III. Confusion

⊱♥⊰

Assim que pus os pés em meu quarto temporário, um detalhe gritante captou minha atenção. Este quarto tem muitas gavetas.

Para mim duas seriam o suficiente, até mesmo uma, não tenho muitos pertences. Então lembro que esse é um lugar unicamente frequentado pelos riquinhos do centro da cidade. Eles, definitivamente, encontram utilidade em milhares de espaços vazios para seus tênis da gucci ou alguma merda parecida. Talvez um lagarto exótico e certamente ilegal? As possibilidades são vastas.

Mas céus, este colchão é o dinheiro mais bem gasto que aquele cinquentão milionário investiu. Quem sabe ninguém note que ao fim da estadia uma das camas esteja incompleta? Seria como um pagamento extra pelos imprevistos com a filha do chefe.

Assim que percebo o que fiz, me culpo por ter trazido o assunto à tona aos meus pensamentos mais uma vez. Com a certeza de uma margem de erro de 5%, minha ansiedade fará com que eu não consiga pregar os olhos a noite, mapeando e tentando decifrar cada intenção de Sabrina por trás de seu ato inesperado. Mesmo que, ao final, minha conclusão seja a mesma de 30 minutos atrás, no momento em que tive meus lábios beijados. De que não sabia absolutamente nada.

Uma batida apressada na porta bagunça minha linha de pensamento, me forçando a abri-la.

— Joshy!

A princípio não reconheço a quem pertencia a voz — certamente doce e enjoada demais — mas minha memória não tarda em recordar seu rosto em meio ao amontoado de adolescentes mais cedo. Embora seu nome ainda fosse desconhecido, já tinha palpites quanto a alguns traços de sua personalidade, a julgar pela companhia frequente de Sabrina ao seu lado.

— Sebastian — a corrijo, segundos antes de receber um caloroso abraso da garota que mal conhecia. — E você seria..?

— Melina Saint-Aulaire, muito prazer — com a perfeita pronuncia em francês do próprio nome, ela estica a mão formalmente, apesar do abraço de segundos atrás.

Outro traço de personalidade revelado com apenas uma frase. Mencionar seu nome completo em conversas casuais só poderia significar duas coisas: que apesar de ninguém saber quem é seu pai, você ainda espera ser reconhecida por seu registro no cartório, ou porque seu sobrenome soa musical e sexy aos ouvidos, e portanto merece ser ouvido. Talvez a primeira opção, embora a segunda também fosse válida.

— Hum... o prazer é meu, Melina — não era.

— Bom, desculpa atrapalhar, só queria dizer para não se intimidar com a Sabrina, ela é... excêntrica — ela faz uma pequena careta. — É só isso, eu tô sempre aqui, sabe. Não tão autêntica, mas aqui. — e então sorri e faz caminho até a saída.

— Nos vemos por aí — digo ao fazer um pequeno aceno, já que ela sai tão abruptamente quanto veio, como se não pudesse ser vista aqui.

Sento em minha cama absorvendo a nova onda de informações à tona. Melina, amiga de Sabrina. Talvez ela não seja tão arrogante quanto meus sentidos apontam, mas uma vez aprendi algo que a partir de então levaria para toda a vida: nunca confie em alguém com renda mensal superior a 2 carros populares. Já eu, caso repassasse o conselho, faria algumas modificações, "não confie em ninguém" me parece mais sensato.

...

Respiro o mais fundo que posso novamente, perdi meu senso matemático e parei de contar quantas vezes soquei levemente meu peito pelos sentimentos confusos que sentia. Meu coração estava mais calmo do que antes, mas ainda batia como louco ao pensar nos lábios rosados que haviam me beijado. Começo a murmurar uma letra de música qualquer para distrair meus pensamentos, mas o rubor em meu rosto atinge proporções cientificamente preocupantes quando noto uma presença ao meu lado.

Estava sentado perto a extremidade do iate, e agora Sabrina ocupava o lugar ao meu lado, se agachando para não sujar seu vestido, mas desistindo logo em seguida e colocando os pés para fora da grade como eu.

— O mar está meio agitado hoje. Gosto disso. — ela diz encarando a imensidão azul à nossa frente.

— Sinistra... — murmuro diante de sua declaração, e a vejo virar rapidamente com uma expressão mais assustadora que o chacoalhar violento das ondas.

— Joshua, não é? — ela chega mais perto, colocando uma de suas mãos na barra metálica a minha frente e me encarando — Isso não é jeito de se falar com uma mulher como eu, peça desculpas! — sua postura malvada dá lugar a uma feição magoada.

Não consigo evitar a risada diante de sua repentina troca de humor.

— Peço desculpas quando decidir me chamar pelo verdadeiro nome, até lá vai ter que lidar com a mesma insolência que eu. — ainda com sinais de riso, retorno minhas pernas à superfície do iate, assim como ela.

— Bom, Joshzinho, mal para você porque gosto muito desse nome — ela assume uma postura provocadora e chega mais perto — E ele fica melhor ainda sussurrado...

Ela faz menção que vai chegar perto do meu ouvido, e logo percebo as batidas teimosas do meu coração roubando a cena. Ao sentir seus joelhos tocarem minha perna levemente e seu perfume extasiante dominar meus sentidos quase cedo aos seus encantos. Mas rapidamente recobro a consciência e desvio os olhos dos seus ao engolir em seco.

— Eu tô brincando, relaxa. — ela se afasta e ri consigo mesma, não parecendo notar meu nervosismo.

Em certo momento, o silêncio havia se tornado constrangedor, já que ambos se negavam a proferir em voz alta os acontecimentos da noite passada. Chacoalho as pernas suspensas nervosamente, tentando criar coragem e tentando me decidir entre as milhares de perguntas que tinha para ela. Sabrina havia se mostrado alguém mais confusa do que pensava, e a falta de respostas estava me deixando louco.

— Você não costumava ser assim quando brincávamos juntos. A personalidade não mudou muito, você me fazia de servo ainda naquela época.

Percebo uma mudança mínima em sua expressão, algumas piscadas excessivas e por fim, seu olhar desviado. Os muros inquebráveis de Sabrina pareceram ter adquirido uma rachadura inédita. Foi quase imperceptível, mas consegui notar um vislumbre de tristeza por trás dos olhos frios de sempre.

— Não sei do que você está falando. Até mais. — ela retoma a postura e alisa o vestido curto e rodado, para então levantar e simplesmente andar para longe, em direção ao barulho de copos e risadas estridentes.

— Espera! Preciso falar... com você — minha fala se perde ao constatar que Sabrina, de fato, estava longe demais para ouvir meus apelos.

Tão rápido quanto chegou, havia partido novamente, me deixando frustrado com meus próprios questionamentos mais uma vez. Deveria ter aproveitado a oportunidade para recobrar o senso de Sabrina e perguntado que diabos aquele beijo significava.

Nossa conversa serviu apenas para intensificar a turbulência em minha mente, além de levantar novas questões. Ela definitivamente lembrava de mim, de nós. Sabrina sabia, ela lembrava de tudo, até mesmo de que aquele não foi nosso primeiro beijo.

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