Capítulo XVII







A P R I L

PEQUENOS PEDAÇOS DE CINZAS semi-acesas flutuavam acima de nossas cabeças como flocos de neve, oscilando no vento até desaparecerem no céu noturno. Depois que o sol sumiu no horizonte, não demorou muito para que a temperatura na beira do lago despencasse. Aos poucos meus amigos se juntaram ao redor da fogueira em busca de calor, todos envolvidos por casacos grossos e mantas quadriculadas.

Eu estava tão próxima das chamas que meu rosto começou a ficar quente. A fumaça por vezes se revoltava contra a brisa e agitava meu cabelo, mas nada me incomodava mais que a dor de cabeça. Meu cérebro zunia como uma britadeira e eu me convenci de que aquele só podia ser um sintoma causado pela desidratação ou pelo estresse.

Depois de gritar na cara do Campbell como uma cadela desvairada, eu não dei tempo a mim mesma para me arrepender do que fiz: simplesmente corri todo o caminho até o lago, catei um cobertor limpo e separei um copo. Eu não estava acostumada a perder a calma daquele jeito e Hunter não merecia nem mais um segundo do meu tempo. Ainda mais naquele estado deplorável. Toda vez que algum pensamento insensato sobre a discussão aparecia, eu pegava um alfinete e o estourava como um balão.

Eu estava prestes a descer pelo caminho da autodestruição regado a álcool quando Zoe me achou. Jackie e Indy se juntaram a nós momentos depois, munidas de casacos quentinhos e algumas guloseimas. Permanecemos sentadas no mesmo tronco de árvore caído desde então, a poucos metros de onde o fogo lambia pedaços de papel e gravetos.

Por sorte, o assunto "treinos secretos de futebol" serviu como uma perfeita fonte de distração para minhas amigas.

— Elas fizeram o quê?— eu cheguei a pensar que Indy fosse precisar de alguns momentos para digerir a notícia — E você acha que isso é trabalho da Lexie — ela concluiu ao ler minha expressão.

— Quem mais poderia ser?

Eu não era ingênua a ponto de acreditar que tudo isso fora fruto de uma infeliz coincidência. Minhas suspeitas caíram imediatamente sobre Lexie. Foi como somar dois mais dois: além de pegar no meu pé, ela era a única com a influência e a criatividade necessária para articular aquela façanha.

Para alguns alunos esses pequenos dramas cotidianos faziam a vida valer à pena.

— Eu sempre soube — Jackie meneou a cabeça, partindo um pedaço de marshmallow que se desfazia na ponta do graveto — Ela nunca me enganou.

— Nunca te enganou? — Indy conseguiu abrir um meio sorriso — Menos de três horas vocês estavam conversando como velhas amigas.

Não falei nada quando vi que Lexie havia conseguido conquistar a simpatia de uma das minhas melhores amigas. Eu não queria soar imatura. Antes de conversar com Finch essa tarde, eu ainda não tinha confirmado minhas suspeitas sobre Lexie, mas agora as coisas eram diferentes: eu tinha provas concretas de que aquela garota realmente me odiava.

— Fazia parte do meu plano — ela retrucou antes de lamber um dedo sujo de marshmallow derretido.

— Só admita que ela te enganou, Jacqueline Foster.

Jackie apenas virou o rosto para o lado e nos deu uma bela visão de uma das maçãs perfeitas de seu rosto, recusando-se a admitir que tinha confraternizado com o inimigo.

Aquele pareceu ser o fim da discussão. Logo o estalar do fogo se tornou o único som que nos isolava da festa ao nosso redor. A música escapava dos alto-falantes de um dos carros, onde um pequeno grupo de pessoas se reunia — eu imaginava que a bebida se concentrava ali também.

Ergui meu copo até a boca só para me dar conta de que estava completamente vazio.

— Eu não sei o que fiz para essas pessoas — minha voz soou embriagada. Era como se as palavras estivessem com preguiça de sair da minha boca, se arrastando para fora em um resmungo.

— April — alguém me chamou de muito perto. Era Jackie, que estava sentada ao meu lado, dividindo a manta comigo — Você pisou na bandeira da Thomas. Para essas pessoas é tipo atear fogo à bandeira nacional. Um crime capital.

— Eu só estava tirando do caminho!

— Com o seu pé.

Eu tentei segurar a risada, mas foi impossível: o som subiu pela minha garganta e reverberou pelo meu corpo inteiro. Aos poucos as meninas se juntaram a mim com gargalhadas igualmente alteradas, exceto por Zoe. Ela estava sentada do meu lado direito, bastante quieta com os olhos castanhos tremulando como as chamas.

Pelo visto eu não era a única a esconder algo aquela noite.

— Deve ter uma pegada sua na bandeira até hoje — Indy limpou uma lágrima do canto do olho, provavelmente se divertindo mais com a risada da Jackie do que com a piada em si.

— Não, o Finch se abaixou para limpar com um lenço — eu recordei. Até hoje não conseguia acreditar que aquilo aconteceu mesmo. Quem ainda carregava lenços nos bolsos?

Eu fingi que não vi Jackie revirar os olhos com meu comentário. Naquela manhã eu cheguei a suspeitar que ela estivesse me evitando por ter se zangado comigo, mas logo percebi que era só eu mencionar o nome do nosso "amigo em comum" que a morena adotava uma postura irônica. Era bom saber que eu não era o objeto da fúria dela, para variar.

A essa altura o marshmallow de Jackie havia se tornado carvão na outra extremidade do graveto. Ela girava o quadrado carbonizado nas chamas como um frango em uma vitrine de padaria, seus olhos escuros hipnotizados pelo fogo:

— Sabe o que nós devíamos fazer?

— O quê? — minha amiga loira indagou.

Jackie se inclinou na direção dela e me olhou de rabo de olho, como se quisesse ter certeza que eu estava ouvindo:

— Nós devíamos segurar Lexie pelo cabelo e arranhar aquele rosto de Barbie todinho.

Bastou um olhar para que nós entendêssemos que a morena estava mexendo conosco — às vezes Jackie ia longe demais para nos provocar. Ela se divertia arrancando reações dos outros, mesmo que fossem meros segundos de choque.

— Jackie — eu a adverti — Eu posso ter bebido, mas não a ponto de brigar com uma garota.

Principalmente se as motivações secretas de Lexie envolvessem um rapaz em questão. Porém, nele, sim, eu bateria com prazer.

Jackie tratou de esconder os traços de humor rapidamente, espetando o próximo marshmallow na ponta de um graveto. Eu imaginei que ela estivesse se aproveitando da minha embriaguez para me incitar a partir para cima de Lexie.

— Valeu a tentativa — Jackie liberou um suspiro resignado, dando de ombros — Essa é a festa no lago mais chata que eu já estive em toda minha vida — estendeu um dedo no ar, pronta para enumerar: — Nenhuma briga — eu me encolhi significativamente. Ela ainda não havia escutado sobre Finch e Hunter — Ninguém passou vergonha.

Senti Zoe se remexer do meu lado, ajeitando as mangas do casaco fofinho que vestia por cima do moletom. Eu me perguntei o quanto a menina sabia sobre a briga entre Finch e Hunter — ela era a única que tinha a confirmação de que meu caso com o Campbell era real, então já devia ter alguma ideia do motivo por trás da confusão envolvendo os dois.

— Ainda dá tempo de passar vergonha — eu interrompi minha amiga — Olha, lá vai o Seth. Ele vai mergulhar de novo.

O ruivo corria na direção do lago, sem vestir uma camisa, naquele frio desgraçado. Mais cedo as meninas tentaram convencê-lo a usar uma coberta sobre dos ombros, mas ele simplesmente não deu atenção. Quando a água o atingiu na cintura, Seth mergulhou e desapareceu na completa escuridão.

Nós ficamos em silêncio observando as ondas se acalmarem até que a superfície do lago se transformasse em um espelho, impressionadas demais para fazer alguma coisa. Depois do que pareceram minutos, o menino emergiu das águas escuras e jogou o cabelo para o lado, uivando em plenos pulmões — estava tão frio que a respiração dele se condensou em uma nuvem. Zack começou a se aproximar para chamar o amigo, mas recuou da margem rapidamente, como se o frio alfinetasse seus pés.

— Seth está muito mal — Indy murmurou — O que será que ele tomou?

Jackie se remexeu desconfortável. Ela dividia uma manta de lã comigo e estava difícil conseguir envolver nós duas com o tecido ao mesmo tempo. Parecia um cabo de guerra.

— Não olhem para mim como se eu devesse saber a resposta — a morena resmungou.

— Nenhuma de nós estava olhando para você, Jackie.

Um ruído vindo da mata atrás de nós invadiu meus ouvidos e os poucos distingui o som de duas risadas diferentes se aproximando. Ambas faziam parte de uma conversa abafada pela música e pela discussão das minhas amigas. Eu estiquei o pescoço para espiar a trilha, mas me deparei com a mais completa e absoluta escuridão.

— Ei — eu segurei o braço das duas — Vocês estão ouvindo isso?

— Isso o quê?

Novamente eu sibilei por silêncio e as três ficaram atentas.

Ele e Finch brigaram? — uma voz feminina indagou. Era um som baixo, porém distinto o suficiente para que pudéssemos escutar. Vinha da trilha e misturava-se ao barulho de galhos se partindo e passos cambaleantes no escuro.

Sim, tinha sangue no rosto dele e tudo. Tão sexy — essa voz eu consegui reconhecer. Era Lexie.

— Não acredito — Jackie grunhiu apenas para que nós ouvíssemos e eu segurei o braço dela, sinalizando para que ficasse quieta.

— Eu nunca vi Hunter desse jeito... Ele vale a pena? — a seguidora de Lexie inquiriu afobada, impressionável como uma garota do primeiro ano. A curiosidade deixava claro o que ela realmente estava querendo perguntar.

Nós ouvimos uma risada em resposta. Olhei para trás a tempo de ver as duas seguirem para o estacionamento improvisado, onde o resto do pessoal se reunia, iluminando o caminho com lanternas de pilha.

Da última vez em que estivemos aqui, nós fizemos na areia — Lexie cantarolou — Eu fiquei com a bunda ralada por três dias, mas faria tudo de novo.

As risadas soaram cada vez mais baixas, como se a distância aumentasse entre nós e as duas meninas.

— Por Deus, April — Jackie exclamou em alto e bom som, pouco se importando se elas podiam ouvir ou não — Que bom você nunca deu uma chance para esse cara. Em pensar que eu achei que ele fosse o cara do banheiro.

— Que cara do banheiro? — Indy perguntou com um pouco de nojo no rosto, ainda se recuperando da cena gráfica que Lexie pôs na cabeça de todas nós. Depois de pousar os olhos em mim, ela pareceu se dar conta — Oh. Nossa, entendi. É tanta informação.

— Não tem nenhum cara do banheiro, Indy.

Eu queria matar a Jackie. Tinha certeza absoluta que eu estava prestes a mostrar os dentes exatamente como a cachorrinha poodle da minha tia avó.

— Imagina que nojento! — a morena continuou — Você estaria beijando ela por tabela.

Eu. Sei.

Mesmo com toda história de "sem exclusividade", ficava difícil de esquecer aquele beijaço. Era o comportamento padrão do Campbell se atracar com a primeira menina que cruzasse seu caminho, mas ver as mãos dela percorrendo o corpo dele e seus lábios pressionados em um beijo fazia meu estômago se contorcer com repulsa. Eu não queria nada que ele pudesse me oferecer além de seu corpo, mas compartilhá-lo com alguém me pareceu sujo pela primeira vez. Principalmente quando eu não estava acostumada a dividir meus brinquedos.

— Por favor, não vamos desenterrar cada pessoa que os meninos ficaram na vida — pela primeira vez na noite Zoe se manifestou. A voz dela soava neutra, misturando indiferença e cautela — Nós ficaríamos sentadas por um bom tempo. Passado é passado.

Meus olhos dispararam para a menina a minha direita. Meu coração batia forte, bombeando sangue diretamente para o meu rosto. Por um momento eu fiquei com medo de estar tirando conclusões precipitadas, mas Zoe era a única que sabia. Ela podia estar defendendo tanto o Zack quanto o Campbell — e ainda havia uma possibilidade extra dessa ser apenas uma amostra grátis da sensatez da menina.

Ela fala — um sorriso zombeteiro surgiu no rosto de Jackie — De que lado você está, quietinha?

Nesse momento Indy se pôs de pé, batendo na calça jeans para espantar a poeira.

— Eu vou ao banheiro. Meninas? — os olhos azuis pousaram em nós três como se nos desafiasse a continuar o argumento besta, exatamente como uma mãe faria.

Eu sabia que ela estava nos intimando a formar uma comitiva ao ir ao banheiro. Nós não íamos ao banheiro desacompanhadas desde o oitavo ano — não havia motivo para ir sozinha quando tínhamos a oportunidade de ir todas juntas, nos movendo como um bando.

— Quer saber... — eu murmurei, esticando minhas pernas uma por uma — Podem ir. Eu vou pegar alguma coisa para beber.

Elas olharam para mim como se eu tivesse dado um tapa na cara de cada uma — até Zoe, que recentemente se encaixou no grupo, me olhou com espanto. Depois do choque inicial nós marcamos de nos encontrarmos no mesmo lugar em quinze minutos e eu parti acompanhada apenas do meu copo. Conforme nos distanciávamos pude ouvir Jackie aos resmungos:

— Qual é a próxima? Ela vai passar a juntar a mesa dela com outras pessoas na aula de história?





April queria dizer que depois de se despedir das meninas ela dançou todas as músicas e virou todos os copos. Ela ansiava com todas as forças pelo momento em que contaria para as amigas como ficou bêbada a ponto de beijar o primeiro cara gato que encontrou pela areia e que ele não tinha nada a ver com Campbell. Na verdade, April desejava poder falar qualquer coisa sobre aquela noite, mas ela não se lembrava de nada a não ser de borrões incoerentes. As únicas pessoas que se lembravam das horas perdidas de April naquela viagem eram as mesmas quatro que permaneceram sóbrias: Zack, Indy, Cole e Zoe.

— April — Cole a sacudiu levemente pelo braço — Toma um pouco d'água.

Eles estavam no chão, próximos à fogueira. Cole decidiu se agachar a altura da irmã, já que a menina não conseguia ficar em pé sem pender de um lado para o outro, como se estivesse parada no meio de um vendaval.

Ele nunca havia visto April naquele estado antes, muito menos cuidado dela em uma situação como aquela — já tinha ajudado alguns amigos, claro, mas ver a irmã daquele jeito era diferente. Um pouco desesperador. A primeira providência foi combater um possível quadro de desidratação, mas toda vez que ele aproximava o copo com água da boca dela, April se afastava como uma verdadeira criança mimada.

"Mimada" ele recordou a própria fala em uma ocasião anterior "a palavra da April".

— Eu tenho o meu copo, não vou beber no seu — ela balbuciou com os olhos semi-abertos, deixando a cabeça despencar para o lado.

Ele quase sorriu aliviado por saber que havia algum juízo na cabeça da irmã, mas imediatamente lembrou que precisava repreendê-la. Cole a encontrou dando um tempo perto dos banheiros, um lugar que provavelmente abrigava ninhos de rato durante a noite, desértico como só um banheiro público no meio do nada poderia ser.

Foi aterrorizante encontrá-la sentada sozinha lá. Teve que pedir a ajuda de Indy para rebocar a irmã até onde os outros estavam e, até o momento, o pequeno resgate não estava sendo nem um pouco divertido para os três. Quer dizer, para Cole ficar de babá era sempre péssimo, mas a loira não se incomodava — só precisava se lembrar de conter o riso toda vez que os irmãos implicavam um com o outro.

— O seu copo está cheio de álcool — a voz dele era carregada de desaprovação, como se repreendesse uma criança — Álcool faz mal. É ruim.

Mesmo acostumada com a dinâmica dos Wright, Indy não conseguia evitar abrir um sorriso enorme ao ouvir o tom paternal que o menino  usava para falar com a irmã. Depois de se sentarem em um dos troncos de árvore dispostos ao redor da lareira, Indiana se encarregou de revirar sua mochila em busca de alguma coisa leve para April comer — ela sabia que tinha um biscoito de água e sal em algum lugar naquela bagunça, guardava-o ali justamente para situações como aquela.

— April — ela tentou, aproximando-se da amiga — Come esse biscoito.

Felizmente, April não apresentou resistências à guloseima. Estava prestes a entregar um quarto a ela quando Cole interveio:

—... Não tanto se não ela vomita.

Os olhos dele eram sérios e acompanhavam a irmã a todo o momento, como se April estivesse com algo muito mais grave do que uma simples embriaguez. Indy decidiu não desafiá-lo e fechou o pacote fazendo o mínimo de barulho possível, salvando-o para mais tarde.

Porém, mesmo depois de ter feito o que Cole pediu, ela notou que a apreensão tão perfeitamente distribuída nas feições dele não tinha dado sinal algum de trégua. Os cabelos loiros do garoto haviam perdido toda disciplina que os mantinha penteados para trás e emolduravam o rosto dele, um conjunto de traços precisos esculpidos em mármore.

Vira Cole daquele jeito poucas vezes na vida — sério, cuspindo ordens sem nenhum vestígio de humor — e não precisava ser a Oprah para entender que o garoto estava preocupado com a irmã.

— April, não dorme — a loira levou uma mão hesitante ao rosto da amiga, mas a menina a afastou com um grunhido.

— Como vocês zão chatos — April protestou — Eu não tô bêbada!

Os dois suspiraram ao ver a cena, dando algum espaço para a menina respirar. A situação da April estava sob controle, mas — a não ser que ela ficasse sóbria em um passe de mágica — a festa tinha acabado para ela. Não podiam arriscar entrar em um carro com a menina passando mal.

— Juro por Deus — Cole murmurou baixo, naquele tom as palavras roucas se assemelhavam a um rosnado — Se aquele babaca levantar a voz para minha irmã de novo eu vou quebrar todos os dentes da boca dele. Eu não ligo se a April ateou fogo a Harley ou deu um soco na avó dele, Hunter está ferrado comigo — ele fez uma pequena pausa e por um momento Indy só conseguiu ouvir o estalar do fogo atrás deles — Posso arranjar alguém pra substituí-lo na The F Word em dois tempos. No futebol, então, ele sempre foi um merda.

Indy sentiu que ele tinha mais para falar, mas o que veio a seguir foi o silêncio. Em algum momento da festa eles ficaram sabendo que April foi atrás de Hunter para tirar satisfação sobre a briga dele com o Finch e o desenrolar dos acontecimentos não fora nada bonito. No fim, cada um foi para seu canto: April bêbada, Hunter desaparecido e Finch com os garotos enchendo a cara.

Cole esfregou a lateral do rosto com força e a menina fez o melhor que pôde para transparecer tranquilidade. Quem sabe assim ele se acalmava também.

— Parece que ambos se exaltaram, mas April levou a melhor — ela explicou sem entrar em detalhes, observando a amiga lutar contra a sonolência — Sua irmã sabe se cuidar.

Naquele momento aquilo pouco importava para Cole. Ele era irmão dela, se pudesse defendê-la, ele o faria.

— O quão confiável é sua fonte? — o loiro inquiriu, arrastando o corpo para trás, sentando-se ao lado de Indy.

A garota arqueou as sobrancelhas, reconhecendo o desafio. Noventa por cento das besteiras que eles ouviam por aí eram boatos infundados iniciados por fofoqueiros de plantão — porém, por essa notícia em especial, Indy botaria as mãos no fogo.

— Duas palavras: Zack Dempsey.

Ele suspirou. Esse cara era a imagem da credibilidade, Cole tinha que reconhecer. Se não fosse pelo comprometimento parcial de seu cérebro causado por anos de consumo de substâncias ilícitas, Zack seria a pessoa mais chata da face da terra.

— Você me convenceu — o loiro se permitiu relaxar, mas não demorou muito para que seu rosto se fechasse novamente — April está certa, aqueles dois não podem continuar assim.

Cole não dava a mínima para o drama que eles queriam criar, mas com os jogos tão próximos e a banda em jogo, Finch e Hunter precisariam se acertar. E logo.

— Não se preocupe com eles, Cole — ela inclinou o corpo para o lado, dando um empurrão de leve no braço dele — Pense assim: cinco minutos no soco sem perder a amizade. Todo mundo precisa disso de vez em quando.

— Você está tentando me fazer rir — os lábios do menino se repuxaram em um sorriso lento, quase cauteloso — Por quê?

— As pessoas morrem todos os dias para arrancar meia dúzia de palavras de você — ela deu de ombros — Estou só curtindo meu momento.

Eles trocaram um sorriso cúmplice e foi a vez dela de olhar para longe, escondendo o rosto vermelho — ela corava sem nem saber o porquê. As chamas da fogueira iluminavam os cabelos loiros da menina tornando-os quase dourados. Definitivamente bonita.

— Não precisa esconder esse sorriso de mim — o garoto murmurou, inclinando-se para perto dela — Eu lembro que antigamente eu costumava implicar contigo porque você era meio dentuça...

Meio dentuça? — a menina não esperou ele terminar para encará-lo enfurecida — Você é mesmo muito gentil.

–... Mas a verdade é que seu sorriso era perfeito.

O brilho homicida deu lugar à total surpresa. Ela vasculhou o rosto de Cole atrás de algum traço de humor, mas não encontrou — o garoto transbordava intenção em cada palavra.

— Seus dentes eram tão retos — ele completou — Ainda são.

— Aparelho dentário — Indy sentiu seu rosto duas vezes mais quente. Eles deviam estar muito próximos da fogueira — Meu pai é dentista.

— Eu sei — óbvio que ele sabia, todo mundo sabia. — Eu morria de medo do seu pai.

O comentário arrancou uma risada da menina. Ela se sentia leve e risonha como April deveria estar. Olhou novamente para a direção de Cole e calor percorreu seu corpo quando flagrou o loiro fitando-a de perto, sem um pingo de vergonha.

Como se finalmente tivesse se dado conta de que a encarava, Cole recuou. A menina conseguiu perceber que o loiro estava nervoso pela maneira que ele afundou os dedos nos cabelos e os puxou para trás — ele nunca arriscaria arruinar o penteado por nada.

— Desculpe. Eu disse que ia parar.

— Eu terminei com o Eric — a voz dela era baixa como uma confissão — Foi o melhor para os dois. Ele estava sendo muito controlador e nenhum de nós aguentava mais aquilo.

O queixo do loiro caiu, escancarando ainda mais seu sorriso, se isso fosse possível. Foda-se. Ele estava feliz demais para fingir que se lamentava por isso.

— Isso é... — Cole tomou um tempo para escolher a próxima palavra — Péssimo.

As feições da menina se torceram em uma pequena careta e ambos riram. Eles estavam muito próximos dessa vez, ambos quentes e sem fôlego, como se tivessem acabado de correr uma maratona.

— Se ele sentia ciúmes... — os orbes castanhos desceram por seu rosto para por fim pousarem em sua boca — Foi porque ele sabia que você merecia mais.

E Eric estava tão certo em sentir ciúmes.

Ele umedeceu os lábios prestes a acrescentar mais um comentário quando o som de um violão o interrompeu. Zack estava a alguns metros dali com o resto do grupo, dedilhando as cordas como se preparasse para tocar uma canção. A menina suspirou, afastando-se do loiro:

— Eu espero que ele não toque Wonderwall.

— Cuide da minha irmã — Cole se levantou, estalando algumas juntas ao se colocar de pé — Eu vou ver se precisam de mim.

Ela fez o sinal de positivo e se virou para checar April. A essa altura a menina já tinha achado uma caneca térmica de café para si e fingia não existir, enrolada entre os cobertores de lã. Quando percebeu que tinha a atenção da loira, um sorriso malicioso se espalhou pelos lábios de April:

— Não se preocupe comigo, amiga — ela murmurou — Minha boca é um túmulo.





Finch estava sentado em um tronco caído próximo a fogueira. Ele pressionava um saco plástico cheio de gelo ao rosto, se recuperando da briga estúpida de mais cedo. Um inchaço arroxeado começava a se formar sobre seu olho graças ao gancho de direita que recebera do dito colega de banda. Não só doía, como também era um pouco humilhante. As pessoas não paravam de olhar.

Quando viu Hunter se aproximar a distância, ele perguntou:

— Você está aqui para me bater?

Hunter não respondeu. Ao invés disso, estendeu uma das garrafas de cerveja que tinha em mãos. Eram duas: uma para Finch, outra para ele mesmo.

Ainda no mesmo lugar, Finch ergueu uma sobrancelha para a oferta de paz silenciosa. Sabia que deveria aceitá-la, não apenas para o bem da banda. Hunter era um bom amigo, no final das contas. Um pouco confuso e arredio, mas um bom amigo.

Quase riu.

Na tentativa de ajudar esse amigo, Finch acabara com o rosto ensanguentado e com uma dor de cabeça iminente. Precisava admitir, o fim daquela história fora ironicamente justo — era isso que ganhava por se intrometer nos dramas alheios.

Inicialmente, ele nem planejava ir tão fundo naquela merda. Era para ser apenas uma brincadeira de mau gosto, mas algo na expressão de April ao vislumbrar Lexie e Hunter juntos, dentro do carro, o obrigou a insistir na ideia. Ele só precisava checar — não queria que Hunter transformasse April em uma Lexie 2.0.

Se Finch soubesse que o baixista reagiria daquela maneira desproporcional, não teria brincado com a cabeça dele. Hunter poderia ser conhecido por merdas como aquela, mas a situação com a April era diferente do começo ao fim — o descontrole nos olhos dele, o desespero, a ira —, aquilo não era normal. Finch havia falado sério quando aconselhou o baixista a se resolver com April de uma vez por todas e dar um fim ao rolo com Lexie. Seria o melhor para todos.

Finch tomou uma das garrafas da mão do amigo. Era uma Heineken, bem gelada. Aquilo era certamente o mais perto que Hunter chegaria de pedir desculpas.

Os dois se encararam por alguns segundos, até que o guitarrista finalmente suspirou:

— Fique à vontade.

Hunter despencou no banco improvisado sem cerimônias. Estava tão sujo e detonado quanto Finch, talvez até pior. O fato de que o baixista estava consumindo álcool sem parar desde que chegara ao lago dava a Finch certa vantagem. Hunter já não se importava mais com o estado de suas roupas. Coberto de poeira e com vestígios de sangue seco no rosto, provavelmente nem sentia os machucados abertos.

Sem dizer uma palavra, eles retiraram as tampinhas das cervejas. Trocaram um cumprimento silencioso e foi como se tudo estivesse bem de novo.

Isso até o momento em que Finch abriu um sorriso débil e disse:

— Veio aqui pedir conselho sobre mulher?

— Vai se foder.

O guitarrista riu, familiarizado com a postura de Hunter. Aquela merda nunca perderia graça: ele ficava todo sensível quando o assunto envolvia April.

— Só estou dizendo, cara — Finch continuou, ignorando o mau humor do amigo — April vai te dar trabalho depois dessa.

Hunter hesitou antes de levar a cerveja aos lábios.

— E quem disse que eu vou atrás dela?

Finch se limitou a erguer as sobrancelhas.

Então, Hunter estava em negação. Bom saber.

— Vai se contentar em foder a Lexie pelos cantos? — soava errado falar sobre a menina daquela maneira, principalmente porque eram amigos, mas Lexie e Hunter não eram certos um para o outro. Quanto mais rápido percebessem aquilo, melhor.

Puta merda. Lá estava Finch: se envolvendo nas merdas dos outros de novo, minutos depois de dizer que não se intrometeria mais.

— Lexie e eu nunca tivemos nada.

— Você precisa avisar a ela — Finch riu, debochado.

— Você acha que eu não tentei?

Hunter estava começando a ficar irritado de novo. Bêbado daquele jeito, o baixista era imprevisível.

Por sorte, antes que Finch pudesse falar alguma besteira que colocasse a trégua em risco, eles foram interrompidos. Pela segunda vez no dia Seth roubava a cena, chamando as atenções de todos para si. Seu sorriso era largo enquanto trocava cumprimentos com as pessoas que o chamavam pelo caminho. Tinha os cabelos ruivos úmidos penteados para trás e trazia uma latinha de cerveja consigo:

— Estou interrompendo alguma coisa?

— Puta merda — Finch murmurou.

— Não era pra você estar desmaiado em algum canto? — Hunter parecia quase impressionado com o amigo.

Seth não se deixou abater pelos comentários. O garoto viera até ali com um objetivo e nada o desviaria dele.

— As duas madames, escondidas aqui, trocando segredos — o ruivo se sentou sobre um tronco de árvore caído próximos aos amigos e por pouco não atingiu o chão. Ainda estava bastante bêbado — Eu sei do que precisam para acabar com essa palhaçada.

Hunter se deu ao trabalho de ir ao socorro do amigo recém chegado. Ele o ajudou a se colocar de pé, o puxando para cima pelo ombro. Seth poderia não ter caído de bunda na areia, mas estava bem próximo de realizar essa façanha.

— Vamos acender um baseado — sua voz soava arrastada e alta demais.

Infelizmente, o baixista riu e o incentivou:

— Não é uma ideia ruim — Hunter retornou ao próprio lugar — Tem seda aí?

Os dois esperaram pela resposta de Finch sem esconder a expectativa. Ele quase riu.

— Eu deveria ter?

— Para de fazer doce, Abberley — Seth ralhou, arremessando o saquinho com erva no peito do amigo com uma coordenação invejável para alguém em seu estado — Bola um aí pra gente.

O olhar no rosto dos amigos deixou claro que ele não tinha escolha.

— Melhor não argumentar — Finch suspirou, pesaroso — Da última vez que o Seth tentou, vocês fumaram seda.

— Foi uma vez! — o ruivo se defendeu — E aconteceu ano retrasado. Eu era novo.

Por um momento, tudo que Finch escutou foi o estalar do fogo. Mas a conversa ainda não tinha acabado. Foram necessários alguns segundos de silêncio para que Hunter se manifestasse.

— Eu não lembro desse dia.

— É porque você desmaiou, Hunter — o guitarrista rebateu.

Seth não conseguiu se segurar. Deixou escapar uma gargalhada sonora, daquelas que atraiam olhares em sua direção. Não que ele se importasse.

— Relaxa, cara — Finch acrescentou mais baixo — A gente não vai contar pra April.

Logo os três engataram alguma discussão inútil, esquecendo os problemas de mais cedo. Finalmente, Finch se permitiu relaxar. Afinal, havia maneiras piores de se terminar uma noite e aquela, certamente, não era tão ruim.


N/A: Fala galerinha ZAPPING ZONICA!!!

Depois de dois fucking capítulos acabou a farra pra April e sua turma, prometo. O próximo capítulo se passará no colégio novamente e confesso que nem sei se eles se lembram que ainda estão matriculados.

Esse foi o último que eu postei antes de pausar as postagens da primeira vez. Curiosos pelas tretas? Sentiram falta do nosso casal favorito?

Antes que eu me esqueça:: FELIZ 2020!!! Muita felicidade e sucesso para todos nós! Agradeço a vocês que fizeram parte dessa trajetória, seja comentando, votando e falando comigo seja pelo twitter ou instagram, vocês são LINDÍSSIMOS ♡

Lembrem sempre: aqui seu feedback move montanhas!

Babi

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