03
A sexta feira começou tranquila. A viagem até Mulbang-ul foi regada à boas conversas e ele não se sentiu nervoso quando montou sua mala antes de sair de casa, mesmo que dentro dela existisse a roupa que usaria na festa naquela noite.
Jake não sabia se se sentia vitorioso em conseguir fazer algo sem se sentir sufocado, ou se ficava desesperado pela mentira estar se tornando algo natural.
Ele achou que morreria durante a aula de matemática, entretanto as coisas melhoraram bastante quando a professora de desenho artístico transformou a sala em um ambiente extremamente confortável até mesmo para ele, que andava estranhando tudo.
Jeonghan fez origamis de tsurus durante toda a primeira aula e com frequência fazia piadas, mas quando foi questionado por um dos professores, respondeu à questão com tanto louvor que nem mesmo Jake, que anotava cada palavra, conseguiria explicar.
— Você é alguma espécie de gênio? — A única resposta que recebeu foi um sorriso debochado e um tsuru perfeitamente bem dobrado.
Durante o almoço, Jake se sentou de frente para Jeonghan e Soojin, que tagarelava tão animadamente sobre a bendita festa que Jake passou a odiá-la menos e a se questionar mais, principalmente depois que Sunghoon chegou ao refeitório acompanhado de Miyeon e Jay. O bloco de engenharia, direito e pedagogia eram bem próximos, então não era incomum que os três fossem vistos juntos com mais frequência que os demais.
Entretanto, a curiosidade começava à incomodá-lo. De alguma forma, aquele garoto totalmente coberto de tatuagens puxava seus olhos sem qualquer permissão, e Jake se pegava observando-o sem que notasse.
Mas Soojin notava.
Por isso quando o sachê de ketchup o acertou em cheio, ele se preparou para reclamar, mas travou antes de qualquer palavra, pois ele reconhecia aquele olhar e a pergunta implícita nele.
— Perdeu alguma coisa na fila do self-service? — Ela arqueou uma sobrancelha e até mesmo Jeonghan se mostrava curioso. — Estou te chamando fazem uns cinco minutos achando que você estava me ouvindo, mas você está aí no mundo da lua.
Jeonghan comeu uma batatinha e sorriu.
— Eu também gosto das tatuagens. — Comentou e Jake arregalou os olhos. — Ele chama atenção mesmo, né?
— Eu não sei do que você está falando. — Ele fingiu desinteresse e voltou para seu arroz já frio, sem poder observar o momento em que os outros dois trocaram olhares.
— Tá tudo bem sentir atração por outro cara, Jake. — O menor ficou instantaneamente tenso e demorou para assimilar as palavras que soavam como acusatórias, mesmo que nem de longe fossem. O coração batia tão forte que ele chegou a ofegar um pouco.
Atração.
— Eu não sou gay, Jeonghan.
O silêncio se abateu na mesa enquanto ele encarava o garoto diretamente e Soojin buscou a comida no prato, tentando se manter distante da situação. Ela odiava quando o amigo ficava daquele jeito, e pôde ouvir as bombas explodindo dentro da própria cabeça quando o mais alto soltou aquela frase.
— Eu não disse que você era.
Jake manteve o olhar por alguns segundos e o teria desviado por pura vergonha se Jungwon não chegasse de surpresa abraçando Soojin e Jeonghan pelos ombros.
— Quem não é o quê? — Ele sorria sem notar o clima estranho que pirava entre os três, mas Soojin sorriu para o que a abraçava e mudou o assunto como uma profissional.
— A gente estava falando que o Jake não faz o tipo festeiro. — Jogou. — A gente tá tentando convencer ele a ir na festa com a gente hoje.
— Eu acho que você deveria ir, Jake. — jungwon diz, com um sorriso que fazia as covinhas fundas aparecerem e os olhos pequenos quase sumirem atrás das pálpebras. — Vai dar pra fazer bastante amizade.
— A maioria fala da bebida, das drogas ilícitas e da troca de saliva quando recomendam festas. — Jake apoiou a cabeça nas mãos cruzadas e sorriu para jungwon.
— Mas você não parece o tipo de pessoa que gosta dessas coisas. — O outro deu de ombros. — E eu sou um dos primeiros da minha classe.
— Continue assim que você vai ser um profissional muito bom.
— Eu digo isso pra ele sempre? — jay disse assim que chegou à mesa, tomando o lugar vago ao lado de Jake e sorrindo enquanto jogava uma batatinha para dentro da boca. — Ele tem uma persuasão incrível.
— Ele só não é nosso maknae de ouro por que o niki rouba esse papel para ele, mesmo sendo o mais velho. — miyeon respondeu, deixando sua bandeja ao lado da de soojin enquanto sorria. — Eu me lembro de você. — Comentou uma garota para a outra, antes de morder uma maçã.
A movimentação na mesa era totalmente inesperada, e nenhum dos três teria se importado de fato se segundos mais tarde uma presença negra não tivesse se aproximado para o espaço vago ao lado de Jake.
jungwon a seguiu com os olhos e suspirou.
— Eu não sei como você consegue ser tão magro comendo tanta merda, Sunghoon.
— Minha genética é boa.
A voz grave fez Jake travar onde estava, recusando-se a transferir o olhar para a pessoa que havia se sentado tão próximo. As memórias voltaram com velocidade, o fazendo corar e querer se esconder de baixo da mesa, mas ainda existia um pouquinho de racionalidade que o fazia compreender que se ele fingisse que não se lembrava, estaria tudo bem.
Por isso, ele se forçou à voltar para seu prato frio.
— Ual, você ficou muito vermelho do nada. — jay comentou, olhando diretamente para si. — Está tudo bem?
De canto de olho, Jake pôde ver que sunghoon sorria.
Daquele jeito.
Jake encarou jay, forçando um sorriso e obrigando a própria garganta a não traí-lo naquele momento. Ele precisava agir naturalmente por que algo dentro de si sabia que sunghoon se lembrava de quem ele era.
— Eu estou bem. — Disse, forçando uma tranquilidade que fez soojin finalmente notar seu incômodo. — Só está meio calor por aqui hoje.
— Verdade. — miyeon emendou. — O tempo mudou do nada, não é?
O suspiro aliviado que soltou passou despercebido por muitos. jay sequer se atentou à tensão, Jeonghan havia entrado em uma conversa animada com jungwon, miyeon parecia focada em continuar com o assunto sobre o clima, mas soojin notou.
E não foi a única.
***
O segundo período foi tranquilo. Após o almoço, jay pareceu gostar da companhia deles e acompanhou Jake, soojin e Jeonghan até a sala de aula, comentando sobre a faculdade e tentando descobrir mais sobre eles.
Ele era bastante simpático, mas toda vez que ele falava, Jake se lembrava dos sons de sucção que saíram daquele banheiro e por isso ficou quieto durante quase todo o caminho, rezando mentalmente e pedindo perdão pelos pensamentos sempre tão sujos. Ele queria mesmo poder se esquecer do que havia visto, mas as coisas nunca seriam tão fáceis para si.
As coisas sempre são difíceis para quem tenta seguir do evangelho.
Às três da tarde, quando as aulas finalmente acabaram, Jeonghan acompanhou o menor até a biblioteca, onde soojin já estudava. Ela lia um longo texto e ele apenas sorriu pequeno para cumprimentá-la antes de ir buscar pelo material que precisaria para tentar compreender os cálculos matemáticos da aula daquele dia.
Jeonghan se ofereceu para ajudar, então eles se sentaram um pouco distantes da garota para não a atrapalharem e estudaram até que batessem cinco horas da tarde e eles tivessem que ir embora para se arrumar para a festa.
Como haviam combinado anteriormente, seria o garoto mais alto quem dirigiria naquele dia, por isso eles se despediram no estacionamento e pegaram caminhos diferentes, para que se arrumassem antes que Jeonghan fosse buscá-los no apartamento do pai de soojin.
No momento em que a garota estacionou no condomínio de prédios, o coração de Jake acelerou; sua mãe jamais permitiria que ele passasse a noite ali, mas era o que faria por que havia mentido para ela.
"Eu não menti" — justificou em pensamento. — "Eu disse que dormiria com a Soo, não determinei onde ele eles deixaram". Mas ele sabia que nenhuma desculpa faria sua consciência parar de culpá-lo por estar mentindo, e ele bem sabia quem era o pai da mentira.
E quando isso lhe passou pela cabeça, ele negou.
Não iria pensar sobre isso.
Ele então acompanhou a melhor amiga escadaria acima, pois o prédio não possuía elevador, e ela enlaçou seus dedos aos dele quando o sentiu muito quieto: Soojin sabia que ele ficaria nervoso, seria estranho se não ficasse.
— A gente vai ficar sozinho. Meu pai deve estar com a namorada hoje, afinal é sexta. — Ela sorriu e abriu a porta. — Ele até me deixou com a chave hoje mais cedo... então, se a sua mãe te pressionar e você contar que vai dormir aqui, tem uma boa desculpa.
— Aí ela me recriminaria por ficar sozinho com você...
Soojin suspirou enquanto abrira a porta.
— Isso ou ficaria aliviada do Jeonghan não estar junto.
— Não teria problema nenhum se ele estivesse junto. — A garota se virou para encará-lo em silêncio e negar com a cabeça enquanto dava um sorriso forçado.
— Eu sei disso, Jakey. — Ela adentrou a casa, e depois que o garoto também entrou e se afastou para deixar a mochila sob a mesa de jantar, ela sussurrou. — Eu sei.
Os dois prepararam lanches de queijo na chapa antes que Soojin se retirasse para tomar banho. Jake permaneceu na cozinha terminando seu sanduíche e xícara de café enquanto desbloqueava o celular para ver as últimas mensagens no grupo recentemente formado.
Os médiuns e Jake (2 novas mensagens)
Jeonghan [17:30]:
|mandem msg quando estiverem quase prontos
|aí eu vou buscar vcs
Você [17:50]:
A Soo entrou no banho agr pouco|
Acho q a gente ainda demora umas 2h viu?|
Mas eu aviso sim, sou responsável|
Jeonghan [17:51]:
|caralho vcs são mt lerdos
Você [17:51]:
A Soojin é mt lerda*|
Tofu [17:51]:
|CALÚNIA
Jeonghan [17:52]:
|cê tá mandando msg enquanto tá no banho?
Você [17:52]:
Nada novo|
Jeonghan [17:53]:
|já descobri pq demora
Tofu [17:53]:
|👺👺
|a festa é só 19:30, tapados
|odeio vcs
Jake bloqueou o telefone com um sorriso quando terminou o lanche e se levantou para lavar a louça. Depois disso, quando já ouvia o barulho do secador de cabelos no banheiro, ele foi até o quarto que sabia pertencer à amiga e retirou as roupas que usaria naquele dia para ver se a camiseta branca básica precisaria ser passada. Concluiu que não ao mesmo tempo que Soojin deixava o banheiro com os cabelos já secos.
— Eu demoro tanto assim no banho? — Jake a olhou e arqueou a sobrancelha. — Ok, entendi, eu vou acabar com a água do planeta.
— Você acha que vai estar muito frio? — Questionou, pensativo. — Eu trouxe um moletom mais pesado, mas estava pensando em usar só esse cardigã... — deu de ombros. — Não importa. Nós vamos voltar logo, de qualquer maneira.
— Eu acho melhor você levar o moletom só como precaução, caso esfrie mais que o esperado. Eu ia de vestido, mas desisti.
— Eu vou tomar banho. — Ele pegou todas as roupas, a necessaire com os produtos de higiene e a toalha, então rumou para o banheiro no corredor. — Vai querer ajuda pra escolher alguma coisa?
— Só opinião. — Ela deu de ombros. — Pode ir tomar seu banho.
Jake assentiu e não se demorou muito no banho. Ela fez tudo o que precisava no menor tempo possível e menos de quinze minutos depois estava com o cabelo e corpo lavados. Ele apareceu na porta para pedir o secador de Soojin emprestado e ela berrou do quarto que ele estava no armário de baixo da pia; então ele secou os fios escuros com o auxílio de uma escova e logo saiu do ambiente, já vestido e perfumado.
No quarto, Soojin terminava de passar rímel.
— Isso por que a gente vai ficar só dez minutos lá. — Ela revirou os olhos.
— Manda a mensagem pro angel. Eu fico pronta em cinco minutos. — Ele desbloqueou o próprio celular, mas arqueou uma sobrancelha na direção dela.
— Angel? — Ela riu e Jake acessou o grupo.
— Ele nasceu dia 04 de outubro*. — O mais novo revirou os olhos.
— Em que momento vocês trocaram datas de nascimento?
— Enquanto você prestava atenção na fila do refeitório, seu tapado. — Jake engoliu à seco e resolveu fingir que não havia recebido aquela resposta. Ele era profissional em fingir que certas coisas não aconteciam.
Os médiuns e Jake
Você [18:50]:
Ela tá quase pronta|
Pode vir|
Jeonghan [18:51]
|irra 🤠🤠🤠
|vai dar tempo de passar no Mc Donald's
Você [18:51]:
Mc Donald's??????|
Jeonghan [18:51]
|ah é
|eu esqueço q vc é virgem de rolê
|te explico no caminho
— Por que ele quer passar no Mc Donald's antes de ir pra festa? Tipo, é uma festa!
— É que nessa festa é provável que só tenha o que beber. — Deu de ombros. — A gente vai ficar lá um bom tempo, então talvez ele queira comer antes de ir...
— Qual a lógica de uma festa sem comida?
A pergunta foi retórica, então não houveram respostas depois que ela foi feita. Jeonghan chegou cerca de dez minutos depois e eles de fato passaram no drive do Mc donald's antes de ir até a república. Jake permaneceu quieto durante todo o percurso, constantemente tocando o crucifixo ainda escondido sob a roupa como se pedisse perdão por tudo, mesmo que não estivesse fazendo absolutamente nada de errado.
Não foi difícil saber quando estavam chegando. O som alto se espalhava por toda a rua, carros pareciam se reunir aos montes e ninguém se importava. Aquele era um bairro de classe alta e a casa onde a república ficava era enorme, com grades altas e um jardim muito bonito. Mas, ainda que o bairro parecesse residencial e clássico, não dava para se esquecer que a cidade era majoritariamente universitária.
Ninguém reclamaria de uma festa como aquela em Mulbang-ul. Já em Sunsuhan...
Tudo parecia um imenso formigueiro por que os calouros pintados de guache roçavam uns nos outros, transformando tudo em um a mistura confusa de suor e corante. Antes mesmo de estacionarem, Jake quis dar meia volta e ir para casa.
Ele pensou em torcer para não encontrarem lugar e de fato precisarem ir embora, mas soojin fez uma ligação e em menos de um minuto jungwon apareceu no portão acenando para que eles estacionassem lá dentro.
Ele havia guardado lugar para eles.
Antes de descer do carro, Jake abriu o chat do celular e viu que possuía duas mensagens e uma chamada perdida da mãe.
Mãe [19:15]:
|Onde você está?
|Já voltou da pizzaria?
Você [19:20]
Não|
Saímos tarde da faculdade|
Estamos indo pra lá agora|
Mãe [19:21]:
|Não estou gostando dessa historia
|Vou pedir pro seu pai te buscar
Você [19:21]
Mãe|
Está tudo bem|
Nós vamos comer e ir pra casa|
Não começa a surtar agora, por favor|
Eu não saio com a Soo fazem meses|
Meu pai concordou|
Ta tudo bem, chega|
Ele bloqueou o telefone antes que ela respondesse e deixou o carro. A música poderia ser totalmente capaz de estourar seus tímpanos, mas durante alguns minutos ele não se importou.
Ele estava irritado. E, durante esses minutos, ele não se lembrou de orar pedindo perdão.
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