Capítulo II




A P R I L


DE DOIS EM DOIS MINUTOS Seth Montgomery bocejava alto, mais alto do que uma pessoa normal faria, esticando-se como um gato. Algumas fileiras para o lado, uma garota meio popular não parava de tirar fotos dos alunos adormecidos para postar na hashtag do colégio — ouvi dizer que havia um álbum inteiro dedicado aos sonolentos e eu precisava me policiar para não virar um alvo.

Estávamos todos presos na aula de ciências políticas — o último tempo antes do almoço — e cada um achava seu jeito de combater o tédio. As primeiras semanas de aula eram sempre assim: o colégio não funcionava. Nem mesmo o senhor Richards escondia estar mexendo no celular para matar o tempo. Por sorte, a insistência não muito discreta de Seth surtiu efeito porque o professor olhou para o relógio da parede e logo em seguida para a miniatura em seu pulso:

— Quem entregou o exercício feito pode sair — sinalizou a mesa dele, onde uma pilha de papel se localizava. — Só não causem tumulto, por favor.

Assim que ele terminou a frase, cadeiras começaram a se arrastar e eu cutuquei Zack, que dormia — longe de mim querer perturbar o sono do meu amigo, mas precisávamos ir. Ele levantou minimamente a cabeça, mostrando que estava ouvindo.

— Você vai sentar com a gente no intervalo? — perguntei e, mesmo com a cara enfiada no caderno, ele mexeu a cabeça de forma negativa — Te vejo depois, então.

O senhor Richards poderia não ser o mais brilhante dos professores, mas pelo menos tinha a decência de liberar os alunos antes do sinal tocar. No alto da parede, um relógio indicava que eu teria tempo de sobra para escolher uma mesa boa no refeitório. Eu não fazia ideia de quem poderia almoçar comigo hoje, mas em todo caso mandei uma mensagem para Indy e Jackie. Jackie era a terceira parte da santíssima trindade do caos, mas ela raramente aparecia no colégio antes do meio do bimestre. Com tantas festas selvagens acontecendo por aí, quem poderia culpá-la por perder algumas aulas? Se eu pudesse dormir até o meio dia sem ser enxotada para fora de casa, eu certamente o faria.

Infelizmente, essa coisa de digitar e andar nunca deu muito certo para mim. Eu estava no caminho para o refeitório, dobrando um dos inúmeros corredores de St Clair, quando dei de cara com uma figura sólida. O impacto da colisão foi tão poderoso que eu me preparei para cair no chão como um saco de batatas. Porém, antes que eu atingisse o piso gelado, um par de mãos me puxou para perto. Recuperando meu equilíbrio, eu finquei meus pés no chão e olhei para cima. Duas pedras de safira me observavam de volta cheias de cautela, próximas demais para o meu gosto. Elas pertenciam a um rosto de traços fortes e masculinos: um maxilar definido, nariz reto e sobrancelhas escuras.

Eu me afastei assim que me dei conta.

Não pode ser. Duas vezes no mesmo dia.

— Olha por onde anda — murmurei, desviando do obstáculo à minha frente.

Hunter me segurou pelo pulso gentilmente, o que me fez voltar alguns passos. Eu estava pronta para acabar com a brincadeirinha dele com um tapa quando o garoto começou a falar:

— April — ele me soltou e voltei a fitá-lo — Justamente a pessoa que eu procurava.

— Estou atrasada, Campbell — eu resmunguei mal humorada, apertando o passo para deixá-lo para trás. Porém, antes que eu conseguisse escapar, ele bloqueou a minha passagem com o corpo — Qual seu problema?

— Acredite em mim, não estou aqui porque quero — Hunter esclareceu, fazendo questão do contato visual — Estou aqui porque me mandaram te chamar.

Levantou uma mão ao alcance dos nossos rostos e, entre seu dedo indicador e o médio, havia um papel retangular que eu já conhecia bem. Campbell arqueou as sobrancelhas para mim, seus olhos brilhando em uma curiosidade atípica, e eu o ignorei, pegando a folha.

Era uma advertência. Ali eu tinha que escrever uma justificativa e entregar na Thomas — cada fraternidade era praticamente uma célula do colégio, com sua própria administração e burocracia. O que eu não entendia era porque mandaram logo esse garoto. Geralmente seria entregue por um inspetor.

— Não mate o mensageiro — ergueu as mãos em sinal de rendição — Eu estava cuidando da minha vida quando decidiram me fazer de pombo correio.

Por "cuidando da minha vida" ele certamente quis dizer matando aula no saguão.

— E para não receber advertência você resolveu ser prestativo — eu debochei, provocando o surgimento de um sorrisinho no rosto do garoto — Não pode esperar?

— Não — outro sorriso se repuxou nos lábios dele, como se estivesse achando graça. Eu dei um passo para trás e ele avançou na minha direção — O quê? Proximidade te deixa nervosa?

Hunter se inclinou para perto e seu perfume invadiu minhas narinas, me deixando em alerta. Seus olhos continham um brilho irônico e desafiador, como se compartilhássemos um segredo. E dos sujos.


F L A S H B A C K

DUAS SEMANAS ATRÁS


— Acho que meu cérebro vai explodir — Josh se sentou na beira da cama, massageando as próprias têmporas.

Meu pai enfartaria se soubesse onde eu estava. Sem brincadeira.

Para poupá-lo de um desgaste emocional desnecessário, precisei bolar um plano de cinco fases que envolvia uma melhor amiga, a alegação de um intenso frenesi por chocolate e um álibi convenientemente estratégico: uma maratona de filmes com o Leonardo DiCaprio. Deus abençoe a televisão a cabo.

A verdade era que, depois de um lual na praia, eu e Jackie fomos parar na residência dos Halden com outros sete adolescentes bêbados. Josh havia oferecido sua casa para passarmos a noite — o que não poderia ser considerado um grande gesto, porque todos os amigos dele dormiam ali após as festas. Parece que os pais dele viajavam muito e a casa passava a maior parte do tempo vazia.

Nós subimos para o quarto dele, assim que chegamos, eu quase tive um ataque de nervos por culpa de uma toalha — sim, esse foi o artifício que minha amiga me arranjou. Eu supostamente queria tomar um banho para tirar o cheiro de sal da minha pele e, por sorte, Josh gentilmente se ofereceu para me mostrar as instalações da casa. Acho que nossa criatividade para mentiras esfarrapadas só ia até certo ponto, mas não fez diferença: para minha felicidade, ele pareceu engolir nosso teatro.

— Que estranho. Eu deixei a varanda fechada quando saí... — eu ouvi o garoto murmurar para si, com as mãos ainda enterradas nas laterais do rosto.

— Onde ficam as toalhas? — perguntei, procurando ser útil enquanto escaneava o quarto.

Os Halden tinham um bom gosto impecável. O cômodo tinha tons predominantemente claros, contrastando com a cama king size de estruturas metálicas escurecidas, que fora encostada em um painel de pedra. Na parede restante as portas brancas eram vazadas para o que devia ser um closet. A entrada para a sacada estava aberta, movimentando suavemente o véu da cortina, tão fina que permitia a iluminação natural sombrear o quarto. Parecia um quarto saído de um filme.

— As toalhas estão no closet — ele fuçava a cabeceira a procura de alguma coisa e eu abri uma das portas vazadas, me enfiando ali dentro.

Em um susto, um grito mudo tomou conta do meu rosto. Havia uma pessoa escondida ali, entre o espelho e as prateleiras embutidas. Hunter Campbell, para ser exata.

Antes que eu pudesse tomar alguma atitude digna de um ser pensante, ele pressionou o dedo indicador nos próprios lábios, pedindo silêncio. Campbell parecia mais assustado do que eu e esperava minha reação, os orbes azuis atentos no meu rosto. Por alguma razão estúpida, nós ficamos em silêncio, hipnotizados um pelo outro, como se esperássemos para ver quem daria o bote primeiro.

— Já achou? As toalhas estão meio escondidas — a voz abafada do Josh me despertou do choque — Quer que eu procure?

Hunter arregalou os olhos para mim, sinalizando que eu deveria responder algo.

— Não! Não, tudo bem. Já achei algumas — respondi, e Hunter me entregou uma toalha da pilha que estava ao lado dele.

Na outra mão ele segurava um tecido azul e prata dobrado de forma triangular. De repente, eu já sabia do que se tratava. Havia um rumor circulando por aí de que a bandeira da Thomas fora roubada por algum aluno da Rosseau, como um prêmio de guerra. Eu precisava dar alguns pontos ao Campbell por vir procurar aqui. Era muita paixão mesmo pela Thomas. Ou ódio pela Rosseau, não sei.

Encurtei a distância entre nós. Eu simplesmente não sabia sussurrar e aquele não era um momento para sair testando. O cheiro dele invadiu minhas narinas e me perguntei por que eu estava fazendo aquilo.

— Eu não sei se vou conseguir distraí-lo por muito tempo. Fique atento. Você saberá o momento de sair quando ver — me afastei, esperando alguma resposta dele.

Seu pomo de Adão subiu e desceu rápido quando ele engoliu a seco. Campbell fez um aceno positivo com a cabeça, ainda surpreso por eu ter decidido acobertar seu plano maluco. Seus olhos fizeram um rápido reconhecimento do meu rosto, como se me vissem pela primeira vez, e desceram por meu corpo. Eu revirei os olhos. Ou ele estava atraído por mim — o que seria estúpido, considerando nosso histórico como inimigos mortais — ou estava terrivelmente bêbado.

Deixei o closet às pressas, mas a imagem de Josh sentado na beira da cama me fez hesitar. Joguei a toalha no colo dele. Percebi que estava parada a tempo demais quando o loiro deixou o tecido felpudo de lado, se preparando para levantar, crente de que eu estava para ter um ataque. Ele estava meio certo.

— Aconteceu alguma coisa? — perguntou, ameaçando deixar a cama. Isso me fez juntar um pouco de coragem.

Fiz sinal negativo e me aproximei determinada, antes que minhas pernas estancassem no chão como concreto. Pus um joelho de base na cama e as mãos de Josh envolveram minha cintura automaticamente, me dando o suporte para sentar em seu colo. A sombra dos olhos verdes dele não tinha nenhum pingo da incompreensão que achei que iria encontrar. No momento em que me aproximei sua expressão se suavizou, contemplativa, e eu tive certeza que Josh queria aquilo tanto quanto eu.

Antes que palavras ameaçassem chegar em seus lábios, eu o beijei.





H U N T E R


Quando April Wright entrou naquele closet eu quase pude sentir o abraço gelado da morte se aproximando. Era isso. Ela iria gritar, Josh chamaria os seguranças e, então, a polícia. Eu passaria a noite na delegacia de novo. Talvez nem a minha avó aparecesse para me tirar de lá — o que era justo, levando em consideração a quantidade de problemas que eu tinha arranjado só naquele mês.

Meu coração estava prestes a sair pela boca quando aqueles olhos castanhos se arregalaram para mim. Foi como se o universo tivesse abandonado sua ordem natural para sucumbir ao caos. Nós tivemos o momento mais bizarro sozinhos, ali, naquele closet.

Contrariando todos os conhecimentos que eu tinha sobre ela, April decidiu me ajudar. April Wright. Aquela mesma menina que me olhava de cima e torcia o nariz de uma maneira aristocrática. Uma patricinha acéfala. Eu não a suportava por isso, sempre fiz questão de deixar isso bem claro. Não tinha sentido algum ela me ajudar a sair dali.

Ela se inclinou para perto e eu achei que aquilo fosse um sonho erótico, mas as palavras que saíram da boca dela, sussurradas e urgentes, me trouxeram de volta para o presente. Era difícil me concentrar com um corpo daqueles próximo ao meu. Para piorar ela estava com um decote... Bom. Porra. Nunca na minha vida tive tanta inveja de um cara como tive do Halden naquele instante.

April havia deixado a porta escancarada atrás de si quando abandonou o closet. Eu passei pela abertura e andei com o máximo de cautela até a sacada, sentindo o carpete abafar meus passos. Agora só faltava a coragem para pular. Que porra de plano idiota. Eu não estava bêbado o suficiente para isso.

Quando nos demos conta do furto da bandeira, surgiram avalanches de ideias para roubá-la de volta. Depois de algumas cervejas, a mente criminosa por trás desse plano me convenceu de que era uma boa arriscar meu traseiro pela Thomas. Não foi difícil descobrir onde estava — as pessoas eram espertas, mas burras. Eles poderiam ter roubado uma relíquia da Thomas, mas pecaram em postar isso em todos os quatro cantos da internet.

Nunca achei que eu seria otário o suficiente para ir até o fim disso, mas ali eu estava: no segundo andar da casa que eu invadi, encarando a piscina que amorteceria a minha queda.

Em minha defesa, o plano inicial não terminava desse jeito. Foi surpreendentemente fácil entrar na mansão, só não estávamos contando com a volta do Halden tão cedo. Assim que ouvi os barulhos no andar inferior entendi que aquela era uma missão suicida. Minha única saída era torcer para conseguir correr não quebrar nenhum osso vital no salto.

— Pula, porra! — ouvi Seth gritar, lá debaixo. Os malucos tinham se desesperado quando ouviram os donos da casa chegarem e se "esconderam" na piscina. O grito dele me assustou e dentro do quarto April soltou uma exclamação de susto, afastando Josh.

Agora o cara me encarava puto da vida, de punhos cerrados. É. Eu também estaria puto se fosse interrompido em um momento como esse.

— Campbell — Halden se levantou, pronto para me empurrar ele mesmo, e eu pulei, ignorando qualquer instinto de autopreservação.

Eu estava no andar acima do térreo, então a queda não era insignificante. Lá se foi meu medo de altura, junto com a minha contagem regressiva que ficou pela metade. Quando meu corpo atingiu a água, pude ouvir meus amigos comemorando na superfície. Eles saíram da piscina às pressas, formando ondas que me atingiram por todos dos lados. Eu emergi, tossindo as golfadas de cloro em meio a uma respiração agitada, sem conseguir conter uma gargalhada.

Eu estava vivo.

— NÃO MEXE COM A GENTE DE NOVO, HALDEN, SEU BOSTA — ouvi Seth gritar e um coro de vaias e gritos começou.

Nadei para a borda sem me incomodar com a temperatura da noite e levantei a bandeira recuperada para todos verem.

Eu não me sentia nada menos do que foda naquela hora. Acho que ainda estava bêbado.

Sem dar tempo para aproveitar a vitória, as luzes dos outros quartos da mansão se ligaram uma a uma. Claro que Josh estava na sacada da qual eu havia acabado de pular, gritando muito no ouvido de alguém através de seu celular de última geração. April observava a cena segurando a risada, apoiada delicadamente na grade de metal escurecido da sacada.

Minha respiração era entrecortada. Meu corpo, tomado pela letargia da submersão na piscina, parecia mais pesado do que o normal. Eu olhei ao redor tentando absorver a realidade. Havia um verdadeiro cemitério de garrafas de cerveja vazias espalhado pela área de lazer e um par de tênis surrados jazia esquecido no gramado. Meus amigos corriam para o muro da propriedade enquanto eu ficava para trás junto com o bêbado do Seth e algum imbecil que não conseguia sair da piscina. Existe cena mais cômica do que um bêbado ajudando o outro?

Desisti do Seth, gritando para ele me seguir e olhei uma última vez para a April. Eu estava curioso, é claro. Ela podia se juntar a nós. Ela fazia parte da Thomas também, de certa forma era uma de nós. Havia acabado de provar isso.

— Sai da frente, porra! — o ruivo passou correndo por mim, como se tivesse ficado sóbrio em um segundo. Ele carregava os All Stars no colo e tinha meias nos pés.

Rodeando as laterais da casa, surgiram dois homens uniformizados segurando as guias de cachorros enormes de orelhas pontudas, que mais pareciam crias do satanás. Já estava na hora dos seguranças aparecerem.

Nós corremos pelo gramado, rindo mais alto do que o exercício físico nos permitia. As roupas encharcadas se agarravam ao meu corpo e meus tênis pesavam o dobro do normal, dificultando cada movimento. Porra, depois dessa eu estava pronto até para um triatlo. Seth arremessou os All Stars para cima e nós pulamos o muro de pedras que não era tão alto. Do outro lado, alguns adolescentes bêbados subiam em suas bicicletas e o restante se separava em pequenos grupos para entrar em carros sucateados, disparando pelas ruas do condomínio residencial.

Minha última lembrança daquela noite foi ouvir a gargalhada de Seth que, sentado no banco do passageiro, xingava o nome do Halden em plenos pulmões. Eu acelerava o carro pelo asfalto sem ouvir uma palavra. Meus pensamentos estavam em outro lugar. Eram turbulentos e confusos, atados a um par de olhos castanhos.


FIM DO FLASHBACK


A P R I L


— Nos seus sonhos, Campbell — eu o empurrei, escondendo meu rosto corado de qualquer maneira e ele não demonstrou resistência — Não precisa mais se incomodar. Já estou indo para a secretaria — balancei o papel branco no ar, fazendo menção de sair.

Diminuí o ritmo da caminhada quando percebi que o garoto me acompanhava, com um falso ar de inocência.

— Eu recebi ordens bem específicas. Tenho que ter certeza de que você chegou ao seu destino — Hunter sorriu para mim de um modo quase cortês.

Trinquei o maxilar, considerando partir para a violência física pela segunda vez no dia. Eu realmente não entendia o que se passava na cabeça daquele garoto. Desde quando ele tentava ser agradável? E pior, sorria pra mim sem más intenções?

Ficava difícil lembrar de ser grossa com ele agindo assim. Eu não era um ser humano tão horrível a ponto de agredi-lo verbalmente de graça — havia motivos para tratá-lo daquele jeito. Muitos. Seria estupidez dar para trás por meia dúzia de sorrisos. Ele não era gentil ou educado sem segundas intenções, pelo menos não por muito tempo. Com Hunter, eu estava sempre a uma frase de distância da próxima discussão. Ele não podia me tratar do jeito que queria porque tudo fazia parte do charme de garoto arrogante. O simples pensamento de me igualar às fãs do Campbell me enfurecia.

— O que você quer, Campbell?

— Minha companhia é tão ruim assim? — ele interrogou e eu o fitei sem acreditar — Era brincadeira.

Andamos em silêncio por algum tempo, atravessando um pequeno jardim que delimitava um pavilhão, e seguimos para o próximo. St Clair era um colégio enorme. No meu primeiro ano ali, eu desejei ter um carrinho de golfe para não precisar andar tudo isso. Quase todos os dias nós costumávamos atravessar o campus em busca da cantina que servia o x-tudo bizarro que o Zack gostava.

— Então... O que você fez pra ganhar uma advertência no primeiro dia de aula?

Era desconfortável andar ao lado dele. Principalmente com Hunter tentando manter uma conversa. O que havia de errado com esse garoto hoje?

— Não sei. Ainda não agredi ninguém hoje — deixei em aberto, desistindo de entendê-lo. No fundo eu estava cansada de ficar na defensiva sem receber nenhuma réplica.

Minha resposta arrancou uma risada curta de seus lábios. Eu definitivamente entendia o que atraía todas aquelas garotas, mas não podia esquecer que ele era um cretino que não valia o chão que pisava.

O silêncio rastejou entre nós como uma presença incômoda e insistente. Para minha sorte, não estávamos distantes da sede da Thomas. Assim que avistei o edifício, deixei Campbell pra trás. Eu abri o portal duplo de madeira sem bater e não me surpreendi quando não encontrei uma alma viva ocupando o saguão. No segundo andar, o barulho de uma partida de pingue-pongue em andamento atravessava as paredes finas da sala de jogos. Havia uma baixa durante as aulas, mas, mesmo assim, o lugar nunca ficava vazio. Meu próximo passo foi me enfiar na sala dos inspetores, procurando alguém para me atender.

— Bom dia — sorri de lado quando a porta se abriu, me deparando com um monitor que eu sempre esquecia o nome. Eu só sabia que ele era legal com os alunos — Ganhei uma advertência. Caneta?





— Sobre o que era? — Hunter perguntou assim que eu deixei a secretaria. Franzi a sobrancelha por ele ainda estar ali. Aparentemente, ele não compreendeu minha repreensão muda porque continuou a me fitar.

— Cheguei atrasada no primeiro tempo.

— E o que você escreveu? — ele questionou novamente, abrindo a porta para mim.

Levantei uma sobrancelha para Hunter, mas o garoto não se deixou abalar por minha falta de paciência. As íris azuis insistiam em arrancar de mim uma resposta que saciasse sua curiosidade.

— Eu queria assinar e entregar em branco, mas fui obrigada escrever alguma coisa. Então escrevi que cheguei atrasada ao primeiro tempo. Só.

Dei de ombros e ele riu de novo, achando minha suposta ingenuidade algo engraçado.

— Você sabe que esses papéis são entregues a nós justamente para inventarmos uma desculpa, não é?

— É, mas eu não tenho desculpa alguma. Eu cheguei atrasada porque quis — sorri, não escondendo meu cinismo.

Hunter me olhou pensativo por uns instantes, como se tentasse me entender.

— Por que você se interessa, de qualquer maneira? — a reação dele me incomodou um pouco. Odiava quando as pessoas tentavam me analisar.

— Só um pouco curioso. Sabe, April, nem todo mundo é obrigado a se ajoelhar à sua frente — e ali estava o idiota novamente — Eu posso não lamber o chão que você pisa, mas isso não significa que eu gasto meu tempo odiando você.

— Que seja — eu o deixei para trás, sem a menor intenção de dar corda, e dessa vez ele desistiu.

Claro que por culpa do incidente Hunter eu perdi meu intervalo. Quando cheguei à cantina mais próxima, em busca de algo para enganar a fome, eles haviam encerrado as atividades e só faltaram me expulsar à vassouradas. No horário das aulas, nós, os alunos, éramos proibidos de comprar comida. Porém, meus problemas não acabavam por ai. Josh provavelmente achava que eu estava evitando ele pelo trecentésimo dia consecutivo.

Para ser honesta, eu estava mesmo.




— Língua estrangeira. Eles nunca dão aula antes dos testes de nivelamento — Indy anunciou, comparando nossos quadros de horário.

Estávamos em um amplo corredor próximas ao refeitório. Ficava bem calmo ali durante o penúltimo tempo.

— Droga. Acho que deixei meu celular no armário — eu comentei ao checar os bolsos do meu casaco.

— Bem... Nós não estamos aqui por isso — a garota entrelaçou o braço ao meu e começou a me guiar em direção à sacada do corredor — Já que você não puxa o assunto eu mesma vou falar. Preparada? — eu revirei os olhos — Esse Josh Halden...

O olhar sugestivo no rosto dela não foi o suficiente para mim.

— O que tem ele?

— Zack contou que ele foi te visitar hoje. Na sede da Thomas, onde metade dos garotos quer quebrar a cara dele.

— Nós somos amigos e eu não tenho nada a mais para declarar — continuei usando minha melhor cara de paisagem — Ei. Vocês tem fofocado pelas minhas costas?

— Estamos apenas interessados no que é melhor para você — ela deu de ombros, sem negar, e eu ri.

Passamos algum tempo ali, jogando conversa fora. Indy me contou sobre a ida a Londres com a família — eles tiraram fotos em frente ao palácio de Buckingham e tudo —, e parecia ter sido divertido. Eu não tive tanta sorte aqui na nossa cidade natal.

— Como foi seu verão? — ela me perguntou em determinado momento.

Suspirei. Nada além de intermináveis sessões de socialização obrigatória. Meus pais exigiram que eu os acompanhasse em todos os eventos sociais possíveis durante as férias. Eu me sentia um chihuahua na bolsa de uma madame — era praticamente um enfeite. Parece que eles querem mostrar a todos que somos uma família modelo. Até o Cole, meu irmão, foi obrigado a ir em alguns.

Foi numa dessas festas idiotas que eu oficialmente conheci Josh. Por um momento tive a sensação de que eu consegui ser aceita no grupo, mas não deu certo. Tudo culminou na festa da Nikki. Eu olhei para baixo, ainda tentando organizar meus pensamentos.

— April, sobre o que aconteceu na festa da Nikki...

Controlei meu impulso de revirar os olhos. A loira sequer foi a festa para falar alguma coisa. Nenhum dos meus amigos estava lá.

— É tudo mentira — eu fui seca de propósito. Indy precisava parar. Eu não queria descontar meu ressentimento nela. Se a garota insistisse no assunto da festa, eu rapidamente assumiria uma postura defensiva e arruinaria tudo.

— Então, você realmente deveria parar de ligar pra o que as pessoas falam — Indy concluiu, atribuindo milhares de significados ao meu silêncio. Acho que a essa altura todo mundo já sabia.

— Eu não ligo.

Houve um silêncio depois da minha afirmação, como se nós duas não soubéssemos o que dizer. De repente, a voz de algum inspetor atravessou o corredor — estava esbravejando com dois alunos, provavelmente por estarem fora de aula. O som vinha do pátio, logo abaixo de nós.

— Você acha que ele viu a gente? — murmurei, me afastando lentamente da sacada.

Mais um grito furioso irrompeu do andar de baixo.

— Eu diria que é possível — a menina ajeitou a mochila nas costas e nós fugimos para a direção oposta.



— Finalmente — a loira murmurou para ninguém em especial, se jogando em uma carteira.

Subimos um lance de escadas no fim do corredor e não tivemos problema algum em entrar na sala porque os professores estavam na pausa para o café.

— Meninas — uma voz nos cumprimentou –, minha manhã acabou de ficar um pouco mais interessante — senti um rosto muito próximo ao meu cabelo e me deparei com Finch Abberley. Ele levantou os olhos da minha saia quando eu o flagrei.

— Susto da porra.

— Bom dia pra você também, docinho — ele sorriu malicioso, como sempre fazia.

A pele cor de oliva de Finch contrastava com os dentes brancos perfeitamente alinhados. O cabelo castanho caia suavemente do penteado que ele resolveu adotar ano passado, destacando os olhos verdes do garoto cheios de travessura.

— Ai. Docinho, não, por favor — eu pedi. A expressão dele ficou mais relaxada ao ouvir minha risada.

— Então como devo te chamar? — Finch fingiu considerar.

— Pelo meu nome.

Indy apenas ria de mim.

— Bom dia, Finch — a loira o presenteou com um beijinho na bochecha e então ele me encarou, desdenhoso.

— Bom dia, Indy. Viu só? É assim que pessoas normais se comportam.

Eu revirei os olhos. O professor chegou, repousando um copo de café na mesa, e se virou para apagar o quadro, nos fazendo olhar para frente. Infelizmente não era nenhum cara alto e charmoso vestido de preto, era apenas o humilde e barrigudo Sr. Gilmore.

— A partir de agora, só quero ouvir conversas em francês — ele resmungou, tomando seu lugar na frente da turma.





N/A: Interrompendo a folia de vocês para entregar esse capítulo cheirosinho de BS!!! Não menti quando disse que fortes emoções ainda nos aguardam nesse livro! Adoro escrever essas pequenas aventuras, espero que tenham gostado :D

Aliás, o vídeo na mídia me inspirou para escrever uma parte desse capítulo e será uma chave futuramente na história. Fãs de The Maine, se sintam contempladas nesse momento UHAUAHA

Antes que eu me esqueça, esse capítulo vai para uma chuchuzinha muito especial que entrou na minha vida graças a BS. bellareith, obrigada por sempre me ajudar. Suas palavras fazem toda diferença para mim. Acho que nunca te disse o quanto você é top, mas você é UHAUAH

Por fim, queria deixar um recado. Eu posto muita coisa maneira no instagram de BULLSHIT. Vale a pena dar uma conferida! O user é @barbaratempest, assim como meu twitter. Farei uma imagem informativa no próximo capítulo, mas por enquanto mostrarei para vocês a playlist do Spotify. Não tava esperando que tanta gente seguisse UHAUAHUA

Qualquer bug ou erro, por favor, me avisem!

Beijos,

Babi


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