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Ele mal abriu os olhos e já se arrependera. A cabeça doía como se a chacoalhassem repetidamente e sem pausas, ele basicamente sentia seus nervos cranianos tremerem, e mais uma vez Niki amaldiçoou o álcool e a maldita maconha que havia aceitado na noite anterior.

Mas foi quando parou um pouco para pensar, que se lembrou.

Nishimura Riki possuía poucas vontades realmente latentes e a maioria delas já haviam sido resolvidas através de seu próprio esforço, mas existiam poucos sonhos em sua lista infantil de desejos que não dependiam unicamente de sua determinação e força de vontade.

O primeiro sonho era ter amigos para a vida toda. Essa parte ele tinha a certeza de ter conquistado, mas a vida toda ainda não havia passado e muitas coisas ainda poderiam acontecer.

O segundo sonho era se tornar um educador conhecido, já que sempre quis trabalhar com educação física infantil, e ele vinha escalando degrau por degrau para conseguir abrir a própria escola.

E, por fim, vinha aquilo.

Ter alguém.

Mas não qualquer pessoa - por que ter alguém era fácil. Era rápido. Mas encontrar a pessoa certa e fazer dar certo, acordar todas as manhãs e pensar que aquilo faz parte de um sonho, ah...! isso é difícil.

Mas ele se lembrou da noite anterior, quando ele havia conquistado um sonho. E uma vez que se lembrou, olhou para o lugar ao seu lado na cama. E foi um sentimento surreal de... desespero.

A alegria de ser correspondido durou muito pouco quando o travesseiro sempre vazio estava ocupado por uma cabeleira negra que era acompanhada de um corpo magro e pequeno demais para ser quem ele achava que era.

Niki se sentou na cama e observou o garoto deitado tranquilamente como se sonhasse com algo bom, e no segundo que ele se virou de olhos abertos para sorrir em sua direção, o Nishimura entrou em pânico.

Porque quem estava ali não era Heeseung.

Era o amigo de Somi. O amigo adolescente da irmã de sua melhor amiga, de quem Heeseung já havia desconfiado antes e a pessoa que Niki nunca havia de fato levado à sério.

Um colegial menor de idade.

Como ele poderia imaginar que aquilo acabaria acontecendo? Como ele poderia prever que um garoto como ele invadiria uma festa universitária para se declarar, justamente quando Niki estava tão chapado? E o garoto estava com um sorriso tão bonito no rosto que a culpa que sentia se multiplicou por mil e ele quis sumir.

— Bom dia, Hyung.

Coincidências às vezes eram trágicas demais, e Daehwi descobriria isso naquele momento... por que ele não entendeu de primeira porque os olhos de seu hyung estavam tão arregalados e por que ele observava seu corpo nu como se visse um fantasma.

E eles ficaram em silêncio até que ele viu os olhos do outro se encherem d'água e ele sussurrar, de forma muito quebrada:

Me desculpa... — Daehwi observou-o negar com a cabeça algumas vezes e esconder o rosto entre os lençóis. — Ai, meu Deus... me desculpa.

— O aconteceu? — Ele chamou e segurou o rosto alheio com ambas as mãos, pois sentiu que depois daquela noite, ele poderia fazer aquilo.

Afinal, eles estavam juntos agora. Ele era correspondido.

Não era?

— Hyung? — Chamou um tanto desesperado quando o outro homem soluçou uma vez antes de segurá-lo pelos cotovelos, puxando gentilmente seu corpo para longe. — O que foi?

Os olhos estavam conectados e nada no mundo era capaz de descrever a dor que Daehwi viu ali. Eram olhos tão, mas tão diferentes dos que viu durante a madrugada... olhos que divergiam tanto das palavras que haviam sido ditas durante cada segundinho enquanto eles faziam amor, bagunçando os lençóis do quarto e deixando a música da festa distante, dando lugar a gemidos altos que faziam com que na garganta doesse vez ou outra...

Nem parecia a mesma pessoa.

— Me perdoe... eu juro que eu jamais faria isso de propósito.

Você não me ama, não é?

Os olhos de Daehwi estavam cheios d'água; ele sentia cada pedacinho de seu corpo pequeno doer como se tivesse sido atropelado uma dúzia de vezes, mas dor nenhuma se comparava a que sentia no peito.

Enquanto ele via seu castelo encantado desabar diante de seus olhos, ele pensou que existiam mil e um ditados populares que podiam ser usados naquele momento. Desde os mais clichês até os mais antigos que desenhavam a moral de inúmeras histórias infantis, historias que deviam ter influenciado positivamente para que o adolescente não fosse tão inconsequente... mas, naquele momento, existia um que parecia ter sido criado especialmente para aquele momento.

E ele dizia: "Nada é tão ruim que não possa piorar".

— Niki? — A porta se abriu e em um instante o ditado se fez real.

E ao mesmo tempo, tudo se misturou dentro da mente de Niki.

A dor de cabeça insuportável, a culpa inenarrável em ter feito o que fez com um menino menor de idade, o peso de ter que assumir a responsabilidade por quebrar um coração quando o seu próprio já estava em frangalhos, ter de ver o garoto chorar por sua culpa...

E as coincidências também machucariam Niki infinitamente, pois os olhos que observavam a nudez de ambos eram os olhos de Heeseung.

— Você encontrou ele? — Miyeon vinha logo atrás. A voz dela estava distante e a única atitude que Niki teve foi vestir a cueca com pressa. — Por que você dormiu no quarto do quintal...? Daehwi?

Os olhos de ambos os novos chegados passavam de Niki para Daehwi, mas os de Heeseung pesavam criticamente sobre o corpo musculoso que possuía marcas de unhas por todo o tronco. Ele deu as costas e começou a sair do quarto, mas Niki se apressou para explicar, desesperado enquanto as lágrimas desciam sem pausa nenhuma.

— Eu juro que não foi de propósito.

— Ah. — Heeseung riu. — Você transou com um menor de idade e dormiu com ele depois, tudo isso sem querer? — À esse ponto, Daehwi também soluçava. Estava entendendo quase tudo, mas sua cabeça girava como se ele estivesse sob efeito de drogas muito pesadas.

— Heeseung...

— Eu te avisei que ele era apaixonado por você. E outra coisa, como foi que ele veio parar aqui? — Miyeon observava tudo, em choque. — Você devia ter sido adulto, Niki. Essa atitude é criminosa, ele é menor de idade... sabe onde você se enquadraria? Como você deixou isso acont-

— PORQUE EU ACHEI QUE ELE ERA VOCÊ! — Todos ficaram em silêncio. Até os soluços de Daehwi pararam, dado o choque. A voz de Niki nunca aumentava, ele era sempre tranquilo, amável e gentil. Naquele momento ele chorava e tremia culposamente, mas seus olhos eram revoltados na direção de Heeseung. — Eu te vi com uma mulher. Eu só queria esquecer, então eu bebi muito e misturei com alguns cigarros de maconha. Eu estava sozinho porque sabia que estava mal, um tanto aéreo... eu não sou acostumado a beber tanto e fazia muito tempo que eu não usava nada. Eu achei que ele era você.

Daehwi soluçou e colocou a mão contra a barriga. Sentia que ia vomitar.

Aquilo simplesmente não podia estar acontecendo.

Heeseung estava travado no mesmo lugar, estático. Miyeon, no entanto, o empurrou com força da frente da porta e o encarou com ódio.

— Eu achei que você fosse melhor do que isso, Heeseung.

— O que está acontecendo aqui? — Sunoo e Jay haviam os encontrado com a gritaria. Eles estavam do lado de fora ajudando a arrumar algumas coisas quando ouviram barulhos altos de choro.

Chegaram quando a confusão já estava armada.

Daehwi chorava desesperadamente enquanto mantia as mãos na barriga, tentando respirar e não fazer nenhuma sujeira, então Miyeon atravessou o quarto e cobriu sua nudez com um lençol macio. Ela encarou Niki que observava os próprios pés engolindo o choro corajosamente, sem mover um único músculo, então trocou um olhar longo com Sunoo.

Aquele olhar dizia: "Eu não sei o que fazer, por favor me ajude".

— O que está acontecendo? — Jay questionou.

— Nós já vamos descobrir. — Sunoo atravessou o quarto, passou por um Heeseung ainda estático no lugar encarando fixamente o homem forte do outro lado, mas perdeu a vista quando Sunoo segurou Niki pelos ombros e apertou. Em seguida, ele olhou para Miyeon; ela permanecia abraçada ao adolescente choroso, os ombros tremiam e ele se escondia o máximo possível na curva do pescoço dela.

Era como abraçar uma criança extremamente debilitada.

— Leva ele para casa. — Ela assentiu e não demorou mais que um segundo para passar com ele para fora do quarto. Jay agiu rápido e caçou pelo cômodo as peças que pareciam ser do garoto, entregando para ela já no meio do corredor.

Quando voltou, Sunoo encarava Heeseung.

— O que aconteceu? — Ele questionou então para o Lee, pois já havia feito o mesmo com Niki, desistindo depois de notar que ele nada diria. O estudante de educação física apenas encarava os próprios pés enquanto as lágrimas desciam e molhavam o chão de madeira bonita.

— Niki...

Eu estou pedindo para você me explicar o que aconteceu, Heeseung. — Sunoo voltou à cobrar uma resposta. Raramente se exaltava e raramente utilizava-se de qualquer manobra de ordem para com os outros rapazes.

Mas ele sentia os pelos arrepiarem só de imaginar o que havia acontecido ali. Havia sangue nos lençóis. Existia um adolescente naquele quarto e tanto Niki como ele estavam quase nus. Presumir era fácil, mas ele também conhecia a personalidade invasiva de Heeseung e compreendia que ele muito provavelmente havia sido insensível.

Tinha quase certeza.

— Eu vi Niki com o adolescente aqui. Eu disse que ele não podia ter feito isso... — Começou. — Mas eu fui um babaca.

Jay estava em silêncio, confuso. Eram raras as situações onde ele ficava sem palavras, mas simplesmente não sabia o que dizer naquela hora. Era muito surreal acreditar que Niki realmente faria algo como aquilo, então sua cabeça quase doeu pela situação.

— Vocês podem me deixar à sós com o Niki, por favor? — Sunoo pediu.

Jay assentiu e logo deixou o ambiente, mas Heeseung continuou ali, paralisado.

Se sentia um imbecil. Queria falar alguma coisa.

Mas os olhos de Sunoo encontraram os seus e eles eram gelados. Gelados como nunca haviam sido antes.

— Por favor, Lee.

O sobrenome foi uma sentença. "Você não deveria estar aqui agora"; e o Lee aceitou. Ele sentiu quando uma lágrima solitária lhe desceu pelo olho e assentiu antes de deixar o ambiente e fechar a porta.

No mesmo momento, ele ouviu os passos de Sunoo se aproximando e Niki começou a chorar.

Era pura dor.

*

Jay estava sentado no sofá da sala que já havia sido parcialmente limpa e tido o móvel recolocado. O clima parecia estar tenso pela casa toda, e quando Heeseung chegou ele logo se colocou em pé.

— Certo. O que aconteceu, Hee? — Questionou, sinceramente preocupado. O amigo que ainda estava um tanto catatônico e sem emoção alguma na voz, narrou.

— Eu avisei há alguns dias que o garoto estava apaixonado pelo Niki, mas ele não me ouviu, disse que era besteira e que eu estava ficando paranóico. Aí agora eles transaram. — Ele suspirou. — Quando eu vi, fiquei irritado. Falei que ele não devia ter feito aquilo, disse que ele havia sido quase criminoso por que o garoto era menor de idade, mas aí ele me disse que só tinha feito aquilo por que achou que era eu. Ele me viu com uma garota ontem, bebeu demais e...

— Você realmente achou que o Niki faria algo assim de propósito? — Jay estava vermelho. — Você chamou o Niki de pedófilo, Heeseung? Qual é a porra do seu problema?

— Eu-

— Você, mais do que ninguém, sabe que ele jamais faria isso! — Ele bateu nas próprias coxas, revoltado. — Você sabe o quão dolorido isso deve ser para ele? Ele trabalha com crianças, Heeseung, e você o chamou de pedófilo! Como você pode acusá-lo de ser um criminoso ou quebrar corações quando é você quem anda por aí sendo um babaca e ficando com várias pessoas na cara dele, só para vir assumir que gosta do Sunghoon depois? — Ele riu. — Você não gosta de ninguém, Heeseung. Você só gosta de você mesmo!

Heeseung riu. Ele realmente riu, de forma quase louca.

— E quem é você para dizer qualquer coisa? Você é uma puta, Jay! Todo dia está com alguém diferente, fica com o Jungwon sabendo que o Suno gosta dele, fica com o Sunoo sabendo que eu sou apaixonado por ele, transa com um monte de gente na cara do Jungwon sabendo que ele é apaixonado por você... quem você pensa que é para falar algo sobre mim? Você diz que eu só penso em mim, mas é você quem consegue quebrar vários corações de uma vez só, só por que que não gosta nem um pouco de si mesmo!

— Eu não obrigo ninguém a transar comigo! — A voz de Jay subiu, magoada. — E eu nunca fiz nada de propósito, eu nunca beijei outra pessoa na cara de vocês para esfregar o quão poderoso e bom de foda eu sou!

— Eu não disse que você fazia isso!

— MAS VOCÊ FAZ! — Gritou. — E você vive fazendo isso com o Niki... Você quer o que? Descontar nele o que o Sunghoon faz você sentir? Quer que ele sinta dor só por que o Hoonie nunca vai ser apaixonado por você?

Heeseung deu três passos largos até estar de cara com Jay. Ele segurou a gola da blusa laranja e puxou.

Repete.

— Você é cruel, Heeseung. — Jay riu, debochado. — Você vive bancando o preocupado com o Nini só para machucá-lo depois e acha que me machuca falando que eu não me amo... pelo menos eu me importo com as pessoas e quando noto que as estou machucando, eu paro. Você é a porra de um sádico.

Heeseung levantou o braço para desferir um soco cheio contra o rosto de Jay, mas foi puxado para trás com força. Sunghoon o segurava pelos dois braços, o prendendo com o próprio corpo enquanto ele se mexia para ir atrás do loiro que era contido por Jungwon.

Quando estava quase conseguindo se soltar, sentiu um jato gelado de água na cara e travou.

— Mas que porra-

Parem de agir como dois idiotas. — Era uma voz diferente das que estava acostumado. Quando olhou para frente, viu que Jay encarava o corpo baixo de olhos arregalados e ele próprio se assustou quando viu Jake com o copo vazio em mãos. — Vocês são amigos fazem anos e agora estão gritando como dois adolescentes babacas e se magoando... vocês estão para se formar e a profissão de vocês exige o mínimo de maturidade. — A voz era dura e a face era puro gelo. Todos os presentes estavam paralisados. — Eu não sei o que aconteceu, mas pelo visto foi algo sério e vai precisar da atitude de pessoas adultas. Ajam como tal.

Sunghoon observou toda a movimentação e soltou Heeseung assim que o notou menos arredio. Ele acariciou as costelas que haviam sido acertadas e encarou Jake com olhos surpresos.

Não imaginava que ele poderia agir assim, mas, no fim, não era tão surpreendente. Ele era um líder natural e costumava tomar as rédeas quando as situações ficavam confusas demais; havia sido assim durante os jogos e não seria diferente naquele momento. Ambos haviam acordado com a gritaria e sequer conversaram sobre a noite anterior, dada a situação.

Eles sequer escovaram os dentes, mas o dia já vinha sendo longo e difícil.

— Eu vi a Miyeon saindo daqui com o Daehwi e ela me contou um pouco sobre o que aconteceu. — Jungwon começou. — É uma situação muito séria e vocês não deveriam estar brigando agora. O Niki vai precisar da gente... no fim das contas, ele foi uma vítima também.

Heeseung escondeu o rosto nas próprias mãos e assentiu.

— A gente acordou agora. O que aconteceu? — Jungwon olhou para Sunghoon, que falava, então mudou para um Jake que permanecia sério. Não sabia o que havia acontecido entre eles e aquilo não importava muito no momento.

OJay respirou fundo.

— Aparentemente nós vamos ter que banir bebidas alcoólicas e substâncias ilícitas dessa república...

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