Epílogo
𝚁𝚒𝚌𝚑𝚊𝚛𝚍 𝚘𝚕𝚑𝚘𝚞 𝚒𝚖𝚙𝚛𝚎𝚜𝚜𝚒𝚘𝚗𝚊𝚍𝚘 para a mascote alaranjada assim que entrou no recinto.
Ela tinha a forma de uma coelha de orelhas caídas e vestia no pescoço uma gravata borboleta vermelha que combinava com os seus olhos, enquanto na sua cabeça, havia uma cartola preta, igual como a de um mágico. Em cima do pequeno palco, ao lado dela, havia um outro animatrônico familiar - um furão castanho de olhos violeta - entretanto, o segundo não o interessava. O rapaz já o conhecia muito bem.
Desviando o olhar dos mascotes, Richard fitou Jake com uma curiosidade descarada.
- E então?
O amigo coçou a cabeça, parecendo um tanto constrangido pelo que diria a seguir:
- É que eu queria me despedir dela - admitiu, e, ao perceber a expressão de surpresa do colega, se pôs a explicar: - Seu nome é Raspberry. Você não chegou a conhecer, não é mesmo? Foi ela quem me salvou na minha época de vigia noturno.
Richard assentiu devagar, ainda que não compreendesse muito. Duvidava um pouco desse tal "auxílio", pelo menos até ouvir a história toda. Ele não desconsiderava Lino, Oscar e Oliver, que lhe deram dicas ao longo das noites, mas também, não conseguia considerar aquilo exatamente como uma ajuda. Era como se sempre houvesse alguma intenção por trás. Por fim, limitou-se a observar enquanto Jake ia ao encontro do palco.
O mais velho parou exatamente em uma das laterais da coelha e tirou do bolso um pequeno papel e uma caneta. Richard inicialmente franziu o cenho, mas não tardou para entender o que o amigo estava fazendo: ele ia escrever um bilhete. Feito isso, o rapaz de óculos olhou ao redor, certificando-se de que não havia ninguém os olhando, e então, dobrou a carta e a colocou na mão do animatrônico, fechando seu punho em seguida para esconder o papel.
Logo depois, desceu e voltou para o lado do amigo:
- Desculpe.
Richard piscou confuso.
- Por que está me pedindo desculpas?
- Você sabe - Jake desviou o olhar, incômodo - quando Leroy te atacou, eu não fiz nada para te ajudar. Eu só fiquei paralisado feito um idiota. Eu devia ter adivinhado que enquanto ainda não fosse seis da manhã, ele continuaria tentando ir atrás de nós.
- Jake - Richard pôs as mãos em seus ombros - a culpa não foi sua. Para ser sincero, acho que teria a mesma reação que você se estivesse no seu lugar. Nenhum de nós sabia que eles só paravam de se mover àquele horário cravado. Agora, está tudo bem, certo? Isso que importa.
Jake assentiu, um pouco melhor. Richard sorriu para ele e ambos deixaram a sorveteira para trás.
Lá fora fazia sol e o céu estava azul e limpo. Um belo dia de fato. Era quase a hora do almoço quando a dupla atravessou o parque e se dirigiu à saída. De lá, seguiram pelo lado de fora da cerca da propriedade até uma construção decadente, que se não fosse pela placa de ônibus, Richard pensaria ser um barraco qualquer.
- Como foi a sua demissão? - Richard perguntou ao se colocar na sombra do ponto de ônibus.
Naquele ponto em específico, onde quase não haviam árvores, estava especialmente mais quente devido à falta de cobertura.
Jake se juntou ao amigo, tentando fugir do sol que o castigava e se abrigou também na pequena sombra do telhado apodrecido. Richard inevitavelmente se perguntou se aquele lugar era péssimo justamente porque quase ninguém ia nele, pela proximidade do parque.
- Bem... foi um pouco burocrático - o rapaz de óculos coçou a cabeça - não foi tão simples como a sua. Tive que assinar uma boa papelada.
- Nossa, que droga hein?
- É. Mas vem cá... como você pretende explicar o seu machucado se alguém perguntar?
O outro teve que refletir um pouco, antes de responder. Realmente não tinha refletido sobre isso.
- Provavelmente vou dizer que arranhei na cerca ou algo igualmente sem graça - concluiu, com um sorriso inesperado no canto da boca - ninguém acreditaria se eu dissesse que foi obra de um pirata robótico. É uma pena não poder fazer jus à minha cicatriz de guerra.
O mais novo então voltou a olhar a paisagem árida de concreto, se inclinando para frente e apertando os olhos para ver se conseguia avistar algum veículo ao longe, mas como ele temia, não havia nada.
- Tem certeza que esse ponto não está abandonado?
- Tenho - Jake disse com firmeza - Só que só passa uma linha. Eu já usei ela, mas apenas uma vez. Geralmente eu acabo indo até à cidade mesmo. Apesar de cansativo, é mais rápido e prático.
Richard soltou um suspiro longo e cansado. Em condições normais ele teria preferido a caminhada longa a esperar naquele ambiente quente e sem graça, porém, por conta de seu tornozelo, aquilo não era uma opção. O ferimento tinha piorado consideravelmente. Após o fim do seu último turno, ele teve que até mesmo trocar o curativo, uma vez que o anterior estava encharcado de sangue.
Fechou os olhos, e sentou-se no chão, mas rapidamente os reabriu ao se lembrar de algo:
- Posso ver o jornal que você achou lá na atração?
Jake ficou surpreso ao ouvir aquilo. Ele mesmo havia se esquecido da existência do papel. Tirou-o do bolso e entregou ao amigo.
Nada havia mudado. Era a mesma notícia do desaparecimento dos gêmeos. Afinal, não havia como ela estar diferente. Mas algo na expressão de Richard dizia que ele descobrira algo novo. E a descoberta, era medonha.
Seus olhos verdes estavam arregalados, sua pele, pálida, e suas mãos, trêmulas.
De repente, ele se voltou ao amigo, ainda com a manchete em mãos:
- Jake... você acredita em fantasmas?
- Bem... depois de ter que sobreviver diversas noites a animatrônicos assassinos com vontade própria... não duvido de mais nada. - Cruzou os braços - por que a pergunta?
- É que... - Richard balançou a cabeça - Não, não. Deixa para lá. É pura bobagem.
- Continue - O mais velho o encorajou - por favor.
- Bem... na minha primeira noite em Oz Park, Oliver e Oscar apareceram para mim e disseram coisas estranhas. Claro, a maioria era sem importância e acabei ignorando mesmo, mas teve uma coisa em específico que me incomodou.
- Que seria?
- ... Oscar se referiu a Oliver como "irmãozinho". Na hora pensei que fosse piada e achei engraçado, só que olhando isso agora...
- Você acha que os mascotes estão possuídos?
Richard corou de vergonha e desviou o olhar.
- É, tipo isso. Mas é uma ideia boba, eu sei! Essas histórias de fantasmas são ridículas e infantis, e-
- Eu acredito em você.
O mais novo voltou a o fitar e arqueou as sobrancelhas, realmente surpreso.
- Como é que é?
Jake deu de ombros.
- Eu acho que é uma hipótese mais provável do que a de ser algum "erro no sistema". Essa é a desculpa mais esfarrapada que eu já ouvi para falar a verdade. Já a sua teoria, faz mais sentido e explica muita coisa. Tipo, se dependesse disso, Leroy e Mia nem se mexeriam.
Richard abriu a boca, mas antes que alguma palavra saísse de lá, avistou um ônibus ao longe.
De supetão, ele se levantou e sinalizou freneticamente para que o automóvel parasse. Pensou que até mesmo por um instante que o motorista fosse passar direto, mas acabou que o ônibus estacionou, um pouco mais adiante.
Jake o ajudou a subir os degraus, mas não entrou no veículo.
- Você não vem? - o rapaz ruivo quis saber.
O mais velho, entretanto, fez que não.
- Meu ônibus é outro. Ele só passa na cidade.
- Mas você não disse que...
- Naquela ocasião eu ia para outro lugar. Por isso consegui ir nesse daqui.
Irritado, o motorista pigarreou, exigindo que ambos se agilizassem na despedida.
- Já estou indo! - Richard esclareceu para o funcionário, meio sem graça. Então, se virou novamente para o colega e tirou uma caneta do bolso, rabiscando rapidamente algo atrás do papel de jornal.
Jake pegou de volta a manchete dos gêmeos desaparecidos, dando um meio sorriso quando viu o número do telefone escrito às pressas no seu verso.
- Nós podemos continuar nos vendo - Richard esclareceu. - Se você quiser, é claro - acrescentou rapidamente.
Jake assentiu, grato por poder manter aquela amizade, porque tudo aquilo pelo qual havia passado dentro de Oz Park, ele não poderia conversar com mais ninguém. Mesmo que quisesse esquecer os horrores que passara ali, era bom ter alguém que pudesse o entender.
Saiu do ônibus e acenou para o amigo, que fez o mesmo, e então, observou o veículo diminuir de tamanho conforme se afastava até ele desaparecer de vez no horizonte da estrada.
Era a sua vez de ir para casa.
FIM.
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