O Casamento
Nunca vi a casa com tanto movimento, permaneço imóvel, em frente à porta aberta, vendo quem entra e quem sai.
Ninguém me dá muita atenção, por isso observo tranquilamente tudo o que me rodeia.
As flores que saem pela casa para a igreja onde casarei hoje, os homens vestidos com fatos pretos, carregando comida para todos os lugares, provavelmente para depois do casamento.
Não há uma única mulher à vista, apenas homens, todos do grupo do Kaydon.
Não estão aqui familiares meus, o meu pai cumpriu com a sua palavra, apenas uns conhecidos do noivo. Acho que assim será mais fácil, como se fosse apenas uma festa que não terei que recordar.
Se a família não estiver presente não é verdadeiramente uma festa. Isto é tudo pelo Kaydon, não por mim. Engraçado o que uma pessoa faz por dinheiro.
Casamento devia ser algo sério, uma celebração de um amor grande, um amor prometido para a eternidade, não uma junção de propriedade. Parece tão frio tudo isto, sabendo os motivos pelos quais estou aqui.
O pai quer transmitir a sua herança a alguém que a use, o noivo quer ser rico e a noiva está aqui obrigada.
Que rica história de amor.
Demorei umas boas horas para vestir o vestido que o meu pai me entregou, nada de muito espalhafatoso. Um corpete branco e um tule que não me chega ao joelho.
Todo aquele tecido parece chamar-me nomes terríveis cada vez que olho para ele.
Sinto que estou traindo todo o meu ser, sinto que estou traindo o Arius. Não que a ideia fosse casar com ele, nunca pensei sobre isso a detalhe, afinal, só trocamos uns beijos.
E por muito que goste dele, não nos conhecemos suficientemente bem para falar em casamento. Embora conheça o meu noivo muito menos. Sei que não quer ter filhos, ele já sublinhou esse ponto mais que uma vez.
Mas o facto de estar aqui, usando um vestido de noiva, prometida a alguém, oficialmente esposa de alguém, faz-me sentir que estou contra o Arius.
Que devia estar aqui com ele, que me devia juntar a ele e só a ele, mas por amor.
Estes dias fizeram-me perceber que ele realmente faz parte de mim. Não me sinto segura ou feliz desde que vim para aqui, e era isso que ele me proporcionava.
Devia dizer-lhe isso, da próxima vez que o vir, devia poder dizer o que sinto por ele sem problema. Quero que tudo isto termine para poder correr para os seus braços.
Acho que o tomei demasiado como garantido, porque todos os dias o espaço no meu coração parece mais vazio.
Sou arrancada do meu transe para me levarem escada abaixo, arranjar o cabelo e colocar alguma maquilhagem, mais uma etapa ridícula do meu lindo casamento.
— Olha se não é a nossa flor preferida.— Aquela alcunha colou, e irrita-me profundamente.
O Arius me explicou o seu significado, em como eu sou uma espécie diferente da deles, supostamente mais poderosa. Mas o nome de flor, nos seus lábios, nos lábios de todos os homens de Kaydon, parece me repugnante, dito com um tom de nojice, não apenas dizendo o seu termo.
— Conhece mais alguma? — Respondo sem medo ao mais aterrador dos sorrisos.
O Sin posta-se à minha frente de mãos nos bolsos do fato preto perfeitamente engomado. A sua gravata, a mesma piada interior, rosa repleta de flores. Se não soubesse como assustador ele é, diria que é um dos homens mais bonitos que alguma vez vi.
Os seus olhos amendoados brilham com o sol que lhe bate, o cabelo parece mais arrumado que o normal, o ondulado tornou-se liso, quase lhe cobrindo os olhos. E aquele sorriso continua na mesma, enorme, e com as covinhas realçadas. Um homem bem parecido, mas horrível e maldoso.
— Não precisa de ser tão bruta comigo, já pedi desculpas pelo meu comportamento.— Ele finge-se magoado, a verdade é que o seu pedido de desculpas não foi minimamente sincero.
Ele usa sempre aquele tom sarcástico, como se tudo fosse uma brincadeira. Como se não me tivesse perseguido e levado até aquela floresta para ser caçada, como se ele não tivesse vindo atrás de mim para me matar e não tivesse ferido o Arius. Nunca o perdoarei, e quando tiver oportunidade, ripostarei da mesma moeda, sem remorsos.
— Gostaria de a acompanhar à igreja. Já estão todos saindo. Ele estende uma mão para que eu a agarre e saia da cadeira onde estou sentada.
A mulher que me maquilhou e mexeu no meu cabelo foi branda comigo, tudo simples. Posso simplesmente imaginar que vou a algum tipo de baile, tudo que me afaste do pensamento de casamento.
Sem a sua ajuda, saio de casa para o jardim, sem ninguém me parar, pela primeira vez estou livre na minha própria casa e posso dizer que senti falta.
Depois de dias rodeada de floresta para dias fechada num quarto, sentir o vento na cara e o cheiro a pinheiros é refrescante.
As mãos do Sin pousam-me nos ombros e puxam-me contra o seu peito, como se me quisesse guiar pelo caminho que já sei.
— Estou a ver que quer que aconteça o mesmo da outra vez.— Ameaço e espero que se lembre do que lhe fiz quando apareceu na minha casa para me levar.
Foi a primeira vez que o meu dom se manisfestou, me lembro de como ele ficou com os olhos vazios, petrificado. Nunca mais consegui fazer algo igual, mas isso ele não sabe.
Ao fundo, perto do portão da entrada, vejo o Kaydon. Ele acena para mim, com um sorriso e depois fala com alguém ao seu lado.
E a sua imagem paraliza-me.
Quase não o reconheço, e só se passaram uns três dias desde a última vez que nos vimos.
O Arius está irreconhecível.
De fato vestido, o seu corpo parece mais comprido do que o costume, à medida que anda na nossa direção, ao lado de Kaydon, parece cada vez mais alto, mais intimidador.
O seu cabelo já não está azul escuro, e muito menos está na sua cor natural ruiva, ele pintou-o de preto.
E os seus olhos estão quinhentas vezes mais penetrantes. Toda a imagem me congela, nunca o vi tão bonito, tão elegante, tão atraente. Até a sua maneira de andar me puxa para ele.
Algo está diferente, e não digo apenas a aparência, a sua expressão mudou. Está frio, e o seu olhar mete-me medo. Anda com as mãos nos bolsos, mudando a atenção do que o rodeia para mim. Olha-me de cima a baixo e depois desvia o olhar, como se eu nada fosse.
Não parece aliviado por saber que estou bem, nem parece espantado com a minha aparência, nem magoado pelo meu vestido de noiva. Espero ver algum tipo de reação vinda dele, esperava que ele estivesse preocupado com o meu estado, que corresse para mim mal me visse, que mostrasse o mínimo de afeto. Mas eu pareço apenas mais uma.
Todo ele exala frio. Está congelado. É como se eu não existisse.
Porque parece tão distante? Está chateado comigo pelo que estou fazendo?
Estive todos os minutos daqui a pensar nele e no Bo, e enquanto isso ele estava me odiando. Sinto o pequeno-almoço subir para a garganta.
Essa ideia, de ele me odiar pelo que estou fazendo, de se afastar de mim quando estiver tecnicamente casada, põe-me doente. O seu perfume chega-me às narinas quando chega com o Kaydon, outra coisa que me atrai, mas basta o seu olhar para me avisar para manter a distância.
Os seus olhos dizem para não me mexer mesmo que por instinto queira saltar para os seus braços.
— Minha flor, sei que dá azar ver a noiva antes do casamento mas queria dar-lhe a minha segunda prenda de casamento.— Ele aponta para o Arius, que continua imóvel e sem algum tipo de expressão. — Quer uns minutos de privacidade?
— Não é necessário.— Quando abro a boca para responder, o Arius responde por mim, com uma voz que não a sua.
Depois vira as costas e anda de novo até ao portão.
Ele odeia-me, sei que me odeia. Como pude achar que ele esperaria por mim, que aceitaria tudo o que está acontecendo? Ele vai estar lá na igreja? Não vou conseguir aguentar as lágrimas se ele lá estiver.
Ouço o Sin rir atrás de mim, troçando de mim, da reação do Arius.
— Há muitos peixes no mar.— Sussurra-me ao ouvido, e depois passa para a minha frente.
Abre o braço para que coloque o meu no meio, para me acompanhar.
E posso dizer que me agarro, mas apenas porque acho que as minhas pernas não se aguentam por muito mais tempo e preciso de alguém para me amparar.
Devia ser algo mágico, casar na igreja onde os meus pais casaram, onde fui batizada, onde fiz a minha primeira comunhão. Devia significar algo, e no entanto, não significa nada.
Tudo isto, esta cerimônia, é vazia.
E saber que não tenho apoio nenhum, só me levou ao abismo, quero-me atirar e cair com força. Não deixo que o meu pai me acompanhe ao altar mas sinto-o atrás de mim enquanto ando em direção ao Kaydon, esperando por mim lá em frente, ao lado do padre.
Os homens dele estão todos sentados nos bancos, o Arius incluído. Dou graças a Deus que o Bo não esteja aqui e pergunto-me como é que o Arius foi trazido para este evento.
Com certeza foi o meu pai que revelou a morada da nossa casa e encontrou o Arius, mas será que o Bo está bem? Será que ele está aqui obrigado? Como eu? Ou será que se juntou ao grupo do Kaydon de novo?
Porque é que ele não falou comigo quando o Kaydon nos ofereceu uns minutos, podia ter-lhe feito todas estas perguntas, agora sinto que vou vomitar.
Tenho que dizer uma carrada de mentiras e responder a votos escritos sem sentido para que a cerimônia termine, estou esperando este fim há o que parecem ser anos.
Quando leio com atenção e assino todos os papéis sinto que as algemas que me amarravam os pulsos e os tornozelos caíram.
Correria em direção ao Arius, se ele mostrasse que nutre algum tipo de sentimento por mim, por agora só parece apagado.
Fui olhando de relance para ele, procurando o que fosse, raiva, tristeza, talvez lágrimas.
Encontrei nada, apenas uma pessoa que foi obrigada a assistir e acha tudo isto aborrecido. Era isso que ele parecia, aborrecido.
A vontade de chorar é tanta que mal me consigo controlar, até a respiração já se tornou difícil. De vez em quando, no meio dos gritos de festejo deixo sair um gemido de dor que o meu corpo insiste em deitar fora. Deve ser a sua maneira de pedir ajuda pelo sufoco que está passando.
Quando chegamos a casa o sol já se está a pôr, só preciso de ir buscar algumas coisas ao meu quarto e sair daqui a correr, e fá-lo-ei mesmo que o Arius não venha comigo.
— Fique apenas até a hora de jantar, depois terei todo o gosto de a levar a casa.— O Kaydon pede com uma voz terna, completamente o contrário do que ele é.
O meu marido, que tristeza usar essa palavra neste monte de porcaria. Hoje se arranjou bem, com o seu fatinho azul escuro e colete branco com detalhes dourados. O cabelo loiro parece mais brilhantes que o costume. E o fato parece servir-lhe, não é como as outras roupas que parece que vão explodir pelas costuras a qualquer momento.
Esmerou-se.
— Não se esqueça que também tem a obrigação de sair da minha vida no final deste dia.
— No final deste dia.— Usa as minhas próprias palavras contra mim.— Esposa.— Ele saboreia a palavras e depois sorri.
Parabéns, ganhou uma fortuna, aproveita.
Enquanto vejo alguns empregados cozinhando decido subir para o quarto enquanto o jantar não está pronto. Uma dentada e sou a primeira a fugir daqui. Sinto-me exausta, enjoada, desesperada.
Fecho a porta atrás de mim e encosto-me nela, suspirando.
— Os vestidos não combinam com você.— A voz aparece à direita, mas não tenho o instinto de rapidamente atacar. O Arius põe-se à minha frente, uma mão sobre a porta e a outra pairando sobre o meu rosto. Parece enorme, tão grande que poderia cobrir-me por completa, e eu não me importaria. — Mas você está me deixando louco.— O seu hálito bate contra o meu, tão quente, tão perto. Ele respira rapidamente, como se estivesse com pressa, como se eu provocasse isso nele.
— Você está bem? — Levo as mãos ao seu rosto, abrigando as suas bochechas, as acariciando. Ele aceita o meu toque de uma maneira inesperada, solta um gemido rouco e aproxima o seu rosto do meu.
— Eu senti tanto a sua falta. — A sua mão sobe-me pelo braço nu, passa pelo meu ombro, para a nuca, para o fecho na parte de trás do vestido.
O seu toque é tão quente, mas me arrepia, quero mais dele, quero perder-me nele, tive tantas saudades.
Ele beija-me, com pressa, com necessidade, com força. O meu corpo bate novamente contra a porta com um movimento seu, os seus dedos descem o fecho do vestido até ao fim, e depois baixa-mo pelos ombros até ele estar no meio do chão.
Nunca vi os seus olhos brilharem tanto, o azul parece muito mais escuro do que realmente é, só vejo desejo nele, ele precisa de mim, eu sinto isso.
Não sei porquê mas não sinto qualquer vergonha em estar nua à sua frente, ao seu olhar sinto-me segura, sinto que estou onde pertenço, tocando no seu corpo, sentindo os seus lábios nos meus.
Não tenho problemas em tirar a sua camisa e tocar no seu peito, passo a conhecer cada centímetro das suas cicatrizes, da textura que tem a sua pele, do seu cheiro.
Tudo parece tão natural, tocar nele, senti-lo, abraçá-lo, beijá-lo, acho que senti mais saudades do que pensava porque mesmo em êxtase tambem sinto vontade de chorar.
Paro o beijo, enquanto ele se põe em cima de mim na cama, apenas para o olhar no olhos e me deleitar com todo ele, o cabelo preto selvagem, os lábios vermelhos, as bochechas rosadas, a respiração acelerada, sinto-me cada vez mais atraída por ele, e não consigo imaginar porque um rapaz tão incrivelmente bonito me quer.
— Eu te amo.— Os seus lábios se mexem e aquelas três palavras saem voando, quase que não consigo ouvi-las de tão baixo que ele fala, mas eu capto-as. Vão diretas ao coração, ao meu coração que estava tão vazio, me enchendo.
As batidas rápidas sentem-se pelo corpo todo, até só as conseguir ouvir a elas.
Quando me beija novamente, entrego-lhe o meu corpo, sem remorsos, sem hesitações, porque será com alguém que realmente amo. Sei que o amo.
Sei que ele é tudo para mim. Que faria tudo pelo seu bem estar, para que ele fique bem, faria tudo para poder curar as suas feridas, para o proteger, para o fazer sorrir.
Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top