Capítulo IV





— VOCÊ DEIXOU ELA TOCAR no seu carro? — Seth exclamou, surpreso demais para se controlar.

Hunter bufou, se preparando para o que viria a seguir. Depois de tantos anos de amizade, era de se esperar que ele estivesse acostumado às alterações repentinas no tom de voz do ruivo, ou ao menos tivesse perdido parte da sensibilidade nos tímpanos, mas não: ainda doía toda maldita vez que aquilo acontecia. Especialmente hoje, quando qualquer som mais alto ecoava por seu cérebro, latejando contra o crânio.

Tirando a parte da bebedeira com os amigos, a noite anterior fora um fiasco. Quando finalmente conseguiu se deitar para descansar, um par de olhos castanhos invadiu seus pensamentos — era aquele estado intermediário entre o sonho e a realidade, em que a letargia invadia seu corpo antes de dominá-lo completamente. O que o despertou foi a surpresa: o que diabos April Wright estava fazendo em sua cabeça? Aquilo o manteve alerta pelo resto da madrugada. Só se rendeu ao sono quando teve certeza de que ela não seria seu último pensamento antes de dormir.

Pela manhã, fora difícil reunir coragem para ir a St Clair, mas depois de alguma pressão por parte da família, ele decidiu ir — só para ganhar a presença, é claro. Sendo realista, o garoto pegaria no sono onde quer que encostasse a cabeça.

— Não só tocar, como também dirigir  —   Finch repetiu as notícias que ouvira na noite anterior, deixando o ruivo a parte.

O carro ainda não é meu, Hunter pensou em retrucar, mas é claro que aquela era uma informação irrelevante para os amigos. No caminho para St. Clair, Finch acabou dando com a língua nos dentes sobre o acontecimento Wright e desde então a voz do ruivo servia de alimento para uma dor de cabeça crescente.

— Por que eu só fiquei sabendo disso agora? — Seth cuspiu a pergunta. Deveria ser a trilionésima da última meia hora.

Hunter colocou um cigarro entre os lábios, ignorando os dois. Era uma manhã nublada, clara o suficiente para obrigá-lo a usar óculos escuros. A temperatura amena permitia o uso do moletom preto e gasto por cima do uniforme, com as mangas arregaçadas até os cotovelos como de praxe. Ele levou um isqueiro até a extremidade do cigarro e o acendeu, para então tragar longamente.

— Nós te poupamos dessa, Seth — Finch lembrou — Você estava acabado ontem.

Na noite anterior, eles decidiram fazer uma pequena celebração de volta às aulas e as coisas saíram do controle. O ruivo apagou no bar depois de se meter em um jogo envolvendo bebidas e devia estar fedendo a cerveja até agora.

— Espera um pouco. De novo, só para ver se eu entendi. Você deixou uma garota, e não só uma garota qualquer, mas April Wright dirigir seu carro?

Era precisamente por isso que ele não queria que os amigos soubessem o que havia acontecido. Existiam assuntos que podiam ser tratados com Seth e outros que deveriam ser evitados de qualquer maneira. O ruivo sempre via segundas intenções, às vezes até terceiras, por trás de cada atitude do amigo — e ele não estava errado, mas ainda era uma mania chata do caralho.

— Não é meu carro — Hunter fez uma pausa para exalar a fumaça, seus olhos em frestas por debaixo dos óculos escuros — E fiz isso porque estava curioso.

— Curioso? Sobre April Wright? — um sorriso zombeteiro se espalhou pelo rosto de Seth — Eu e metade do corpo estudantil te entendemos.

Hunter quase riu. Mesmo antes da tarde anterior, ele já desconfiava que April não se deixaria encaixar fácil no estereótipo de patricinha superficial. Havia algo mais que tornava aquela garota interessante, algo que dirigia caras como ele à loucura. Desde aquela noite em que se encontraram em um closet, alguma coisa havia mudado — ele poderia estar delirando, mas se tinha uma chance de April se sentir atraída por ele, Hunter queria saber. Só esperava não ter ido longe demais ao testar isso.

— Campbell, se você disser que teve April Wright no seu carro e não fez nenhum avanço, eu vou começar a imaginar o pior.

Hunter considerou durante uns segundos o que o amigo falou, mas logo em seguida sorriu de canto.

— Ah, não — o ruivo exclamou — Não sorria. Eu não acredito. Vai me dizer que trocaram juras de amor?

Às vezes era impossível manter uma conversa com Seth. Ele preenchia cada silêncio com indagações intermináveis, andando em círculos até deixar sua opinião clara até para quem morasse do outro lado do quarteirão. Finch também não ajudava — pelo contrário, estava se divertindo muito dando corda para o surto matinal do ruivo.

— Claro que não, seu babaca. Ela ficou na dela e eu fiquei na minha.

— Mas tu é muito lento mesmo — ruivo fez menção de dar um tapa na nuca de Hunter, que se esquivou. Eles estavam prestes a travar uma briga física quando Seth se pôs de pé, recomposto bem a tempo de cumprimentar duas novatas que sorriam para ele amplamente. Típico.

— É — Finch deixou escapar um suspiro audível, chamando atenção dos amigos para uma cena que se desenrolava a metros dali — Acho que tudo voltou à sua ordem natural.

Campbell xingou silenciosamente o ruivo. Na brincadeira Seth havia feito com que ele derrubasse seu cigarro no chão, lugar onde a bituca jazia pisoteada por estudantes que passavam. Ele desistiu de catar o lixo e procurou com os olhos o que Finch indicava.

Bem ali, na cantina externa para todos verem, April se posicionava entre as pernas de Josh Halden em um beijo quente, definitivamente inapropriado para o horário. Não seria exagero assumir que o pátio inteiro havia parado para observá-los — alguns passantes se atreviam a assobiar e gritar uma ou duas gracinhas, incitando o casal. Era um beijo um pouco excessivo se levassem em consideração o código disciplinar de St Clair, que proibia até um simples segurar de mãos. Josh estava sentado no tampo de uma das mesas, como se fosse dono do lugar, enquanto April tinha os braços entrelaçados ao redor de seu pescoço.

Hunter sentiu o rosto endurecer. Algo parecido com desprezo envenenava seus sentidos, levando-o de volta a noite em que invadiu a casa dos Halden na intenção de roubar de volta a bandeira da Thomas. Seus punhos, cerrados nas laterais do corpo, pareciam prontos para desferir o próximo soco.

Que Josh Halden era um babaca, Campbell já sabia — não faltavam motivos para querer chocar os punhos contra o rosto dele. Porém, vê-lo posicionar as mãos na cintura da garota que Hunter havia desejado por semanas... Aquilo instigava um tipo completamente diferente de ódio.

Depois do que pareceu uma eternidade, April quebrou o beijo, afastando-se do menino. Apenas naquele instante ela pareceu se dar conta da platéia. A expressão ingênua em seu rosto quase convenceu Campbell, mas então o impensável aconteceu: aqueles olhos castanhos cheios de malícia encontraram os dele no meio da multidão e um sorriso lento se espalhou pelos lábios de April.

Te peguei.

—  Filha da puta — ele arfou, percebendo o que a garota havia feito.

Aquilo não podia ficar assim.

Diabos, Hunter sabia reconhecer uma provocação quando via uma. Ele viera preparado para enfrentar qualquer coisa vinda de April, menos isso. Um olhar da menina bastou para que adrenalina fosse injetada em suas veias. Ela havia conseguido exatamente o que queria de Hunter: uma reação exagerada, um rosto retorcido em ódio e, mais importante do que isso, mostrar a ele quem dava as cartas ali.

Por cima do ombro de Josh, os orbes castanhos de April faiscavam em um desafio mudo. Aquele fora o primeiro passo dado em direção a destruição. Os dois se aventuravam mais fundo em um jogo perigoso, onde nenhum dos lados prometia jogar limpo. Nunca antes isso fora tão palpável como agora: April havia acabado de aumentar as apostas e ele estava louco para vê-la jogar.

— Halden é um bastardo sortudo, isso sim — Seth ralhou. — Garotas como essa só ficam com mauricinhos que nem ele.

Finch ensaiou um suspiro teatral e depositou um tapinha no ombro do amigo:

— O negócio é não parar de sonhar, não é, Campbell?

Os garotos riram da falta de resposta de Hunter. Ele permanecia parado no mesmo lugar com a atenção presa a April. A menina puxou a pequena mochila pelas alças e a vestiu sobre os ombros com um sorriso malicioso. Mesmo distante do par, ele entendeu que ela se despedia de Josh.

Por hora, Campbell decidiu ser paciente e aguardar pela oportunidade perfeita para jogar — valeria a pena investir nessa garota, ele podia sentir. Era tudo uma questão de saber esperar, o garoto pensou. Agora, mais do que nunca, Hunter precisava provar a April que conseguiria vencê-la.





A P R I L


Com a ponta do lápis eu risquei uma pequena fileira de traços — cada linha de carvão representava uma fração de hora que havia se passado. De acordo com os rabiscos, faltava pouco mais de vinte minutos para a aula acabar. Eu me revezava entre fazer o dever em silêncio e espiar o relógio, secretamente satisfeita comigo mesma pelo espetáculo exibicionista na entrada da escola. Céus, irritar Campbell nunca perderia a graça.

Na tarde anterior, Hunter e eu saímos para um passeio de carro que terminou em tapas e chutes. Nenhuma demonstração de violência me pareceu ser o suficiente para traduzir o que eu senti naquele momento. Depois de queimar em um ódio que não conhecia limites, uma realização atravessou a minha mente: Hunter era o errado daquela situação. Ele era grosseiro, não sabia como tratar mulheres e demonstrou diversas vezes não ter respeito algum por mim. Eu não tinha que me torturar por ter sido feita de tola; quem merecia todo o sofrimento era Hunter. Enquanto o sangue esfriava em minhas veias, achei conforto em pensamentos vingativos. Aos poucos eu comecei a traçar estratégias para restaurar meu orgulho e ferir o dele. Eu precisava lembrar ao Campbell que um abismo social nos separava e que ele pertencia ao fundo, junto aos perdedores. Ele poderia me desejar o quanto quisesse, mas jamais seria bom o suficiente para mim. Na minha cabeça, não havia maneira melhor de jogar isso na cara dele do que beijando seu rival, Josh Halden, o rei da escola. Rico, inteligente e perfeito de um jeito que Hunter poderia apenas sonhar ser. Josh era uma carta valiosa e eu não hesitaria em usá-la.

Naquela manhã, eu não havia usado nem metade do meu potencial de destruição. Se Campbell se deixava abalar assim tão fácil, eu mal poderia esperar para ver o resto do jogo.

Quando eu estava prestes a pedir um passe para ir ao banheiro molhar o rosto, uma batida firme atravessou a porta. O toque serviu para chamar a atenção da senhora Gates, que digitava algo distraidamente em seu computador. Ela levantou o olhar da tela e seus infames óculos de armação vermelha penderam sobre a ponta seu nariz. Eu não conseguia acreditar na minha própria sorte: parado na entrada da sala, Josh Halden brilhava como um presente enviado pelos deuses.

— Bom dia — o garoto abriu um meio sorriso. — Estou aqui para falar da semana do espírito escolar.

A professora de álgebra, uma mulher com seus quarentas anos,  permitiu a entrada dele.

— Senhor Halden — ela levantou prontamente da cadeira. — Fiquem à vontade para falar com a turma, o diretor avisou que os representantes viriam.

Parece que não só os alunos estavam loucos para sair daquela sala.

Sem demonstrar nem um pingo de insegurança, Josh se postou na frente da sala ao lado dos dois outros representantes das fraternidades enquanto Gates deixava a turma. Eu sorri para o garoto, mesmo sabendo que ele podia não me ver ali. Puta merda, Josh era muito atraente. Ele tinha os cabelos castanhos dourados puxados para trás e se movia com confiança, preenchendo a sala com sua presença.

— Como todos sabem, na quarta semana de aula nosso colégio celebra a semana do espírito escolar — a seriedade deu lugar a um sorriso travesso. — Mas foda-se isso. O que nós queremos mesmo é a festa de confraternização.

Fiquei surpresa com as comemorações que ouvi logo em seguida. Os alunos pareciam ter entrado em êxtase ao ouvirem as palavras de Josh.

— O que é essa festa de confraternização? — a garota sentada ao meu lado murmurou. Era Zoe Summers, aluna recém transferida. Por ser nova na escola, ainda não recebeu o emblema de sua fraternidade para ostentar no peito, mas eu sei que ela é da Rosseau e isso me deixa impressionada com a sua confiança. Alunos sem emblemas eram ignorados dentro da hierarquia social de St Clair. Isso me fez gostar dela um pouquinho mais.

Eu estava com a resposta na ponta da língua quando uma voz na frente da sala me interrompeu:

— Essa festa é uma celebração que promove o sentimento de irmandade que deveria existir entre nós, os alunos — em um estalo eu reconheci Cole. Que ótima irmã eu era. Babei tanto sobre o Josh que nem percebi a criatura feita a minha imagem e semelhança ao lado dele — A diferença entre essa festa e todas as outras é que a festa da confraternização é promovida pelo corpo estudantil. Uma vez ao ano todos nós trabalhamos juntos para organizar o evento mais foda dessa cidade. Você deveria saber disso, novata.

Naquela hora, Zoe fora reduzida a um ponto vermelho tridimensional. Meu irmão  havia sido agraciado com o título de presidente da Thomas. Aquela era apenas mais uma extensão da popularidade que ele exibia pelos corredores de St Clair. O loiro era a figura menos ameaçadora entre os dois outros alunos na frente da sala, mas ainda assim a palavra dele pesava bastante.

Depois de algumas risadas, eles retomaram a conversa de onde pararam.

— Desculpe por isso. Meu irmão pode ser um exibido às vezes — murmurei para a Zoe, que olhava para um rabisco desenhado no tampo da carteira.

A mesa dela era o completo oposto da minha. Se o meu caderno estava vazio, o dela era repleto de anotações com canetas de três cores diferentes e uma caligrafia digna de Pinterest. Nota mental: sentar do lado dela mais vezes.

A menina se virou para mim com curiosidade cintilando nos olhos. Eles eram castanhos como os meus, mas infinitas vezes mais adoráveis. Seus cabelos longos e escuros acompanhavam até o mais sutil de seus movimentos, emoldurando o rosto de boneca.

— Ele é seu irmão? — eu me preparei para responder, mas ela me interrompeu depois de escanear minhas feições — Não responda. As semelhanças estão por toda parte. Todo mundo deve me achar meio idiota agora.

Eu sorri. Se eu fizesse mais alguma revelação a Zoe, era capaz que ela explodisse bem ali na minha frente.

— Sem problemas. Perto de mim, Cole não passa de um monte pretensioso de lixo. A verdade é que nós precisamos nos esforçar para parecermos diferentes um do outro e sobrou para ele o papel de irmão mais feio.

— Ele é bem bonito, na verdade — ela murmurou em um tom distraído e eu fiquei sem reação por alguns segundos.

Quando Zoe percebeu o que falou era tarde demais. Alguém precisou limpar a garganta na frente da sala para me fazer parar de rir. Os representantes entenderam o recado e decidiram chamar a nossa atenção.

— Senhoritas — meu irmão se dirigia a nós duas  — Temos um último anúncio a fazer, se não for atrapalhar.

Na frente da sala, Cole escondia um sorriso. Nem mesmo a postura séria de representante era o suficiente para mascarar o tom brincalhão que ele sempre usava para se dirigir a mim.

— À vontade — respondi sem um pingo de constrangimento.

— Na semana do espírito escolar nós teremos nossas olimpíadas — Nikki Thibault, a representante da Champoudry, continuou com seu discurso — Não se esqueçam, as equipes serão organizadas na quinta-feira e o treinamento começa o mais rápido possível.

— Caso algum calouro esteja se perguntando — Josh a interrompeu — A fraternidade que ganhar fica com a taça St Clair durante o ano todo.

— E qual a vantagem de ganhar essa olimpíada estúpida? — um garoto da Thomas gritou do fundo da sala — Outro troféu para eu mostrar para a tua mãe?

Os meninos, agora despertos, trocavam cumprimentos e risadas. Cabia aos Thomas questionarem todas as tradições vigentes em St Clair, o que seria admirável se eles não precisassem envolver a mãe de alguém na conversa.

— Você não vai precisar se preocupar com isso — Josh respondeu — A decisão final está sempre entre os Champoudry e os Rosseau.

— É o que nós vamos ver — Cole segurou o ombro dele, na tentativa de trazê-lo de volta para a realidade. Josh parecia estar realmente envolvido na discussão, enquanto os garotos pareciam mais interessados em incitar uma algazarra generalizada.

— Acho que já deu nosso tempo hoje, para mais informações procurem seus representantes — a garota na frente da sala sorriu para a turma e nós nos consideramos dispensados. Eu estava tão entretida que nem tinha guardado minhas coisas.

— Você é da Thomas, não é? — Zoe perguntou, guardando o material da aula dentro da bolsa de couro.

— Sou sim. Meu irmão também é, caso seja isso que você queira saber — joguei verde.

Esperei ela abrir um buraco no chão e se enterrar de vergonha, mas a morena só riu, agora mais relaxada.

— Não era isso que eu estava perguntando, mas obrigada pela informação extra. Pode ser útil — Zoe piscou para mim.

Nós duas seguimos até a frente da sala, onde o trânsito de alunos se afunilava.

— Você decidiu há muito tempo ser uma Rosseau?

— Mais ou menos — Zoe endireitou os ombros como se escolhesse cuidadosamente as próximas palavras. Ela tinha uma pasta amarela nos braços e uma alça de couro lhe atravessava o corpo sustentando a bolsa de carteiro — Só aconteceu. Conversei um pouco com a orientadora e acho que era o que eu estava procurando. Esportes e tudo.

— Bom... — eu ponderei — Na pior das hipóteses, a Thomas tem as portas abertas para você.

Meu comentário provocou uma risada silenciosa:

— Eu vou manter isso em mente.

Nós passamos pela grande porta que levava ao corredor principal e nos despedimos, cada uma partindo para um lado. Eu estava prestes a subir as escadas quando reparei em Josh Halden parado alguns degraus acima, cercado de amigos. Ele sorria, mostrando suas covinhas para quem quisesse ver, e entretinha sua pequena platéia de ouvintes. Antes que a novata pudesse ir muito longe, eu dei meia volta e a alcancei:

— Ei, Zoe. Você quer ajuda para achar a sua sala?




Eu estava fundo no labirinto de salas da ala oeste quando me dei conta de que estava sozinha. A cadência dos meus passos contra o chão de pedra era o único som que preenchia os corredores vazios. Minutos atrás eu havia me despedido de Zoe pela segunda vez no dia e agora seguia pelo caminho menos movimentado, no qual eu tinha menos chances de encontrar algum inspetor. Se continuasse nesse ritmo, eu não chegaria tão atrasada para a aula de sociologia.

Foi descendo uma das inúmeras escadarias de St Clair que encontrei Josh. Ele levantou o rosto, procurando a origem do barulho, e meu corpo inteiro hesitou. Ao que tudo indicava o garoto tinha alguma aula no segundo andar do pavilhão e por ironia do destino nos encontramos. Depois da minha brilhante performance na frente da escola naquela manhã, eu planejava ignorá-lo durante um dia ou dois até que a poeira baixasse. Infelizmente, essa missão acabara de se tornar impossível.

Nós nos encaramos por alguns segundos e por fim ele decidiu se aproximar:

— Que bom que você parou — o garoto liberou uma lufada de ar teatralmente, parando a poucos metros de mim. —  Mais um pouco e eu teria a impressão de que você estava fugindo.

Havia algo afiado escondido por trás daqueles olhos verdes. Apesar do tom descontraído, ele avaliava meu rosto como se preparasse o terreno para algo. Merda. Eu não estava pronta para decidir o que fazer com Josh. Fora um gesto imprudente usá-lo para atingir Campbell. Acho que ainda não existia um cartão de desculpas para esse tipo de situação.

— Josh... — minha voz descarrilou quando percebi que não sabia o que dizer.

— Espere até ouvir o que eu tenho para dizer — ele levantou um cantinho dos lábios em um sorriso torto que eu não fui capaz de resistir. — Depois disso, eu vou embora. Prometo.

O corredor era vazado para um pequeno jardim, o que permitia a entrada da luz natural por entre as colunas que sustentavam o teto. Eu recostei meu corpo contra uma delas e esperei paciente.

— Quero começar de novo — Josh murmurou depois de um silêncio curto, inclinando o rosto para mim — Sem joguinhos envolvidos — sua voz era rouca e seus olhos pareciam famintos por um beijo. Por alguns segundos, eu me deixei acreditar na possibilidade de ele realmente gostar de mim e me senti um lixo. Hunter me tratava como um objeto e em resposta eu usava Josh para atingi-lo. Quanta hipocrisia.

— Então, você admite que estávamos em um joguinho? — eu ri, tentando me desviar da pergunta original.

Josh apenas meneou a cabeça, postando uma mão na parte baixa das minhas costas. Nós estávamos próximos agora. Eu podia sentir o cheiro de menta em seu hálito quente. O único sinal que restava do sorriso no rosto dele eram as covinhas que marcavam o canto de seus lábios.

— Vou pensar — eu prometi, imitando o sorriso dele.

Nosso momento foi interrompido abruptamente quando uma voz masculina ressoou pelos corredores:

— Senhor Halden, senhorita Wright — era um inspetor. — É proibido o contato físico dentro do espaço do colégio.

O homem de meia idade provavelmente estava vagando pelo prédio a procura de estudantes matando aula quando nos achou. Bastou um olhar na figura para que perceber que ele não nos traria problemas. Eu já tinha visto esse inspetor na sede dos Rosseau antes e sabia que ele não dava a mínima para os alunos.

Josh se postou a minha frente como um perfeito cavalheiro, assumindo a postura de um escudo defensor. Eu não estava exatamente protegida atrás dele, mas apreciei a iniciativa.

— Halden, não é? — uma segunda voz acusou. Vinha de um aluno que andava logo atrás do inspetor — Pode tirar as mãos de cima da Applezinha.

Vindo em nossa direção, Zack Dempsey, meu melhor amigo, nos olhava como se tivesse nos pego no flagra. Ele estava se divertindo com isso, eu podia sentir.

O inspetor lançou um olhar irritado por cima do ombro, reprovando atitude do garoto, mas preferiu dar atenção a nós dois:

— De preferência não façam isso enquanto estiverem nas dependências do colégio — ele nos alertou e logo se voltou para o meu melhor amigo — Senhor Dempsey, eu ainda terei que te escoltar de volta à aula?

— Tudo bem, Greg. Acho que ainda sei o caminho — Zack prestou uma continência exagerada sem sair do lugar.

— Bom, agora vocês dois... — Greg nos avaliou com um olhar desconfiado — É melhor para vocês que eu não saiba o que os colocou no corredor. Só voltem à aula.

O homem não esperou para ver as nossas reações. Ele apenas deu as costas e saiu andando como se esse tivesse dado o último aviso, o molho de chaves pendurado no cinto tilintando a medida que se distanciava.

Ao perceber que meu melhor amigo continuaria parado ali mesmo depois do inspetor ter ido embora, Josh murmurou:

— O que você quer, Dempsey? — eu podia sentir o profundo tédio na voz dele.

— Vamos? — Zack se dirigiu a mim, ignorando o outro por completo.

Ele indicou com a cabeça o sentido contrário do caminho que o inspetor havia tomado e esperava que eu o acompanhasse. Eu revirei os olhos quando me dei conta de que Zack não se mancaria de jeito nenhum.

Para me despedir de Josh, eu depositei um beijo em sua bochecha e murmurei um adeus. Foi um gesto doce da minha parte, levando em consideração toda a merda que eu havia feito.

— Te vejo depois — ele murmurou em um tom baixo e depois se voltou ao meu amigo: — Até mais, Dempsey.

Zack apenas levantou o queixo em um cumprimento mudo.

Josh sempre me perguntava como eu podia ser amiga dele. Depois de algum tempo eu finalmente entendi que o garoto não estava interessado em saber como o conheci e sim em fazer uma critica não explícita: como eu me conformava em andar com meus amigos quando podia andar com outras pessoas? No primeiro momento, eu me ofendi com a postura arrogante que Josh assumia para se referir aos meus amigos. Custei a perceber que não importava o que eu dissesse, nem o quanto insistisse, Josh continuaria com os mesmos julgamentos. Depois de algum tempo, acho que apenas aceitei.

— Então... — Zack começou depois que estávamos longe.

— O quê?

— A mocinha me disse pra esperá-la em frente a aula de sociologia e não apareceu — ele levantou as sobrancelhas para mim de maneira indignada. — Não entro naquela aula sozinho nem a pau.

— Desculpa. Você viu que eu estava meio enrolada.

— Enrolada? É assim que vocês jovens chamam isso hoje em dia? — ele olhou para cima pensativo.

— Zack, vai se ferrar.

— Não posso acreditar que você está saindo com esse cara.

Ele meneou a cabeça em desaprovação, exatamente como meu irmão mais velho faria.

— Não viaja — ameacei deixá-lo sozinho, mas o garoto rapidamente envolveu meus ombros em um meio abraço.

— Como foi ontem? — ele perguntou enquanto me guiava pelo pequeno jardim entre os prédios.

Ótimo. Pulamos de um assunto irritante para outro.

— Muito legal — eu ironizei.

Meu veneno passou despercebido pelo meu melhor amigo, que tentava não tropeçar nos meus pés.

— Sério?

— Claro. Nós nos descobrimos melhores amigos e fizemos tatuagens iguais — arregacei meus lábios em um sorriso sarcástico.

Lancei um olhar mortífero para reforçar meu ponto e Zack gargalhou.

— Que bom. Eu ficaria chateado se você tivesse arranjado um substituto pra mim. Ei, monstrinha — o garoto exclamou quando eu tentei pisar no pé dele —, também te procurei por outro motivo... — ele me soltou do abraço e indicou Indy e Cole.

Os dois nos esperavam sentados no murinho que cercava um canteiro de flores. As pedras empilhadas serviam como um banco para os estudantes que passavam pelo jardim.

— Achei que vocês não apareceriam mais — a loira aterrissou os pés no chão, limpando a saia logo em seguida. Meu irmão abriu um meio sorriso, segurando um cigarro ainda apagado na outra mão. — Seu tour com o inspetor foi legal, Dempsey?

— Eu salvo vocês e sou recebido assim?

— Alguém tinha que se sacrificar pelo grupo, Zack — meu irmão estendeu a mão e eles trocaram uns toques de garoto para se cumprimentar. — Antes você do que eu.

— É sim — ele murmurou. — Aposto que você estava muito melhor sem eu e a April aqui para segurar velas.

Espera aí.

A sutileza acertou a minha cabeça como uma pedra e de repente as engrenagens dentro do meu cérebro voltaram ao lugar, ligando pontos antes invisíveis suspensos no ar. Zack poderia estar brincando como de usual, mas dessa vez havia algo ensaiado entre os dois. Talvez fosse o modo desconcertado como minha melhor amiga desviou o olhar para longe e se sentou novamente no banco ou se fosse a maneira que Cole olhou para Zack com a sobrancelhas franzidas, como eu fazia quando ele falava alguma indelicadeza na frente das visitas.

Se havia algum segredo ali, eles fizeram um péssimo negócio confessando para o Zack. Ele era a pessoa mais transparente que eu conhecia, um ser humano adoravelmente lerdo. Não esperei que o silêncio constrangedor se instalasse entre nós. Puxei o braço de Zack para o meu e fingi que os dois fizeram uma boa atuação:

— Dempsey, vamos logo que nós temos aula. Indy, você vem?

Foi só o nome da garota sair da minha boca que Cole fez um pequeno movimento com a cabeça, interessado no que ela iria responder.

— Não, tudo bem. Vou ficar por aqui mesmo — a loira corou, afastando uma mecha loira de seu rosto. Um sorriso escondido passou pelo rosto do meu irmão como uma nuvem.

Cole era meio apaixonadinho por ela, disso eu já sabia. O que eu não sabia era que aquela paixãozinha era, ou podia ser, recíproca. Não cabia a mim pedir explicações para minha amiga, mas até onde eu sabia Indy tinha um namorado.

Enquanto eu me afastava, os dois evitavam se olhar de um jeito quase tímido. Como fui tão estúpida? Estava na minha cara esse tempo todo.


N/A: Olá, amoras!!!! Para o terror das inimigas, nós estamos de volta e dessa vez somos 300k.

São 300k de visualizações e isso é um conquista enorme. Obrigada a todo mundo que votou, comentou, colocou em listinha e me seguiu aqui no wattpad. Fico encantada ao ver uma coisas dessas.

Qualquer erro ou crítica construtiva não hesitem em me notificar. Sério, pode mandar mensagem mesmo.

Obrigada pela paciência e pelo carinho.

Beijos,

B.

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