10. De volta ao jogo
𝚁𝚒𝚌𝚑𝚊𝚛𝚍 𝚌𝚞𝚜𝚝𝚘𝚞 𝚙𝚊𝚛𝚊 𝚊𝚌𝚘𝚛𝚍𝚊𝚛, só conseguindo por fim após diversas tentativas.
Na primeira vez, ele não sabia se estava sonhando ou não. Parecia se encontrar preso naquele estado agoniante entre o sono e o desperto, onde sentia o corpo dormente e a escuridão o puxando de volta.
Por isso, só foi capaz de acordar depois de quatro tentativas. Ou teriam sido cinco? Ou seis? Não sabia ao certo.
Sua cabeça latejou quando fez força para se reerguer. Seu corpo dolorido só dificultava as coisas; sentia, que, para mexer um único dedo, precisava fazer uma força que levantasse uma tonelada. Ele também não conseguiu abrir os olhos de imediato, devido às pálpebras pesadas e a luz artificial que o ofuscava.
Depois de alguns minutos, quando Richard finalmente recuperou os seus sentidos, ele tateou onde estava deitado e se surpreendeu ao sentir lençóis macios e um colchão aconchegante.
No começo, pensou se encontrar na sua própria cama, em casa, mas conforme seus pensamentos foram se organizando, ele se lembrou dos eventos da noite anterior: a perseguição dos piratas, a sala com a chave e a fuga desesperadora pelas tubulações. Depois disso? Ele não se lembrava.
Enfim, ele abriu os olhos, e, ao se acostumar com a claridade, olhou ao redor, atônito.
Estava em uma sala grande e espaçosa, mas não era na casa de seus tios. As paredes eram claras, sem nenhuma janela ou abertura. Haviam também algumas macas espalhadas pelo cômodo, enfileiradas de maneira organizada como em um hospital. Porém, a falta de equipamentos, daqueles que mediam batimentos cardíacos, pressão e coisas do tipo, indicava que era apenas uma enfermaria simples.
Mas como ele fora parar ali? Antes que Richard pudesse pensar em mais alguma coisa, a única porta do outro lado da sala se abriu, revelando um rapaz de óculos e cabelos castanhos.
O vigia apertou os olhos, demorando um pouco demais para o reconhecer, coisa que era natural devido aos maus bocados pelos quais havia passado. Foi somente quando o sujeito se aproximou mais, que Richard o identificou como Jake.
Jake estava com uma expressão inquieta estampada no rosto, além de carregar consigo um copo de café descartável em uma das mãos. Quando ele varreu os olhos pelo cômodo e avistou Richard acordado, quase deixou a bebida cair no chão.
O vigia-noturno piscou confuso com aquela reação, e, somente após alguns segundos, foi que ele acenou de forma desconcertada para o colega.
Sem perder mais tempo, o mais velho veio ao seu encontro em passos largos, derramando um pouco de café involuntariamente no meio do caminho devido à pressa.
– Finalmente você acordou! – Jake exclamou ao se posicionar em frente a sua maca – como está se sentindo?
– Bem, eu acho… Dentro do possível – Richard, ao responder, se levantou um pouco mais, na intenção de sair da cama, mas, no meio da sua tentativa, seu corpo inteiro se enrijeceu por conta de uma dor aguda no tornozelo. Ele trincou os dentes.
– Não se esforce muito – Jake aconselhou, e então, estendeu o copo de café para o colega, evitando olhar nos seus olhos, devido ao constrangimento – Café?
Originalmente, Jake havia pego a bebida para si, já que não tinha certeza se o outro estaria acordado ou não. Na verdade, até mesmo a terrível possibilidade dele não acordar se passou na sua cabeça, porque a poça de sangue em que o havia encontrado caído era razoavelmente grande. Mas, agora que Richard estava desperto, parecia grosseria não oferecer café e ainda por cima o beber na sua frente. De qualquer maneira, não se importava com isso. Poderia aguentar muito bem um tempo sem isso.
O vigia-noturno pegou o copo agradecido, contudo logo fez uma careta quando a bebida queimou a sua língua. O amigo não conseguiu segurar a risada, mas quando viu que o outro o notou, se controlou de imediato.
Para sua sorte, o mais novo não se incomodou: assim que o café esfriou, ele virou o copo de uma vez. A cafeína o ajudou a ficar mais desperto e clareou os seus pensamentos em pouco tempo.
– O que aconteceu? – Perguntou ele por fim, após o último gole – e onde eu estou?
– Aqui é a enfermaria do parque, no segundo andar do prédio de administração – Jake murmurou, fazendo uma breve pausa em seguida para tentar achar as palavras certas para prosseguir – E… O que aconteceu eu também não sei. Eu só fiquei… Preocupado com você e vim ver como tinha se saído no serviço pela manhã. Como sua sala estava vazia, deduzi que algo estava errado e fui te procurar pelo parque. Encontrei você perto da enseada, caído no chão em uma poça de sangue. – Então adicionou, quase histérico: – eu levei um susto! Pensei sinceramente que você estivesse morto, mas, quando vi que estava respirando, decidi te trazer para cá.
Richard se encolheu e corou de vergonha, sentindo-se um pouco culpado pelo mais velho ter perdido o seu tempo nisso. Entretanto, uma pergunta específica vinha à sua mente: por que Jake estaria tão preocupado a esse ponto, quando ele poderia ter seguido a sua vida sem se importar com alguém aleatório como ele?
A pergunta não persistiu por muito tempo e logo foi deixada de lado.
Richard sorriu:
– Isso tudo valeu a pena.
– O quê? – Jake franziu o cenho, ligeiramente irritado – Você quase morreu e... – parou no meio da frase quando viu que o rapaz ruivo havia tirado um chaveiro do bolso.
Sim, o maldito chaveiro. Aquele que Jake se lembrava do vigia estar procurando desde o momento em que entrou em sua sala.
– Você… Conseguiu?
– Claro! E tudo graças à sua ajuda.
– Richard… – Jake ajeitou os óculos, coisa que fazia sempre quando estava nervoso. Ele soou estranhamente preocupado ao invés de aliviado, o oposto do que o guarda esperava ver – Você… Você está com seu cartão do parque aí?
– Mas é claro que… – Richard, ao perceber que o seu outro compartimento estava vazio, sentiu seu sangue gelar, o impedindo de terminar a frase.
O item havia desaparecido.
Uma onda de desespero o invadiu. Todo aquele esforço tinha sido em vão. O vigia não conseguia entender o porquê daquilo. Tinha até se prevenido, colocando o objeto no seu bolso mais seguro justamente para não deixá-lo cair em meio às correrias. A única explicação plausível era de que alguém teria se aproximado sorrateiramente dele e pego o cartão enquanto ele estivera desmaiado. Era isso! Só poderia ser.
Aquele jogo era injusto e nenhum de seus criadores jamais teve a intenção de o deixar terminar ali, na enseada pirata. O verdadeiro desafio estava mais adiante, e, com certeza, um perigo ainda maior o aguardava.
Richard praguejou, se jogando de volta já maca com frustração. O que mais poderia fazer, quando seu destino era aparentemente morrer ou ficar preso naquele parque para sempre?
– Como eu pude deixar isso acontecer!? – praguejou ele, cobrindo o próprio rosto.
Jake se retesou. A culpa na realidade havia sido sua, e não do vigia. Ele sabia muito bem disso.
– Isso aconteceu comigo também – admitiu em voz baixa e com remorso – não exatamente a mesma coisa, mas muito parecido. Eu deveria ter te avisado… Sinto muito.
Tendo se acalmado, Richard se sentou novamente, mas sem tirar os olhos do chão.
– Não… A culpa não foi sua – disse ele após algum tempo em silêncio – eu vou voltar ao depósito hoje e ver com Lino o que aconteceu... Ou descobrir o que mais eu devo fazer.
– Então eu vou com você.
– O quê?! – Richard o fitou, com seus olhos violetas arregalados – Sem chance! Você não precisa fazer isso e nem deveria!
Jake deu de ombros, conseguindo controlar bem o seu nervosismo.
– É o mínimo que eu posso fazer depois disso tudo. Quero também acertar as contas com eles, sem falar que você vai precisar de ajuda, machucado desse jeito.
Richard olhou para os seus próprios pés, percebendo pela primeira vez que o seu tornozelo direito estava enfaixado.
Auxiliado por Jake, o rapaz se levantou com cuidado, tentando em seguida dar uma volta pela sala. Como o esperado, ele ainda conseguia andar, porém, mancava um pouco e com certeza não iria conseguir correr por um bom tempo. Ou seja, de certa forma ele realmente estava em apuros.
– Vamos lá – Jake tentou dar o melhor sorriso que seu nervosismo permitiu – com uma pessoa a mais, teremos mais chances – argumentou.
Ou serão dois para morrer, Richard disse a si mesmo sem ousar vocalizar, temendo por estragar os ânimos do colega, por mais que soubesse que eram falsos.
***
– Eu realmente não esperava por isso. – Lino, genuinamente surpreso, alternava o olhar entre os dois humanos.
– Há quanto tempo, hein, Lino? – Jake, que insistira em vir junto, teve que controlar a sua voz para não sair tremida. Ele sabia que estava sendo idiota em retornar a zona de perigo, mas agora, não tinha mais como voltar atrás.
– Er… – Richard pigarreou – Jake vai participar dessa vez – e lançou um olhar tanto agradecido quanto tímido para o colega, antes de voltar a fitar o furão – ele veio me ajudar.
O mascote voltou os seus olhos brilhantes para o ex-guarda-noturno, como se estivesse animado com a nova adição no jogo. Uma animação que chegava a ser mórbida.
– Pensei que tivesse desistido. Além disso… Que motivos mais poderiam te trazer aqui? Você não recebeu a pouco tempo as suas chaves de volta?
Uma centelha de raiva percorreu Jake com a menção de Lino. Claro que eles devolveram as suas chaves. Tendo ele desistido e com Richard como seu novo substituto, não havia o porquê dos mascotes guardarem aquilo. Afinal, eles tinham um novo entretenimento: um outro alguém para perseguir e se divertir com seu desespero pela sobrevivência.
Jake sabia que, mesmo que a doninha tivesse o ajudado, assim como fizera com outros guardas antes e depois dele em algumas ocasiões, isso não passava de uma máscara: ele era igual aos outros. A verdade é que o mascote tinha a perfeita capacidade de acabar com aquilo tudo de uma vez, mas por algum motivo não o fazia. Ele realmente preferia fazer jogos, brincar com o psicológico das pessoas e se divertir às suas custas? Raspberry lhe dissera que ele era confiável, e como o ex-vigia acreditava nela cegamente, aderira a isso, só que… os últimos eventos, pareciam provar o contrário. Era como se ele e seu amigo estivessem caindo em mais ciladas, indo cada vez mais para o fundo do poço até chegar onde a luz do sol não batia. Mas, a maior pergunta que se passava em sua mente era: por que eles faziam isso? Quais suas motivações? Porque odiavam os humanos, em especial guardas-noturnos?
Jake respirou fundo, tomando consciência de que talvez nunca fosse descobrir a resposta para essas mil perguntas. Após alguns segundos, no puro silêncio, ele voltou a enfrentar aquele ser robótico imprevisível.
– O meu motivo é ajudar Richard.
– Entendo… Fique a vontade então – apesar da expressão indecifrável de Lino, Jake viu um brilho nos seus olhos que o traíram, revelando o que realmente sentia junto a continuação da frase: – é o que dizem por aí, não é? Quanto mais gente, melhor.
O humano sentiu um arrepio de medo, e ao olhar para o amigo, soube imediatamente que ele havia tido a mesma sensação.
– Desembuche – disse Jake com uma firmeza que surpreendeu até a si mesmo. Sem vacilar, olhou seriamente para a doninha mais uma vez, tirando em seguida do bolso de sua jaqueta, um bolo de meias que jogou para o furão.
Lino agarrou o pagamento com satisfação, mas o ex-vigia logo notou que algo estava terrivelmente errado: o mascote estendeu de volta as meias e não estava mais impassível. Havia uma certa alegria no seu olhar. Uma alegria que provocou nos dois humanos o mais puro desespero.
– Por que está me entregando isso? – Lino respondeu, soltando uma risada – você já sabe a resposta!
Uma onda de horror invadiu o veterano, juntamente com seus olhos que se arregalaram de medo.
Richard sem entender, ficou mais nervoso ainda com a reação do colega. O puxou pelo braço, a fim de obter uma resposta.
– O velho prédio de administração – murmurou Jake a ele, quase inaudível – aquele lugar é tão terrível que até os próprios administradores do parque evitam a todo custo que alguém ultrapasse o térreo. É muito pior do que a enseada pirata, e, se você acha que Blueberry foi a pior mascote que você já viu até agora, está completamente enganado. – Então fechou os olhos com força, lançando inesperadamente um olhar de puro ódio para a doninha – as coisas realmente não mudaram?
Lino não se intimidou nem um pouco. Pareceu até sorrir:
– Mudariam se alguém ganhasse.
Claro, Jake pensou com desgosto, um sistema infalível para garantir a vitória de vocês e a derrota certa para nós. Por que mudariam isso, quando tem dado tão certo? Esse sistema vai permanecer intacto até alguém que vocês não querem conseguir vencê-lo.
– Então é para a gente ir nesse lugar? – Richard perguntou, ainda confuso e com um quê de espanto.
– Basicamente, sim. O seu cartão está lá – o ex-guarda continuou, girando nos calcanhares para encará-lo – é onde fica a atual atração de terror.
De súbito, Lino pigarreou alto, atraindo de maneira infalível a atenção dos dois novamente.
– Como vocês já chegaram tão longe, vou dar mais uma dica: – e a doninha guardou suas meias novas, aparentemente mudando de ideia em relação em mante-las consigo – procurem por Mia.
A dupla o encarou, esperando por mais, mas como sempre, após um longo silêncio, o furão continuou sem dizer mais nada, deixando claro que aquilo era tudo.
– É só isso?! – Richard explodiu com indignação – Quem raios é Mia?! Como vamos sequer saber quem é ela?
Lino deu de ombros:
– Nem eu sei o que tem naquele lugar direito. Nós mesmos não podemos entrar lá. Leroy e Mia são quem mandam naquele lugar e Leroy não é do tipo que aceita negociações. Considerando a minha experiência, talvez Mia fique disposta a ajudar vocês, isso se ela não mudou desde a última vez que eu a vi.
– Espere aí… – Jake teve que fazer uma breve pausa para controlar a raiva crescente – quer dizer que eles não sabem disso? Não fazem ideia desse jogo?
– Como eu disse antes, nós não nos comunicamos muito.
– Quando foi a última vez que você por acaso viu Mia?
– Depende do ano em que estamos.
Vendo que aquela discussão era improdutiva, Jake se calou, evidentemente frustrado.
Richard, por sua vez, pareceu não desistir ainda:
– O que têm Leroy?
– Não chegue perto dele – o furão respondeu faticamente – estou falando sério. Um outro conselho? Não queira saber.
– Certo… hmmm… obrigado – respondeu o humano, tornando a ficar aborrecido. Quando ele olhou ao redor, percebeu pela primeira vez que Jake já o aguardava ao lado da saída. Foi se juntar a ele.
O ex-vigia abriu a porta que levava ao corredor, mas antes de entrar no saguão, parou e olhou por cima do ombro em direção ao mascote:
– Raspberry está bem?
As orelhas robóticas do furão se empinaram com aquela pergunta, mesmo que elas não servissem em nada para sua audição.
– Sim, ela está. Blueberry não seria capaz de fazer muita coisa contra ela. Não é tão insensível a esse ponto.
Jake duvidava disso, mas não questionou. Dessa vez, ele definitivamente se retirou, sem mais e sem menos. Quanto a Richard, deu um mero aceno para Lino antes de ir atrás do companheiro.
– Vamos terminar esse maldito jogo hoje – Jake declarou, ao chegar ao lado de fora do depósito – ainda temos tempo de sobra essa noite.
Richard concordou com um aceno de cabeça, antes de adicionar, inesperadamente empolgado:
– Vamos mostrar a esses animatrônicos do que somos capazes!
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