Capítulo X






OS PRIMEIROS RAIOS DE SOL da manhã vazavam pelas frestas da cortina e coloriam o quarto em amarelo. Mesmo de olhos fechados, um pequeno sorriso despontava nos lábios de Hunter. Ele não resistiu ao impulso de se aconchegar mais entre as cobertas, afundando o nariz no travesseiro. Teria deslizado para a inconsciência novamente se não fosse pelo som da casa funcionando em pleno vapor no andar de baixo. O barulho de panelas se chocando contra o fogão e talheres raspando pratos se tornou cada vez mais alto, até que atingiu uma altura impossível de ignorar.

Ele apoiou o corpo nos cotovelos, pronto para se levantar, quando suas sobrancelhas se encresparam em confusão. A julgar pelo pequeno amontoado de roupas em cima da cama, Hunter havia usado sua jaqueta de couro como travesseiro. A mesma jaqueta envolveu os ombros de April Wright na noite anterior. O cheiro dela ficou impregnado tanto no tecido quanto em sua mente. Era como inspirar um buquê de flores recém cortadas. A pele macia irradiava o frescor das frutas vermelhas, intoxicando seus sentidos. Aquele aroma inebriante estava no pescoço dela e na raiz do cabelo castanho. Ele não esqueceria da sensação de beijá-la tão cedo.

Inferno. Graças àquela garota, ele estava se comportando que nem um psicopata.

Hunter arremessou o casaco para longe e a porta do quarto se abriu em um rompante. Era Elizabeth, a mãe dele. Ela atravessou o cômodo em um ritmo expressamente proibido pelo filho antes das oito da manhã e afastou as cortinas, permitindo que a luz entrasse.

— Não — ele suplicou, puxando a coberta sobre a cabeça para se proteger.

A mulher não mostrou misericórdia. Ela abriu a janela e a madeira deslizou para cima sem resistência alguma, como se nunca tivesse emperrado na vida. Fazia uma manhã especialmente fria lá fora, como Hunter descobriu.

— Bom dia, sol — Elizabeth fingiu reparar no estado deplorável do filho apenas nesse instante. Ela acariciou uma parte do cabelo curto que ficou de fora do edredom e Hunter se cobriu rapidamente — Está na hora de acordar.

O garoto suspirou alto ao ouvir a mãe sair pela porta. Era uma questão de tempo até que ela voltasse trazendo ainda mais barulho consigo. As molas da cama rangeram sob seu corpo quando ele arrumou a coluna, saindo da posição horrível que se encontrava.

Salvo os olhos azuis cor de safira e o senso de humor, Hunter não se parecia muito com a mãe. Inegavelmente, havia herdado todo o resto do pai: desde o sorriso ao modo de se portar. Ele era um Campbell, afinal.

— Cinco minutos. Mais um pouco e você perde o café da manhã e vai direto para o banho — ela entrou no cômodo novamente, dessa vez colocando um brinco na orelha direita. Estava quase pronta para sair.

— Boa tentativa — Hunter sibilou para si, até que lembrou que a mãe não podia escutar nada — Eu posso ficar pronto em vinte minutos!

A mulher de cabelos escuros parou no batente da porta com um sorriso triunfante:

— Não se você quiser comer panquecas.

Ele ficou em silêncio debaixo das cobertas e Elizabeth revirou os olhos. Como mãe, conhecia bem o próprio filho.

— Eu podia comê-las enquanto coloco os sapatos — Hunter murmurou em tom pensativo.

— Não mandei você ficar na rua até altas horas, mandei? — a mulher recolheu a jaqueta preta do chão e a engatou nas costas de uma cadeira — Arrume a cama e não se esqueça de fechar a janela quando sair. Vou levar sua irmã para escola.

Hunter suspirou, ouvindo a mãe fechar a porta atrás de si. Era uma tática que ele conhecia bem: apelar para o peso na consciência. Se ela deixasse a filha na escola provavelmente chegaria atrasada no serviço.

— Estou acordado! — o menino tropeçou para fora da cama, quase levando o edredom consigo.





A P R I L


Se existisse uma competição de recuperação mais rápida da história, uma foto sorridente da minha melhor amiga estaria anexada a esse recorde no Guiness Book. Depois da bebedeira na noite anterior, eu imaginei que Jackie estivesse um caco. Na manhã seguinte, porém, ela contrariou todas as expectativas. Eu a encontrei no gramado da escola, feliz demais para alguém que deveria estar de ressaca. Quando perguntei o segredo, a menina respondeu que um bom copo de café logo pela manhã resolvia tudo.

Eu teria acreditado com mais facilidade se ela dissesse que havia desenvolvido resistência ao álcool como o próprio Steve Rogers.

Enquanto nós andávamos em direção ao meu armário, Jackie listava as inúmeras vantagens da nova dieta que seu nutricionista recomendou. Como se não bastasse ser imune a intoxicação por álcool, minha melhor amiga queria acrescentar a vida saudável ao  seu currículo. Em alguns pontos eu concordava com ela (qualquer um que evitasse as bombas calóricas da cantina da piscina estaria fazendo um favor a si mesmo), mas eu duvidava que a atitude positiva da menina resistisse até o halloween.

— Não vale o sacrifício — murmurei em tom conclusivo. — Eu prefiro continuar me alimentando como uma criança de sete anos.

— As crianças de hoje em dia comem cenoura crua na hora do lanche, April. Chamam isso de snack. Você poderia aprender um pouco com elas — o tom sutil não passou despercebido por meus ouvidos. Eu fechei a cara imediatamente e uma expressão de inocência enfeitou o rosto da menina — O quê? Só quero o seu bem. Eu perdi um quilo.

— Cuidado pra não achar — uma voz masculina nos surpreendeu. Era Finch. Ele enganchou um braço no meu ombro e usou o outro para envolver a Jackie — Bom dia.

Eu respondi a saudação rindo enquanto Jackie estreitava os olhos castanhos. Ela enrolou um de seus cachos ao redor do dedo indicador e sorriu angelical:

— Não preciso mais procurar porque já achei: estão no teu cu — a voz dela era uma mescla de desafio e brincadeira. Jackie se encostou no armário ao lado do meu e eu enfiei uma mão na mochila em busca da minha chave — Ou melhor, na tua pança. Você não pode continuar bebendo cerveja daquele jeito se quiser continuar magro.

Finch olhou para a própria barriga, levantando um pouco a blusa social do uniforme sugestivamente. Um sorriso malicioso se espalhou com lentidão pelo rosto da minha amiga e os dois compartilharam um olhar cúmplice. Eles eram feitos do mesmo material de piadas ruins e flerte barato. A maioria das conversas ao redor dessa dupla sempre achava um jeito de sucumbir ao teor sexual. Eu queria enfiar minha cabeça dentro do armário.

— Rápido. Me toca.

O pedido ultrapassou completamente o limite da normalidade, até para eles. Quer dizer, Jackie e Finch falam muito sobre o ato de fazer bebês, mas nunca achei que eles de fato fariam bebês. Eu sorri débil esquecendo dos livros e observei Jackie repousar uma mão sobre o abdômen do garoto sem nem questionar.

— Não é que eu esteja reclamando, mas por que estamos fazendo isso?

— Aquela garota, a bonitinha que eu fiquei ontem — o rapaz nos situou, sem desconfiar que tinha as mãos de uma tarada em potencial sobre seu corpo — Ela estuda aqui e é pirada.

— Que estranho — eu murmurei de volta, fechando o armário — Você geralmente gosta das piradas.

Eu o avaliei divertida. O menino parecia pronto para usar Jackie de escudo humano caso a tal garota se aproximasse.

— Eu sei — Finch concordou, pela primeira vez prestando atenção em mim. Seus olhos cor de azeitona continham um brilho conspiratório, os riscos amarelos cintilando como ouro ao redor da pupila — Ela parecia bem normal, mas...

— Oi, pervertidos — uma loira da minha altura nos saudou, estendendo três pirulitos em forma de coração. A recém chegada, Indy, tinha os cabelos dourados presos em uma trança espinha de peixe — Está todo mundo reunido debaixo de uma árvore lá no gramado da frente.

Eu aceitei a embalagem e girei o canudinho do pirulito entre os dedos, lançando um olhar questionador para a menina. Na noite anterior, Cole viera duas vezes me perguntar sobre Indy, sendo a segunda o resultado de uma perda de memória momentânea. Em ambas as situações, o loiro saíra com as sobrancelhas franzidas, igualmente perdido. Mais tarde eu descobri que ele foi atrás de Seth para beber — o  ruivo ficou feliz em acompanhá-lo e ainda teve a coroa de aniversariante roubada pela primeira garota que apareceu.

— Você não estava lá no pub.

— Eu sei — ela parecia prestes a se desculpar, mas fomos interceptadas por Jackie.

— Nem parece que seus pais são dentistas — a morena tomou o doce da mão dela com uma carranca.

— Pegue o Willy Wonka do Tim Burton, por exemplo — Finch se întrometeu entre nós duas — O pai dele era dentista e ele era dono de uma fábrica de doces.

— Não vi essa versão, tenho alergia àquele ator.

Os outros dois pareciam ter engatado uma conversa com forte engajamento político do nada, mas pelo menos estavam seguros de assuntos que envolviam o ato de fazer bebês.

— Você viu o Hunter? — Indy, que agora andava ao meu lado, cochichou. Nós fazíamos o conhecido caminho até o gramado, passando pela porta da frente do edifício principal do colégio.

— O quê? — eu disparei.

— Hunter. Alto, cabelos escuros, olhos azuis. É baixista na banda do seu irmão e você o odeia desde a oitava série...? O Hunter que inferniza sua vida Campbell? — ela fincou os olhos em mim e eu fiz a maior cara de Torre Eiffel. Os pontos turísticos da cidade teriam com inveja da minha magnífica cara de paisagem — Enfim, ele é da minha sala em cálculo. Peguei o caderno dele e não devolvi semana passada.

— Ah, esse Hunter. Não o vi.

— Sério? Achei que eles sempre fossem para sua casa depois dos ensaios, por causa da bateria do seu irmão. Que estranho.

Por mais que tenham surgido várias interrogações dentro da minha cabeça, eu forcei meu rosto a assumir uma expressão neutra. Com o apoio e colaboração dos meus amigos eu deveria escrever um livro com o título: Eu não estava achando estranho, mas agora que você falou parece bem estranho.

Chegando na frente da escola, nós formamos um círculo na grama fria, todos sentados, ignorando os alunos que se deslocavam em direção aos prédios. O sol se erguia vagarosamente no horizonte e nuvens se desfaziam no céu como algodão doce. Aquele era um bom local para aguardar o início das aulas. Eu quase beijei ao chão por me livrar dessa conversa fadada a rumos incertos.

O resto dos nossos amigos nos cumprimentou, exceto por Seth Montgomery. Ele parecia completamente arrasado por trás dos óculos escuros, o corpo estirado no gramado e os braços dobrados servindo de travesseiro.

— Nós devíamos ir à praia. Aproveitar o sol antes do inverno — ele murmurou, para ninguém em especial. Estava quase certa de que seus olhos estavam fechados debaixo das lentes, aproveitando a calmaria para tirar um cochilo.

Se Hunter não estava do lado do melhor amigo, ele provavelmente tinha perdido a hora. Aqueles dois sempre estavam juntos perturbando os alunos novos e causando confusão pelos corredores.

Meia hora mais tarde, eu descobri que estava certa. Campbell entrou na sala de aula atrasado e se sentou próximo à janela, colocando a jaqueta sobre o encosto do assento. Eu havia usado aquele mesmo casaco na noite anterior. Por um instante seus olhos azuis elétricos cruzaram com os meus e nós apenas nos encaramos. Eu esperei por alguma reação, mas a máscara de indiferença sobre seu rosto me impediu de interpretar qualquer nuance. A troca de olhares deve ter durado menos do que alguns segundos, o tempo necessário para Hunter voltar o corpo para frente e prestar atenção na lousa.





Quando se dispensa alguém daquela maneira, principalmente se tratando de alguém como o dito cujo, você imagina que terá que lidar com consequências. De raiva à indignação, eu estava preparada para tudo, menos para o que recebi: o mais completo e absoluto silêncio. Quatro dias consecutivos e contando.

Sem as provocações diárias, a única coisa que me assegurava de que Hunter ainda estava lá eram seus olhos. Eles nunca mudaram. Vez ou outra eu flagrava as íris azuis fincadas em mim, atentas aos meus movimentos. Alguma coisa nelas prendia a minha atenção, era uma sensação eletrizante como subir uma montanha russa. Havia um nó no meu estômago desde o dia em que eu aceitei fazer um passeio na garupa de sua Harley e eu suspeitava que não iria embora tão cedo. Principalmente depois daquele beijo.

Meu Deus, mulher. Foi só um beijo.

Na terça-feira seguinte à noite do ensaio, quando eu já estava cansada de tanto ruído mental, o miserável apareceu na minha frente com uma expressão neutra, livre de culpa:

— Está ocupada agora?

Faltava alguns minutos para o sinal tocar. A aula de trigonometria havia terminado mais cedo e eu estava usando meu tempo extra para perambular por St Clair, aproveitando o sol que atravessava as janelas voltadas para o pequeno anfiteatro. Os corredores estavam tão vazios que eu pude ouvir o som dos passos de Hunter quando ele me alcançou.

— Isso nunca te impediu antes — eu franzi o cenho, reposicionando o fichário em meus braços para observá-lo melhor. Hunter não estava agindo como ele mesmo. Desde que o conheci, tudo o que eu quis foi que ele me tratasse como uma pessoa qualquer. Agora, quando Campbell fazia isso, simplesmente não parecia natural.

O baixista levantou uma sobrancelha para minha resposta e eu bufei:

— Eu tenho cinco minutos.

Os exatos cinco minutos que separavam uma aula da outra.

— Deve bastar — o baixista tinha uns poucos papéis na mão, sem sinal algum da mochila. Ele começou a andar vagarosamente pelo corredor, como se esperasse que eu o seguisse. Parecia ansioso — Você já fez o relatório de biologia?

Ah, então era isso. Minha pele ficou quente enquanto eu ajeitava as mãos ao redor do fichário. Os alunos que passavam por nós ocasionalmente sequer reparavam na dupla mais estranha que eu achei possível existir em St Clair: April Wright e Hunter Campbell caminhando lado a lado, como duas pessoas civilizadas.

— Sim, claro — de repente, o caminho fez sentido. Estávamos no corredor dos armários da Thomas, onde eu guardava meu material didático para a semana. Isso incluía meu relatório de biologia.

— Quanto antes nós formos vê-lo, melhor — Hunter arriscou um olhar avaliativo na minha direção enquanto andávamos até o conjunto de portinhas de metal — Ele tem um tempo vago agora. Se você usar metade do seu talento em argumentar para persuadi-lo a aceitar nossos deveres, nós teremos uma chance.

— Ótimo — deslizei minha chave para dentro do cadeado. Essa cópia em questão tinha um chaveiro com pompons rosa. Hunter segurou meu fichário, que eu quase deixei cair por descuido, e eu agradeci. Nas minhas mãos, uma pasta fina — Vamos?

Quando olhei para cima, encontrei as íris azuis presas em mim. Por uns segundos, o ar se tornou pesado, difícil de respirar. Meu corpo inteiro fervia em expectativa, dominado pela memória daquela noite. Seus olhos desceram pelo meu rosto e pousaram na minha boca, leves como a promessa de um beijo. Eu estava curiosa. Eu queria beijá-lo, descobrir se seria delicioso como da última vez. Mas Hunter não deixou o momento durar: ele fez um breve movimento com o queixo e se afastou.

No caminho para o laboratório o baixista me deixou para trás, mergulhado nos próprios pensamentos. Eu estava me sentindo bastante idiota. Hunter Campbell era completamente superestimado e não sei por que gastei meu tempo pensando nele.





Jacob LeBeau, professor de biologia, estava tão entusiasmado com a ideia de passar o dia enclausurado no laboratório quanto o resto de seus alunos. Ele havia se tornado um membro oficial do quadro docente de St Clair fazia menos de um mês e mesmo assim mal conseguia disfarçar o desânimo toda vez que espiava seu relógio de pulso. No momento em que o barulho estridente do sinal irrompeu pelos corredores, anunciando o fim de mais uma aula, o giz poeirento abandonou seus dedos e caiu no chão.

Atrás dele, a sala inteira vibrava. Os alunos só faltavam pular de seus assentos e correr em direção a porta, mas não fariam isso sem permissão. Eram boas crianças, apesar de tudo.

— É isso, turma. Estejam aqui semana que vem, nós vamos observar outros aspectos do ciclo de Krebs — Jacob os dispensou sem emoção.

Risinhos e conversas agitadas tomaram conta do laboratório no segundo seguinte. Ele ouviu algumas despedidas calorosas dos alunos que deixavam a sala, mas estava concentrado demais em limpar as mãos com um pano molhado para responder. Quando finalmente foi deixado a sós com seus próprios pensamentos, Jacob ocupou a mesa na frente do laboratório.

A rotina em St Clair não era agitada. Talvez fosse um local de trabalho adequado para um professor no fim de carreira, prestes a se aposentar, mas não para ele. Para Jacob, acabar em um lugar como St Clair no auge de seu potencial profissional era uma piada. Isso sem mencionar que as paredes daquela escola estavam assombradas por lembranças desagradáveis de sua adolescência. O regresso à cidade não o agradava, mas sua família precisava dele naquele momento.

Em comparação aos outros aspectos de sua vida, passar um semestre lecionando como professor substituto deveria ser moleza. Ou quase isso, ele pensou ao ouvir dois intrusos se aproximando.

— O que é isso? — Jacob não levantou os olhos dos trabalhos que corrigia. Sequer se moveu quando deslizaram duas folhas sobre o tampo da mesa, na esperança de ganharem alguma atenção do mais velho.

— Nós perdemos o trabalho do segundo tempo na última aula — era uma voz feminina, controlada e cheia de frieza. Não precisou fazer esforço para se lembrar a quem pertencia.

Maldição. Aqueles dois não. Jacob estava determinado a não perder o bom humor antes do almoço. Ele queria canalizar toda gota de bom humor que ainda restava em seu organismo para pedir um pouco de café fresco na lanchonete da escola. Faria o que fosse preciso para escapar do chá de refil que serviam na sala dos professores. Quem sabe, se Jacob fosse charmoso o suficiente com a senhora do balcão, ele não conseguisse até um pouco de açúcar ao invés do adoçante terrível que reservavam para os clientes.

— Sim, eu lembro — ele continuou a arrastar a caneta sobre o papel enquanto corrigia, sua expressão calma beirando ao tédio.

— E? — April Wright, esse era o nome dela, o pressionou. Lembrava-se vagamente de vê-la recolhendo o material em uma mochila antes de sumir da sala como um furacão. O aluno que a acompanhou na fuga também estava ali. Ele observava o desenrolar da cena a uma distância segura. Era como se o garoto soubesse que April destroçaria o professor com as próprias unhas se tivesse a oportunidade.

— Seu trabalho foi rejeitado.

— Impossível — havia um tom incisivo nas palavras dela, que transbordava certeza. Quase tão arrogante quanto ele mesmo naquela idade. Quer dizer, Jacob ainda continuava arrogante, mas, aquela altura do campeonato, ninguém mais o dizia para controlar seu temperamento.

O professor quase riu infeliz, levantando o rosto pela primeira vez.

— É mais do possível, senhorita Wright. Já foi feito — ele quis se repreender por soar tão satisfeito, mas não conseguia — A coordenadora concordou comigo. Por mais que seus pedidos de desculpa tenham sido tocantes, seria injusto com o resto da turma permitir que vocês entregassem em outra data.

O queixo de April caiu discretamente e Hunter enrijeceu logo atrás dela.

— Não é tão grave. Em dupla, vocês farão esse trabalho. Consultei a pauta da professora anterior — Jacob afastou a cadeira da mesa em um deslizar suave e abriu uma gaveta, puxando para fora dois papéis unidos por um clipe — É bem simples, mas vai levar um tempo.

Para ele soava bem simples.

April pegou as folhas e seus olhos castanhos percorreram o papel ferozes, como se estivesse cogitando ligar para seus advogados. Jacob estava se sentindo muito contente consigo mesmo pela concessão. Era mais do que generoso da parte dele. Os dois levariam um belo de um zero se ele realmente estivesse a fim de puni-los. Repousou os cotovelos na mesa, esperando uma reação madura ou um simples "obrigado".

— Como assim em dupla? — o menino inquiriu, se pronunciando pela primeira vez.

Esse era conhecido por causar problema. Como era o nome dele mesmo? Gunter? Hunter? Ah, sim. Hunter. Definitivamente, Hunter. Jacob não esqueceria mais. Que mãe dá esse nome a uma criança e não espera que ele se torne um completo babaca?

April lançou um olhar atravessado para Hunter. Ela parou de analisar o papel para fulminar o menino, que parecia genuinamente preocupado.

— Era uma atividade em dupla — o professor deu de ombros.

— Eu não vou fazer esse trabalho com ele.

Jacob franziu o cenho em confusão. Sua boca chegou a se abriu para perguntar o porquê, mas se conteve. Em um momento, ele era professor e, no outro, uma dondoca fofoqueira. Na verdade, a julgar pelos seus cotovelos repousados sobre a mesa e queixo inclinado, o loiro parecia envolvido de verdade na situação. Cruzes. O tempo de agir como o mediador dentro da sala de aula havia acabado. Os dois que se resolvessem sozinhos.

Jacob se endireitou sobre a cadeira.

— Não posso ajudar vocês com isso. A próxima turma já vai chegar e eu ainda tenho alguns relatórios para avaliar.

Dois pares de olhos o encararam conflitantes. Eles finalmente demonstraram estar mais preocupados com o peso da nota do que com o próprio orgulho.

— Vamos — Hunter murmurou, esperando que April o acompanhasse para fora da sala. A menina saiu na frente, mas não sem antes presenteá-lo com um olhar mortal.





Durante vários minutos, os dois andaram pelos corredores de St Clair em silêncio. Eles passearam clandestinamente pelo colégio, escutando nada além do eco dos seus passos e vozes monótonas de professores. Por trás das portas fechadas, as aulas eram ministradas no mesmo compasso lento de sempre. April não gostaria de descobrir o que aconteceria se fosse pega de novo fora de sala.

— Por que você aceitou o que ele disse? — a menina perguntou assim que alcançaram uma distância considerável do laboratório.

— Ele é nosso professor — Hunter retrucou em tom definitivo, sem sequer olhar para ela. Queixo erguido, passos decididos. Estava escrito na postura do garoto que ele não estava interessado em conversar. Irredutível era uma boa palavra para descrevê-lo.

Isso quase arrancou uma risada condescendente de April. O fato de Jacob ser um professor não os impediu de desacatá-lo da primeira vez. Esse recém descoberto respeito por figuras de autoridade havia surgido do nada. Simplesmente não combinava com o Campbell que ela conhecia ou assumia conhecer.

Hunter respirou fundo. Ele estava pronto para se esquivar de toda e qualquer pergunta que April fizesse. Pensando melhor, ele estava pronto para evitá-la por inteiro e ponto. Nos últimos dias, o baixista havia se tornado um especialista em fugir daquela garota. Se April almoçava no refeitório, ele saía para fumar um cigarro no estacionamento; se April conversava com os amigos no corredor, ele tomava a primeira esquerda e saía pela porta. A regra era clara: ao menor sinal de April Wright, Hunter Campbell estava fora. O motivo daquele comportamento estava bem claro, ao menos para ele. Hunter não queria ficar perto dela. Se ficar perto de April significava querê-la, então era bom que ele se mantivesse o mais longe possível. Infelizmente, April não estava colaborando para seu plano naquele momento. Ela andava ao seu lado, irritada como sempre, e aquilo mexia com ele. Só a visão daquelas pernas poderia levá-lo à loucura e Hunter era muito jovem para aquele tipo de merda sinistra.

— Acho que eu já vou — April murmurou.

Para o inferno com tudo.

— Escuta — Hunter se postou no caminho dela e mostrou seus dentes brancos em um sorriso arrogante — Nós dois não temos tempo para ficar fazendo trabalho. Os jogos estudantis vão começar daqui a algumas semanas e não é como se você quisesse ficar vendo a minha cara... — ele passou a língua pelos lábios, tentando se convencer de que não soava tão sem fôlego quanto se sentia.

Na noite em que a beijou, Hunter foi embora contrariando a própria vontade. Ele queria entrar de fininho no quarto de April e continuar de onde pararam, mas ela impediu qualquer um de seus avanços. Não só o rejeitou, como também o humilhou. Em um momento, April ateava fogo em seus sentidos; no outro, ela o dispensava com um balde de água fria e uma bela facada em seu ego. Aquilo não deveria enlouquecê-lo. Era normal, rejeição e outras merdas faziam parte da vida. Hunter pensou que seria capaz de esquecer aquele episódio e deixar tudo para trás, mas ali estava ele, lutando consigo mesmo para não roubar um beijo.

Era o desespero. Uma sensação pouco familiar que afetava seu julgamento e o fazia cogitar insanidades. Tudo porque uma garota o rejeitou. Se continuasse assim, Hunter não se reconheceria mais no espelho. April pagaria caro pelo que fez. Ela havia destruído seu orgulho. Simples assim, Hunter foi tomado por uma determinação feroz: ele a faria admitir que o queria. Só precisava de tempo para não estragar tudo.

— Continue — ela franziu a sobrancelha, curiosa para entender aonde Campbell queria chegar.

— Vamos fazer o trabalho na sexta agora, depois da aula — Hunter a devorava com os olhos. Não conseguia evitar. Ela ficava deliciosa de uniforme.

— Não posso — April respondeu, nem um pouco ciente do rumo que os pensamento do baixista tomavam — Temos um tempo vago antes, durante a semana. O trabalho não deve ser tão longo. Vamos para sala de estudos.

Hunter puxou os cabelos enegrecidos para trás. Ele precisava fazer isso. Precisava resistir à tentação de agarrá-la ali mesmo, no meio do corredor, onde alguém poderia aparecer a qualquer momento. Mais importante do que isso, precisava lembrar do seu plano. Não havia pensado nos detalhes ainda, mas com certeza nenhuma etapa envolvia obedecer a cada impulso excitado que viesse de suas calças.

Os olhos castanhos tempestuosos continuavam a encará-lo, completamente alheios às intenções de Hunter, aguardando por uma resposta.

— Tenho atividades da Thomas — o baixista suspirou. Não muito longe dali, seus amigos dobraram o corredor envoltos por uma conversa animada — Escuta, posso falar com você depois? Preciso ajudar os caras. Hoje temos uma reunião com os alunos novos.

— Sim, eu sei qual é. Até mais.

Ele voltou a encarar April da mesma maneira enigmática de hoje mais cedo. Dessa vez, Hunter observava suas feições por um motivo diferente, beirando a malícia. Sem a intenção de prolongar o momento, Hunter se retirou com um sorriso vencedor no rosto. Se April queria um jogo, então ela o teria.








N/A: Saudações, comunidade Zapping Zonica! Chegamos ao fim de mais um capítulo de BULLSHIT, uma história original do Wattpad. Obrigada por acompanharem e comentarem nesse livrinho. Vocês não tem nem ideia de como o feedback de vocês aquece meu coração e me deixa feliz.

Estamos cada vez mais próximos do décimo primeiro capítulo (dividido em parte um e dois; a parte que vcs querem é a dois kkkkkk). Tentarei acompanhar as expectativas UHAUHAU

Peço desculpa por futuros atrasos desde já, mas a faculdade tá me deixando meio... Risos. Precisando de positividade.

Feliz dia das mães pras mamães lindas. E, pra todo mundo também, muito amor e felicidade para a casa de vocês <3

Beijos calientes,

Babi

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