Você disse que ele me odeia! O homem sequer me conhece!
Dei de ombros, depositando a garrafa de água vazia sobre o chão:
— Ele é assim mesmo.
Meu pai não era uma pessoa simples. Quanto mais cedo Hunter entendesse isso, melhor.
— O que ele faz da vida? — Insistiu. — Vocês sempre ficam tão tensos quando mencionam o nome dele. É estranho.
— Meu pai é como um consultor financeiro.
— Isso não soa perigoso — disse para si mesmo, esparramado sobre a cama. — Ele é contador da máfia ou o quê?
— Ele não é da máfia. — Empurrei suas costelas de leve, ignorando o sorriso implicante que recebi em troca. — Meu pai trabalhava em um banco na cidade em que morávamos, cuidava de contas grandes, mas perdeu o emprego na crise. O atual chefe dele o conhecia do passado e o devia um favor. Ofereceu um trabalho pequeno para testá-lo e gostou tanto do resultado que decidiu contratá-lo. Voltamos para cá dois anos antes de eu começar o ensino médio.
Hunter ergueu as sobrancelhas para mim, seus olhos azuis não disfarçavam a surpresa.
— Então, ele é bom com dinheiro.
Eu abri um sorriso fraco.
— O melhor.
Por hora, minha resposta pareceu convencê-lo, mas eu sabia que aquilo não englobava a verdade. Quer dizer, não fui vaga na minha escolha de palavras à toa. Embora formalmente trabalhasse com números, sua função na empresa envolvia muito mais do que demonstrativos e planejamentos.
— Mas não é só isso — suspirei. — Ele também é o homem de confiança do chefe.
Na maior parte do tempo, parecia que ele era um assistente pessoal do chefe: escrevia os discursos do homem, representava-o em reuniões da empresa e tomava decisões muito acima de sua alçada. O velho, dono da empresa, mal se envolvia - para o bem ou para o mal, acreditava cegamente em meu pai.
Hunter me encarou como se esperasse por uma explicação.
— Se o chefe precisa viajar, meu pai reserva o voo e o hotel. Se a esposa do cara precisa reformar a cozinha, meu pai vai atrás das malditas tábuas de carvalho. Se o filho dele bomba em alguma matéria, meu pai faz uma visita ao diretor da escola. — Deixei uma risada seca escapar. — Ele foi a formatura desse garoto. Provavelmente é mais próximo dele do que de nós.
— Pelo menos deve pagar bem.
Hunter gesticulou para o espaço ao nosso redor: a casa, os carros — tudo parecia bom demais para ser verdade.
Eu assenti contrariada, ainda presa em pensamentos.
— O que houve? — Ele esfregou o polegar sobre a ruguinha que se formava entre as minhas sobrancelhas.
Nós ficamos em silêncio por um tempo. Hunter desceu os dedos pela minha coluna em um carinho despreocupado. Ele não me pressionaria a falar. Sem dúvidas, parecia estar em paz, aproveitando ao máximo enquanto dividia a cama comigo. Já eu, por outro lado, não conseguia parar de reviver o passado em minha mente. Hunter havia puxado a linha que segurava tudo que estava enovelado dentro de mim.
Quando ficou claro que não conseguiria deixar o assunto de lado, comecei:
— Nós passamos em frente a uma floricultura no centro uma vez. — Havia uma diferença entre examinar as lembranças como fotos em um baú e compartilhá-las com Hunter. Não era uma memória marcante, mas soava diferente em voz alta. — Ele me mostrou onde encomendava os buquês de dia das mães e aniversários de casamento para o chefe presentear as esposas. O homem se divorciou três vezes e meu pai ficou encarregado de incluir todas as datas na agenda para que ele não tivesse que se lembrar de nenhuma. — Ri sob minha respiração. — Nunca o vi trazer um daqueles para casa. Não conseguia entender como minha mãe não se importava.
— Ciúmes?
Hunter sorriu, esperando que eu reagisse à provocação. Eu deitei minha cabeça sobre seu peito, pensativa.
— Não. — Fiz uma pausa enquanto articulava o sentimento em palavras. Era estranho. Eu deveria me sentir triste, mas uma indiferença beirando ao desprezo despertou em meu peito. — Eu acho que cresci com medo de que ele tivesse uma segunda família por aí. Uma família menos problemática. De verdade, eu não conseguia entender como meu pai parecia estar irritado toda vez que me via. Eu suspeitava que ele gastava seu bom humor em outro lugar. — Eu lembrei de mim e do meu irmão, de como éramos pequenos e barulhentos. Desenhos de giz de cera, correrias pela casa. Tudo era motivo para gritar pelo meu pai. Eu devia ter sentido muito a falta dele, mas agora que eu tinha sua atenção, tudo estava diferente. Tudo parecia ter esfriado. — Olhando para trás, eu sei que ele provavelmente chegava exausto do trabalho e não queria filhotes de cachorro mordendo seus calcanhares. Eu o entendo melhor agora. Meu pai nos ama, nós somos a família dele, mas ele não faz do tipo acolhedor. Agora que o conheço, eu sei. Não faz sentido cobrar algo que ele não é. — Hunter embrenhou seus dedos no meu couro cabeludo e eu suspirei. — Enfim, da porta de casa para fora, mulheres são vadias e homens são canalhas. Quer dizer, a âncora do jornal da manhã não fez nada para merecer um "bom dia, vaca" toda vez que ele liga a televisão, sabe? Ele não é agradável, mas também não é pessoal.
Ergui o rosto em busca de um sinal de compreensão e encontrei um par de íris azuis me analisando. Sobrancelhas encrespadas em confusão e cabelos escuros desalinhados, caídos sobre a testa.
— Para ser justa, ele é um bom marido — pontuei. — Ama minha mãe. Até eu posso perceber, o que é nojento. — Ri fraco para a lembrança. — Além disso, ele é surpreendentemente leniente com cachorros e crianças. Exceto as dele, claro.
— Ele gosta de cachorros — repetiu um pouco impressionado. — Então, não é um completo canalha.
Meu olhar atravessado fez Hunter sorrir como uma criança depois de aprontar.
— Tudo bem — disse em tom apaziguador. — Vamos falar sobre outra coisa, April. Eu te deixo perguntar dessa vez.
— E você vai responder?
Eu me ajeitei sobre a cama. Barriga para baixo, queixo para cima e peso dividido sobre os cotovelos. Hunter franziu o cenho para a maneira como me inclinei para ele, curiosa, puxando os lençóis para cobrir meus seios.
— Não abuse.
O aviso entrou por um ouvido e saiu pelo outro.
— É verdade que você dormiu com a antiga psicóloga estudantil?
• • •
H U N T E R
Não tive como esconder. Enquanto seus olhos castanhos esperavam na expectativa, meu sorriso crescia cheio de dentes. Logo, um divertimento quase perverso queimou meu rosto e o riso silencioso evoluiu para uma gargalhada.
— Você estava só esperando por uma oportunidade para perguntar isso, não estava?
— Hunter — sua voz soava como um aviso.
April se afastou de mim. Podia ver em seu rosto, pela maneira que suas mãos se agarravam aos cobertores, que ela esperava que eu negasse, que eu dissesse que tudo aquilo não passava de um grande mal entendido.
Mas não havia porquê negar.
— Sim, eu transei com a Sabrina.
Diante da minha confissão, o par de olhos castanhos se arregalaram em choque. April começou a me repreender exasperada, mal parava para respirar. Uma reclamação sem fim. Em um primeiro momento, sequer consegui ouvi-la. Uma risada incontrolável escapava do fundo do meu peito, forte o suficiente para sacudir os meus ombros.
April jogou um travesseiro no meu rosto, pedindo silêncio:
— Isso não é engraçado, Hunter. Ela deveria te ajudar a lidar com seus sentimentos.
— Mas ela me ajudou.
Argumentei, cínico.
— Pare de rir. — Uma segunda travesseirada me atingiu no ombro. — Você entende que aquele deveria ser um lugar seguro e ela tirou isso de você? Ela era a adulta da relação, deveria ter feito o trabalho como uma profissional.
Caí na gargalhada mais uma vez, o que enfureceu April. Ela me passou outro sermão. Acabou com minhas risadas à base de travesseiradas e esbravejou de forma cruel até que eu a ouvisse como um cachorrinho fiel.
Assim que se deu por satisfeita, a demoniazinha se sentou novamente sobre a cama e decidiu iniciar uma conversa civilizada:
— Hunter, por que pessoas procuram ajuda?
Meus olhos se reviraram em suas órbitas.
Eu sabia exatamente onde ela queria chegar.
— Eu não queria ajuda, April.
— Por quê? — insistiu.
— Para superar problemas — entoei como se estivéssemos em uma sala de aula.
— Ok — concordou paciente, cruzando as pernas debaixo das cobertas. — Imagine uma situação hipotética em que eu precisasse de assistência. Você não gostaria que eu procurasse um profissional?
Embora muito hesitante, foi minha vez de concordar.
Eu tinha a testa franzida e os olhos em frestas. Não gostava do rumo que aquela divagação tomava.
— E se meu psicólogo, um homem que eu confio... — April pressionou a mão sobre meu peito, que crescia em fúria, talvez para me lembrar de que se tratava de um cenário hipotético. — E se ele se aproveitasse da oportunidade para tentar ficar comigo? Isso seria certo?
— Não.
Minha resposta não passou de um rosnado.
— Ótimo. — Ela parecia animada agora e eu me sentia uma fera. Se não fosse por sua mão quente me segurando na cama, eu poderia me levantar para andar em círculos pelo quarto. Que pergunta absurda. — Você entende agora? Isso não é certo. Se você não concorda que deveria ir às sessões, tudo bem, mas isso não justifica a atitude dela. O colégio confiou naquela mulher para te ajudar e ela usou as sessões para fazer sexo com você. Não é de se admirar que você nunca se abra. Na única chance que você teve de ser vulnerável...
Tive que interrompê-la.
— Pode parar de ser dramática? — eu a repreendi. — Já mandaram a Sabrina embora. A nova psicóloga estudantil é careta, faz tudo de acordo com o regulamento. Se te deixa tão feliz assim, eu admito: nós falamos sobre sentimentos.
Nós falamos de você.
— Bom.
April finalmente sorriu.
Eu sentia minha pele queimar de ódio. Talvez eu estivesse febril. Qualquer coisa era melhor do que admitir sentir ciúmes por algo que sequer aconteceu. Isso não podia ser normal.
— Por que você precisou de acompanhamento psicológico, afinal?
Expirei fundo.
— Era isso ou a expulsão. — Eu odiava essa história. Todos pareciam querer saber mais sobre aquele dia. Não tinha muito o que dizer. — Inicialmente, as avaliações deveriam acontecer de mês em mês, mas a Sabrina me fodeu. Agora preciso de consultas semanais. Foi uma das várias condições que colocaram sobre a minha permanência em St. Clair.
Mesmo com pouco contexto, April sentiu minha inquietação. Ela examinou meu rosto em silêncio, preparando-se para o pior:
— O que você fez?
— De acordo com o relatório da polícia — comecei cauteloso —, eu invadi a casa do meu pai e dei início a um incêndio criminoso.
Embora sustentasse uma expressão neutra, April parecia ter entrado em pânico por trás daqueles olhos castanhos.
— Para minha felicidade, ele decidiu não prestar queixas. — Sorri debochado para a lembrança. Inferno. Me peguei esfregando uma mão sobre o rosto, tentando ao máximo não me deixar levar pela raiva. — Minha avó teve que implorar para ele não seguir em frente com aquele circo. Eu tinha acabado de fazer dezoito, poderia ir preso. Passei a noite na delegacia até eles se resolverem. Por sorte, essa cidade é uma bagunça: fui solto no dia seguinte. Posso não ter enfrentado esse problema na justiça, mas a comissão de pais e mestres pediu minha cabeça. Não queriam um criminoso no corpo estudantil.
April negou com a cabeça e seus cabelos longos deslizaram sobre meu peito.
— Por quê? Como?
— Eu não fiz isso. — Respondi firme. Eu estava cansado de ouvir sempre o mesmo questionamento. Não precisava ouvi-lo sair da boca de April também. — Sim, a casa dele pegou fogo e, sim, eu entrei na casa sem autorização, mas o incêndio não foi culpa minha. Ninguém ficou ferido. Ele deveria me agradecer por isso.
Eu podia ver nos olhos de April que ela se esforçava para me entender.
A raiva residual, que permanecia em meu peito depois de tantas discussões, afetava meu humor. Não queria descontar em April. Ela era inocente e havia feito uma pergunta que eu era perfeitamente capaz de responder, mas era difícil controlar.
Muito bem.
Se era para contar essa história, que eu contasse direito.
— Tudo começou no meu aniversário do ano passado. — Eu agitava o pé sob a coberta, de braços cruzados. April pousou uma mão sobre meu abdômen, hesitante. — Minha mãe insistiu que eu o convidasse por educação. Ele veio, trouxe a namorada e o filho dela, um moleque de menos de dez anos. Nós estávamos num restaurante italiano, o local estava lotado por causa do feriado. Uma barulheira danada. A família inteira reunida, todo mundo com fome e nada dos pedidos chegarem. Um clima ruim da porra. Minha mãe... — Tomei ar por um momento, buscando os olhos de April no escuro. — Escuta, aquela mulher é a melhor pessoa que eu conheço... Ela começou a ficar preocupada. Queria chamar um garçom para perguntar sobre o pedido e meu pai... — Puta merda. Eu tremia de raiva só de lembrar. — Ele disse: "Lizzie, querida, por que você não me paga um boquete para ficar mais calma?" ou qualquer merda assim. — Não era "qualquer merda assim". O merdinha disse exatamente isso. Eu me lembrava de cada palavra. — Não vi cadeiras, nem mesa. Eu avancei para cima dele sem pensar. Nunca tinha feito aquilo antes. Não daquele jeito. Eu poderia ter matado ele.
O cara era um bosta. Agia como machão, mas não sabia se defender.
— Um babaca.
— É. — Franzi o cenho para lembrança. — Ele ficou irado comigo. Passamos o ano inteiro sem contato. Eu esqueci essa confusão, mas ele não. Por isso que, quando ele viu o incêndio, achou que fosse proposital.
Merda.
Definitivamente, aquela não era uma história simples.
Eu e Seth havíamos passado o verão inteiro fazendo merdas assim: nós entrávamos em casas vazias, chamávamos garotas e garotas chamavam amigos. Nunca fomos pegos. April lembrou rapidamente da noite em que ela me pegou roubando a bandeira da Thomas na casa de Josh Halden - se tudo tivesse corrido como planejado, eu teria saído despercebido e nós nunca teríamos nos encontrado. Uma rara ocasião em que não me arrependi de ter feito merda.
— Deus — ela cochichou, interrompendo a história —, vocês realmente tinham como hobbies invadir casas.
— É. — Sorri de leve. Eu e April conversamos sobre isso uma vez. Parecia ter acontecido uma vida atrás. — Naquela noite, Seth sugeriu que invadíssemos uma casa que estava vazia pelo fim de semana. Ele fez mistério o caminho inteiro. Não reconheci as ruas e nem o bairro. Nunca tinha visitado meu pai, sequer sabia onde ele morava. A Lexie... — Eu me interrompi, conferindo o rosto de April antes de continuar. Lexie sempre esteve presente nas nossas pequenas contravenções. Ela era boa companhia quando não agia como se estivesse estragada da cabeça. — Lexie preferiu uma outra casa. Portões abertos, varanda cheia de plantas com entrada nos fundos. Entrada fácil. Não era a casa que invadiríamos originalmente.
Ao contar essa parte, eu quase perdi a voz.
Nunca descobri se Seth fez aquilo de propósito - se ele escolheu o bairro, a rua e o quarteirão exato da casa do meu pai para foder com a minha vida. De início, ele queria que atravessássemos a cerca para entrar em uma construção em obras, mas Lexie sugeriu que ficássemos na casa vizinha... E ele ficou calado. Pelo sorriso, eu soube que ele havia gostado da ideia, quase como se tivesse planejado tudo. Eu duvidei da minha memória por muito tempo. Não queria acreditar. Seth era meu melhor amigo. Nós brigávamos como cães, mas nada que justificasse aquela filha da putagem.
— Você acha que Seth seria capaz disso?
Além do franzir de sobrancelhas desconfiado, um meio sorriso brincava no rosto de April. Ela não conhecia Seth como eu — se conhecesse, saberia que não era por acaso que ele nunca estava em paz. Ele procurava por problemas e arrastava os outros junto. Éramos amigos, mas com o passar dos anos ficava cada vez mais difícil confiarmos um no outro.
Sem conseguir responder a pergunta, ajeitei os travesseiros contra a cabeceira e me sentei sobre a cama. April logo se aninhou ao meu corpo, nua e quente. Seios macios, cabelos cheirosos e pernas entrelaçadas às minhas.
Deus. Jamais me acostumaria a ter essa mulher do meu lado.
Eu a envolvi em meu braços, arrepiados de frio, e liberei um suspiro.
— Continue a falar. — Ela pressionou minhas costelas sob sua mão e fez um pouco mais de força quando ponderei acabar por ali.
— Tudo bem. Nós entramos, fizemos barulho. Ninguém apareceu, então ficamos à vontade. Mexemos nos vinhos, deitamos nos sofás da sala. Era uma casa simples. Não soube que era do meu pai até finalmente prestar atenção nos detalhes: um casaco marrom pendurado atrás da porta, os livros na estante... Quando reconheci o rosto dele nos porta retratos era tarde.
Nós sentimos o cheiro do fogo e tudo aconteceu rápido demais: Lexie gritando na porta da cozinha, o teto cheio de fumaça, os armários mais baixos pretos por causa da fuligem... Nós descobrimos que o menino, enteado do meu pai, estava sozinho em casa, encolhido debaixo da mesa, descalço e de pijamas. Tinha sete anos e estava com fome - decidiu fazer um macarrão e, quando nos ouviu chegar, correu para se esconder. Não sei que merda ele fez, mas teria botado a casa abaixo independente da nossa presença. A cortina estava em chamas. Eu puxei Lexie pelo braço e a puxei para a saída, mas ela ficou parada lá, encarando o garoto. Nunca a agradeci por isso. Não sei se eu teria voltado para buscar o garoto se não fosse pela reação dela. Não que eu planejasse machucá-lo ou desejasse mal a ele... Eu só não pensei. Não pensei que ele precisasse de ajuda ou estivesse com medo.
Por isso, eu o peguei e o levei para fora.
Assim que chegamos na calçada, as pessoas começaram a sair de suas casas para observar a fumaça. A polícia chegaria a qualquer momento, os bombeiros também. Seth sequer olhou para trás antes de disparar pelo gramado e desaparecer em uma esquina. Eu esperava isso dele, já Lexie... Ela mal conseguia se manter parada. Me encarou por um momento, tremendo, mas logo se foi também.
O garoto continuava do meu lado. As pessoas nos observavam através de janelas, por trás de cortinas ou da frente de suas casas. Ninguém se aproximava. Não sei se o meu pai encostou o carro no meio fio antes ou depois das sirenes alcançarem os meus ouvidos, mas quando ele viu a casa em chamas e o menino ao meu lado, virou um animal. Nunca vou esquecer os passos dele na minha direção. Minhas costas atingiram o chão antes que eu pudesse registrar o que estava acontecendo.
— Que horror. — Ela havia deitado a cabeça no travesseiro, mas as pontas de seus dedos passeavam pelo meu antebraço. — Ele é um babaca.
Assenti.
A tensão sobre meus ombros me impedia de relaxar.
— Ele ainda estava puto por causa do nariz quebrado. A polícia teve que nos separar. Nós fomos levados para delegacia, mas como éramos pai e filho não quiseram se intrometer.
— Sinto muito, Hunter.
Eu me afastei instintivamente. Passei as mãos pelos meus cabelos, nervoso. As árvores do jardim projetavam sombras sobre o teto que mudavam a todo momento. Devia estar chovendo novamente lá fora.
— Você deveria contar isso a sua psicóloga. — April divagou em voz alta. — Eu sei que ela pode falar a seu favor para a direção. Quer dizer, não é justo que tenham considerado te expulsar por algo que você nem fez.
Seus olhos castanhos caíram sobre mim carregados de delicadeza, mas eu me recusei a aceitar a gentileza. Eu não precisava de compaixão.
— Não é assim que as coisas funcionam, April.
— Ela pode te ajudar. — Continuou esperançosa. — Quer dizer, meu pai é um babaca. Eu sei como essas coisas podem machucar.
— É. — Ri fraco, revirando os olhos. — Que horror. Um pai presente.
Ela congelou por um instante.
— Como assim?
— Não dá para comparar uma coisa com a outra, April.
— Não quero comparar. Eu só estou dizendo que temos problemas também.
Havia um brilho de confusão em seus olhos. Tudo estava prestes a ir para casa do caralho e não conseguia parar de piorar as coisas.
— O seu pai se preocupa com a sua família — continuei como se ela não tivesse me interrompido. — Ele te dá o que vestir e o que comer. Ele aparece para jantar, reclama das notas do seu irmão e o coloca de castigo... É isso que pais deveriam fazer.
O meu, por outro lado, queria que eu fosse para a puta que pariu e não voltasse.
— O que eu quero dizer é que são situações diferentes.
— Tudo bem, Hunter. — Sorriu de má vontade. — Me desculpe se fui desrespeitosa. O que eu quis dizer é que às vezes as atitudes dele me machucam.
Assenti, ainda insatisfeito.
Eu nem sabia o porquê de eu estar tão irritado, mas estava. April não entendia a situação. Se ela pensava que tínhamos alguma coisa em comum, não havia prestado atenção em uma palavra do que eu dissera.
— Pelo menos seu pai é um adulto funcional, diferente... Diferente dela.
Quando eu percebi que havia dito em voz alta, era tarde demais.
Os olhos de April se estreitaram em fendas e, pela primeira vez, ela pareceu se irritar. O espaço entre nós vibrava carregado de energia e o ar estalava com a vontade de chover — uma leve mudança na atmosfera e os céus cairiam sobre nossas cabeças.
— Por que caralhos eu sinto que você não está mais falando sobre o seu pai?
— A sua mãe...
— Você vai envolver minha mãe nisso também? — sua voz se tornou mais alta, exasperada.
April se desvencilhou dos cobertores e se levantou. De costas para mim, puxou um roupão acetinado esquecido sobre a poltrona. O tecido sedoso subiu por seus ombros e envolveu seu corpo enquanto suas mãos trêmulas trabalhavam em um laço frouxo demais ao redor de sua cintura.
— Ela bebe demais — disparei de uma vez. — Você sequer consegue falar sobre isso.
Era bizarro.
A cada segundo a casa, a menina e seu irmão faziam mais sentido. Tudo se encaixava como peças em um quebra cabeças: as paredes frias, os corredores vazios e os retratos em família executados com a precisão de um ensaio fotográfico.
— Chega — ela vociferou. Havia desistido do laço, suas mãos se agarravam ao tecido do roupão em punhos para proteger seu corpo. — Você não pode jogar coisas na minha cara só porque se magoou.
Fiz menção de me aproximar, mas a menina se afastou da cama, olhos selvagens.
— Você queria conversar — ela disse entre dentes. — Não sei por que diabos você queria conversar, mas eu concordei. Embora eu estivesse morrendo de medo, eu fui sincera o tempo todo e respondi exatamente o que você me perguntou, mas você não fez o mesmo. — April arfou, rindo: — Deus me livre se eu tentar arrancar algo de você enquanto você revira tudo o que pode sobre a minha vida! Você quer me ver nua, quer que eu me abra... Para quê?
Meu coração batia tão forte que poderia arrebentar as minhas costelas.
Em silêncio, observei April respirar com dificuldade. Seus olhos escuros brilhavam feridos, desarmados. Não era isso que eu queria. Nada disso era o que eu queria.
• • •
A P R I L
Depois de uma infinidade de tempo esperando por uma resposta, dei as costas para Hunter e me dirigi para o banheiro. A porta se fechou atrás de mim e eu respirei com dificuldade. Definitivamente, aquela não foi a decisão mais inteligente que tomei — isolada naquele cômodo, eu sentia as paredes me engolirem e se fecharem ao meu redor.
Eu me sentia como uma covarde por fugir, mas Hunter deveria ter dito alguma coisa. Qualquer coisa para me fazer sentir menos vulnerável ou idiota. Quer dizer, se Hunter não estava pronto para falar sobre a vida pessoal dele, tudo bem!, mas isso não dava a ele um passe livre para zombar de mim.
Assim que venci a vontade de chorar, eu abri a porta e meu coração congelou no peito. A cama estava vazia e as roupas dele tinham sumido. Eu tropecei pelo quarto escuro, ainda sem conseguir acreditar.
Hunter havia ido embora.
N/A (19/02/2024): Oi... Se vc leu até aqui, isso significa que vc terminou de ler esse capítulo...
E eles brigaram de novo kkkkkkk
Olha, eu sei que tá difícil, mas eu terei que pedir a confiança de vcs agora! E, se não for muito abuso, a paciência também!! Pelo menos até a próxima segunda (que é quando sai o capítulo 28)!!
Spoiler tranquilizador: não sei se ficou 100% clara a minha intenção, mas esse não é o início de mais uma briga ioiô -- eles estão em um lugar completamente novo agora, em termos de relacionamento, e estão se descobrindo aos poucos.
AHHHH!!! Finalmente uns parênteses que abri milhares de capítulos atrás foram fechados (agora vocês sabem pq Hunter quase foi expulso e pq ele teve que fazer um trato com a direção etc + pq o relacionamento ele com o pai n é dos melhores).
Ah, a cena final desse capítulo era Hunter de saída encontrando Cole no jardim, derrubando ele com um soco, mas decidi cortar a cena (a frase em que hunter diz entender melhor "a casa, a garota e a família" era inicialmente "pensada" por ele enquanto olhava pro cole, que tava meio que cagando pro que causou e no mood # felizporestarvivo). Eu tirei porque to tentando aprender a lição como escritora (acho que eu escrevo demais?). Não era essencial pra narrativa e acrescentaria mtas páginas -- tenho páginas demais.
Enfim, to até meio triste fazendo essa nota da autora, porque não queria ter deixado passar tanto tempo. Para quem não entendeu pq bullshit ta de volta, deixei um post explicando tudo no instagram. Quero agradecer de coração a quem está aqui depois de tanto tempo e a todos que já tiveram carinho por essa história. De verdade, eu não estava esperando uma recepção boa (eu tava morrendo de vcs kkkkk e também com muita vergonha de não ter conseguido cumprir minha palavra). Obrigada de novo!
Bjs!!
B.
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