3. Alucinações

𝙰 𝚌𝚊𝚜𝚊 𝚍𝚎 𝙹𝚘𝚑𝚗𝚗𝚢 𝚗ã𝚘 𝚏𝚒𝚌𝚊𝚟𝚊 𝚕𝚘𝚗𝚐𝚎, ele morava a apenas algumas poucas quadras de distância, rua abaixo do lugar onde Richard estava hospedado. O melhor de tudo, é que era possível ir a pé até lá.

Após alguns minutos de caminhada, o rapaz chegou à casa certa (após ter tocado a campainha de outras três erradas devido às semelhanças). Eram por volta das oito da manhã quando parou lá.

Demorou um pouco, mas Johnny finalmente abriu a porta, dando a entender pelos cabelos bagunçados e expressão de cansaço que se atrasou por ainda estar dormindo naquela hora. Vestia também roupas largas comuns, já que fazia parte da sua excentricidade não gostar de pijamas.

O colega bocejou demoradamente e coçou os olhos, até que, por fim, percebeu o amigo a sua frente:

– Richard? O que você faz aqui a essa hora? – Em seguida, Johnny torceu o nariz, incomodado com o cheiro ruim – e por que você tá fedendo?

–  Eu... Eu acabei de sair do trabalho –  o rapaz tentou explicar.

–  Desistiu do emprego do parque para trabalhar em um lixão? –  Johnny disse, no seu melhor tom sarcástico matinal.

– John, é sério –  Richard o encarou, aflito. –  Eu fui atacado.

O amigo arregalou os olhos, ficando mais confuso ainda.

O quê?

– As lendas urbanas... – O rapaz começou – acho que estavam certas. Tem algo de errado naquele lugar! Tive que me esconder no lixo e...

A risada de Johnny foi alta o suficiente para o interromper. Richard olhou o colega com indignação, enquanto o mesmo estava curvado para frente, rindo descontroladamente.

– Você... – ele tentou falar, enquanto recuperava o fôlego. Parou um pouco e então recuperou a compostura: – você realmente acreditou nessas coisas? Eu só te falei isso para te zoar na hora.

– Disso eu já sei, mas eu estou falando a verdade! Tem algo de errado lá.

– Ah, é mesmo? Tem certeza de que você não teve um pesadelo ou uma crise de sonambulismo no meio do trabalho?

– Eu não sou sonâmbulo! – Richard retrucou, na defensiva. – E eu não dormi no trabalho!

O colega cruzou os braços e o fitou severamente, como se estivesse fazendo uma análise cuidadosa. Obviamente não acreditava nisso.

– Tá! Talvez eu tenha dormido no trabalho – o jovem admitiu e desviou o olhar, ofendido – mas isso não vem ao caso!

– Como não?

– Porque aquela coisa me acordou! Veio me atacar no fim do turno!

– Sério mesmo que esse é o seu motivo para vir aqui? Você dorme mais que uma preguiça. Provavelmente só sonhou e ficou assustado. É normal os pesadelos afetarem a cabeça, mas não precisava me acordar por isso – e tentou fechar a porta, mas Richard o impediu, segurando-a.

– Se não acredita em mim, então venha comigo hoje a noite!

– E perder minha noite de sono? Não, obrigado.

Johnny fez mais força e bateu a porta na cara do colega.

– Você não precisa ficar a noite inteira! – Richard gritou, quase desesperado, por de trás da placa de madeira – E você pode dormir lá, qualquer coisa! Eu prometo que não perturbo. Vêm ou não vêm, seu covarde?

Não houve resposta.

Richard suspirou e adicionou:

– Eu te pago uma barra de chocolate se você vier.

Uma fresta da porta se abriu, revelando apenas um dos olhos escuros do amigo:

– Você acha que vou me vender por uma barra de chocolate?

– Você acha que vou te deixar em paz se não for? – Richard respondeu no mesmo tom, cruzando os braços.

Os dois se encararam por longos segundos.

– Ugh! Okay, okay! – Cuspiu Johnny, escancarando a porta - mas ainda quero aquela barra.

– Fechado. E só mais uma coisa...

– O quê?

– Eu perdi minhas chaves – Richard teve que confessar - preciso da sua ajuda para achar elas.

– Você é mais cego que um morcego. Mas tudo bem, eu te ajudo. Nos vemos hoje a noite.

E pela última vez e de forma definitiva, Johnny bateu a porta na cara do amigo novamente.

Richard respirou fundo e se retirou, indo em direção a sua própria casa.

Ele cheirou o próprio braço e fez uma careta. Realmente preciso de um banho.

***

Richard aguardava em frente ao grande portão do parque, que se encontrava fechado devido ao horário. Impaciente, ele estendeu o braço para checar o relógio de pulso: faltavam 10 minutos para a meia-noite. Johnny estava atrasado.

O rapaz bufou e chutou uma pedrinha no chão com raiva. Quando ele estava prestes a desistir de esperar pelo amigo, a figura familiar dele surgiu no final da rua.

– Opa, Rick, como vai? – Johnny o cumprimentou quando chegou.

– Você se atrasou – o guarda-noturno o repreendeu, friamente – eu fiquei plantado aqui, te esperando! Não podia chegar no horário marcado?

Johnny revirou os olhos:

– Você deveria agradecer por eu ter vindo, quando eu poderia ter simplesmente ficado em casa dormindo, como eu queria.

Em resposta, Richard o ignorou e começou a circundar a propriedade.

– Pera aí! – Johnny apertou o passo para o alcançar – onde você tá indo? A estrada é aqui!

– Funcionários entram por outro lugar – explicou – fica lá na frente.

– Ah... faz sentido.

Bastou andar poucos metros para chegar a outra entrada, que era consideravelmente menor. Se tratava apenas de um pequeno portão enferrujado, com a frase "ACESSO RESTRITO" estampada em grandes letras vermelhas na placa presa a altura dos olhos. Não tinha como errar.

Richard não moveu um músculo. Encarou fixamente a entrada à sua frente, temendo pelo que o aguardava para aquela noite.

– Achei que os guardas-noturnos tivessem algum chapéu ou algo do tipo – Johnny comentou para quebrar o gelo, trazendo o guarda de volta para a realidade.

Richard virou para trás, o encarando, e então deu de ombros:

– Talvez tivessem, mas acabaram tirando do uniforme porque eles sabiam que seria só uma coisa a mais para Oliver e Oscar roubarem.

Quem?

– Oliver e Oscar, dois dos mascotes do par-...

– Isso eu sei – Johnny o interrompeu. – Só que não tem como eles criarem vida própria para roubar coisas. Eles são só animatrônicos. E ainda por cima, um dos bem primitivos. Mal saem do lugar.

Como o vigia não sabia mais o que responder, ele tentou abrir a porta, mas ela não abriu. Estava trancada. Então se lembrou que estava sem as chaves e praguejou em voz baixa.

– O que foi? – Johnny perguntou por cima de seu ombro.

– As chaves.

– Ah é. Você as perdeu.

– Eu não as perdi! Eles roubaram enquanto eu fugia da droga de um robô assassino!

– Que nem quando meu porco-voador comeu meu dever de casa?

– Isso! – O rapaz estava tão distraído em seus pensamentos que nem havia notado o absurdo que o amigo dissera, só concordara.

– Richard... – O colega não pode conter um sorrisinho.

– ...

O vigia bateu com a mão na testa, com raiva de si mesmo por não ter percebido e voltou a caminhar, só que dessa vez, rua abaixo. Johnny deu de ombros e foi atrás novamente.

Com ambos os portões fechados, restava a dupla apenas entrar por métodos não muito convencionais, como invasão. É o único jeito, Richard disse a si mesmo, para aliviar a culpa, eu sou funcionário daqui.

Por sorte, todos os acessos do parque se encontravam fora da cidade, voltadas para a autoestrada. Eles poderiam simplesmente entrar pelos arredores sem serem vistos. Não havia movimento algum ali.

O rapaz, enquanto prosseguia, passava os olhos pela cerca, à procura de alguma parte que fosse possível escalar. A única alternativa que encontrou foi depois de atravessar um dos estacionamentos, ao achar uma grade mediana, velha e enferrujada. Nem sequer refletia a iluminação dos postes de luz, de tão maltratada que era. Eles realmente não se preocupam com invasões.

Inevitavelmente, o guarda tentou deduzir em que área do parque iria chegar ao atravessar a cerca, mas desistiu porque logo iria descobrir.

– Sabe escalar? – Richard parou de andar e se virou ao colega.

Obviamente.

– Você também tomou vacina antitetânica?

Johnny arqueou uma das sobrancelhas:

– Sim? Qual é a dessas perguntas aí?

O guarda apontou para a grade.

– Você enlouqueceu? – Johnny pôs as mãos na cintura, indignado – Isso é invasão de propriedade privada, eu não quero ir preso!

– Ninguém vai te prender – Richard bufou, tornando a ficar impaciente – Eu sou o único que poderia te mandar para a cadeia, porque eu sou o guarda da noite, mas estou permitindo que você entre lá.

E sem esperar por outra resposta, o vigia olhou ao redor, para certificar de que estavam sozinhos ali e que nenhum carro vinha pela estrada. No fim das contas, realmente era um local deserto, portanto era seguro prosseguir.

– Você trabalha no parque, mas eu não! – Johnny chiou em protesto, inutilmente, enquanto o colega já seguia na frente.

– Não há câmeras aqui.

– Mesmo assim, vai que...

– Não vai dizer que está com medo, né? – Richard segurou a grade, avaliando como iria subir. Sabia que provocações eram super efetivas com o amigo.

– Não estou com medo! – Johnny grunhiu, se pondo atrás dele e caindo feito um patinho na chantagem – vamos logo com isso!

O vigia assentiu satisfeito e se pôs a escalar primeiro. Ele teve que admitir que não era tão fácil quanto imaginara, mas, ainda sim, foi capaz de fazer isso. Aterrissou de mau jeito no chão, quase caindo, mas conseguiu manter o equilíbrio aos tropeços. Já o seu amigo, não teve tanta sorte (ou habilidade), acabou se esborrachando no cascalho e ficando cheio de pequenos arranhões.

– E agora? – Johnny indagou, irritado pela ardência dos machucados. Ele se levantou e bateu nas roupas para tirar a poeira, já se arrependendo de ter topado entrar no parque.

– Vamos procurar as chaves.

– Não está se esquecendo de algo? – Johnny o fitou, indicando que não iria a lugar nenhum sem que lhe dessem o que fora prometido.

Richard entendeu o recado; tirou de um dos bolsos a barra de chocolate e o entregou. Ainda emburrado, o amigo pegou o doce, desembalando na mesma hora para dar uma mordida. O vigia percebeu que também estava com fome, mas sacudiu a cabeça. Teria que esperar.

– Então? – O vigia olhou ao redor aflito, como se temesse que algum monstro saísse das sombras para os emboscar.

– É só refazer o caminho de ontem – o amigo resmungou entre mordidas – quando foi a última vez que viu as chaves?

– No prédio de administração, para destrancar uma das portas.

– Ao prédio de administração, então.

Richard olhou à sua volta novamente mas apenas viu uma construção sem paredes por perto, que tinha o telhado sustentado apenas por algumas vigas de metal. Ao espiar melhor, ligando sua lanterna, o guarda reconheceu os brinquedos que seriam carrinhos bate-bates, obviamente desativados.

Preferiu seguir pela direção oposta. Aquilo não era útil.

Richard, na realidade, não fazia ideia onde estava. Ainda não sabia se localizar pelo parque. Além disso, se preocupava em estar exposto no terreno aberto, mas ao ver seu amigo, seguindo atrás tranquilo, ele mesmo conseguiu relaxar um pouco.

Aquela área do parque não tinha muita coisa.

– Como você se sente, trabalhando em uma cena de crime? – perguntou Johnny de repente, enquanto andavam.

– O quê? – Richard parou, assumindo uma expressão genuinamente confusa.

O colega também cessou a sua andança:

– Você não sabe?

– Do que você tá falando?

– Oh... – fez ele, dando uma grande pausa – Agora faz sentido porque você foi a única pessoa do universo que aceitou esse emprego. – Johnny se empertigou, parecendo incomodado com alguma coisa. Olhou ao redor com um nervosismo súbito, como se alguém pudesse os ouvir, então se aproximou novamente do amigo, se pondo ao seu lado – você nunca ouviu falar de Vixen?

Richard, assustado com a mudança de comportamento dele, fez que não.

– Vixen é a assassina de Vulpine Beach – Johnny explicou rapidamente, em um tom mais baixo, e, instintivamente, olhou para trás mais uma vez, quase em um tique nervoso. – Ninguém da cidade vem aqui por causa dela. Há quatro anos, Vixen condenou esse lugar para sempre matando gente. Na verdade, até antes disso, mas só descobriram agora, porque alguma coisa deu muito errado, até para ela.

O vigia arregalou os olhos, mas depois de alguns poucos segundos, começou a rir:

– Você é hilário John!

– Eu estou falando sério – o rapaz sibilou. – Pode perguntar para qualquer um ou até pegar um jornal!

– Até parece – Richard cruzou os braços, ainda achando graça – Se fosse verdade, teriam fechado esse lugar.

– E fecharam – Johnny continuou, nervoso – mas só por alguns meses, até chegaram a conclusão que a empresa do parque não tinha nada a ver com o acontecido. Eles só continuam a ganhar dinheiro para sustentar o lugar porque os turistas não têm muito conhecimento disso, ou, simplesmente, porque não se importam. Tem gente que vem só por isso até.

O guarda ficou em silêncio. Agora entendia a resistência dos tios em relação àquele emprego. Mas porque não tinham o dito nada?

– Mas sempre aconteceu coisas ruins nesse parque, desde a sua inauguração – Johnny prosseguiu, sombrio, e então adicionou um pouco mais leve – mas admiro que você, mesmo sabendo de alguns desses desastres, teve a coragem de vir trabalhar aqui. Não é um desses idiotas que acredita em espíritos e essas coisas... Só em robôs com vida própria, mas acho que isso é alguma piada interna de vocês, guardas-noturnos.

Richard assentiu, mesmo que ainda acreditasse de verdade nos animatrônicos com comportamento anormal, mas acabou deixando passar. Não queria continuar aquele assunto.

A dupla voltou a andar, mas dessa vez em silêncio.

A atmosfera do parque parecia de repente muito mais assustadora, e o ar, mais denso, mas o guarda-noturno sabia que isso tudo era apenas efeito da história que tinha acabado de ouvir.

Ele prosseguiu em passos mais firmes e se pôs a observar novamente os arredores, tentando se localizar. Ao olhar para o seu lado esquerdo com o facho de luz da lanterna, Richard reconheceu por fim um detalhe familiar na paisagem: o restaurante principal.

Dali, eles só precisavam seguir em frente para chegar aonde o vigia queria.

Logo, a dupla avistou o contorno do prédio de administração contra o céu escuro, a alguns metros mais à frente. Assim que Richard alcançou a construção, ele circundou as paredes de concreto até o seu escritório, pretendendo ir propositalmente pela entrada externa.

Quando chegou lá, o guarda-noturno se surpreendeu: a sua porta estava intacta.

Ele coçou a cabeça, estranhando. Isso não foi destruído ontem a noite? Antes que ele pudesse chegar a alguma conclusão, Johnny foi na frente. Como a passagem estava estranhamente destrancada, o amigo simplesmente entrou.

Richard o seguiu e acionou o interruptor da sala ao passar pela porta. A luz iluminou o cômodo, revelando um ambiente até mais arrumado do que o guarda se lembrava de ter deixado.

Tem algo de errado, Richard pensou, angustiado.

De repente, um ruído eletrônico chegou aos seus ouvidos. O rapaz instintivamente deu um pulo para trás, olhando de um lado para o outro a procura de uma possível ameaça, até que uma mão lhe tocou o ombro:

– Você precisa relaxar... – Johnny murmurou, quase rindo – eu só liguei o computador.

Ainda tenso, o guarda olhou para a tela ligada.

Era um aparelho bem velho, sendo o único que haviam lhe fornecido para o trabalho. O maquinário devia também estar com algum defeito agora, porque apenas exibia uma imagem falha, que piscava e se distorcia. Como não era a primeira vez que isso acontecia, o rapaz suspirou e apertou um botão para reiniciar o computador, e com isso, uma ideia genial lhe veio a mente: poderia mostrar as gravações dos animatrônicos!

Por meio de uma determinação renovada, o guarda puxou a cadeira e se sentou, a fim de manipular o aparelho. Quando a tela se estabilizou, ele pode finalmente acessar os arquivos das noites anteriores. Johnny apenas observava por cima de seus ombros, enquanto o vigia clicava no mouse para abrir as pastas, mas, novamente, o televisor entrou em estatística, dando erro.

– Acho que você precisa de um computador novo... – Johnny murmurou, perdendo o interesse no equipamento e indo para o outro lado da sala, com o intuito de explorar os outros cantos dela.

– Tem algo de errado – Richard comentou, dessa vez em voz alta e sem desviar os olhos da tela. – Alguém pode ter mexido aqui e...

– Por que alguém iria querer mexer nessa lata velha? Esse computador deve ter defeitos naturalmente, é do tempo da minha avó essa coisa aí!

– Mas até ontem estava funcionando perfeitamente!

Quase perfeitamente, Richard adicionou apenas a si mesmo.

O amigo deu de ombros.

– Vai ver decidiu quebrar hoje. Computadores são assim, têm vontade própria e quebram quando você mais precisa deles.

Richard resmungou e desistiu de tentar, desligando o aparelho. Aquilo não estava o levando a lugar nenhum. Precisava de outra estratégia.

– Vamos repassar o seu cronograma para encontrar suas chaves – Johnny sugeriu, pensativo, levando uma das mãos ao queixo – você entrou com as chaves, e aí?

– Aí uma coisa destruiu minha porta e eu fugi pela saída interna, que levava para dentro do prédio. Me deparei com uma saída trancada, usei minhas chaves e eu saí... E então...

E Johnny nem o resto quis ouvir. Antes que Richard terminasse, o amigo já havia disparado para aquela direção. Mas logo, ele teve que parar por não saber por onde seguir. Coube ao guarda-noturno o guiar por lá.

Pararam mais uma vez, dessa vez no fim do prédio. Richard, pela primeira vez, podendo analisar o portal com mais calma, viu que era exatamente do tipo de saída de emergência.

Os dois amigos então se entreolharam, até que um deles decidiu quebrar o suspense abrindo a porta. Johnny estendeu a mão e tocou na trava que a abria, mas quando tentou a empurrar, a superfície não cedeu.

– Está trancado – disse ele, se afastando da porta de metal – tem certeza que saiu por aqui?

– Absoluta! Eu já não te disse que no dia eu destranquei?

– Então alguém deve ter trancado... Dá para ir lá por fora?

Richard assentiu e novamente os dois atravessaram a construção, rumo ao exterior do prédio.

Quando chegaram ao ponto onde Richard havia se escondido na noite anterior, como todo o resto, o lugar estava intacto. O contêiner de lixo havia sido colocado de volta no lugar, encostado na parede, e também fora consertado, ou mais provavelmente, substituído.

– Você só veio até aqui? – Johnny perguntou após analisar o local.

– Sim. A coisa que me perseguia era muito rápida, então achei que teria mais chances me escondendo do que correndo.

Pelo olhar que o amigo lhe lançou, ele ainda parecia não estar convencido:

– Certo... – Johnny suspirou. – Onde você se "escondeu"?

O vigia só apontou para um dos contêineres.

– É sério? – o colega arregalou os olhos – É por isso que você estava tão fedido hoje de manhã?

Emburrado, Richard se manteve em silêncio.

Johnny apenas fez mais uma careta de desgosto e caminhou até às lixeiras.

– Mãos à obra...

O amigo abriu o tampo, mas quando Richard olhou para ele, não conseguiu decifrar a sua expressão.

– Achou as chaves? – Apesar da pergunta, Richard achou melhor conferir por si mesmo. Se colocou ao seu lado, então entendeu o porquê da reação de Johnny: o contêiner estava vazio.

– Certo, Rick... – Johnny recomeçou, fechando a tampa – eu acho que você apenas teve um sonho bem doido e acabou confundindo com a realidade. Vai ver as suas chaves estão na sua casa mesmo. Você chegou a procurar lá?

– Eu estou falando a verdade! – Richard explodiu – eles trocaram a porta, arrumaram tudo, devem ter feito algo com o computador e também substituíram o contêiner!

O amigo o encarou torto.

– Desde quando você faz tantas teorias da conspiração? Só falta dizer que Vixen tá viva!

O vigia abriu a boca para retrucar mais uma vez, mas no fim, acabou desistindo. Estava óbvio que o amigo não iria se convencer daquilo.

– Tudo bem – disse o guarda. – Já sei que você não acredita em mim.

– Não é isso, é só que... Vai ver os outros funcionários do parque fizeram alguma pegadinha com você?

– Talvez... – Richard balançou a cabeça, sem convicção.

***

Algumas horas se passaram, até que Johnny fora embora para a sua casa. Richard, que agora estava sozinho e por conta própria, sentia finalmente o verdadeiro peso do emprego ruim. Era como se nem todo o dinheiro daquele mundo o compensasse por aquele trabalho maluco.

Talvez, tivesse sido um sonho mesmo; ou alguma brincadeira de mau gosto; ou, ainda por cima, alucinações. Mas por que estava tão aborrecido?

O guarda estava indo em direção ao seu escritório, depois de ter acompanhado o amigo até a saída. Voltou para dentro da sua sala e fechou a porta, mas ainda não conseguia relaxar com a entrada externa destrancada, e sem as chaves, ele não podia a fechar adequadamente. Para se prevenir de outro ataque, Richard arrastou com dificuldades a sua mesa até a entrada, para obstruir o caminho, ou ao menos, tentar. Claro que se tratava mais de uma segurança psicológica do que física.

Acabando o trabalho árduo de mover o móvel, o guarda deixou escapar um suspiro de cansaço. Ele olhou para trás, e pela segunda vez na mesma noite, levou um susto.

Olive e Oscar o observavam, com seus olhos azuis brilhantes e curiosos. Os dois animatrônicos tinham voltado, sabe se lá como. Estavam ali, em metal e plástico.

Era real.

Apesar do choque de realidade, o rapaz não estava mais com medo, mas sim, irritadiço. Lançou-lhes um olhar furioso. Estivera certo o tempo todo. Se Johnny tivesse ficado mais um pouco!

– Onde estão as minhas chaves!? – Richard exigiu aos animatrônicos.

– Do que você está falando? – Oliver perguntou, com certa aflição.

– De tudo isso! Por que não apareceram antes!? Por culpa de vocês, na noite passada, eu perdi as minhas chaves, enquanto fugia de um amiguinho de vocês!

– Amigo nosso? – Os dois robôs disseram simultaneamente, surpresos.

– Isso. Grande e assustador, com olhos negros, pupilas brancas e garras afiadas.

Oliver e Oscar trocaram olhares, parecendo sérios com aquela menção.

– Então? Era amigo de vocês ou não? – Richard se aproximou deles, sem hesitação. Estava evidentemente impaciente – quem era?

– Ônix – disse Oliver. O gambá tentou protestar, mas o esquilo o silenciou com um olhar antes de adicionar: – e ele não é exatamente nosso amigo.

– E as minhas chaves? Eu preciso delas!

– Nisso nós podemos te ajudar – Oscar deu um passo à frente, estendendo a pata, com a palma virada para cima. – Mas queremos algo em troca.

Richard fechou os olhos com força, tentando acordar daquele pesadelo, mas visto que aquilo era real, os reabriu, tentando desviar daquelas órbitas bizarras que pareciam estranhamente vividas.

– O que vocês querem? – Perguntou o guarda por fim, mesmo que já soubesse da resposta.

Os animatrônicos mais uma vez se entreolharam, vitoriosos, antes de dizer ao rapaz:

– Queremos que brinque de esconde-esconde conosco.

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