09
Anos antes
— E você tem certeza que quer continuar no dormitório da faculdade? — Do outro lado, a mulher argumentava. — A gente pode te colocar em um apartamento, filho.
Heeseung sorriu com o telefone encostado ao ouvido enquanto via a paisagem passar pela janela do Taxi. Ele compreendia a preocupação dos pais e também se sentia ansioso, mas ele queria poder retirar o máximo daquela experiência.
E ter um colega de quarta era um bom começo.
— Está tudo bem, omma. — Sua voz era suave e doce. Sua mãe sempre diria que ele era um príncipe, e tudo sempre iria muito além da aparência bonita. Lee Heeseung era um príncipe, principalmente, pela personalidade calma. — Dividir o dormitório com alguém vai ser legal.
— Mas você tem seus costumes... — Continuou. — Você tem certeza que não vai gerar conflito?
— Alguns costumes podem ser mudados. Está tudo bem. — Deu de ombros. — Omma, eu quero mesmo tentar. Eu posso mudar de opinião depois, se alguma coisa der errado...
— Eu não quero que você se sinta desconfortável quando pode estar em um lugar melhor.
— Eu não quero ficar sozinho. — Disse, por fim. — Eu acho que posso fazer uma boa amizade. Está tudo bem, você sabe que eu sempre fui uma pessoa responsável.
— Eu e seu pai temos orgulho de você, meu menino. — A voz dela era quebrada e o garoto sabia que ela chorava. — Me ligue quando chegar, sim?
— Eu ligo sim, mãe. — Riu fraco. — Não chora. Você já chorou muito antes de eu sair de casa.
— Eu te amo, bebê.
Heeseung sorriu.
— Eu também te amo.
A verdade é que ele tinha medo do novo. Quando terminou o ensino médio e notou que teria que enfrentar a faculdade, ele se sentiu ansioso, como não era incomum. Entretanto, quando ele recebeu a resposta da Seuta-bae anunciando que ele havia passado, ele sentiu medo.
Heeseung saiu de sua cidade natal, há muitos quilômetros de distância de Mulbang-ul, e enfrentar tudo aquilo sozinho era aterrorizando no mesmo nível que o fazia querer pular de alegria. Os pais tinham condições de colocá-lo sozinho em um apartamento próximo á faculdade, mas ele não aceitou.
Não queria ficar sozinho.
Os dormitórios disponibilizados pela Seuta-bae eram baratos e possuíam uma boa infraestrutura, mas não era nada comparado ao conforto de um apartamento, mas a insegurança fazia com que precisasse de mais alguém. Após chegar à óbvia conclusão, o Lee depositou toda a esperança no desejo de compartilhar o ambiente com mais uma pessoa.
Depois de chegar à seu destino e pagar o taxista pela corrida da rodoviária até a universidade, Heeseung se dirigiu até a secretaria do campus para retirar o cartão do dormitório. O objeto era branco, possuía o emblema da instituição, e era ligado á um cordão laranja que estava sujo pelo uso, mas ele sorriu e pegou algumas informações antes de arrastar a mala de rodinhas pelo caminho até o prédio.
Ele nunca havia estado ali antes e sentia a barriga gelar pela expectativa, muito embora nunca tenha sido alguém muito emocional. Sendo filho único, Heeseung nunca precisou dividir nada e nem estava habituado á ser o centro das atenções - os pais tiveram dificuldade de engravidar e nunca mais tiveram sucesso depois do primogênito.
Apesar de ter crescido mimado, o Lee era um cara tranquilo que reservava boa parte do seu tempo para tirar ocasionais sonecas, por isso possuía um humor estável e personalidade agradável, muito embora ficasse mal-humorado quando lhe acordavam de suas sonecas longas.
Mas tinha certeza que sua personalidade melhoraria com a convivência.
Ele subiu três lances de escada até encontrar a porta 512, mesmo número que estava gravado em baixo relevo no cartão que recebera. Grudada ao lado da porta, já na parede, um suporta de plástico protegia a folha sulfite com dois nomes gravados;
Lee Heeseung | 채형원
Park Sunghoon| 임창균
Ele leu os dois nomes e tentou memorizar o nome de seu companheiro de quarto. Pelos barulhos, ele sabia que o outro estava lá dentro e que muito provavelmente estava organizando as próprias coisas.
Foi por isso que ele bateu antes de abrir a porta.
— Com licença? — Ele colocou a cabeça para dentro do ambiente e viu o garoto com a mala aberta sobre a cama. Ele colocava algumas camisetas nos cabides, mas parou apara observar o outro quando o notou.
— Ah. Oi. — A voz era baixa, mas grave demais para um garoto tão pequeno. Ele se assustou um pouco, mas a tentativa de disfarce foi muito boa. — Entra aí.
Sunghoon usava preto dos pés à cabeça e era magro. Os coturnos pesados cobriam os pés e ele não olhou de novo para Heeseung, respondendo à suas perguntas sempre no mesmo tom baixo, sem fazer questão de se apresentar ou manter uma conversa adequada com o novo morador.
A falta de uma conversa ou de uma mera troca de olhares não foi o que incomodou Heeseung, no entanto. Na época, Sunghoon ainda não tinha nenhuma tatuagem, mas seus braços se encontravam cheios de marcas e mesmo que ele evitasse se virar, o Lee ainda pôde ver o lábio cortado e a bochecha em uma tonalidade esverdeada pelo roxo que começava a ir embora.
Inicialmente, o novo inquilino achou que ele era o tipo de garoto que se metia em problemas e acabava se machucando no processo; depois, no entanto, ele descobriu que naquele caso havia sido o problema que o buscou para torná-lo pó.
Obviamente as coisas entre os dois evoluíram até que uma amizade forte o suficiente se desenvolvesse para que alguns sentimentos se transformassem e algumas informações viessem até a borda.
Inclusive sobre a origem dos machucados do mais novo.
Atualmente
Sunghoon deixou o molho de chaves sobre o aparador da sala antes de pendurar a jaqueta de couro pesado no cabideiro que sempre estava perto da porta de entrada da república. Heeseung seguiu seus passos e o mais novo se serviu de um copo d'água antes de voltar a atenção ao outro.
— Você não tinha as últimas aulas?
— Eu queria falar com você. — O Lee cruzou os braços de se apoiou na bancada da cozinha, observando as costas nuas do mais novo, suspirando quando notou que estava dedicando atenção demais ao corpo nu. — Você visitou sua mãe, não visitou?
Sunghoon deixou o copo na pia e cruzou os braços.
— Você andou me observando?
— Eu sempre presto atenção em você, Hoonie, por que apesar dos pesares você ainda é o meu melhor amigo e cuidar de você sempre vai fazer parte da minha natureza. — Heeseung apertou as bordas da bancada de mármore. — Você está muito avoado desde ontem, está tenso e você sempre fica desse jeito quando volta para Sunsuhan.
Eles trocaram um olhar longo e Sunghoon desviou o olhar para os próprios pés.
— Como ela está?
— Mal. — respondeu e coçou os próprios olhos sob as pálpebras fechadas. — Eu já cansei de dizer que preciso tirar ela de lá por que aquele homem não vai parar de bater nela... Heeseung, ele não estava deixando ela comer. — O garoto riu sem humor e negou uma vez. — E ela ainda continua com essa ideia idiota de "me proteger".
— Ela é uma mãe, Hoonie. Ela tem medo. É óbvio que ela vai continuar com "essa ideia" de te proteger, principalmente depois de tudo que aquele lunático fez. — O mais velho também cruzou os braços, atento à cada atitude do Park. — Eu sei que já bati muito nessa tecla e sei que provavelmente vou ser ignorado de novo, mas por que vocês nunca procuraram a polícia? Hoonie, vocês tem todas as provas possíveis, podem pedir ajuda pra Miyeon e-
— Eu não quero reviver tudo aquilo, Heeseung. — Sunghoon se desencostou da pia e deu as costas para o outro homem, tornando-se visivelmente irritado à medida que falava.
Mas o Lee sabia que a irritação, na verdade, era apenas a autoproteção de um menino totalmente machucado e que ainda tinha medo. O mais alto o seguiu pela casa e o acompanhou quando ele subiu as escadas até estar no quarto de dividia com Jooheon.
— Você sabe qual a implicação de ir atrás da polícia, nem a minha mãe sabe de tudo e eu não quero ter que falar sobre isso de novo.
— Eu sei. — Heeseung suspirou. — Mas é o jeito mais fácil de tirar a sua mãe daquele lugar e manter vocês dois seguros. Sunho é um lunático-
— Não fala o nome dele.
Sunghoon se voltou para o outro com pressa, como se sua fala o queimasse. Ele se aproximou até que as testas quase se colassem e segurou a camiseta de Heeseung em punho fechado, puxando o tecido até que os olhos alheios se grudassem aos seus.
— Não fale o nome daquele homem nunca mais.
O mais velho assentiu e teve a roupa solta aos poucos, no entanto agarrou a mão trêmula de Park entre as suas até que o tivesse colado ao próprio peito. Ele abraçou o corpo mais baixo e afundou o rosto contra o cabelo cheiroso, mesmo que jamais tivesse o ato correspondido.
— Me desculpe. Eu falei sem querer. — Disse, com a voz baixa. — Eu só sinto tanta raiva e fico tão preocupado com vocês, Hoonie. Eu não sei mais o que fazer para tentar te ajudar a viver em paz.
— Você podia ajudar pedindo comida. — Heeseung riu fraco e segurou o rosto alheio com as duas mãos, buscando os olhos escuros. Mais uma vez o Park havia bloqueado qualquer chance de continuar o assunto e mais uma vez a frustração fez com que o mais velho se sentisse inútil. — É sério, eu não almocei, tô com fome.
Mesmo depois de tudo que existia entre eles, Lee Heeseung ainda não conseguia mentir sobre aquilo.
Os olhos bonitos o encaravam risonhos, mesmo que ele soubesse que o dono deles ainda se sentia sufocado com tudo o que havia visto em Sunsuhan, mesmo que a tendência fosse a piora progressiva e mesmo que Sunghoon ainda tivesse que viver com o fantasma do padrasto... ainda que Heeseung conhecesse cada uma das cicatrizes e o tivesse pego no colo quando o cada ferimento ainda era recente, mesmo que tivesse sido ele a enxugar as lágrimas dos pesadelos constantes durante as noites que passaram juntos enquanto dividiam o quarto quando ainda estavam no dormitório da universidade, ele sabia.
Era inevitável não se sentir total e vergonhosamente apaixonado por Park Sunghoon, mesmo que ele tivesse seus próprios monstros e que o relacionamento tivesse estremecido depois daquele acontecimento.
— Certo, o que você quer comer?
— Será que a Domino's abre a essa hora? — Heeseung sorriu e beijou a testa do garoto antes de se afastar.
— Eu acho que sim. — Ele se sentou na beirada da cama que pertencia a Jungwon e alcançou o próprio telefone para buscar o número da pizzaria na internet. — Você quer pizza de que?
— Frango & Creamcheese.
— Algumas coisas nunca mudam. Massa tradicional? — Park assentiu enquanto vestia uma calça confortável de moletom e Heeseung discou o número. A voz monótona do atendente era anasalada e engraçada, e ele fez o pedido tranquilamente enquanto observava o outro garoto se mover pelo quarto organizando algumas coisas.
Quem via as tatuagens grandes espalhadas por todo corpo, os piercings e as roupas pesadas, mal imaginava que ele era apenas um garoto que procurava ser forte, mesmo que fosse muito difícil. E era pelo Lee conhecer o lado mais infantil de Sunghoon, que sempre se sentia voltando à estaca zero.
Mesmo que ele usasse toda sua força de vontade em cada tentativa.
Heeseung desligou o telefone à ponto de ver o mais novo puxando uma folha de seda de dentro da carteira. Ele tirou o saquinho de erva de dentro do criado-mudo e bolou a planta dentro do papel com agilidade.
Há muito o outro homem havia parado de repreendê-lo sobre aquilo e sinceramente não se importava desde que aquela fosse a única droga ingerida.
Torcia para que fosse.
Ele observou o garoto bolar cinco cigarros de maconha e guarda-los em segurança junto com outros cigarros dentro de seu maço amassado, preservando um deles sob a coxa, então foi até a janela e sentou na borda, de uma maneira que o vento soprasse toda a fumaça para fora do ambiente.
— Você ainda se incomoda com a maconha.
Heeseung sorriu e deu de ombros.
— Eu sempre vou me incomodar com coisas que te deixem alterado. Isso não inclui apenas a maconha. — Eles trocaram um olhar longo e o mais novo assentiu. Aquela não era a primeira vez que ambos notavam que sempre existiriam assuntos sensíveis entre eles.
E com aquela verdade mais uma vez sendo constatada, Sunghoon tragou a fumaça; por que de fumaça era feita sua vida e não havia nada no mundo que pudesse convencê-lo de que um dia ele se tornaria algo além de cinzas.
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