Final Doce - Parte 01
Por Francisco...
Do que um homem é feito?
Ou será que nós gays somos menos homens? O que há de tão tenebroso em nos confessarmos para o mundo que amamos outros homens? É errado querer ter um companheiro para dividirmos as tarefas, prazeres e alegrias? Ou é errado sentirmos tanto desejo por uma pessoa que tem o mesmo sexo que você? Se um hétero apoia é olhado com desdém, porquê? Porque faço essas perguntas se já nem me interessam as respostas?
Eu, o cabo Francisco sou apenas um homem que ama a outro homem e não estou preocupado com meu colega casado com uma mulher, nos moldes conservadores. Felicidades pra ele e um foda-se maior ainda se fica cabreiro.
Sou mais que isso, sou um rei. Um rei que tem um doce companheiro em seu reinado e uma princesa que enche esse lar de beleza feminina. Ela se chama Luiza. Nossa filha Luiza, a menina que foi abandonada pela genitora, na lixeira do hospital quando essa desapareceu no mundo. Que tal sentar e discutirmos a prevenção de gravidez, a legalização do aborto, combate às drogas, penas mais severas para criminosos? Isso choca não é? Assim como o casamento de iguais e a adoção de crianças por esses casais. Como isso cansa.
Acordo cedo pra trabalhar, mas antes de levantar fico matutando quieto, tendo essa "viagem" interrompida pelo meu marido pequeno de quem tanto me orgulho. Sua vida merecia uma bonita história para algumas pessoas poderem descobrir do que um homem é feito.
Cheio de preguiça se estica todo, parecendo o pequeno gato alaranjado, que mesmo eu não querendo, sobe na cama pra dormir conosco. Ah e não é só isso. Nesta noite Luiza acordou chorando depois de um pesadelo e veio dormir no nosso meio, trazendo sua "tranqueira", aquela boneca que nunca fecha o olho e parece que fica me observando.
Cama cheia faz um cara acordar com o corpo dolorido. Levanto pra me alongar, sinto aquele miúdo me abraçar por trás e ouço-o me dar um bom dia com a voz sonolenta.
— Bom dia, meu machão... aí que preguicinha boa, que legal que hoje é feriado né Chico.
— Mas eu não vou folgar não, amor.
— Nem eu, porque hoje tenho que faxinar tudinho aqui em casa. Ai Francisco, preciso ir ao banheiro... — No felizes pra sempre tem isso, sabiam?
Tomo meu banho e coloco a sacola com minha farda limpa no carro, dou uma conferida na água e óleo, depois retorno pra tomar café com waffles que o Carlinho faz em casa.
— Isso deve dar uma trabalheira, né. — Aponto a "torrada" quadriculada com sabor de banana e canela.
— Ai, é facinho. Ficou gostoso?
— Bom. Delícia... — Tudo que esse danado prepara é delicioso. Mesmo o pão com margarina. Não sou um boboca apaixonado. Apenas reconheço o quanto ele é caprichoso, como se tivesse um segredo pra preparar cada coisa. — Tem encomenda pra hoje?
— Hoje não, Chico. Mas à tarde a Fernandinha vem aqui, porque tenho uma encomenda de casamento chique pra outra semana.
— Outro? Poxa que bacana. Daqui a pouco tem que contratar alguém pra te ajudar. — Carlinho fica todo vaidoso com o reconhecimento de seu esforço e eu o apoio muito, sabendo que lhe faz bem ocupar-se, melhora nossa renda familiar e ele ama fazer suas coisas. — Tava mostrando pro Cabral o seu facebook e ele não acreditou que aqueles bolos foram feitos por você.
— Porque ele quis ver? Será que ele encomendaria comigo? Ele é meio homofóbico né?
— Ah nem liga amor, vez ou outra tem uns comentários idiotas por lá, mas na cara ninguém tem coragem. Comigo não se metem a besta. O Cabral era o pior de todos, nem gosto de lembrar, mas hoje conversamos num outro nível, sabia?
— Ele gostou das coisinhas do face? — Sentado ao meu lado, aperto sua mão e beijo seus dedos.
— Comentou que é coisa de artista. Ficou de mandar um whatts perguntando preços, passei o seu pra ele. Mas bem de boa. Trata no mesmo nível que tratar você. — Confio no Carlinho para lhe confidenciar que a filha de 16 anos do Cabral engravidou de outro moleque e depois de muitas conversas que tivemos, ele decidiu apoiar a menina.
— Ainda bem né Francisco, porque agora já aconteceu né. Não é nenhum crime ter um nenenzinho.
— O problema é a idade da menina. Acha que duas crianças de 16 têm maturidade pra manter uma estrutura familiar?
— Ai Chico, criança que faz criança, não é mais criança... — Ele ri da piadinha e eu sorrio de volta apertando sua coxa, sabendo que tem cócegas ali. — Tava brincando. É que esse "poblema" sempre vai ter né, Francisco. E acontece com qualquer família. Tomara que ela seja boa mãe e bem responsável. Tadinha dela.
— Quem procura acha...
— Ai que moço feio, falando essas coisas... Aiaiai. Nós temos uma filha também. E ela vai crescer, ficar moça e vai namorar.
— Depois dos 25. Ah Carlinho, me dá uma coisa ruim de pensar nisso.
— Ahahaha, que pai ciumento. Tadinha da Lu.
— Tadinho do seu homem aqui. Hoje a gente precisa dar uma namoradinha. E nem me provoca safado, que é foda sair de barraca armada já de manhã.
Carlinho dá muita risada, me enche de beijo e dizemos muitos "eu te amo" um pro outro, antes de eu ir pro trabalho. Felizes pra sempre tem disso também.
Cabral, pela primeira vez encomenda salgados e docinhos pra ajudar no tal chá de bebê da filha, que precocemente engravidou e eu sinto-me satisfeito por saber que de alguma forma pude aconselhar o cara que tinha a ideia fixa de sumir com o namoradinho da menina dele. Chegou a me chamar pra agradecer e pediu desculpas, por ter se referido ao Carlinho como menina, na época em que ele ficou sob proteção policial.
— Pensei que o senhor tava falando de mulher mesmo na época.
— No fim o viadinho te fisgou.
— Meu homem, respeito, doutor Cabral.
— É brincadeira...
Ele fica sem graça, porque de certo está acostumado a tratar os homossexuais dessa forma quando eu e o Marçal não estamos por perto. É, o Marçal. Meu amigão é bi e gosta de uma rola, danado, sabe o que é bom...
Não tive feriadão na Páscoa, mas terei dois dias de folga pra ficar com a família e isso enche o coração de um cara de felicidade. Final de tarde, guardo o carro na garagem e ouço vozes de crianças cochichando no quarto da Luiza. Dou a volta na casa e espio, ela e Carlinho ajoelhados brincando de casinha com as loucinhas, arrumadas sobre a mesinha onde ela faz deveres da escola. Nas duas pequenas cadeiras, estão uma boneca loira e magricela, que deve ser a Barbie, no outro lado aquela coisa que Lu chama de Pernoca, que está sempre "acordada".
— Paaaaiiii. — Luiza me vê e expressa toda alegria de seu coração de uma vez e eu sinto minhas pernas amolecerem. Pois parece que a tal da Pernoca me denunciou.
— Oi meus dois amores. Calma que o pai, vai tomar uma água. — E procurar minha alma, penso. Não tomo susto assim numa delegacia e chego em casa e quase infarto.
Minha pequena corre e pula no meu colo, parecendo um boneco agarradinho de tanto que me aperta. Depois me beija e me oferece um chazinho.
— Pera que eu vô lá buscar, segura minha filha, pai.
Carlinho entra na cozinha já dando risada, morde o lábio inferior e me faz beijá-lo gostoso.
— Você levou o maior susto, né. Até deu um pulo.
— Também...
— O quê?
— Nada...Como foi o dia, tranquilo?
— Ah sim, terminei meu serviço, almoçamos, atendi a Fernandinha e depois fui brincar com a Lu, porque antes tinha todas aquelas crianças pra brincar.
— Pai, eu trouxe o seu cafezinho, porque o paizinho disse que você não gosta de chá. — Luiza chama Carlinho de paizinho, pega sua "filha" e a embala como bebê. — Vou pôr a minha filha na caminha dela e já volto.
— Ai amor a voz dela é tão fofinha. — Me derreto sem vergonha nenhuma e meu pequeno me sorri.
— Chico, a Lu teve um pouquinho de febre a tarde...
— Vou tomar um banho e já vamos, tá... Quando voltar, janto...
— Aonde? Oba vamos passear? — Carlinho me olha todo alegre. — Onde a gente vai?
— Tem que ver o que a Luiza tem. Tá com febre é perigoso.
— Começou de tarde, amor, calma...É que ela é meio teimosinha e anda descalça. É um resfriadinho, já liguei pra sua mãe. Aí quando ela conversou com a Lu, depois a febre passou. Mas tá com saudade. Eu tinha essas febres quando era pequeno...
— Vou ligar pra véia. Ver se o Braz libera ela amanhã... Então ela tá bem? Sabe que febre é perigoso demais.
— Ai Francisco, calma. Não... — Faço cócegas nele, por sua impertinência de rir descaradamente da minha cara. Mais tarde na cama, essa noite a sós, porque até o gato foi dormir junto com a Lu, abraço o corpo pequeno e aperto a cintura magrinha dele.
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