11. A atração de terror

𝚁𝚒𝚌𝚑𝚊𝚛𝚍 𝚎 𝙹𝚊𝚔𝚎 𝚎𝚜𝚝𝚊𝚟𝚊𝚖 𝚙𝚊𝚛𝚊𝚍𝚘𝚜 𝚍𝚒𝚊𝚗𝚝𝚎 𝚍𝚘 𝚖𝚘𝚗𝚜𝚝𝚛𝚞𝚘𝚜𝚘 𝚙𝚛é𝚍𝚒𝚘, sem ousarem trocar uma única palavra.

A imensidão de concreto cinzento se estendia muito alto no céu, contrastando de maneira ameaçadora no preto retinto da noite. Sem dúvidas, às próximas horas viriam a ser as mais sombrias de suas vidas, ainda que não houvesse nuvens para cobrir a lua e as estrelas brilhantes.

– Você tem certeza… que é aqui? – Richard perguntou por fim, sem ousar pronunciar as palavras muito alto, temendo por acordar os monstros que ali habitavam.

Jake se voltou ao amigo.

– É exatamente aqui.

Richard olhou novamente para a construção, sem conseguir conter um calafrio. De alguma maneira, aquele lugar exalava uma aura sinistra, bem pior do que o restante do parque se é que não fosse apenas coisa da sua imaginação.

Engoliu em seco e foi em direção a entrada, onde Jake já o aguardava.

O terreno era cercado por grades enferrujadas altas, estranhamente familiares para Richard. A segurança daquele lugar era evidentemente mais reforçada, mesmo que ainda fosse de certa forma inútil. Aqui eles ao menos tentaram, pensou o vigia ao se lembrar das outras atrações que nem proteção básica possuíam.

Ele remexeu nos bolsos de sua jaqueta e tirou de lá dois molhos de chaves, entregando em seguida um deles ao colega enquanto abria o portão com o chaveiro restante.

– Consegui recuperar o meu, não preciso de dois – explicou Richard, escolhendo com cuidado as palavras para prosseguir – caso a gente se perca um do outro ou caso aconteça algo… Seria bom você ter as suas próprias para conseguir sair daqui.

Jake abriu a boca para protestar, mas ao perceber que o amigo tinha um bom ponto, apenas assentiu e guardou o objeto em um lugar seguro.

Sem demora, chegaram à porta de metal que dava acesso ao prédio. Richard a destrancou também sem dificuldades, por mais velha e enferrujada que ela fosse.

Ali dentro, à primeira vista, não enxergaram nada. Tudo estava submerso em uma escuridão densa e absoluta. Apenas a pequena distância entre as paredes, detectável pelo tato, indicava que se tratava de um corredor estreito.

Jake, que ia à frente, logo precisou admitir que não seria possível prosseguir na missão às cegas no escuro. Ele enfiou as mãos nos bolsos da calça e tirou de lá uma pequena lanterna, que, na realidade, não passava de um brinquedo para pendurar em chaveiros. Como a luz era fraca e falhava, Richard pegou a sua própria lanterna e ofereceu ao companheiro, que aceitou de bom grado.

– Para onde devemos ir? – O vigia sussurrou, apertando o passo para não ficar para trás. Era óbvio que o seu machucado só dificultava as coisas.

– Eu não sei – respondeu Jake no mesmo tom baixo, passando o facho de luz pelas paredes pálidas e cinzentas.

– Mas você já não fez isso antes? Já não veio aqui?

– Nunca – admitiu após alguns segundos de silêncio. – Eu abandonei o jogo antes de sequer tentar a última fase, que realmente espero que seja a última. Por isso, estou procurando um mapa daqui.

O vigia noturno não disse mais nada. Apenas olhou para trás, temendo que alguma coisa pudesse os seguir.

Muitos anos antes, aquele prédio tinha tido um aspecto bem diferente do atual, com fachada pintada e o chão bem polido. Algo quase como bem cuidado, por ter sido destinado à administração do parque nos seus primeiros anos de funcionamento. Mas agora, seus dias de glória estavam muito distantes. Restava apenas àquele lugar ser reutilizado como sucata para alguma atração qualquer. De certa forma, havia um quê de proposital na falta de manutenção, deixando a situação de abandono e decadência óbvios, uma vez que a intenção da casa de horrores era fazer juízo ao seu nome.

Em pouco tempo, a dupla alcançou o que seria um salão principal, onde em uma das paredes, Jake iluminou um mapa explicativo.

Infelizmente, a figura apenas exibia o térreo e o primeiro andar, mas com certeza, havia muitos outros patamares, de acordo com a vista do lado de fora que qualquer um teria.

Richard desanimou. Aquele lugar era imenso e as informações disponíveis eram poucas, além do território ser praticamente desconhecido. Encontrar o seu cartão lá seria evidentemente mil vezes mais difícil do que achar as suas chaves na enseada pirata.

– Vamos para o segundo andar – Jake sugeriu. – O mapa não indica nada a partir dali. É mais provável que eles tenham dificultado as coisas.

O vigia assentiu e o seguiu. Claro que eles iriam dificultar as coisas, pensou com desgosto.

Conforme avançavam, iam observando os arredores à procura de algum elevador ou escadaria que os levasse aos andares posteriores. O mapa havia indicado onde estariam os acessos, mas o problema era que naquele breu, seria inútil tentar se guiar por ele.

Nada de anormal, até então, se manifestou. Entretanto, Richard começou a ficar nervoso pela falta de sinais de ameaça. Já tinha se acostumado com o comportamento nem um pouco discreto e extremamente violento dos outros mascotes do parque. Será que realmente não haveria perigo? Não. Com certeza o pior os aguardava a partir do segundo andar.

Foi então que o vigia percebeu que já estivera exatamente nesse mesmo lugar. Era o mesmo em que ele tinha ido parar na noite em que Blueberry havia tentado o enganar. Agora consciente disso, se lembrou também da silhueta de um dos monstros que vira no dia, de garras imensas e olhos vermelhos como sangue; e, por último, mas não menos importante, também se recordou da voz misteriosa que o guiou para fora do prédio.

Um brilho metálico ofuscante o trouxe de volta para a realidade, quase o cegando. Jake, o seu companheiro, havia encontrado o elevador.

O ex-vigia encarou as portas foscas por alguns segundos, até que, por fim, deu meia volta, completamente desinteressado.

– É melhor procurar as escadas, é mais seguro – esclareceu ele. – Esse elevador é velho e deve fazer muito barulho. Ainda há chance de nem sequer funcionar.

O guarda novamente o seguiu sem questionar. Deram meia volta e mergulharam em outro corredor escuro, sem saberem o que os aguardava.

– Por que você aceitou o emprego de guarda-noturno antes de mim? – Richard perguntou de repente, quebrando o silêncio esmagador.

– Dinheiro fácil – murmurou Jake após alguns longos segundos de reflexão. – Acho que aconteceu com todo mundo, não é? Mas, se eu soubesse que daria nisso, não teria nem tentado pisar no parque… ou melhor, nem mesmo nessa cidade! – Em seguida, balançou a cabeça com desdém, como se reprovasse a si próprio – deveria ter lido os jornais ou ouvido mais os moradores daqui, mesmo que a maior parte dos rumores sobre o parque seja pura bobagem. Mas sabe, realmente houve desaparecimentos por aqui, antes mesmo do massacre de Vixen, mas na época pensei que fossem apenas histórias inventadas. De qualquer jeito, ambos estavam interligados desde o início, de acordo com o que a investigação concluiu, mas ainda sim, não sei como esse lugar continua aberto. Tem algo muito errado por trás disso tudo.

– Não entendo também a exigência da devolução  das chaves e do cartão para que alguém possa sair do emprego – adicionou o vigia, transtornado. – Tipo, além do óbvio, é claro, como roubo e segurança.

– Tenho certeza que nenhum ladrão é maluco o suficiente para pisar em Oz Park – concordou Jake, com um raro sorrisinho – ainda mais quando os próprios animatrônicos já servem como cães de guarda. Tenho que admitir que eles fazem nosso trabalho melhor do que nós mesmos.

Richard não pode evitar de dar uma breve risada com o comentário. Blueberry era definitivamente muito mais aterrorizante do que o maior e mais feroz dos cães, e, facilmente, ela manteria os forasteiros indesejáveis longe dali, se é que já não fizesse isso atualmente. Era bom ter um pouco de senso de humor naquelas horas.

– Tenho um palpite para o porquê deles continuarem a manter esse cargo em aberto – Jake prosseguiu, dessa vez, mais sério – chuto que é por conta da pressão da cidade quanto aos acontecimentos antigos daqui. Muita gente teme mais assassinatos, e desaparecimentos, mas tudo da parte de humanos, o que é um tanto irônico, já que a maior ameaça atualmente são os animatrônicos e esse cargo só está condenando mais gente. Claro que quase ninguém se voluntaria para o emprego de vigia noturno, e os poucos que o fazem, logo pedem para sair ao ver as loucuras daqui. Portanto, as exigências servem apenas para segurar as pessoas no cargo, além de evitar a proliferação de mais rumores que difamam o parque. É como se a gente já soubesse demais.

O guarda-noturno ficou de queixo caído com aquela explicação. Estava claro como vidro, que, se Jake realmente quisesse, ele poderia muito bem desvendar as verdadeiras intenções da empresa de Oz Park. Esse era o verdadeiro motivo por trás do temor de sua saída, e Richard, estava ficando preocupado com a profundidade daquele problema. No fim das contas, ele só tinha visto a ponta do Iceberg. Mas, apesar de tudo isso, ele não pôde deixar de sentir uma certa admiração pelo colega.

– Uau! Jake, você é realmente genial! É a pessoa mais inteligente que conheço, sem dúvidas! Mas… quanto ao cartão? Para que ele serve?

O ex-vigia, desconcertado pelo elogio, corou e desviou o olhar, mas assim que percebeu que aquilo era desnecessário devido às sombras que os cercavam, voltou a normalidade:

– Bem… o cartão… acho que serve para entrar em áreas mais restritas, mas não tenho certeza. Nunca usei.

– E os robôs? Porque agem como se tivessem vida própria?

Jake estacou por algum tempo, até que tornasse a explicar:

– Eu não sei – admitiu. – É uma boa pergunta na verdade. Mas, pela explicação que me deram, se trata de uma sobrecarga no sistema dos animatrônicos, mas isso ainda não justifica o fato deles parecerem ter…

– Vida própria?

– Uhum. E também de quererem matar. Se fosse realmente coisa da programação, haveria chances também de acorrer durante o dia. Só que isso nunca aconteceu.

– Eu já vi Ônix agindo de maneira estranha durante o dia, na verdade. Ao menos, quase. Da última vez que eu o vi, ele ficou citando… coisas que aconteceram comigo durante uma tarde. Ele ficou me observando!

– Coisas? Que tipo de coisas?

Richard corou e não respondeu. Era complicado demais explicar o seu rolo com sua ex-namorada. Além do mais, o será que Jake pensaria dele se soubesse que Mary o largara por ser um fracassado?

– Er… nada de importante.

– Ah… Entendo – disse Jake, e o vigia, suspirou aliviado quando o assunto foi mudado – Mas acho que isso é impossível. Ônix não é como os outros, ele... As escadas!

As escadas…? – Richard repetiu confuso.

– Não, não é isso! – Exclamou o ex-guarda dando marcha-ré – nós já passamos por elas!

Richard parou de andar, demorando mais alguns segundos para se tocar de que o amigo estava se referindo ao momento de agora.

Completamente distraídos pela conversa ao ponto de quase se esquecerem do objetivo principal, eles haviam seguido reto pelo caminho onde a escadaria havia passado batida. Mas, por pura sorte, Jake havia se lembrado dela.

Richard chacoalhou a cabeça e foi atrás dele.

E lá estava a escadaria, uma fenda escura e profunda na parede. 

A atração de terror realmente faz jus ao seu nome, pensou o vigia, sentindo um calafrio ao olhar pela a passagem sinistra.

A escada, era sem dúvidas estreita, mas pelo menos, era mais larga do que as da enseada, além de parecer mais sólida. Entretanto, nenhuma luz vinha lá de cima, indicando a falta de janelas.

Como o seu amigo hesitou, o vigia acabou  tomando a dianteira, se guiando apenas pelo tato devido a falta de uma lanterna.

Jake olhou mais uma vez para a passagem antes de tomar a coragem necessária para seguir em frente. A partir do segundo patamar, não haveria mais volta.

– Jake, você não vem? – a voz do guarda, vinda lá de cima, o trouxe de volta para o presente.

O amigo sacudiu a cabeça para desanuviar.

– Eu já estou indo!

E foi atrás.

Subiram dois lances de escada, com extrema cautela para não tropeçarem nos degraus altos de concreto. Ao menos não são de madeira, Richard agradeceu internamente ao se lembrar das tábuas estrepitantes da enseada.

Ao chegarem no segundo andar, Jake passou a lanterna para o seu colega, uma vez que era ele quem assumira a liderança agora.

Richard, inicialmente, manteve o objeto virado para baixo, contendo o seu raio de luz para não entregar suas presenças. Ficou assim por alguns segundos, até ter certeza de que nada sairia do escuro para os atacar, e, quando finalmente tomou coragem, ele ergueu novamente o facho e se pôs a examinar ao redor, junto ao amigo.

Surpreendentemente, a aparência do segundo patamar era completamente diferente dos andares anteriores, porque ao contrário deles, o lugar tinha permanecido como originalmente era. Se tratava apenas de uma versão mais antiga de outro edifício que os dois conheciam muito bem. Talvez, também um pouco mais assustadora, devido à aura de abandono total e a escuridão da noite.

– Às vezes esqueço que aqui era o antigo prédio de administração do parque – comentou Jake.

– É sério? – o vigia varreu mais uma vez os arredores com o fecho, confirmando então os detalhes que lhe eram familiares – por que será que eles mudaram? Ou melhor… por que será que abandonaram? Não vejo nenhum problema aqui.

Jake deu de ombros.

– Mais um dos muitos mistérios de Oz Park…

As escadas haviam levado para um pequeno salão, que era mobiliado com dois sofás, algumas poltronas e uma mesinha de centro, onde, há muito tempo atrás, deveria ter sido o local de descanso destinado aos funcionários do parque. Em um dos cantos, encontrava-se também uma bancada vazia, que um dia, provavelmente, já houvera uma cafeteira repousada por cima. Por fim, e não menos importante, dois outros corredores se estendiam como bocas negras nas extremidades do cômodo.

Richard e Jake se entreolharam aflitos.

Estava óbvio que, caso se separassem, a busca prosseguiria muito mais rapidamente, ainda mais quando tinham cerca de quatro outros andares para vasculhar e apenas algumas horas restantes.

– Acho que nada de ruim deve acontecer nos primeiros andares – Jake começou, tão desconfortável quanto Richard. – Sabe? Se nós nos se…

– Separarmos? – Completou o amigo. – É… Acho que tem razão – e estendeu a lanterna mais uma vez para o mais velho, que balançou a cabeça em um gesto de negação.

– Não precisa. Ela é sua.

O vigia assentiu com certa relutância e lhe lançou um último olhar antes de mergulhar no primeiro corredor.

Ao andar os primeiros metros da passagem, Richard sentiu como se uma estaca estivesse o perfurando no peito, fincando cada vez mais fundo à medida que avançava. Era como se tivesse tomado uma decisão errada ao deixar o companheiro para trás por conta própria. Não, repreendeu-se a si mesmo pela preocupação excessiva, ele já esteve no meu lugar antes, então sabe se virar. Ele precisava seguir em frente a qualquer custo. Focou no seu trajeto, procurando o terminar o mais rápido o possível, mas sem deixar nada passar. O ar que aparentava ser ainda mais bolorento ali, também não ajudava.

Dos dois lados do corredor haviam portas, e se o que Jake dissera antes estivesse correto, todos aqueles cômodos seriam escritórios, como no prédio de administração atual. O problema é que Richard nunca chegara a sequer pisar nos outros andares de lá.

Ele tentou abrir a primeira porta, mas esta por sua vez estava trancada. A segunda e a terceira se encontravam na mesma situação. A quarta? Bem, ela estava aberta: era um escritório minúsculo, mas as gavetas da escrivaninha de lá permaneciam trancadas.

Uma a uma, ele foi revistando as poucas salas abertas, mas nada encontrou dentro delas. Não havia nenhuma pista. Nenhum resquício sequer.

Frustrado, o guarda voltou-se para o corredor, e, para piorar ainda mais a sua situação, a luz da lanterna começou a falhar. Droga! Devia ter trazido bateria extra!, praguejou ele. E o facho oscilante, durou apenas mais alguns minutos, até que se apagou por completo, o deixando na escuridão total.

O vigia respirou fundo para se acalmar e para conseguir pensar em alguma solução. Jake também não estava sem lanterna? Não, se lembrou. O amigo ainda dispunha daquele brinquedo, que por mais fraco que fosse sua luz, ainda quebrava o galho.

De repente ouviu passos.

Quando ele se virou na direção do som, avistou também ao longe uma pequena luz, que balançava de um lado para o outro e se aproximava cada vez mais.

O vigia engoliu seco. Um dos monstros havia o encontrado.

De repente, o brilho desapareceu e os passos cessaram por um instante. Teria a criatura não o detectado?

Richard aguçou mais os seus sentidos, mas sua visão de nada adiantou naquela escuridão total. Como sempre, ele teria que apelar para a sua audição.

Os passos recomeçaram.

O rapaz se virou para fugir, mas quando o fez, acabou tropeçando nos seus próprios pés e se estabacou no chão. Graças à adrenalina, ele foi capaz de se levantar rapidamente, porém, a tontura que veio pelo movimento brusco e as trevas que o não o permitiam enxergar, o deixaram desorientado. Não sabia mais por qual lado tinha vindo, e, o pior de tudo, não sabia mais onde estava o seu predador.

Richard, ao tentar se guiar apenas pela sua intuição, se chocou com tudo em algo. Mais especificamente, na coisa que estava o seguindo.

O vigia se afastou de abrupto e gritou, mas inesperadamente, logo foi cegado por um facho iluminado.

– Richard!? – Disse uma voz familiar.

O rapaz, que fechara os olhos com força, os reabriu bem devagar, piscando para se adaptar à luz. Então, uma onda de alívio o invadiu: era apenas Jake.

Jake? – perguntou incrédulo – Como… Como que…

– Os corredores se conectam aqui pelo visto – o mais velho observou, franzindo a testa – é mais diferente do prédio atual do que pensei. Me enganei achando que eram separados como os de lá e… você está bem? Cadê a sua lanterna?

– Estou bem… eu acho. – Em seguida, coçou a cabeça, constrangido pelo susto – eu a deixei cair em algum lugar por aqui. De qualquer jeito, a bateria acabou, então não importa mais.

– Não tem problema. Mas, é melhor a gente recolher para não deixarmos pistas da nossa presença.

Jake deu alguns passos à frente, e, usando o pequeno feixe de luz da sua lanterna de brinquedo, conseguiu encontrar o objeto. O catou do chão, apertando em seguida o seu botão, e, para a surpresa de ambos, a lanterna se acendeu.

– Acho que deve ter sido apenas mal contato – concluiu Jake, o entregando de volta a lanterna verdadeira.

– Hã… – o vigia inclinou a cabeça, visivelmente confuso. – Eu jurava que tinha acabado a bateria. Sabe como é, né? Muitas vezes usando. E… – encarou o amigo diretamente nos olhos, cheio de suspeitas – por que você desligou a sua lanterna naquela hora?

– Ah… Isso? – ele deixou escapar uma risada nervosa – pensei que você fosse um monstro ou algo do tipo. Desliguei para tentar me esconder de novo.

– Isso realmente explica muita coisa! Também pensei que você fosse um mons-…

– Richard… – interrompeu Jake.

– O quê?

– Está ouvindo isso? – o ex-vigia olhou para trás, na direção de onde viera.

– Isso o quê? – Richard mais uma vez parecia confuso.

– Você não está?

Richard abanou a cabeça.

– Não. Mas estou mais longe do que você. Espera aí.

O rapaz ruivo avançou alguns passos à frente e se forçou a escutar. De fato, agora conseguia ouvir uma leve melodia, como em uma caixinha de música ou algo parecido.

Ele se voltou ao amigo, com seus olhos arregalados:

– Você… Você não conferiu isso antes, quando passou por aí?

Jake fez que não.

– Certo… – Richard respirou fundo, antes de recomeçar – como eu não achei nada no meu corredor, vamos voltar pelo seu e conferir o que é isso.

O rapaz de óculos abriu a boca para protestar ao pensar que aquilo poderia ser uma armadilha, mas, ao levar em conta também que nenhum dos dois tinha conseguido alguma pista até agora, percebeu que valia a pena conferir a misteriosa melodia.

A dupla avançou com passos calculados, sem emitir um som sequer, até chegarem à origem da estranha música. Vinha de trás de uma porta.

Jake havia passado por ela antes, mas na hora, a porta estava trancada, disso tinha certeza.

Agora, daquela distância, ambos conseguiam ouvir  a melodia nitidamente. De fato era uma caixinha de música. Mas, a grande pergunta era: quem ou o quê teria dado corda nela?

Jake estendeu a mão trêmula e girou a maçaneta com cuidado. Um clarão de luz o cegou fazendo com que demorasse um pouco para voltar a enxergar, e, a música, de repente cessou.

Quando por fim abriu os olhos, ele sufocou um grito.

À sua frente, a alguns poucos metros de distância, um animatrônico se encontrava sentado.

A figura era muito diferente de qualquer outro mascote de Oz Park que ele já tinha visto, e, definitivamente, muito mais horripilante. O pelo amarelo desbotado da coisa faltava em muitos lugares, deixando quase metade do seu maquinário exposto, brilhando foscamente à luz vinda do teto. Também faltavam muitas peças, em especial, um olho, e, ainda por cima, onde quer que Jake olhasse, haviam fios torcidos saindo pelas juntas, sendo o mais óbvio deles, um punhado próximo a uma das orelhas triangulares. Jake não tinha certeza de que bicho era aquele, mas chutou ser um gato, ou pelo menos, que fora um algum dia. Aquela coisa, o que quer que fosse, estava  definitivamente  quebrada. Não tinha como se mexer.

Richard tentou espiar por cima do ombro do amigo, só que por ele ser mais alto, não conseguiu. A entrada era estreita demais para que os dois conseguissem entrar juntos. Restava apenas ao vigia esperar que Jake saísse ou entrasse de vez.

De súbito, com um movimento débil e ruidoso, o animatrônico virou o rosto na direção dos dois humanos. Jake recuou, se chocando com o amigo que estava logo atrás. Richard, como resposta, é claro, soltou um protesto.

O ex-guarda-noturno o ignorou. Ele sentiu sua pele formigar. Algo dentro de si gritava que alguma coisa estava errada, terrivelmente errada, e, seus instintos, lhe diziam para correr. De súbito, a temperatura do ambiente despencou, mas na realidade, era apenas o seu sangue que havia gelado. Algo de doentio dominava a aura daquela mascote, mesmo que ele não soubesse identificar o quê ou o porquê.

Finalmente vocês chegaram – disse uma voz familiar apenas para Richard, vinda de dentro do robô.

Sim, era ela. O tom baixo e fantasmagórico, completamente diferente de qualquer um que ele já ouvira, era inconfundível. Porém, agora estando cara a cara com a entidade, Richard ficou genuinamente surpreso: ele nunca chegou a pensar que a voz pertencia a um dos robôs. Na verdade, ele nunca pensou em nada em relação a isso. Para ele, tinha sido só uma voz e pronto. Nada mais e nada menos do que isso.

Jake, no entanto, engoliu seco. Conseguira por fim identificar o que havia de tão estranho naquela mascote: nenhum movimento seu e nem nenhuma palavra, vinham do programa. O animatrônico estava tão quebrado que era impossível que alguma coisa do maquinário ainda funcionasse. Havia um quê de sobrenatural naquilo. Era como se a coisa estivesse possuída.

– Eu lembro de você! – o vigia empurrou o amigo para liberar caminho, o forçando a entrar na sala. Tudo isso, para que ele pudesse ver a sua antiga salvadora – foi você quem me ajudou daquela vez! Foi você quem me mostrou a saída daqui quando Blueberry me enganou!

A cabeça da gata tombou para o lado, como se ela se esforçasse para se recordar, e, então, após alguns segundos, ela a ergueu, assentindo.

– Lembrei. O humano que entrou aqui por acidente, não é? – Ela o examinou cuidadosamente, e quando terminou, fez o mesmo com Jake – Por favor, entrem. Antes que seja tarde demais.

O vigia-noturno foi na frente, sem hesitar. Entrou na sala e sentou no chão ao lado da criatura, mantendo apenas uma pequena distância dela, agindo como se já a conhecesse há muito tempo, embora só tivesse ouvido sua voz uma vez antes. Jake, em contrapartida, permaneceu desconfiado. Demorou um pouco até que ele decidisse se juntar ao colega. E, quando o fez, escolheu um lugar distante da mascote, mas ainda próximo ao do amigo.

Tendo se instalado, Jake olhou ao redor. A sala se tratava mais de um depósito, e não de um escritório, como ele imaginara ser. O lugar era pequeno e apertado, o ar bolorento parecia ainda pior ali dentro. Estantes cobriam todas as paredes. Suas prateleiras estavam cheias de caixas de papelão, papéis amarelados e toda a sorte de quinquilharias, tudo isso intocado e abandonado a anos a fio. Havia também uma lâmpada pendurada no teto, que mal iluminava o ambiente. Apenas um único fio ainda a mantinha presa, e, o rapaz de óculos, ao examinar o estado pútrido em que o cabo se encontrava, concluiu que ele poderia arrebentar a qualquer momento.

A mascote estava bem no meio do cômodo, com uma velha caixinha de música vermelha e enferrujada nas mãos. Só podia ser Mia, se é que não fosse algum outro animatrônico qualquer que Jake não tivesse conhecimento. Como ele era funcionário do parque, conhecia todos os animatrônicos de lá, exceto os da atração de terror, que permaneciam um mistério para todos. Na realidade, só soubera da existência de Leroy e Mia através de Lino.

– Você é Mia? – Richard fez a pergunta que Jake estava prestes a fazer.

A mascote mais uma vez assentiu.

– É como me chamam, eu acho… Menos N-… – parou por um instante e recomeçou – Sim, sim. Me chamem de Mia.

– Lino disse para procurarmos você – revelou Richard.

– Lino…? Quem?

Os dois rapazes se entreolharam, o desespero tomando conta. Mia não se lembrava de Lino? Ou nem sequer o conhecia? Era outra cilada?

– Lino, o furão. Ou doninha. O que você preferir – Jake adicionou. – Ele tem olhos roxos e uma gravata borboleta da mesma cor. Sabe quem é?

Para a apreensão da dupla, a gata ficou em silêncio por mais alguns segundos, até que por fim, depois do que pareceu uma eternidade, ela ergueu as orelhas robóticas em um gesto ruidoso devido à ferrugem:

– Ah, sim. Lembrei. Desculpem, é que faz muito tempo desde que ele me pediu para eu dar dicas e ajudar qualquer guarda-noturno que entrasse aqui. Na verdade, tirando algumas noites atrás quando um de vocês se perdeu aqui, ninguém vêm, então acabei esquecendo mesmo.

– É ele mesmo então – Jake murmurou para Richard, um pouco mais aliviado, antes de se voltar para a mascote – quais dicas você tem para nos dar?

– Antes de tudo, eu não sei como posso ajudar de fato, mas vou tentar. Vocês já sabem de… como é que vocês o chamam mesmo?

– Leroy? – Richard completou instintivamente.

– Isso. Então vocês já sabem do essencial. O seu cartão, guarda-noturno, está no último andar, no antigo escritório do proprietário do parque. E… eu não sei se vai ser de alguma utilidade para você, mas também temos um antigo escritório de segurança aqui.

– Isso já ajuda muito. Obrigado Mia! – Richard exclamou, com os ânimos mais elevados pela descoberta.

– Desejo boa sorte a você, guarda…

– Richard.

– Certo, boa sorte Richard. E se me permite perguntar… quem é esse outro?

– Outro? – o vigia repetiu confuso, então, percebeu que ela deveria estar se referindo ao seu amigo – ah… Esse é Jake.

– Eu já fui guarda-noturno antes – esclareceu o segundo rapaz – mas agora trabalho nos escritórios do parque.

– Isso não é nada bom… – Mia murmurou, quase inaudível – você está igualmente em perigo, não deveria ter vindo.

– Eu sei – Jake constatou, controlando a sua voz para não sair trêmula – mas eu vim ajudar ele.

E para quem sabe, me livrar de Oz Park de uma vez por todas, acrescentou apenas para si mesmo.

– Eu disse que não precisava – Richard resmungou – mas ele insistiu em vir.

– Nesse caso, não deixe Leroy saber que o seu amigo trabalha nos escritórios – aconselhou a mascote. – Ele odeia especialmente quem…

Ela não terminou a frase, ao invés disso, seu único olho se fixou em um ponto mais adiante, logo atrás deles, em direção à porta.

Uma onda de pavor invadiu Jake. Pelo comportamento da gata, estava óbvio que algo estava errado, prestes a desmoronar. 

– Mia…?

Fujam – sussurrou ela. – Agora.

E, ao olharem para trás, os dois rapazes se depararam com um par de olhos vermelhos como sangue brilhando na escuridão.

Um único nome lhes veio à mente, como uma palavra fática e inevitável: Leroy.

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