"(...) fui tentar ser uma pessoa racional e decente (...)"
Gen e Senku não conversaram muito naquele dia.
Nem no seguinte.
Ou no seguinte.
É, eles não conversaram.
Chrome ficou responsável por trazer a comida, água e mantê-los informados sobre o que acontecia lá fora. Também teve a sorte (ou azar, de acordo com Razão) de poder ter aulas breves com Asagiri, usando uma máscara improvisada e não tocando em nada que o mais velho tocasse.
O Ishigami continuava trabalhando nos projetos e cálculos do navio, dizendo que seu "expediente" seria de apenas três horas – e Gen não precisava ser um gênio da matemática para perceber que ele não cumpriu com o que disse, mas decidiu – após muito doer-se e pensar – que não era problema seu, e sim dele.
Focou em continuar a tecelagem, costura e bordado dos presentes de Natal que queria dar a todos.
O silêncio naquele observatório era tanto que podiam ouvir suas próprias respirações, um fungar ou espirro ou tosse pontual, o riscar do carvão no papel e o furar da agulha no tecido. E nenhum dos dois queria dar o braço a torcer.
...
Quando completou-se uma semana desde o isolamento, sem querer, Gen furou seu dedo na agulha, e colocou-o na boca com um grunhido de dor para estancar qualquer sangramento.
Isso chamou a atenção do outro, que encarou-o por tempo demais. Irritou-se com isso.
— O que foi? — sua voz saiu rouca, arranhada.
— Não sabia que você costurava. — seu tom beirava a curiosidade.
— Pois é. Grande coisa.
Voltou a focar em sua costura, ignorando a dor em seu indicador direito.
Estava cansado daquilo. Tão, tão, tão cansado ...
O silêncio durou o que devia ser uma hora inteira.
— Você 'tá puto comigo.
— Ah, dez bilhões de pontos pela sua percepção, Senku!
— Deixa dessa merda, que eu também 'to puto com você. — pediu, cutucando a orelha com o indicador para logo tossir — Mas ... eu esqueci o motivo.
Só podia ser brincadeira.
— Então você 'tá puto comigo e nem sabe o porquê!? — "repetiu", e sua garganta ardeu como o próprio inferno.
— Eu sei que aconteceu de noite, umas semanas atrás,- — espirrou, pigarreando — mas eu não tenho nem ideia do que aconteceu.
Começou a tremer de raiva.
Por quê?
Por que com ele?
Por que sempre é culpa dele?
Por quê?
Por quê!?
— Ah, vou te dizer que merda aconteceu. — largou a agulha e seu trabalho, ira fervilhando em seu interior ao encara-lo — Eu fui tentar ser uma pessoa racional e decente e tentei te colocar na cama, mas você foi o cabeça-dura de sempre e falou merda.
— E você ficou sensível com isso!?
"O que você sabe sobre esforço?"
— Tem coisas que não se diz p'ra ninguém, Senku.
— O que eu falei de tão ruim, então?!
"O que você sabe sobre esforço?"
— Esquece. Não importa mais.
— Ah, então você fez todo esse drama p'ra sair pela tangente no final!?
"O que você sabe sobre esforço?"
— Chame do que quiser. Não importaria p'ra você de qualquer forma.
— Para de me fazer parecer o vilão da história! — explodiu, a voz falhando em quase todas as sílabas — Se "não é nada", concentra essa energia toda em algo que preste, caramba!
"O que você sabe sobre esforço?"
Gen largou tudo, levantou e saiu correndo porta afora, sendo recebido por um frio cortante que congelava suas lágrimas.
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