Prólogo

A criatura já não luta contra a pequena manta tricotada à mão que a envolve há dias, já perdeu as suas forças e a situação não tende a melhorar. O costume diz que ela terá apenas mais alguns dias de vida, felizmente a noite de alimentação chegou.

A sua aparência recém-nascida, viva, pálida e com todas as características de um bebé normal já desapareceu há muito, só se apresentam nos primeiros momentos de existência. A partir do início do segundo dia todo o corpo começa a murchar como uma flor.

O leite materno ajudou apenas a ganhar umas horas enquanto a caça não termina, os seus progenitores sabem do que a pequena criatura anseia desesperadamente, é isso que a vai fazer voltar ao estado inicial e deixar para trás o corpo minúsculo, enrugado e acastanhado.

A meio de um choro baixo, quase apagado e de um olhar de pena de uma mãe inquieta, a porta de madeira bate com força na parede, o tempo chuvoso acompanhado por trovões raivosos estão em sintonia com o ambiente da casa.

Os dois homens entram pela casa com dificuldade, o rapaz que se debate desesperadamente nos seus braços não lhes deixa mover facilmente, pelos vistos sabe o seu destino.

O volume baixo que antes reinava vira um alvoroço, os gritos do rapaz que luta contra as mãos que o agarram, berros dos homens que o castigam pela sua falta de quietude e o choro da criança que agora soa mais alto. Será que o choro é devido ao barulho e confusão ou porque sabe que finalmente vai comer?

O miúdo é amarrado a uma cadeira para que não se mova durante o processo. A mãe pega na filha com o maior cuidado possível, está tão fraca que um gesto mais agressivo podia partir algo. 

Uma faca bem afiada desliza pelo pescoço do rapaz fazendo com que fios de sangue jorrem para o agressor e deslizem pelo corpo do miúdo.

Ele grita em agonia, perguntando-se porque, depois de tanto sofrimento, a sua vida tem que acabar assim.

Apenas um órfão, sozinho neste mundo, a lutar por cada refeição, teto e cêntimo. Todos os dias da sua vida são um pesadelo, mesmo assim, porque Deus daria uma vida tão miserável se esta vai acabar tão rápido?

Apenas naquele momento é que ele se dá conta de que quer a chance de lutar, de se erguer da situação terrível em que foi posto em tão tenra idade, mas quer ter essa oportunidade, e as circunstâncias estão contra ele.

O homem enche um pequeno recipiente com o sangue que lhe sai do corpo, só para depois entregar à bebé. A mãe dá-lhe à boca e, como se já o tivesse provado e soubesse que é isso que a vai salvar, agarra as pequenas mãozinhas à volta das mãos da mãe, pedindo, implorando por mais.

Imediatamente as diferenças fazem-se notar.

A pequena criatura ganha a cor rosada e a força dos membros é restaurada, no final, ela pede por mais. Estica as mãos para o rapaz preso e finalmente os seus olhos encontram-se.

Ele treme apenas com a visão do bebé de boca aberta e dedos espetados na sua direção, pronta para atacar mesmo com a sua pequena dimensão.

Os seus olhos estão negros, loucos por mais de si. O pobre rapaz tenta arquear as costas, um esforço inútil na tentativa de se afastar da criança. O seu corpo magro, vestido por umas calças rotas e uma t-shirt gasta, o corpo cheio de nódoas negras que a sua única família infligiu, o seu tio.

Por momentos arrependeu-se por não ter ido para casa, já não mete lá os pés há uma semana, para deixar o corpo recuperar. Mas se tivesse ido, neste instante estaria desmaiado no chão do quarto com o corpo cheio de dores, mas vivo. Não teria que servir de alimento para um monstro minúsculo.

A mãe aproxima a filha do rapaz que grita por ajuda, mal a criança se vê suficientemente próxima do seu alvo agarra-se à t-shirt velha e puxa-o contra si. A este ponto a mãe já a largou, sem força para segurar a filha recuperada.

Enquanto se alimenta pode ser mais forte que um adulto.

A menina sobe pelo peito do rapaz apenas pela força das mãos, chegando ao pescoço. 

Ela sente o cheio a sangue, a carne cortada, e sabe que está na hora de atacar.

A gola da t-shirt baixou, e a menina toma essa deixa para fincar as unhas ao seu peito e arrancar um bom pedaço da carne do rapaz, que grita de dor.

Mesmo que ele tente saltar e se ver livre do demónio que o tenta devorar ela não se deixa abalar, as unhas que cresceram consideravelmente estão demasiado bem enterradas para poder sair tão facilmente. Ela chupa o sangue que consegue e mastiga a carne com os pequenos dentes afiados que cresceram mal sentiram o sabor do líquido quente que lhe escorre pela ferida.

Tornou-se no seu verdadeiro eu, no monstro que é.

Mas, mesmo que saiba que está perdido, o rapaz não para, ele luta contra a cadeira e a cordas que o amarram, desistir não está nos seus planos.

E, finalmente, ele experiencia pela primeira vez a sorte.

A perna da cadeira faz um barulho demasiado alto quando parte, o rapaz aproveita o desequilíbrio e manda-se para o chão com o lanço que criou com o intuito de a partir ainda mais.

Não lhe interessa se o monstro continua agarrado a si, ele tem que escapar. 

Desajeitadamente se mete de pé, arrancando a criatura colada a ele, sentindo a sua pele rasgar ainda mais. Mas a dor não aparece, a adrenalina está a níveis demasiado elevados para ele se importar.

Os homens ficam surpresos e as suas respostas são lentas, comparado com o rapaz que, mesmo com as mãos ainda presas e um pau de cadeira ainda preso ao joelho, salta para o sofá e depois para a janela atrás dele, partindo-a com o corpo.

Ele cai na relva, rodeado de vidros e com o pau de madeira espetado na carne, e atreve-se a olhar para trás. Os dois homens já estão a abrir a porta para o perseguir, mas de alguma maneira isso não lhe importa, os seus olhos caem apenas na criatura, agora nos braços da mãe.

Está a dormir e o seu corpo já não tem a pele rosada de bebé, está agora roxa, completamente cheia de pisaduras circulares que aumentam e a cobrem toda.

É a coisa mais assustadora que alguma vez viu.

Mas, mesmo assim, sente-se aliviado, porque tem a certeza que o monstro morreu, ninguém, nem mesmo uma criatura como aquela sobreviveria àquela deterioração corporal, está demasiado quieta para estar viva.

Ele fica convicto que matou a criatura, que algo dentro de si a magoou, que é especial, que poderá sobreviver por mais um dia devido à sua coragem e mutação estranha no sangue que consegue matar demónios.

Por isso, de peito cheio e com a sensação de que teve uma pequena percentagem da sua vingança concretizada, faz a única coisa lógica, corre para nunca mais lá voltar.  

Aqui estou eu com um novo livro, desta vez com um novo monstro, o nosso Bruisan! Entenderão um pouco mais sobre esta espécie mais em frente não se preocupem!
Eu realmente espero que gostem, estou me divertindo bastante a escrevê-la e se vir que vocês estão a ter uma resposta positiva me motivará a escrever e a postar mais rápido!
Até ao próximo <3

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