Capítulo XXIII [PARTE UM]



H U N T E R


SE EU FOSSE ESPERTO, teria fugido. Teria acordado mais cedo e escapado pela porta dos fundos. Desceria as escadas, me esgueiraria pelos degraus como um ladrão e desapareceria na rua deserta. Em um momento de desespero, cheguei até a cogitar a janela do banheiro como uma alternativa: coloquei metade do corpo para fora e calculei a altura que separava o peitoril tijolos do chão de concreto. No último segundo, desisti. A queda não valia a pena. Uma decisão estúpida, se quer saber. Fraturar o ombro teria sido mais agradável do que me sentar à mesa de café-da-manhã dos Campbell.

Brincadeiras à parte, não adiantava me esconder. A fúria das mulheres da família Campbell me encontraria onde quer que eu fosse. Não podia fugir das reprimendas furiosas e dos olhares zangados. Eu mesmo provocara aquela situação ao construir minha fama de adolescente problemático. Elas não tinham como saber que, pela primeira vez na vida, eu havia chegado em casa no meio da madrugada sem merecer a surra que levara. Eu até tentei me comportar bem ontem, mas um dos meus colegas de banda — o irmão da April, um traficante — teve problemas com uma gangue local.

Esse olho roxo? Relaxa, mãe. Foi só um desentendimento com uma gangue. Pode me passar a manteiga?

Porra.

Seria melhor se elas pensassem que eu me meti em uma briga e levei a pior.

Recostado à cadeira, eu me sentia um zumbi de uniforme. Não havia dormido o suficiente no dia anterior e isso estava estampado em meu rosto. Era como se uma nuvem de mau humor irradiasse de dentro de mim. April me odiava, Lexie queria foder com a minha vida e Cole havia conseguido nos expulsar do pub.

A única pessoa que não tinha motivos para me odiar era minha irmã e ela sequer havia olhado na minha direção uma segunda vez desde que entramos na cozinha. Isso não se tratava de uma novidade, já que sua atenção se voltava para Seth toda vez que ele marcava presença aqui em casa. Nosso hóspede sofria de uma condição incurável que o fazia acordar sempre de bom humor. Por mais assustador que fosse, Julie não se incomodava. Ela até preferia assim: juntava-se a ele sem reclamar e fazia o dobro de bagunça em um ato de solidariedade.

No fundo, eu era grato ao meu amigo por distraí-la. Fazia um dia feio lá fora e o clima na cozinha não poderia estar pior, mas minha irmã não parecia se importar com isso. Julie explodia em gargalhadas de minutos em minutos. Seria contagiante, se eu não estivesse tão fodido.

Seth jogou um grão de cereal para cima e a comeu antes que caísse no chão.

— De novo! — ela aplaudia.

— Quer tentar?

Eu sempre podia contar com ele para dar o mau exemplo.

Apesar de agirmos como tal, não estávamos sozinhos na cozinha. Nana ocupava a cadeira na minha frente, seus olhos perdidos na toalha de mesa e seus dedos agarrados firmemente ao pingente do colar em seu pescoço. Ela não repreendeu minha irmã por brincar com a comida ou por espalhar cereal pelo chão da cozinha. Compenetrada em seus pensamentos, sequer escutava a algazarra.

Passei por ela no caminho até a bancada. Coloquei duas fatias de pão na torradeira sobre o mármore e ajustei o tempo de aquecimento ao som dos gritinhos agudos de Julie. Mesmo de costas, sabia que Nana permanecia imóvel e inalterada em seu lugar. Havia me reservado o tratamento do silêncio desde o momento em que entrara pela porta da cozinha e não dera sinal de abertura. A atitude mais esperta seria deixá-la quieta em seu canto, mas algo dentro de mim insistia em se rebelar.

Levei minha caneca de café aos lábios e testei um sorriso fraco:

— Agora eu acredito em maus presságios — disse, bem ciente do olho roxo que enfeitava o lado direito do meu rosto.

Nana me lançou um olhar atravessado e, ainda segurando o pingente de seu colar, resmungou:

— Não foi isso que vi.

Meu sorrisinho morreu.

Como é que é?

— Cara, sua torrada está queimando — avisou Seth.

Eu me voltei para a bancada, pronto para me deparar com um foco de incêndio.

O cenário não estava tão ruim quanto eu havia antecipado: uma névoa cinzenta escapava das aberturas da torradeira e o cheiro de queimado rapidamente se espalhava pela cozinha. Julie tossia sem parar. Arranquei a máquina da tomada e agitei um pano de prato no ar, afastando para longe qualquer vestígio de fumaça.

E daí se minha avó disse que sonhou que aconteceria algo pior?

Ela só queria me assustar. Quando eu era criança, Nana costumava me perseguir pela casa com os olhos revirados sob as pálpebras e palitos de fósforo acesos presos entre os dentes. No fundo, aquela brincadeira infame não era muito diferente das peças que ela me pregava hoje em dia. Tudo que minha avó queria era que eu fosse mais ajuizado e uma forma divertida de me manter sob seu controle era inventando visões e sonhos premonitórios.

— Bom dia — a voz da minha mãe atravessou o corredor. O som de seus passos se tornou mais alto e, em questão de segundos, seu bom humor foi substituído por preocupação: — Que cheiro de queimado é esse?

Lizzie Campbell irrompeu pela porta como uma força da natureza. Seus olhos brilhavam com vivacidade, disparando de um canto para o outro em busca da fonte do perigo. Uma vez que se certificou de que estávamos seguros, ela foi direto até Julie, que desaparecia sob a toalha de mesa. Minha irmã estava de pernas cruzadas sobre o assento e tinha pedaços de fruta amassada espalhados por suas bochechas.

— Bom dia, tia Lizzie — Seth sorriu radiante — Julie se comportou muito bem.

— Estou vendo — limpou o rosto da filha, amolecida por sua carinha risonha.

Se não fosse pelas pantufas felpudas que aqueciam seus pés, eu diria que minha mãe já estava pronta para sair. Ela vestia o uniforme de trabalho sob um cardigã de lã creme e uma presilha segurava seus cabelos escuros em um coque simples. Algumas mechas teimosas escapavam de seu penteado e adornavam seu rosto delicado, destacando olhos muito azuis como os meus. O turno no hospital deveria começar mais cedo hoje e logo ela estaria de saída.

— Chegou tarde ontem, filho — minha mãe não levantou os olhos de Julie. Ela estava tão concentrada em domar o monstrinho em pijamas de unicórnio que por pouco não me viu jogar os pães carbonizados na lixeira da pia.

Naquele momento, minha mãe percebeu que eu continuava parado em frente a bancada da cozinha. Tentei não parecer suspeito, mas era tarde demais: ela já tinha visto meu rosto.

— O que aconteceu com você? — seus olhos se arregalaram como os de uma coruja.

Era impossível esconder aquele hematoma. Qualquer um que não fosse cego podia ver aquela sombra arroxeada abaixo do meu olho. Piggy, ou seja lá como fosse o nome daquele brutamontes, fez questão de deixar a marca de seu punho estampada na minha face direita.

— Esses eletrodomésticos estão querendo me matar — fingi não entender sua preocupação, guardando a torradeira em uma prateleira alta, bem longe do alcance das mãozinhas de Julie.

Para meu azar, o senso de oportunidade da minha irmã sempre foi muito apurado. Ela se ajeitou sobre a cadeira e repetiu exatamente o que havia escutado mais cedo:

— Hunter está de porre.

Uma risada nervosa escapou do fundo da garganta de Seth. O demônio ruivo deve ter reconhecido suas próprias palavras saindo da boca da minha irmã caçula. Ele agitou um bichinho de pelúcia no ar para distraí-la e rapidamente inventou alguma brincadeira:

— Julie, olha o senhor Coelho.

— É Billy! — ela uniu as sobrancelhas em uma carranca adorável.

Seth piscou, atordoado com a nova informação. Sabia muito bem que não devia contrariá-la.

— Billy disse que está com fome.

— Disse nada — retrucou zangada.

Minha mãe não os censurou. Sua atenção estava presa em mim. Eu podia ouvir cada pergunta silenciosa que cruzava sua mente, cada pensamento irrequieto que viajava entre suas terminações nervosas. Havíamos passado por isso tantas vezes que eu já sabia exatamente o que esperar.

— Meu Deus — ela se aproximou, envolvendo meu rosto com suas mãos — O seu rosto...

Mãe.

Nem estava tão ruim assim.

— Por que a surpresa? — Nana decidiu se manifestar, levantando-se da cadeira — Esse garoto não consegue se manter longe de problemas. Desde pequeno, sempre foi um perigo para si mesmo.

— Eu estou bem — resmunguei enfezado — Foi um mal entendido.

Minha avó riu incrédula. Não era a primeira vez que ela escutava aquela desculpa. Levou a louça suja até a pia e fez o dobro de barulho ao lavar os talheres, suas costas viradas para mim:

— É como um ímã — continuou — Se houver algo perigoso dentro de um raio de cinco quarteirões, pode ter certeza que irá cruzar seu caminho.

Apesar de conduzirem uma carga dramática digna de novela, aquelas palavras conseguiram impressionar minha mãe. Ela estava assustada por mim. Me encarava entristecida, seus olhos cheios de lágrimas. Isso me deixava desesperado. Eu odiava vê-la sofrer. Tive medo que ela descobrisse sobre a confusão de ontem a noite. Não queria que se preocupasse comigo. Eu já havia causado problemas demais esse ano e ela não precisava de outro motivo para perder o sono.

— Eu não estou em perigo — assegurei baixo, apenas para que minha mãe pudesse ouvir.

Nana não deu sinal de reconhecer a interrupção. Ocupava-se lavando pratos e canecas, afundando suas mãos em espuma.

— Não é de se admirar que esses dois andem juntos — ela resmungou, lançando um olhar acusatório por cima do ombro.

Seth, que até então brincava com Julie, ergueu as sobrancelhas ruivas:

— Eu não fiz nada!

Seth não era bom em lidar com figuras de autoridade, por assim dizer. Além de aprontar horrores e ter uma postura desafiante por natureza, meu melhor amigo não sabia reagir bem sob pressão. Ao menor sinal de uma acusação, seu temperamento o consumia e o condenava. Ele costumava ser o bode expiatório de professores, inspetores e mães zangadas do parquinho. O histórico dele não ajudava, pelo contrário: apenas terminava de incriminá-lo. Mesmo agora, que era inocente, ele conseguira a façanha de convencer minha avó de que era uma peça central naquela confusão.

Nana não estava totalmente errada em presumir que nós havíamos aprontado juntos. Não importava onde fôssemos, eu e Seth estávamos sempre lado a lado, causando confusão. Ironicamente, se eu tivesse continuado no bar com Seth e os outros ontem à noite, eu não teria me ferrado tanto assim.

— Quem fez isso? — minha mãe delineou meu machucado com a ponta dos dedos — Foi alguém da escola?

Lizzie Campbell não desistia fácil. Eu sabia que, no momento em que eu a deixasse a sós com Seth, ela o torturaria atrás de respostas. Por sorte, aquele boca grande não as tinha. Depois da confusão com os Sick Rabbit ontem a noite, eu deixei Seth no pub abandonado à própria sorte. Ele não sabia dos últimos acontecimentos e, se dependesse de mim, nunca saberia.

— Mãe — afastei suas mãos de mim — Já chega. Não foi nada disso, tá legal?

Ela esperou por vários segundos, como se me desse mais uma chance para falar a verdade. Quando ficou claro que eu não voltaria atrás, seus olhos azuis se preencheram com uma mistura de ressentimento e fúria.

— Está de castigo — concluiu, resoluta.

— Que ótimo — debochei — Qual o próximo passo? Vai me proibir de assistir televisão?

— Eu preciso que leve sua irmã para escola — ela puxou Julie para o colo — Hoje a noite, assim que eu chegar em casa, nós teremos uma conversa.

Dito isso, Elizabeth Campbell desapareceu escada a cima com a filha nos braços. Eu sabia que ela retornaria dentro de alguns minutos, quando minha irmã estivesse devidamente vestida para ir a escola.

— É isso, família — Seth levou um pão até a boca e suas próximas palavras soaram abafadas pela comida — Café estava uma delícia, mas eu vou vazar.

— Nada disso — Nana chamou antes que ele pudesse desaparecer pela porta — O que foi que eu ensinei a vocês? Os dois vão tirar a mesa.

Seth deu meia volta e começou a empilhar os pratos sobre a mesa. Eu me juntei a ele, sem conseguir encarar minha avó. Seu olhar severo me acompanhava em cada movimento, me lembrando da promessa que fizera no início do ano letivo.

Merda.



Minha mãe sabia bem o que estava fazendo quando me sentenciou a levar Julie para escola. Aquele era um castigo à altura, se não pior do que eu merecia. A questão é: não importava quantas vezes nós passássemos por aquilo, as viagens de carro com minha irmã caçula nunca deixavam de ser emocionantes. Havia sempre algo novo acontecendo, algum imprevisto que eu não era capaz de controlar. Se eu não encontrasse dificuldade em prender a maldita cadeirinha ao carro, Julie com certeza teria alguma objeção ao uso de cintos de segurança e acabaria em lágrimas.

Eu estava preso entre fivelas e travas há pelo menos dez minutos quando Seth entrou pela porta do passageiro:

— Fala, pirralha — ele sorriu pelo espelho retrovisor e se acomodou sobre o banco de couro. Já vestia o uniforme e tinha a mochila surrada em seu colo.

— Você não deveria chamá-la assim — murmurei, agarrando uma das galochas vermelhas de Julie, que insistia em balançar as pernas para frente e para trás apenas para complicar meu trabalho.

Ela estava tranquila naquela manhã, bem agasalhada em seu casaco azul marinho, acomodada no assento acolchoado.

Como nada era perfeito, prender a cadeirinha ao banco do carro estava se mostrando uma missão impossível. Eu poderia jurar que, antes de acomodar Julie, tudo parecia bem firme e encaixado.

— De nada, aliás — meu amigo quebrou o silêncio.

Assim que me virei para Seth, ele apontou para algo que estava ao lado da minha irmã. Era minha jaqueta de couro, jogada sobre o assento.

— Onde achou isso?

Ontem a noite, depois de discutir com April, andei para cima e para baixo com aquela jaqueta nas mãos. Foi patético. Devo ter pendurado em algum lugar na primeira oportunidade que tive e acabei me esqueceu.

— Lexie me entregou — ele me observava pelo espelho — Você sabe, depois que você sumiu.

Caralho.

Eu não queria nem pensar no que Lexie havia feito na minha ausência. Depois da confusão que me meti com o irmão da April, deletei aqueles acontecimentos da minha mente.

Puta que... — tentei me refrear, mas era tarde demais.

O dedinho de Julie quase me cegou.

— Falou palavrão — ela apontava para mim, olhos azuis arregalados em choque.

Nossa mãe combatia ferozmente o uso dos palavrões. Uma de suas medidas mais recentes fora banir os xingamentos: estávamos proibidos de praguejar sob aquele teto. Prometemos manter um vocabulário livre de palavras chulas, pelo menos enquanto estivéssemos na presença da minha irmã.

— Desculpa, Julie — apertei seu nariz — Esqueci que você estava aqui.

— Quero minha moeda — ela ergueu o queixo, decidida a não me perdoar. Até estendeu a mãozinha para mim, esperando o suborno.

— Você não pode perdoar seu irmão?

Julie meneou a cabeça para os lados, agitando seu rabo de cavalo escuro. Ela não desistiria enquanto não tivesse sua moeda.

— Eu te entrego antes do jantar, pestinha — segurei seu pulso e fiz menção de mordê-la, arrancando-lhe um gritinho de felicidade.

— Ué — Seth franziu o cenho em uma confusão ensaiada, mexendo no painel do rádio — Agora tá permitido chamar a Julie de pestinha?

— Ela é minha irmã, animal. Eu posso chamá-la do que quiser — um click metálico da fivela acentuou meu comentário e eu me virei para Julie, arregalando os olhos em diversão: — Estamos prontos.

Fechei a porta atrás de mim e ocupei o lugar atrás do volante. Julie se distraiu com os brinquedos que tinha na mão. Essa parte era fácil: uma vez que eu começava a dirigir, minha irmã dormia ou se ocupava observando o movimento fora do carro.

Seth finalmente encontrou uma estação de rádio boa e se recostou sobre o banco:

— Campbell — ele tomou o cuidado de falar baixo, espiando sobre o ombro para ter a certeza que não estávamos sendo monitorados — Eu vi você e a irmã do Cole discutindo ontem.

Não respondi. Primeiro porque não sabia o que dizer, segundo porque April me mataria se eu contasse sobre nós para alguém. Eu devo ter ficado tenso sobre o banco, porque Seth tratou de acrescentar:

— Relaxa, cara. Ninguém mais notou.

Mais silêncio.

Me concentrei em manobrar o carro e sair dali. Talvez ele desistisse.

— Para quem olha de longe, vocês parecem um casal — meu amigo arqueou as sobrancelhas, sugestivo — Acertei?

Pressionei meus lábios em uma linha e expirei meu fôlego pelo nariz.

Seth não conhecia limites. Se eu quisesse que ele parasse, minha única alternativa era mandá-lo para puta que pariu.

— Eu sou um cara sensível, Campbell — depositou uma mão sobre o próprio peito — As mulheres se abrem comigo. Se você precisa de ajuda com a sua garota...

Tive que rir.

— Olha só quem fala — movi minhas mãos sobre o volante em uma curva — Nunca teve uma namorada na vida e virou guru de relacionamento?

— Namorada, é? Você se entregou nessa, mas vou deixar passar...

Porra nenhuma — meu bom humor havia se esvaído em questão de segundos.

Por sorte, Julie não pareceu ter escutado meu deslize.

— Para sua informação, Campbell, a garota que eu estou comendo não está reclamando. Você pode dizer o mesmo?

Quando conversava com Seth, eu perdia pelo menos três neurônios por minuto. Às vezes, mais.

— Porra — xinguei baixo — De onde você tira essas frases? Todo dia, Seth. É uma pior que a outra.

— Só estou dizendo, cara — ele ergueu as mãos — Se alguma coisa não estiver funcionando... Ou se ela não estiver satisfeita com você sabe o que... Não é todo mundo que nasce com a sorte de ser bem dotado como eu — uma pausa — Mas não se desespere, para tudo cria-se uma solução. Talvez ela goste de crochê. Ou palavras cruzadas.

Eu estava rindo, olhos fixados no carro da frente:

Filho da puta.

— Você precisa manter o pensamento positivo — Seth enfiou uma mão entre seus cabelos ruivos, os tirando da testa — Vai que a April curte umas coisas diferentes na cama. Ela tem cara de safada.

— E eu só preciso pisar no freio — batuquei meus dedos sobre o volante — Você atravessaria o parabrisas e essa conversa estaria acabada.

Seth hesitou. Pude sentir que ele me observava calado, como se ponderasse se eu era capaz ou não.

— Eu vou colocar o cinto agora, mas saiba que isso não tem nada a ver com o que você acabou de falar.

— Claro — sorri irônico.

O carro estava no trajeto para a pré-escola, nossa primeira parada. As ruas eram familiares, o trânsito estava bom. Chegaríamos dentro de pouco tempo.

Seth começou a rir do nada.

— Não acredito que você acabou me ameaçar por causa de April Wright — murmurou sob sua respiração, levando uma mão ao rosto — Tá pior do que eu pensava. Escravoceta do caralho.

Antigamente, eu teria explodido no momento em que Seth tocasse no nome dela. Agora, que April havia me fodido de todas as maneiras possíveis e imagináveis, eu estava cagando para o que Seth tinha a dizer.

— Julie ainda está no carro.

Era sempre bom lembrá-lo. Ele tinha a decência de não falar menos asneira quando minha irmã estava por perto.

Seth esticou o cinto e se virou para trás, na intenção de espiá-la:

— Nem precisa se preocupar — voltou-se para frente com um sorriso débil nos lábios — Ela está no mundo da porquinha falante agora.

Eu aproveitei o sinal fechado para olhar sobre o ombro também.

— Quem deu esse celular para ela?

Julie segurava a tela entre as mãos e assistia a alguma coisa tranquilamente, de fones e tudo. Tinha sua sobrancelha franzida e um biquinho de concentração. Adorável.

— Fui eu — meu amigo respondeu, orgulhoso. Ele frequentemente se gabava, dizendo que tiraria de letra esse lance de irmão mais velho.

Ergui uma de minhas sobrancelhas em descrença.

— Quer mesmo gastar seu pacote de dados com Peppa Pig?

Seth hesitou por um momento, mas logo voltou a sorrir.

— Deixa a garota em paz.

Quando ficou claro que eu não queria falar sobre April, Finch se tornou o algo de seus comentários. Noite passada, Seth havia se divertido muito às custas do nosso amigo em comum. Ao que parecia, mesmo após todos esses anos convivendo conosco, Finch não aprendera a lidar com o demônio ruivo.

— Você tinha que ter visto, Campbell. Ele ficou com cara de quem comeu merda a noite inteira.

O sinal mudou do amarelo para o verde e tirei o câmbio do ponto morto. Nós estávamos no centro, a poucas quadras da pré-escola de Julie. Eu podia ver crianças andando na rua acompanhadas de seus familiares, a caminho da aula.

— É — conduzi o carro pela pista, concentrado no trânsito — Você foi meio babaca.

Eu e Seth éramos melhores amigos desde o jardim de infância. Justamente por conhecê-lo tão bem, eu sabia que a última coisa que deveria fazer era esperar alguma integridade de sua parte. Ele adorava atormentar os outros para arrancar reações e, por mais difícil que fosse, o único remédio era ignorá-lo.

— Fica esperto, Campbell — ele penteou os cabelos ruivos — Se você não abrir o olho, eu como sua mulher também.

— Jackie sabe que você é assim? — indaguei, cansado de assisti-lo encher a boca para falar que comeu a mulher do Finch — Não dá para entender como isso aconteceu.

— Jackie sabia quem eu era antes de se envolver comigo. Eu já entendi que ela está pouco se fodendo para mim — liberou o fôlego em um suspiro entediado — Além do mais, ela prefere não conversar.

Esperei que ele completasse o comentário com um sorriso sacana, mas isso não aconteceu.

— Achei que você estivesse interessado na garota.

— E eu estou — arqueou as sobrancelhas — Só que isso não significa que eu não posso tirar uma com a cara do Finch.

Parecia o jardim de infância. Nenhum dos meus amigos estava lidando bem com as atenções que recebiam de Jackie, tão pouco sabiam como dividi-las. A única coisa que me confortou naquilo tudo foi ter a certeza de que Jackie não estava atrás de nada sério com nenhum desses otários.

Meus olhos caíram sobre uma parede coberta de graffitis. Eu me lembrei da insígnia da Sick Rabbit, de toda merda que passei ao lado de Cole. Minha mente viajou no silêncio e uma inquietação começou a crescer dentro de mim.

— Depois que eu saí, todas as garotas sumiram? — quis saber.

— Pois é — Seth respondeu — Só uma voltou, a Zoe.

— Ah.

Eu só queria descobrir se April estava bem. Quanto mais eu pensava sobre o assunto, mais tenso ficava. Ela não sabia sobre a segunda vida do irmão, provavelmente nem suspeitava que havia corrido perigo na noite passada. Cole prometeu que daria um jeito de resolver isso, mas eu não confiava nele.

Que merda.

Depois do que aconteceu ontem, April não olharia na minha cara tão cedo. Eu poderia viver com isso, contanto que ela estivesse segura. O que eu não poderia suportar era permitir que alguma coisa ruim acontecesse com ela.

— E voltou por causa do Zack — explicou — Tímida do jeito que é, não falou nada. Só que as meninas foram mais cedo para casa.

Eu assenti, embora não prestasse atenção.

Diminuí a velocidade enquanto nos aproximávamos do prédio de tijolos vermelhos. Julie finalmente despertou do transe induzido pelo desenho da porquinha falante e disparou umas três perguntas de uma vez só, ansiosa para rever os amigos. Não foi difícil tirá-la do carro e levá-la até a porta. Assisti sua mochila amarela se perder entre um mar de crianças, a mão dela enroscada a de uma professora.

Assim que Julie sumiu no corredor, o som de uma buzina de carro me fez pular. Seth estava pendurado para fora da janela e apontava para o relógio em seu pulso.

Puta merda.

Estávamos atrasados.



A P R I L


O dia amanhecera nublado e frio. Nuvens espessas feito chumaços de algodão cobriam o horizonte e ameaçavam despencar do céu a qualquer momento. Eu me encolhia sob o suéter cinzento do uniforme de St. Clair enquanto uma brisa gelada atravessava o tecido grosso e penetrava em meus ossos. Meus sapatos faziam um barulho áspero contra o chão e talvez aquele fosse o único som mais alto que minha respiração descompassada. Cole caminhava até o carro em passadas largas e eu fazia o que podia para acompanhá-lo, agarrada a minha mochila. Nós deixamos nossa casa para trás com pressa, fugindo dos rugidos furiosos do nosso pai.

— Ele não está completamente errado — murmurei — Você sabe disso, não é?

— Não acredito que você está do lado dele — Cole liberou uma risada misturada a respiração.

— Ele não deveria ter falado com você daquela maneira — acrescentei rapidamente, partindo em sua defesa — Cole, você é meu irmão. Eu te conheço, sei que você que tem mais talento no dedo mindinho do que muita gente tem no corpo todo. Nosso pai só está preocupado. Por que não contou a ele sobre as suas notas em química? Você gabaritou duas vezes. E as aulas de reforço de álgebra? Você tem corrido atrás, tenho certeza que na próxima prova você se sairá bem.

As discussões entre pai e filho começavam das maneiras mais estúpidas possíveis. Eles não deixavam uma oportunidade passar: bastava uma palavra mal colocada ou um olhar atravessado que criava-se um motivo para uma nova desavença.

Claro que, às vezes, sobravam justificativas de ambas as partes.

Hoje, por exemplo, nosso café da manhã fora pelos ares graças a uma ligação da escola. As notas de Cole não estavam indo bem, outra vez. Papai estava insatisfeito, outra vez. Para piorar, Cole matava mais aulas do que comparecia e sumia no meio da semana em noitadas como se estivesse de férias. Se ele engolisse o orgulho e ao menos fingisse se importar com as regras para agradar nossos pais, tenho certeza que a história seria diferente.

Parte de mim sabia que aconselhar meu irmão era inútil. Cole era um cabeça dura. Eu teria mais sorte com meu pai. Eu tentaria dissuadi-lo com palavras, assim como fizera com Cole. No fundo, ele só precisava de uma garantia de que o filho era bom. Uma razão para não odiá-lo, como fazia com o resto do mundo.

Cole fez um gesto negativo com o queixo, dispensando minha sugestão.

— Não estou fazendo isso para impressioná-lo.

— Tenho certeza que não teria sido tão rígido se soubesse o quanto você se esforça — insisti — Cole, ele só está com medo por você. Ele acha que você está perdido. Ele é seu pai. Não vai ficar de braços cruzados te observando enquanto você se afunda. Não entende essa preocupação? Nem um pouquinho?

Ainda que me esforçasse para manter a atitude positiva, eu estava odiando cada segundo daquele passeio. O maldito carro fora estacionado propositalmente longe da casa, no meio do caminho coberto por pedras de cascalho que levava até a propriedade. Cole deve ter chegado tarde ontem a noite e, esperto do jeito que era, certificou-se de não atrair atenção para si mesmo com os faróis ligados ou o barulho do motor.

Meu irmão me lançou um olhar divertido:

— Ele pensa que eu sou o anticristo.

Ah. Então era isso.

Um sorriso debochado deslizou por meus lábios enquanto me preparava para ridicularizá-lo.

— Agora você está sendo dramático.

— É verdade, April. Eu o ouvi falando com a minha mãe outro dia — insistiu, olhos castanhos perdidos na estradinha a nossa frente — Ele acha que eu sou ruim como o irmão dele. Que vou beber, roubar e mentir até a minha ruína.

Eu me calei, pensativa.

Papai nunca mencionava o irmão. Eram raras as ocasiões que ele deixava algo escapar sobre o passado. Depois de anos especulando a respeito, eu e Cole assumimos que algo havia acabado mal entre eles. Nosso tio, assim como todo lado paterno da nossa árvore genealógica, permanecia um mistério. Quem não estava morto, pertencia a álbuns de fotografia amarelados deteriorados com o tempo. Seus rostos foram apagados e suas histórias também. Era assustador. Eu odiaria ser condenada pelos meus erros e esquecida por aqueles que amava. Sendo filha do meu pai, isso era sempre uma possibilidade.

— Isso é pesado — murmurei em meia voz, apertando a alça da bolsa de educação física.

Finalmente, alcançamos o carro. Havia uma fina camada de orvalho acumulada sobre a lataria e gotinhas de água salpicadas pelos vidros do parabrisas. No parachoque, ainda podia ver as marcas do pequeno acidente que protagonizei semana passada.

— Ele acha que serei enterrado como indigente — Cole abriu a porta do motorista para si e deslizou para dentro, falando mais alto para que eu pudesse ouvir: — Ou que acabarei sozinho como o pai dele.

Eu ocupei o banco do passageiro e posicionei a bolsa de educação física entre meus pés. A mochila foi para meu colo e a abracei enquanto pensava em uma boa explicação. Queria remediar aquela situação da melhor maneira possível, antes que fosse tarde demais.

— Não — minha voz saiu firme — Você sabe que ele sempre diz merda nos momentos de raiva.

Nosso pai também nunca pedia desculpas, mas isso meu irmão já sabia bem.

A chave girou na ignição e o motor do carro rugiu em resposta. Cole arrancou pela estrada, olhos no parabrisas. Eu conhecia aquela expressão. Ele estava prestes a dizer alguma merda só para me desagradar.

— Nosso avô foi ótimo, April.

— Ele abandonou a família do papai — retruquei no mesmo instante — Os deixou sem nada.

— Ele era rico, April — continuou, disposto a provar seu ponto — Morreu em uma suíte de hotel às margens do Rio Sena.

Inspirei fundo, senti meu peito inflar com revolta.

Não existia nada de admirável naquele homem. Tudo acontecera antes de nascermos, mas eu sabia cada detalhe.

— Eu conheço a história — disparei seca — Bêbado, nu, cercado de prostitutas. É essa sua definição de sucesso?

Meu irmão sorriu descarado, uma mão sobre o volante enquanto a outra repousava sobre a janela:

— É exatamente como eu quero ir.

Se ele achou que essa piada me faria rir, estava louco.

— Cala a boca — acertei minha mochila contra seu ombro — Não brinque com isso.

Eu odiava aquela frivolidade. Nós éramos diferentes do resto da nossa família. Eu e meu irmão cuidávamos um do outro, éramos apegados. Tinha esperança de que continuássemos próximos no futuro, quando não morássemos mais sob o mesmo teto.

Cole apenas riu, alheio às minhas preocupações. Tirou o celular do bolso e o conectou ao painel do carro. Caímos em um silêncio confortável, aplacado pelo solo de guitarras que saía pelos alto falantes.

Pela primeira vez naquela manhã, notei o quanto meu irmão parecia abatido. Seus cabelos loiros caíam desalinhados sobre sua testa e olheiras escuras sombreavam seus olhos castanhos. Ele se ajeitou sobre o banco e fez uma careta de dor ao posicionar a mão enfaixada sobre o volante. Na mesa do café da manhã, quando perguntei sobre o curativo, Cole mencionou vagamente o esforço dos ensaios da banda e tratou de desconversar.

— Eu podia dirigir, sabia? — apontei para sua mão machucada.

Ele piscou algumas vezes e me encarou confuso. Foi como se eu tivesse arrancado-o a força de um devaneio. Era fácil deixar a mente vagar com uma paisagem como aquela passando pelas janelas.

— Não precisa — me dispensou com um gesto vago e voltou a roer a unha do polegar.

Inferno. Como eu odiava esse hábito.

— Papai tem razão. Você está muito esquisito.

Nosso pai estava convencido de que Cole se viciara em alguma droga recreativa por influência da banda. As suspeitas começaram depois que a professora de História da Arte comunicou em uma reunião de pais e mestres que o comportamento desinteressado de Cole era um pedido de socorro e um sinal claro de dependência química. Bom, eles até poderiam estar certos sobre as drogas, mas dormir na sala de aula era apenas uma amostra grátis da despreocupação infinita do meu irmão.

Dei uma boa olhada em Cole.

Ele estava drogado? Agora?

— São sete da manhã, April — sua voz estava carregada de ceticismo — Eu não estou usando drogas.

É. Talvez eu estivesse ficando paranóica como papai.

A vista da minha janela não apresentava grandes variações. Eram casas coladas uma a outra, parques cercados por grades escuras e escolas primárias cheias de crianças pequenas acompanhadas de seus pais. Pelos meus cálculos, ainda tínhamos dez minutos antes de chegarmos em St. Clair, que ficava em um bairro próximo ao centro.

Dentro do carro, o silêncio era desconcertante. Batuquei meus dedos sobre a mochila enquanto organizava meus pensamentos.

Cole era de uma natureza forte e segura. Dificilmente dividia suas preocupações e qualquer demonstração de fraqueza estava abaixo dele. Não tinha o hábito de roer as unhas, pelo menos não na minha frente. Havia feito isso apenas uma vez, ao chegar em casa especialmente mal depois de uma festa, ansioso e perdido. A fala desconexa, os movimentos repetitivos, o olhar vidrado. Foi tão esquisito que não consegui esquecer.

— Por que está roendo as unhas?

A pergunta o colocou de volta no estado inquieto de antes. Porém, dessa vez, tive mais sorte: foi como se ele retirasse um tijolo da parede que protegia seus pensamentos e me permitisse entrar.

— Quinta feira — ele me ofereceu um sorriso — Grande dia.

Graças a toda merda que aconteceu ontem, acabei esquecendo que o dia do show dos meninos estava chegando.

— Eu nem acredito — sorri de volta como criança na manhã de natal.

— É loucura — Cole levou uma mão até seus cabelos indisciplinados — As pessoas estão realmente interessadas!

Eu quis interrompê-lo para oferecer ajuda na confecção dos ingressos, mas meu irmão ainda não havia terminado de falar.

— Nunca tocamos por dinheiro antes, April. Parecia errado cobrar quando nós mesmos éramos os primeiros a não acreditar na banda.

Assenti em silêncio, surpresa com a honestidade. A manhã inteira fora atípica. Geralmente, depois de discutir com nosso pai, ele ignorava cada tentativa que eu fazia para abordar o assunto e deixava qualquer esperança de manter uma conversa morrer com suas respostas curtas e desinteressadas.

— Eu sei que estamos arrecadando fundos para recuperar o dinheiro que foi roubado da Thomas, mas, se isso der certo, nós teremos uma razão para seguir com a The F Word — ele me conferiu rapidamente enquanto virava em uma curva, falava rápido e com intenção — Eu amo o que eu faço, April. Quando estou no palco, sinto que encontrei meu lugar. É como se eu pudesse tudo.

— Sim, vocês são incríveis — quase pulei do banco, ávida em concordar — Cole, vocês tem uma grande chance com a The F Word. Dá para sentir que vocês criam algo especial quando estão no palco.

Meu irmão não reagiu bem a minha empolgação. Ele estava tenso atrás do volante e evitava me encarar. A expressão em seus olhos se tornava mais ansiosa à medida que eu falava.

— É por isso que preciso te pedir uma coisa — disse de uma vez só, como se não aguentasse ficar mais um segundo calado.

— Claro — franzi o cenho para a cerimônia — É só dizer.

— Não vá ao show.

Congelei.

— Por quê? — mal me movia sobre o assento — Todo mundo vai.

— Eu não quero te ver lá, April — deu de ombros, exasperado — Você é minha irmã mais nova. Quando vejo seu rosto, eu me lembro dessa família e... — o som de uma buzina tomou sua atenção e ele voltou a atenção para o trânsito — Desculpe.

Uma minivan azul nos ultrapassou a toda velocidade, consegui ouvir os xingamentos que o outro motorista esbravejava aos quatro ventos. Cole conduziu o carro em segurança pela via, olhos presos no para-brisas.

— O que quero dizer é que cuidar de você é um dever que eu não posso escapar — continuou — Não me leve a mal, mas eu não quero pensar nas minhas responsabilidades enquanto estou no palco. Não quero me preocupar com você. Eu só quero esvaziar minha mente e me concentrar na música. Não conseguirei fazer isso com você me vigiando na multidão, me seguindo por aí como uma sombra — fez uma pausa e, me observando de soslaio, acrescentou: — Somos irmãos. Nós já dividimos coisas demais.

Eu assenti, embora não entendesse.

Um nó começava a se formar em minha garganta. Eu podia senti-lo ao engolir saliva, sufocando meu fôlego. Era ridículo. Eu queria argumentar não precisava de supervisão, mas também não queria estragar a noite dele. Por mais decepcionada que estivesse, não ousei abrir a boca para falar. Seria patético admitir que fiquei ofendida. Odiava implorar por afeto.

— É uma noite importante para mim, April — continuou — Se tudo correr bem, Zack quer gravar uma demo. Nós precisamos nos sair bem. Não estrague isso, ok?

Arfei com um sorriso no rosto, observando o movimento da rua pelos espelhos. Qualquer coisa era mais agradável do que a atmosfera asfixiante dentro daquele carro. Eu estava magoada, mas a raiva rapidamente começava a superar todas as outras emoções dentro de mim.

Isso sempre acontecia comigo.

— Você é um escroto.

— April.

Levei minhas mãos até minhas têmporas, massageando a região em movimentos circulares:

— É sério.

Nós paramos em um sinal vermelho e um grupo de pedestres atravessou a faixa, desfilando diante dos nossos olhos. Eu me dei conta de que conhecia aquela rua. Estávamos a apenas uma quadra de distância do parque que visitei com Campbell. Podia ver as grades escuras que separavam o jardim da calçada e mais a frente os portões de ferro que naquela noite encontramos fechados. Por Deus. Eu corri descalça por aquele gramado ao som das gargalhadas de Hunter. Nós nos beijamos no escuro e trocamos calor como se precisássemos um do outro para sobreviver.

A lembrança parecia pertencer a uma vida passada, menos complicada. Parte de mim desejou poder voltar para aquela noite. Queria sentir tudo de novo. Desde meu coração acelerado a adrenalina inebriante que corria em minhas veias enquanto fugia pelas ruas da cidade ao lado da pessoa que havia jurado odiar.

Meu Deus. Eu só podia estar perdendo a cabeça.

Eu e Hunter estávamos brigados. Havia tanta coisa mal resolvida entre nós que não poderíamos  estar mais distantes. A noite de ontem fora uma merda, do início ao fim. O medo que senti quando Eric atacou minhas amigas me acompanhara até a cama, onde não consegui relaxar. Tive que dormir para esquecer, literalmente. Quando acordei, descobri que estava em apuros: toda a raiva que sentia por Hunter havia se esvaído por completo. Parte dela fora abrandada pelas palavras dele, que me preencheram de confusão, e a outra havia se dissolvido durante a madrugada, enquanto sonhava com ele. Até no meu sono, Campbell não me deixava em paz.

A briga parecia boba a luz do dia, quase completamente eclipsada pela confusão com Eric, mas eu não podia fechar meus olhos para aquilo e fingir que nada me afetou. Queria poder confiar em Hunter e acreditar que tudo não passava de um mal entendido, mas eu não era tola o suficiente para dar um pulo no escuro quando ele sequer tinha uma boa explicação para a situação. 

Minha pequena bolha de contemplação se estourou quando Cole me segurou pelo pulso, demandando minha atenção:

— Só me prometa que você vai ficar em casa, April.

Eu ri, desacreditada.

A noite de ontem fora estressante para um caralho. Meu estômago estava vazio, clamando por um croissant de chocolate. Cole podia enfiar aquelas desculpas esfarrapadas naquele lugar. Eu não me importava mais, tinha minha própria vida para cuidar.

Não me dei ao trabalho de checar o movimento da rua antes de agir: apenas abri a porta do carro, coloquei os pés para fora e puxei minhas bolsas comigo.

Cole assistiu a tudo apavorado, preso atrás do volante.

O sinal finalmente abriu e, atrás de nós, os motoristas protestaram com buzinadas furiosas.

— April! — ele gritou de olhos arregalados enquanto eu fechava a porta atrás de mim — O que você está fazendo?

Foda-se. Era uma caminhada de dez minutos até o colégio. Eu estava sem paciência para lidar com meu irmão, não podia ficar no mesmo carro que ele. Teria um dia longo pela frente e seria bom usar aquele tempo sozinha para esfriar a cabeça antes de mergulhar até o queixo em mais problemas.

Cole ainda segurava o trânsito. Seu rosto estava pálido e ele me encarava com aflição nos olhos.

Na falta de uma resposta melhor, eu ergui o dedo médio e dei as costas.

Não é mais problema meu.



N/A: Salve, salve, comunidade Zapping Zônica!

Eu escrevi isso tudo no meio de um surto de inspiração, nem conferi direito. Desculpa se ficou confuso, estava ansiosa para compensar o atraso. Nos próximos dias, provavelmente vou retirar os últimos três capítulos e mexer em algumas coisas, então não se apavorem se alguma parte sumir. Avisarei tudinho no mural do meu perfil, fiquem ligados.

Nossa... To nervosa kkkkk Por favor, me avisem se alguma parte ficou confusa ou se assassinei o português. Eu realmente acho que deve ter alguma bomba de zero coesão aí no meio, mas tava muito muito muito a fim de postar. O capítulo deveria ser mais longo (em termos de acontecimentos, nada aconteceu... eles nem chegaram na escola ainda???), mas estava longo demais e queria postar logo então aproveitei a oportunidade (dlkfjljk momento que vcs falam: "dessa vez vc poderia ter segurado a att, barbara")

Tentarei ser breve, mas:: 900K VISUALIZAÇÕES EM BULLSHIT!!! Em todos esses anos nessa indústria vital, nunca imaginei que chegaria perto disso. Vou agradecer melhor mais tarde, agora tô correndo contra o tempo para bater uma meta aqui.

Caramba!! Eu vou me arrepender de tudo isso quando acordar de manhã!!

Beijos,

Babi

P.s.: Olha, gente, desculpa sobre o Seth. Ele eh babaquinha desde o capítulo quatro...  

P.s.s.: LEIAM BAD KARMA!! Minha história com a Andy :D É um suspense adolescente misturado com comédia, tá aqui no Wattpad tbm.

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