27

Jake disse "sim".

Sunghoon sequer perguntou para que lugar iriam, apenas se levantou e o acompanhou silenciosamente enquanto atravessavam o campus para irem até a área mais afastada, onde a clínica escola se localizava.

Era uma construção térrea, mas grande, que possuía duas entradas principais: a de alunos e a de clientes. Jake seguiu as instruções de Soojin e parou na frente da segunda entrada, analisando a porta de vidro como se analisasse se entrava ou se fugia.

— Não é tão ruim quanto parece. — Sunghoon comentou, quando notou a insegurança alheia. — Eles não te forçam a nada e vão ficar em silêncio se você não tiver nada para falar.

— Você já fez terapia antes?

Sunghoon assentiu fracamente e levou os dedos finos até as costas de Jake para acariciar levemente, exatamente como Heeseung tinha feito consigo quando o convenceu a visitar um terapeuta pela primeira vez.

— E você parou? — Ele assentiu mais uma vez. — Por que?

O tatuado sorriu fraco.

— Porque não havia sido uma escolha minha. — Deu de ombros e olhou Jake nos olhos. — Estarmos aqui é uma escolha sua?

Jake assentiu uma única vez.

— Então, ao contrário de mim, você tem coisas que quer falar.

O mais velho o olhou uma última vez.

Então entrou.

*

A estudante veio buscá-lo na sala de espera. Jake analisou como ela parecia feliz em ter alguém para ouvir, observou a postura polida e profissional embora ela continuasse sorrindo, se mostrando extremamente familiarizada enquanto caminhava pelos corredores da clínica-escola.

Jihyo, como havia se apresentado, era uma menina muito bonita. Os olhos castanhos eram grandes e brilhantes e ela tinha uma voz calma que deixava Jake muito mais tranquilo sem que ela precisasse fazer muita coisa.

E naquele momento, o Sim compreendeu o que queria dizer a palavra vocação. Jihyo havia nascido para estar naquela profissão.

E Jake quis renascer para ocupar tão bem uma posição como ela ocupava aquela.

Ela abriu uma porta depois de andarem durante alguns segundos e sorriu antes de indicar para que ele entrasse. A sala era clara, possuía duas poltronas, uma mesa e um divã; existiam travesseiros e um cobertor limpos aos pés do móvel, e ela disse que ele podia sentar onde quisesse.

Ele se sentou no divã e ela sorriu em sua direção.

Jake foi incapaz de não devolver o sorriso.

— Você pode se deitar se quiser. — Ela também se sentou em uma das poltronas. — Bem, Jake-ssi... — Ela começou, ainda sorrindo. — Como nós somos uma clínica escola, é importante que eu comece te dizendo que eu sou uma aluna. Estou no último ano de psicologia e vou seguir o tratamento com você até o momento da formatura, tudo bem? — Ele assentiu. — Eu também gostaria de saber se existe algum problema para você ter essa conversa registrada para trabalhos universitários posteriores. Ninguém além de mim e minha supervisora teremos acesso a essa gravação, e-

— Jihyo-ssi. — Ela chamou, nervoso. — Você me garante com toda a certeza do mundo que isso nunca vai sair daqui? — Ele a olhou. Procurava nela qualquer sinal de mentira ou de incerteza que pudessem fazê-lo recuar. Ele sabia que seria usado no trabalho de formação daquela estudante, mas ter sua identidade revelada a uma segunda pessoa era angustiante.

Mas ele não encontrou nada.

Jihyo sorriu e se aproximou um pouco.

— Você acredita em juramentos? — Jake acreditava em juramentos. Havia feito uma série deles durante sua vida... foi por isso que assentiu.

Contra tudo o que ele imaginou que ela faria (e talvez do que esperasse de uma sessão terapêutica) ela lhe estendeu o dedo mindinho.

— Eu sei que você sabe que é protegido pela ética da nossa profissão. Nós precisamos manter absoluto sigilo, estava na documentação que você assinou na entrada. — Ela reforçou. — Mas agora eu também estou te prometendo que não vou passar para a supervisora nada que você não queira.

Jake a olhou por alguns segundos. O dedo mindinho dela ainda pairava no ar, esperando que ele tomasse a iniciativa de selar aquele acordo.

Ele sorriu pequeno e entrelaçou o mindinho ao dela.

— Ok.

*

Jihyo e Jake marcaram as sessões para todas as terças-feiras após as aulas da tarde. Soojin havia lhe dito que aquele primeiro contato seria apenas uma entrevista de triagem e conversa sobre as motivações que o levaram a procurar a clínica, e não havia mentido.

Por isso, quando ele saiu do consultório tendo a companhia de Jihyo até a recepção, ele não se sentia angustiado e nem ansioso. Ainda que não tenha revelado cem por cento suas motivações, havia falado sobre o relacionamento ruim com a mãe, sobre o pai ausente e o irmão mais novo que parecia abdicar da própria felicidade para protegê-lo, quando na verdade esse era o papel do irmão mais velho.

A facilidade da conversa com Jihyo o havia surpreendido, mas não mais do que avistar Sunghoon lendo uma revista ali na sala de espera.

Porque ele o havia esperado durante todos os setenta minutos de conversa com a terapeuta.

— Você esperou. — Afirmou, assim que se aproximou o suficiente do garoto totalmente distraído com a leitura. Sunghoon levantou o rosto, confuso, e Jake sorriu fraco. — Eu não achei que você fosse me esperar sair.

O Park deu de ombros.

— Eu não esperei o tempo todo, até saí para fumar e-

— Obrigado. — Ele se abaixou até ficar na altura do homem que ainda estava sentado. Ele se apoiou nos joelhos nus pelos rasgos no jeans e sorriu. — Você não precisava ter ficado, mas ficou. É importante pra mim.

— Você me agradece demais por coisas muito idiotas, Jake. — Sunghoon desviou o rosto e fingiu extremo interesse em um vaso brega que estava sobre uma das mesas de centro. Jake quis rir alto pelas orelhas que adquiriram um tom forte de vermelho, mas não o fez.

Porque Sunghoon ficava fofo quando estava constrangido.

— Você tem algum compromisso? — Sunghoon franziu o cenho e o olhou.

— Não tenho. — Deu de ombros mais uma vez. — Por que?

— A Soojin provavelmente não almoçou e ela tá me enchendo o saco fazem semanas por causa de uma casa de Lámen que abriu aqui do lado... daqui uma meia hora ela termina de estudar... — Ele cruzou os braços e entrou imediatamente no modo ator. — Eu comi um salgado antes de encontrar você, mas ele não tinha recheio nenhum e eu ainda estou com fome. Você quer ir com a gente?

— Você tá me chamando para sair?

Não! — Dessa vez foi Jake quem desviou o olhar. — É que você foi muito gentil comigo. Queria retribuir.

Sunghoon sorriu.

— Tudo bem. — Ele se levantou e estendeu a mão para que o outro se levantasse também.

Ele observou o garoto bater nas calças para arrumá-las e ficou em silêncio enquanto eles deixavam a clínica escola para trás. Sunghoon notou que Jake estava pensativo e mais aéreo que o comum, ainda que não apresentasse nenhum traço de ansiedade, por isso foi incapaz de ignorar sua personalidade naturalmente curiosa.

— Como foi o primeiro dia?

Jake o olhou brevemente e sorriu pequeno quando desviou para observar os próprios pés.

— Ela se chama Jihyo. Eu achei que psicólogos fossem sérios e mais agressivos, mas ela é muito doce e simpática... eu fiquei até um pouco ansioso no começo, achei que fosse atuação, mas ela ficou desse jeito o tempo todo, não me deixou ansioso e eu consegui conversar com ela sobre muita coisa. — Ele encarou o céu. — É diferente das outras experiências que eu havia tido.

— Eu achei que você não tinha passado por terapia antes.

— Não por esse tipo de terapia. — Nesse momento o garoto ficou tenso. — Mas eu tinha que encontrar com o padre da paróquia de Sunsuhan pelo menos três vezes na semana... no começo eu ia quase todos os dias. Era como um confessionário, sabe? Mas não tinham divisórias entre nós e eu tinha que contar todos os meus pecados, pensamentos e coisas do gênero.

Sunghoon franziu o cenho.

— E por que?

— Eu cometi um erro. — Jake não o olhava em momento algum. — Mas isso já faz muito tempo.

— E você ainda se encontra com esse padre?

O mais velho assentiu uma vez e Sunghoon se sentiu momentaneamente triste.

— Já faz algum tempo que deixou de ser uma escolha. — Deu de ombros. — Mas eu cansei de brigar por causa disso, então eu só aceito que vou precisar me prestar à certas situações para evitar outras. Faltar me causa problemas e eu já tenho o suficiente.

— Você fala desse cara como se ele fosse um carrasco.

Jake riu fraco.

De certa forma, ele é.

***

Sunghoon, Jake e Soojin almoçaram lámen. Os dois garotos esperaram por menos de dez minutos antes que a garota aparecesse na porta do bloco totalmente destruída, com os cabelos bagunçados em um amontoado estranho que já devia ter sido um penteado e com a barriga roncando de fome.

Jake estendeu uma garrafa de chá com leite em sua direção e ela quase chorou quando sentiu outro gosto de não fosse o de café e energético. De lá, eles foram direto para o restaurante e a garota saiu reclamando que havia comido demais, mas rindo muito alto de mais uma piada que Sunghoon havia soltado aleatoriamente enquanto eles deixavam o dinheiro no caixa.

Nem Soojin e tampouco Jake imaginaram que a presença de Sunghoon poderia ser tão agradável e divertida, mas eles estavam errados e não ficaram nem um pouco tristes por isso. Não existia mais incômodo nenhum entre eles e a única garota do grupo havia se focado nas interações dos outros dois, ainda que tenha mantido o silêncio e sido extremamente discreta em seus pensamentos.

Se sentia tão preocupada quanto se sentiu feliz.

Era bom que Jake fizesse amigos como Sunghoon, e ela esperava que ele não se sentisse tão desesperado quando notasse o que ela havia notado naquela curta uma hora que haviam ficado comendo sopa e jogando bolinhas de papel uns nos outros.

Esperava que ele estivesse melhor consigo mesmo quando notasse que não havia sido apenas um beijo e parecia longe de ser o último.

Sunghoon só chegou em casa lá pelas seis e meia da noite. O Sol começava se pôr e ele estacionou a moto na garagem, tirou os calçados na entrada e suspirou quando notou a república morbidamente silenciosa.

Desde o que havia acontecido no sábado, as coisas estavam estranhas. Jay e Heeseung não ficavam no mesmo ambiente e Sunoo parecia também evitar os dois. Ninguém sabia por que ele também evitava Jay, mas todos haviam notado como o loiro se magoava toda vez que percebia aquele fato.

Miyeon também estava irritada com Heeseung, mas não o evitava como os outros dois. Havia conversado com o moreno e naquela segunda as coisas já estavam mais leves, porém tudo parecia bagunçado demais.

Niki saía pouco do quarto. Havia tentado se entregar para a polícia durante o domingo (e quando explicou o motivo, Jay começou a chorar). A verdade era que ele se sentia um criminoso e muito além disso, também se sentia um abusador.

Demorou mais de duas horas de conversa e um choro muito dolorido até que ele desistisse e compreendesse minimamente que ele estava chapado e bêbado demais para conseguir ter controle sobre as próprias ações. Heeseung pediu desculpas de novo, Niki insistiu que não era culpa dele e Jay abandonou a sala para não expor sua raiva na frente deles.

A verdade é que Jay estava chateado com coisas demais e não falava sobre isso com ninguém.

Sunoo era a única pessoa que conseguia fazer Jay comer direito e havia ficado em casa com ele para convencê-lo a sair da cama e ir para a faculdade. Conseguiu só depois das nove da manhã, mas eles chegaram para os últimos períodos e Sunghoon considerou isso uma vitória imensa. Teve medo do Nishimura desistir do trabalho depois do infortúnio com um menor de idade, mas notou que ele parecia menos triste quando chegou da escola menos de dez minutos depois de si.

Sunghoon e Jungwon eram os únicos que ainda falavam normalmente com todos os moradores da república. O tatuado fingia que nada tinha acontecido, mas até havia arriscado uma conversa com Jay no Domingo, sem sucesso.

Jungwon parecia ser o único capaz de arrancar qualquer coisa dele, e havia confidenciado a si que não havia sido nada além de xingamentos irritados e reclamações sobre a faculdade. E aquilo era estranho por que Jay era simplesmente incapaz de calar a boca.

Heeseung também estava silencioso, mas era um caso diferente. Sunghoon havia conversado com ele ainda no sábado e a culpa o fazia ficar manso como nunca havia sido antes. Estava gentil, muito cuidadoso com as palavras e até havia começado a conseguir acordar sozinho, mesmo que alguns dias antes os garotos tivessem que forçá-lo a acordar com copos de água.

Sunghoon chegou a se perguntar se ele realmente dormia.

O clima era insustentável e tudo parecia cinza demais em um ambiente que sempre havia sido muito colorido. Cinza era uma das cores favoritas do Park, mas ela era extremamente incômoda quando não saía de suas roupas sempre monocromáticas.

A sala estava vazia e Sunghoon passou por ela mais uma vez quando desceu do quarto, já vestido em roupas confortáveis para caminhar até a cozinha. A única pessoa no ambiente era Sunoo, que usava os óculos de descanso e uma samba canção azul enquanto aquecia água e separava o pó de café no filtro.

— Ele parecia melhor. — Comentou quando adentrou o ambiente, alcançando um copo perdido no escorredor de pratos para pegar água gelada direto do filtro.

— Ele não está mais tão desesperado. — Sunoo comentou, se recostando na bancada para esperar a água ferver. — Não queria ir pra aula e quando eu disse que também não ia pra fazer companhia, ele desistiu.

— Você não tinha prova? — Sunoo assentiu.

— Mas eu tinha mais medo que ele se entregasse pra polícia. — Sunghoon o encarou. — Por algum motivo eu fico me sentindo responsável por ele. Eu me sinto assim com todos vocês.

— Com o Jay também? — Sunoo desviou o olhar. — Eu notei que vocês estão distantes, só não entendi o por quê.

— Eu resolvi desistir do Jungwon. — Sunghoon franziu o cenho e ainda que não fosse observado de volta, não deixou de olhá-lo em momento algum. — Só que depois disso, eu não consigo mais encarar o Jay. — O mais velho sorriu de canto.

— Vocês discutiram?

Ele assentiu.

— Na festa. — Continuou, se movendo para desligar o fogo e tirar a caneca do fogão. — Acho que é por isso que me sinto tão responsável pelo Niki agora. — Ele despejou a água no filtro com o pó de café. — Se eu tivesse voltado mais cedo, teria encontrado ele com o adolescente. E se eu tivesse visto tudo, ele teria tido alguém para ajudar.

O cheiro do café se espalhou pelo ambiente e Sunghoon teria suspirado em deleite se não tivesse ouvido aquelas palavras.

— Eu estava tentando consertar meu coração e deixei meu amigo quebrar o dele. — Ele riu fraco. — É irônico como parece que nada se conserta mas sempre existe algo novo para ser quebrado nesse lugar.

— Mas o coração do Niki já estava quebrado. — Sunghoon concluiu. — Talvez essa seja uma chance dele compreender que o coração às vezes faz escolhas erradas e nem sempre o que ele quer é o que a gente precisa.

— E você sabe do que ele precisa?

— Não. — Respondeu. — Mas para construir uma casa nova, a gente precisa demolir a antiga. Talvez as coisas só se quebrem por que nós estamos construindo coisa nova em cima de casas velhas. — Deu de ombros. — E às vezes eu acho que o Niki é o melhor de nós sete.

— Por que ele está quebrado?

Sunghoon sorriu.

Porque ele se dá o direito de se sentir assim.

O mais velho observou Sunghoon por dois minutos inteiros até o garoto deixar o copo dentro da pia e sair do ambiente sem falar mais nada. Sunoo então se livrou do filtro de café, fechou a jarra e se serviu de um copo enquanto finalmente concordava.

Ninguém naquela república estava inteiro, mas ninguém queria dar o braço a torcer, porque admitir a quebra era reconhecer uma construção mal feita.

E uma construção mal feita os obrigavam a enfrentarem os próprios fantasmas.

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