Torta de Banana e o beijo - Parte 01
Por Carlinho...
Ainda não acredito que tive que passar por tanta coisa ruim e quase morrer para encontrar essa tranquilidade na vidinha simples que tenho hoje. Meu negócio dos bombons me dava um dinheiro legal, podia comprar perfumes caros, cremes importados, beber em lugares badalados, comer em restaurantes muito chiques e usar roupas de grife. Mas eu não tinha felicidade, tinha medo e tudo que eu amava era pura vaidade.
Quero viver bem a minha segunda chance, porque me disseram que ainda vai ter tempestade pela frente. Pobre Túlio e pobre Braz, tomara que fiquem legal, pois foi também por eles que abri minha boca, não aguentava mais tanto terror.
Não penso mais nisso agora, sei que vou estar bem protegido e só ficar aqui bem quietinho e escutar o seu policial, o doutor Cabral, que me mandou fechar a janela e a porta e não abrir para ninguém além do soldado Francisco.
O doutor Cabral é um homem muito grosso comigo, falou que eu ia ficar uma semana sozinho, não queria escândalo e nem frescura por aqui. Disse também que o soldado Francisco estaria voltando das férias dele e então viria para me cuidar.
Muito solitário, eu fico observando tantos policiais chegando de uniforme, nossa, como ficam lindos vestidos assim, mas espio eles escondidinho pela frestinha da cortina para não ter nenhum "poblema".
Já estou acostumado a ver esses policiais que depois de falarem comigo, saírem rindo e cochicham alguma coisa com os amigos que também acham engraçado.
Todos os dias, vem um diferente fazer a visita e perguntar como estou e se preciso de alguma coisa, mas nenhum aceitou um cafezinho com medo que eu lhe faça algo. Justo eu, que nunca fiz mal a ninguém, nem matei sequer uma barata, isso sim é um bicho malvado.
Na sexta acordei mais cedinho e corri bater uma massa de bolo e quando ficou pronto, fiz café para oferecer ao tal do soldado da polícia que vai ficar de guarda. Já sei que ele vai rejeitar, mas não me custa ser educado com essa uma pessoa que vai me cuidar.
Ele demora chegando às nove horas quando esfrego o chão, já que gosto de lugar cheiroso. A campainha toca e até me esqueço de perguntar que é conforme me orientaram a fazer e me pergunto, será que ele é bonito como os outros que já vieram aqui?
Eu abro e descubro que ele não é feio nem bonito, é enorme, parece feito de pedra de tão durão, usa uma farda e bota de polícia, me olha de cima até em baixo me mandando fechar a janela, bem bravo. Eu obedeço, porque um homem desse tamanho e tão forte, pode ser perigoso se for contrariado. Depois ofereço meu cafezinho que não tem nada de especial, um pedaço de bolo simples de laranja, que ele aceita e até repete, depois me ajuda a enxugar o chão que molhei demais.
No almoço ele come com muita fome, repete também, elogia tanto que faz parecer que fiz algum prato chique quando é apenas feijão e arroz com ovo frito.
No começo foi assim, parecia até uma coisa legal, mas ele logo ficou muito controlador e olhava os outros colegas com cara de bravo quando algum deles se oferecia para me ajudar a erguer alguma coisa.
Um dia aceitei a ajuda de outro soldado para tirar uma cômoda velha do quarto que estava com muito "cumpim".
- Ei moleque, não disse que era para você esperar que a noite eu viria para empurrar essa cômoda do lugar? Heim?
Porque será que ele fala assim comigo? Eu cansei de pessoas gritando, mas tenho medo de responder e apanhar dele, não consigo me segurar e choro.
Ele chega tão perto que penso até que vai me abraçar, mas não abraça.
- Carlinho, não precisa ficar assim, sabe que eu respondo por você meu jovem. - Ele nunca brigou comigo, mas só de olhar a cara séria dele já dá medo. - Onde está meu cafezinho, o melhor café do mundo que só tomo aqui...
Olho para ele e sorrio secando minhas lágrimas na manga da camisa de pijama.
- Tá, eu vou fazer, pode sentar moço.
- Chico.
- Você me chama de garoto e moleque, fique sabendo que tenho vinte e oito anos. Então vai ser moço enquanto não me chamar de Carlinho.
Fico ali meio tenso, achando que vou levar um tapa na orelha e ele dá uma risada.
- Combinado. Chico. - Ele aponta para o peito dele e depois para mim. - Carlinho. Carlos, esse nome é forte e bonito... E você é um pequeno menino...
Esse homem é estranho, muito estranho. Espero que não venha me cantar de brincadeira, pois não estou com saco para continuar a vida sendo tirado para otário.
Faço o café e ele puxa uma cadeira e senta bem pertinho, fica olhando e diz:
- Isso que é café, não aquela droga de café que fazem na cafeteira.
Meus ombros caem em desânimo, logo uma cafeteira que era tudo que eu queria para não ter que ficar passando café à moda antiga. Vou em seguida fazer bolinho de chuva com banana e ver se ele aprova já que elogia tudo que faço dessa vez duvido muito que vai gostar.
- Qual o segredo disso? - Acho que ele nunca comeu bolinho de chuva, pois come vários deles e chupa o açúcar que fica nos dedos grossos. -É bom demais.
- É só um bolinho de trigo que bato no liquidificador e coloco umas bananas para dar um sabor especial.
- Você está me fazendo engordar rapaz, acho que tenho que parar de vir comer aqui. - Ele demonstra que gosta de verdade das coisas que faço e continua a comer com vontade. - Estou me arrebentando na academia depois que você veio morar aqui. Sabe que não é sua obrigação cozinhar para mim, por isso eu agradeço. Vou te levar para dar uma volta de carro, tem algum boné ou camisa de capuz?
- Tem sim. - Nossa nem acredito que depois de duas semanas vou dar uma passeada de carro e sair de dentro desse minúsculo apartamento. Quando volto do quartinho ele me olha de novo com cara de lobo mau e fico assustado. - Tá bom assim, Chico?
- Perfeito. - Ele responde de um jeito bem esquisito. - Você é muito miudinho...
Eu heim? Porque ele está falando assim? Rouco, baixo e tão pertinho.
- Ah, espera moço vou lá passar um perfume. - Saio de perto bem rápido, depois o sigo até seu carro e ele me põe o cinto de segurança como se eu fosse um menino.
Nossa volta é pelo centro da cidade, que não é a mesma que eu morava, mas a cidade vizinha, bem perto de lá. Não demoramos e nem conversamos muito, não consigo nem falar o quanto me fez bem.
Depois que ele me deixa em casa, fica sério e me manda entrar, dá um "boa noite" gelado e vai para o seu apartamentinho que fica ao lado do meu. Eu me jogo na cama para sonhar outra vez com o príncipe encantado. Um lindo homem forte, de olhos azuis e moreno claro. Quando me dou conta, meu sonho lindo vira um pesadelo, pois essa figura dos meus sonhos molhados já me mandou espancado para o hospital pelo menos duas vezes.
Choro muito até pegar no sono.
Sorrio feliz quando amanhece, pois com o sol vêm as batidas já conhecidas na minha porta. Me levanto assim feinho e descabelado, descalço e com bafo.
- Bom dia garoto. Que houve passou um furacão quando eu dormia?
- Ah, é... - Passo a mão no meu cabelo despenteado e quando tiro ele que faz isso. Sua mão parece uma raquete e vem espalmada me deixando tenso. Mas ele apenas mergulha seus dedos nos meus cabelos bagunçados e joga para o lado que sempre o arrumo.
- Entra moço, senta que vou fazer o café, só vou escovar o dente e já volto.
Quando volto de dente escovado, pijama trocado e também penteado ele já pôs a água para esquentar.
- Obrigado, Chico. Acordei tarde, né?
- Sem problemas. Hoje eu que trouxe algo, mas não fui eu quem fez, não sei cozinhar e muito menos fazer as delícias que você faz, é só um bolo de fubá com leite de coco, o meu favorito que só tem uma padaria que acerta. Vamos provar?
Esse homem grande é tão legal comigo que sem resistir mais, nos tornamos amigos. Assim ele nem pede mais "com licença" para entrar em minha casa, ficando bem confiado e desconfiado achando que aqui entram outros caras, olha a volta e convencido que está tudo em ordem, volta a relaxar.
Dois meses depois nossa amizade ficou bem forte que ele sabe de toda minha história e eu da dele. Agora me perturba cada vez mais, que parece ter ciúmes de verdade. Pelo menos me deixa abrir a janela agora, mas a cortina precisa ficar fechada.
De manhã bem cedinho no meu minúsculo guarda-roupa escolho e visto uma roupa bem confortável para faxinar o forro onde vi uma teia de aranha.
Aquele sábado estava gostoso e friozinho, eu dei até um dinheirinho para o Chico comprar pinhão para a gente comer a noite. Teve a visita da mãe dele outro dia que do oeste catarinense trouxe um vinho e ele disse que guardou para abrir e tomar junto comigo.
Puxo uma cadeira até o meio da sala e subo com o paninho de limpeza, mas quando estico o braço que não alcança, eu sinto muita dor. Ai meu Deus, como meu ombro ainda dói na cicatriz pequena onde levei o tiro. Sorrio da beleza desta pequena marca que representa a oportunidade de estar vivo e talvez nessa nova vida eu venha realizar sonhos que nunca consegui. Quem sabe ter alguém por mim, que venha a ser bom comigo e acordar ao meu lado nas manhãs, me chamar de amor, algo que acho que ainda mereço.
Desço com cuidado da cadeira sentindo aquela dor em forma de fisgadas, fico na janela pensando um pouco totalmente longe da realidade.
- Ei, ei. Sai da janela. Porque tem essa cadeira no meio da sala? - Chico entra sem bater aqui, às vezes parece que nem tem educação. - Não vai me dizer que está querendo se matar, rapaz...
Levei um susto que fui até grosso com ele.
Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top