Capítulo VI
F L A S H B A C K
UMA SEMANA ATRÁS
UM PASSO ELEGANTE ATRÁS do outro, April Wright desceu a escadaria de mármore. Queixo erguido, ombros retos e pés tão leves que mal tocavam o chão. Ninguém imaginaria que uma menina com aquela postura e graça havia acabado de fugir de um salão de festas. Assim que chegou ao fim do corrimão, sua atuação foi por água abaixo junto com seu penteado. Ela soltou os cabelos castanhos e os ajeitou com as mãos da melhor maneira possível, tentando aliviar a dor de cabeça. Simplesmente odiava tê-los presos.
Não importava quantos elogios a menina tivesse ouvido naquela noite, ela ainda se sentia como uma tola em um vestido de festa. Tudo que April queria era limpar qualquer vestígio de maquiagem do rosto, se enrolar nos edredons grossos de sua cama e dormir até o dia seguinte. Mas não era tão simples. Por mais que a sensação de não pertencer àquele lugar falasse alto, April não poderia se dar ao luxo de perder a compostura. Sua mãe contava com ela para tal.
Nos dias que antecederam o evento, Paige Wright presenteou a filha com um vestido novo e um par de saltos comprados especialmente para a ocasião. Segundo a matriarca, era importante que os Wright estivessem impecáveis naquela festa — havia especulações a respeito dos Wright circulando por aí, e não eram poucas. Todos os olhos do salão estariam voltados para a família que por muita sorte escapara das garras da pobreza. Certamente, não seria April quem daria a eles o que falar.
Um limpar de garganta interrompeu seus pensamentos. Era uma recepcionista. Ela observava April por trás do alto balcão de madeira, apenas seu rosto rechonchudo de fora.
— Senhorita Wright? — a mulher perguntou hesitante — Precisa de algo?
A menina constantemente se esquecia que havia se tornado uma figura conhecida graças a sua família. Sem dúvidas o sobrenome Wright vinha a tona nas piores horas possíveis.
Pelo olhar no rosto da recepcionista, ela tinha presenciado seu pequeno momento aos pés da escada. Até o homem encarregado de abrir a porta a encarava preocupado, esperando alguma reação da jovem. April olhou ao redor para ganhar tempo, sentindo um caroço se formar em sua garganta. Precisaria respirar fundo se quisesse tomar as rédeas da situação.
— A festa é lá em cima — a moça acrescentou com um sorriso cortês.
— Obrigada — April agradeceu sem saber porquê — Mas vou me retirar agora.
Seu coração batia forte como se quisesse abrir caminho para fora de seu peito. O que era para ser apenas um momento longe dos olhares havia se tornado algo mais. A oportunidade só ficou clara quando surgiu: April tinha o direito de abandonar a festa sem se esgueirar pelas janelas como uma fugitiva. Ela não estava fazendo nada de errado. Certo?
— Pois não, espere um minuto. Eu chamarei seu motorista.
A menina sorriu para a gentileza, tentando esconder o medo de ser pega pelo senhor Caulder. A lealdade do motorista estava com seus pais e naturalmente o homem contaria tudo para eles na primeira oportunidade.
— Não, não. Prefiro andar. Eu preciso dar uma caminhada.
A resposta pareceu deixar os dois funcionários ainda mais desconfortáveis.
— Tudo bem... — os lábios da mulher se franziram. Definitivamente aquilo não estava previsto no manual — Vou chamar um táxi, então. Pode aguardar lá fora.
— Seria ótimo.
April se dirigiu à saída, e a recepcionista se voltou ao telefone com um pequeno sorriso cúmplice no rosto.
Assim que a porta do hall foi aberta, os pulmões da menina foram golpeados por ar fresco. Se não fosse pelo som das conversas animadas que atravessavam a entrada de vidro, o quarteirão estaria entregue ao silêncio absoluto. Ela decidiu esperar pelo táxi na calçada, onde o funcionário responsável por manobrar os carros fumava um cigarro.
A menina estava quase entrando no prédio novamente quando dois faróis a cegaram. Um carro havia dobrado a esquina para estacionar no meio fio e cuspir alguns passageiros na calçada. A primeira pessoa que ela identificou entre os recém chegados foi Hunter Campbell. Ele ajudou Lexie Palmer a sair do veículo, segurando a mão da garota enquanto ela deslizava para fora uma perna por vez. April pensou que, se estivesse usando um vestido colado como aquele, também teria dificuldade em se levantar.
Quem Hunter pensava que era para aparecer ali? Menos de uma semana atrás ele havia sido pego invadindo a casa dos Halden! Até onde April sabia aquilo se classificava como um crime e ela não estava no clima para se tornar cúmplice novamente. Movida por um impulso poderoso, a menina marchou na direção dele. Se Hunter achava que podia fazer o que quisesse sem sofrer as consequências, ele estava enganado.
A primeira coisa que a garota notou foi que Hunter ficava muito bem de black tie. A gravata borboleta desfeita ao redor de seu pescoço, o primeiro botão da camisa aberto. Um sorriso malicioso com os dentes brancos amostra. Antes que April pudesse terminar de checá-lo, o som de seus saltos contra o asfalto chamaram a atenção de Campbell. Bastou um olhar dele em sua na direção para que todo o encanto fosse desfeito.
Do outro lado da rua, Hunter a encarou surpreso. Ele não via a menina desde a noite em que fugiu da casa dos Halden e a oportunidade de agradecê-la nunca surgiu. A visão de April atravessando rua sob a meia luz era de tirar o fôlego. O vestido cor de champagne delineava sua silhueta como ouro derretido e flutuava a cada movimento gracioso de seu quadril.
— O que você está fazendo aqui? — ela estava furiosa.
O garoto piscou duas vezes antes de processar a pergunta. Definitivamente não foi assim que ele imaginou aquele momento. Os olhos castanhos continuaram a inquirir uma resposta, tão duros quanto perversos. Lexie balbuciou algo em seu ouvido, mas ele sequer teve a capacidade de escutar. Hunter soltou a menina cambaleante e se aproximou de April. Os dois frente a frente, parados no meio da rua deserta.
— Isso aqui é um país livre — ele respondeu sorrindo, querendo chutar a si mesmo pela resposta mais estúpida que já deu em anos.
— Eu vou te dar um desconto porque você está visivelmente alterado — a risada dela soou carregada de descrença, e Hunter descobriu que não gostava nem um pouco desse som. April meneou a cabeça uma vez antes de continuar, como se mudasse de ideia: — O que diabos você está fazendo aqui? Essa é a festa dos fundadores da cidade. Em outras palavras, a festa da família Halden. Josh vai querer te matar, e dessa vez eu não vou impedir. Não posso ficar salvando a sua pele toda hora.
O rosto de April estava vermelho com o esforço. As palavras saíram de sua boca em um fôlego só, tomadas pela urgência, atropelando umas às outras. Nunca antes ela havia se importado com o que Hunter fazia ou deixava de fazer, mas daquela vez foi diferente. A menina tinha se irritado com algo que não era nem de sua conta, para começar, e ainda se deu o trabalho de marchar até ali para tirar satisfações. April mediu o garoto, envergonhada pelo desleixo, mas já era tarde demais. Hunter havia sido forçado para fora do estado de deslumbramento e não parecia nada feliz.
— Não sei o que deu em você, mas isso não é da sua conta. Nós não estamos perdidos. Eu sei o que estou fazendo — os olhos dele a examinaram friamente a procura de algum sinal de desafio. Desse tipo de ameaça April entendia bem demais. Ela revirou os olhos convencida que ainda não existia remédio para a teimosia crônica.
— Olha, Hunter — a menina suspirou — Você e seus amigos, se divirtam. Não vão passar da porta de qualquer maneira.
Aquela era a primeira vez que o Campbell ouvia seu nome pronunciado pelos lábios dela. Não deveria ser importante, mas ele sentia como se fosse. Essa conclusão o deixou perturbado.
A carga de indiferença no rosto da menina impossibilitava qualquer um de seus avanços. Era para ela ficar ofendida! Parte dele contava com isso. Tão frustrante quanto brigar com April, era não poder brigar com ela.
— É aí que você se engana — um dos amigos dele se intrometeu na conversa, quebrando o silêncio tenso entre os dois — A festa da cidade é, por definição, aberta para todos os seus cidadãos. Eu sou Seth Montgomery, aliás — ele fez uma pausa para uma reverência — Nascido e criado aqui. Agora, se me dão licença...
April não teve tempo de questioná-lo. O garoto ruivo atravessou a rua e do outro lado envolveu duas morenas pela cintura, que riram e quase se desequilibraram. Lexie e os outros estavam mais à frente, anestesiados demais para se dar conta da pequena discussão.
— Escuta, April — Hunter a chamou novamente, usando certa rispidez — Agradeço por ter me ajudado naquele dia, mas isso acaba aqui — ele se preparou para deixá-la, mas antes que o fizesse, acrescentou em voz baixa — Eu não sei o que se passa na sua cabeça, então vou simplificar para você: Halden e os amigos dele não são para você. Coloque uma coisa em mente: assim que você perder a graça, eles vão te descartar. Você não é uma deles.
Aquilo soou como se estivesse entalado na garganta dele há tempos. Claro. Esse era o tópico número um no colégio. O que diabos April Wright fazia andando com um dos Halden?
Hunter se deu conta de que o conselho teve o efeito contrário do esperado. Soou tão sutil quanto um tapa na cara e, por mais rude que fosse, Campbell não tivera o desejo de machucá-la. Queria apenas que ela se desse conta de que nenhuma daquelas pessoas queria o seu bem.
Por alguns segundos, tudo que ele conseguiu ouvir foi a respiração agitada da menina. Os olhos castanhos vagavam inquietos pelo asfalto, cada vez mais distantes. Quando April tornou a falar, sua voz era afiada como o fio de uma navalha:
— Você venceu.
Ela não esperou por uma resposta. Deu as costas para Hunter e entrou no táxi que a esperava do outro lado da rua, dessa vez convencida de que não havia nada mais para ela naquele lugar.
FIM DO FLASHBACK
A P R I L
O parque era um ambiente predominantemente familiar. Havia crianças gritando por sorvete, adultos suados em roupas esportivas e carrinhos de bebê por todo canto. Mais uma manhã perfeita como qualquer outra, nada fora do lugar. Nada exceto por mim, é claro. A julgar pelos olhares que eu recebia, andar pelo parque vestindo o uniforme do colégio naquele horário equivalia a segurar uma placa com os dizeres: "Sim, estou matando aula. Quer comprar drogas?". Que maneira de se destacar na multidão. Como eu não queria dar motivos para mães em pânico recolherem seus rebentos, eu decidi colocar o máximo de distância possível entre mim e o playground.
Debaixo da sombra do salgueiro mais antigo que consegui encontrar, minha visão do parque se resumia a um gramado extenso cercado por árvores altas de copas volumosas. Atrás de mim, no caminho de tijolos que atravessava o bosque, havia um corredor de bancos pintados de verdes inteiramente ocupado por idosos em suas melhores roupas de sair. Eu acendi o isqueiro e o aproximei do cigarro que pendia entre meus lábios, tragando a fumaça sem pressa alguma.
Não havia se passado nem vinte minutos desde a minha saída do laboratório e eu já estava arrependida. Eu precisava parar de fazer saídas dramáticas se quisesse ser levada a sério. Foi graças a minha reação exagerada na outra noite — a noite do baile da cidade — que Campbell descobriu como atingir meus nervos.
Tive que abrir um sorriso irônico para a memória, observando a fumaça do cigarro desaparecer no ar. Hunter disse a realidade como ela era, sem rodeios, e talvez fosse por isso que eu o detestasse tanto: todas as partes que eu tentava desesperadamente esconder eram arrastadas para fora de seus esconderijos quando ele falava. Hunter podia se orgulhar de andar por aí exibindo seus defeitos como tatuagens, mas isso me aterrorizava.
Céus.
Eu havia passado tanto tempo fingindo ser outra pessoa, alguém perfeito e inatingível, que ficar de frente para o espelho dessa maneira me apavorava. Eu estava sumindo e, como qualquer criatura egoísta, transferia parte da culpa para outras pessoas. Meus pais, por exemplo, com suas roupas de festa e aulas de etiqueta. Quanto mais eu me aproximava do que eles queriam de mim, mais eu me distanciava de quem eu era. E eu estava em paz com isso, até que me dei conta de que nunca seria o suficiente.
Uma risada amarga escapou da minha garganta. Se o Campbell pudesse ouvir isso, na certa ele diria que esses eram os sofrimentos de uma pobre menina rica. Para o inferno com ele. Eu precisava de um momento egocêntrico e Hunter não podia tirar isso de mim. Mais do que isso, eu não precisava da aprovação de ninguém. Não era graças a Nikki, a ele ou ao Josh que eu estava sentada na grama do parque reavaliando minhas decisões. Era por mim.
Eu estava perdida tão fundo em devaneios que não percebi quando a sensação começou. Só sabia que ela estava lá. Eram dois olhos que queimavam minha pele, me observando insistentes, como se quisessem ser notados. Eu levantei o rosto, pronta para extravasar a raiva em quem quer que fosse. Foi nesse momento em que eu o vi.
O dono do meu tormento estava sentado em uma sombra não muito distante da minha. Hunter Campbell, responsável pela última gota que faltava para que eu caísse em mim, estava a espreita. Eu não consegui fitar em sua direção por muito tempo sem sentir meus olhos lacrimejarem pela claridade. Tratei de fazer um gesto obsceno antes de perder a compostura, mas meu dedo médio foi perdido na tradução.
Mesmo de longe, consegui enxergar um sorriso insolente se formando em seus lábios. Campbell se levantou do gramado e andou na minha direção com a mochila surrada nos ombros, como se eu tivesse verbalizado um convite. Seus passos calmos e confiantes quebravam a distância que nos separava sem pressa alguma. Eu não podia me concentrar em nada a não ser naquelas íris azuis ardendo em cima de mim. Hunter terminava seu trajeto e eu fazia o meu melhor para ignorá-lo, exalando a fumaça sem saber para onde olhar.
Os pés de Hunter abriram caminho até ela, transbordando decisão em cada passada. Não existia um plano dessa vez. Era uma missão de paz, ou pelo menos aquele era o mais próximo que o garoto conseguia chegar disso. Simplesmente sabia que precisava ficar perto dela naquele instante e obedeceu esse instinto.
Quando Campbell achou ter perdido a atenção da garota, April murmurou:
— Você parece um pervertido me bisbilhotando desse jeito.
O comentário fez Hunter sorrir. Ele deixou a mochila preta fazer seu caminho ao chão e se sentou sobre a grama pela segunda vez no dia. Não era tão ruim matar aula ao ar livre. O sol estava quase no topo do céu e as árvores projetavam uma sombra agradável sobre o parque, protegendo-os do calor.
Hunter havia decidido procurá-la ali depois de vasculhar pessoalmente todos os cantos possíveis dentro de St Clair. Estava prestes a encerrar as buscas e desistir, quando avistou a menina descansando debaixo de uma árvore. April parecia distraída, transformando um cigarro em cinzas. Hunter quis dar meia volta e deixá-la em paz, mas algo em seu semblante compenetrado o fez persistir. Ele achou um bom lugar na linha de visão da garota e aguardou. Esperaria o tempo que fosse necessário para ter aqueles olhos castanhos fitando em sua direção novamente.
— Você parecia solitária, April. Eu pensei que talvez uma pequena interação saudável pudesse ajudar — Hunter esperou arrancar um sorriso da menina, mas ela sequer reconheceu a presença do garoto ao seu lado.
Ele queria dizer algo esperto. Algo que fizesse April olhar para ele como fizera na sala, com os olhos castanhos acesos, cheios de vida. Hunter estava ansioso para ver a menina baixar a guarda.
— Pensou errado — ela sibilou depois de um tempo, mirando-o pelo canto do olho.
Hunter seguiu o mau exemplo da menina e acendeu um cigarro, de repente se sentindo nervoso — ele não era um cara de se deixar intimidar facilmente, mas... Que porra de garota difícil.
April, por outro lado, estava tão quieta que nem parecia estar ali. Hunter optou por ficar em silêncio, partindo uma folha seca entre os dedos da mão livre para depois despedaçá-la. Continuou assim até que se deu conta do que estava fazendo. Que Seth não o visse agora. Sem jeito ao lado de uma garota! Aquela era uma hora perfeita para deixar sua personalidade cara de pau entrar em ação, mas nenhuma ideia brilhante surgiu. Novamente, agradeceu que o ruivo não pudesse vê-lo.
— Sabe... Ontem foi a segunda vez que você me chamou de Hunter — o garoto disse assim que se sentiu confiante. Ele levantou os olhos para checar a reação da menina e, para sua surpresa, April o encarava de volta.
Cheia de desconfiança, a menina escaneou cada centímetro do rosto dele: cabelos enegrecidos caíam sobre sobrancelhas cheias, um nariz que ela julgava perfeito e o maxilar largo. Os lábios eram o local proibido. Forçou seu olhar para cima, onde as íris azuis a fitavam. Não fazia sentido ficar irritada com Hunter só porque ele fora o único que lhe dissera verdades. No entanto, o que fazia sentido para April era afastá-lo.
— E quando foi a primeira vez? — ela perguntou, se detestando por morder a isca — Digo, que te chamei de Hunter?
Um sorrisinho surgiu no rosto dele e April quase meneou a cabeça em auto reprovação. Nota mental: não deixar os pensamentos correrem desgovernados na presença dele.
— Foi na noite em que eu te irritei e consequentemente arruinei nossa maior trégua desde que nos conhecemos. Foi no... Aniversário da cidade? Baile da cidade? — ele fingiu pensar, deixando as íris azuis vagarem pelo parque — Não lembro. Era algum desses eventos ridículos que eles financiam com o dinheiro do povo.
A menina quase riu. Hunter sempre tinha alguma alfinetada escondida na manga.
— Onde você arrumou aquele black tie, aliás? — imediatamente após ter feito a pergunta, a menina sentiu o rosto queimar. Ela sabia que precisava frear a espontaneidade ao lado dele, mas era impossível conter a curiosidade. Nunca imaginou vê-lo nas roupas que representavam tudo que ele mais odiava.
— Esse será um segredo que eu nunca contarei — o modo como ele disse aquilo, tão cheio de cerimônia e graça, fez April rir silenciosa.
— Tudo pela travessura.
— Tudo pela travessura — ele repetiu com um sorriso.
— Era muito esforço para apenas arruinar uma festa — April comentou depois de alguns segundos calada, observando o cigarro preso entre seus dedos. A menina tentava espiar o garoto de perfil, mas não dera sorte nenhuma das vezes que arriscou.
Hunter sentiu um estranho otimismo preencher o peito. Eles estavam se saindo bem até o momento, sem troca de insultos ou indiretas afiadas. Ela mesma havia acabado de tentar continuar o assunto! Era espantoso encontrar satisfação em algo tão bobo e o simples pensamento o fez ficar tenso, superconsciente de cada pequeno detalhe. Como a forma que os próprios lábios estavam quase permanentemente curvados para cima durante a curta conversa com a menina.
— Bom, nós estávamos entediados e decidimos fazer um programa alternativo.
— Ah. Claro! — ela repreendeu a si mesma — Invadir festas. É isso que vocês fazem quando não estão invadindo casas?
— Não julgue antes de experimentar, April Wright — ele arqueou uma das sobrancelhas em diversão. Era a oportunidade perfeita para contar a história de como Seth e Finch conseguiram faturar duas garrafas de champagne no fim daquela noite, fugindo pela cozinha.
O baixista se virou para ela com um sorriso e as palavras certas pendiam na ponta de sua língua. Estava pronto para falar, mas assim que as íris azuis pousaram no rosto de April tudo caiu por terra. Hunter tinha os olhos castanhos inteiramente para si, presos aos seus como dois imãs. Foi como se eletricidade vibrasse por cada uma de suas células. Dessa vez, ambos desviaram o olhar, sem conseguir disfarçar o constrangimento.
De repente, Hunter se sentia pronto para partir, atordoado demais para acompanhar o diálogo.
— Jacob deve estar puto — ele falou a primeira coisa que passou pela cabeça, tentando agir como se nada tivesse acontecido. A menina não respondeu, apenas continuou a encarar o horizonte — Nós com certeza já perdemos pontos em biologia. Você sabe disso, não é? — Hunter insistiu, tentando arrancar alguma reação dela.
April brincava com os próprios dedos e o cigarro que pendia entre eles. Quando ela falou novamente, sua voz era áspera:
— Eu não ligo.
— Eu também não — ele soava hesitante. A confusão havia tomado conta de seu cérebro enquanto o coração batia forte contra sua costela, como se antecipasse o que estava para acontecer.
— Então aproveite e me diga: por que você está aqui? — ela finalmente cuspiu o que estava entalado na garganta, disparando seus olhos tempestuosos para o garoto.
— Eu não sei — Hunter franziu o cenho devagar — Acho que a sua atitude rebelde me atraiu até aqui, princesa — o apelido irritante estava de volta. Se April pediu por sinceridade, então ela receberia — Você não parece uma Thomas. Quer dizer, você é feroz, mas não me parece ser uma irresponsável e sem futuro. Eu estava curioso. Pensei que fora da aula de debate seu discurso revolucionário ia para o lixo.
Certeiro como uma flecha. A volta daquele comportamento rude trouxe com uma pontada de decepção que April não soube explicar. Ela mesma havia desejado ouvir os verdadeiros pensamentos de Hunter. Não fazia sentido esperar por uma resposta diferente vinda dele.
— Obrigada pela honestidade — a garota murmurou com raiva — E pela análise profunda antes do meio dia... Droga!
April esbravejou da maneira mais contida possível enquanto tentava se levantar. Parecia impossível se pôr de pé sem deixar a saia mostrar demais.
— Eu odeio esse uniforme.
— Quer ajuda para tirá-lo? — Campbell arqueou uma sobrancelha, atento aos movimentos da garota.
— E você? Quer um tapa?
O rosto da menina estava vermelho de raiva. Hunter se levantou junto com ela, apagando a chama do cigarro sem pressa.
— Tudo bem, tudo bem. Parece que a frívola voltou — o garoto resmungou. As coisas saíram do controle rápido demais para que ele pudesse acompanhar — Não que eu tenha sentido falta.
— Adeus, otário — ela puxou o casaco que servira para protegê-la da grama e se ajeitou com elegância enquanto andava. Hunter deixou uma risada escapar. Aquilo sim era uma saída dramática.
— Você está indo para o lado errado! — ele estava sem paciência para correr atrás de April dessa vez.
O garoto assistiu April se distanciar e um sorriso contrariado surgiu em seu rosto. Tudo sobre ela era ao avesso. Quando achava estar um passo à frente, April dava um jeito de fazê-lo andar dois para trás.
A P R I L
Era tarde demais quando me dei conta de que tomei a direção errada. Eu segui em frente movida por pura teimosia, agarrada a certeza de que, pelo menos, Hunter nunca teria a satisfação de me ver voltando. Se eu passasse outro segundo perto do garoto, eu não seria mais responsável por minhas ações.
— Nunca vi alguém tão mal humorado como você — meu irmão murmurou depois de alguns minutos em silêncio. Eu havia contado para ele a história resumida do meu desaparecimento assim que entrei no carro, porém o máximo que consegui arrancar dele foram declarações vagas.
— Mas...
— Sério — ele me interrompeu — Você é especial.
Cole parecia cansado atrás da direção. Nós estávamos parados em um congestionamento típico da hora do almoço, nada emocionante. Ele segurava o volante com uma das mãos, enquanto a outra pendia pela janela aberta. Seus olhos castanhos, iguais aos meus, pairavam sobre os automóveis espalhados pela rua, nunca ousando mirar na minha direção. Cole foi a primeira pessoa que eu pensei em ligar. Pelo telefone, meu irmão parecia ironicamente tenso em matar aulas que ele sequer prestava atenção, mas concordou em vir me buscar.
Jacob LeBleau não era do tipo de professor que tolerava mau comportamento. Segundo Cole, minha mãe foi notificada do meu sumiço antes mesmo que eu dobrasse a esquina. Nunca nos meus oito anos de colégio aquilo havia acontecido. Aposto que em toda história de St Clair nenhum aluno foi exposto dessa maneira. Era meio humilhante. Quando peguei meu celular, dezessete ligações perdidas da minha mãe brilhavam nas notificações recentes. Não era do feitio dela perder a calma, mas nenhum de nós estava agindo da forma que deveria — a maior surpresa veio de mim, é claro. Assim que eu fui achada as ligações imediatamente cessaram e deram lugar a um silêncio perturbador. Estávamos em uma situação tão extrema que eu não fazia ideia do que era pior.
— Eu não sabia que tomaria essas proporções — admiti.
O próximo passo era implorar por perdão, qualquer coisa que fizesse ele parar de agir como se eu não estivesse ali. O castigo era iminente e os próximos dias seriam um tédio se eu não tivesse meu irmão do meu lado para me apoiar.
— Não é comigo que você tem que se preocupar.
Eu franzi o cenho. Estava prestes a interrompê-lo quando ele continuou:
— Você acha mesmo que a mamãe causaria aquele alvoroço só porque você decidiu dar uma volta? — Cole me examinou, esperando que eu chegasse a conclusão sozinha.
— Não — meu rosto ficou vermelho, dessa vez de vergonha.
— Ele volta ainda hoje, April.
N/A: Saudações, galerinha Zapping Zônica!
O sexto capítulo de BULLSHIT teve muitas referências aos capítulos anteriores, espero que tenham pegado algumas. Não vou mentir, além das referências e da interação da nossa dupla favorita, eu gosto até mesmo de uns detalhes bem bobos nesse capítulo (como o vestido da April no flashback, heheh).
A música tema desse capítulo foi Feels Like We Only Go Backwards, do Tame Impala (porém, na época em que eu escrevi esse capítulo pela primeira vez, lá em 2015, eu estava ouvindo o cover que o Arctic Monkeys fez).
Estou pensando em mudar o dia de postagem para quinta/sexta. O que acham?
Enfim, vocês já sabem que eu sou uma cadelinha carente que precisa de atenção. Deixe sua estrelinha e seu amor, o que você preferir.
Bjinhos
B.
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