XXXVIII

Smiley acordou de repente ao ouvir alguém tossir. Por um instante, pensou em reclamar por não ter o direito de cochilar ao menos cinco minutos, contudo preferiu ficar quieto. Afinal, se estava de plantão, não poderia sequer cogitar a tirar uma soneca.

— Está sentindo alguma coisa? — indagou ao ver o ruivo sentado na beirada da maca ainda tossindo e com um copo d'água na mão.

Aparentemente, mesmo a água não foi capaz de fazer Lins se sentir melhor. Estava de cabeça baixa e a mão livre cobria o rosto, tornando impossível para o outro saber o que acontecia. O médico então se aproximou, pegando o copo e colocando-o de lado antes de se sentar na maca diante do músico.

— Lins, está me deixando preocupado.

Foi então que ele decide levantar a cabeça após parar com a crise e conseguir respirar.

— Pelo Operador... — Smiley precisou de um tempo para digerir a situação.

As íris azuis do austríaco estavam na cor violeta e seu rosto era contornado por escamas da mesma cor que as de Blader. O rapaz balançava a cabeça de um lado para o outro levemente, numa tentativa de afastar a tontura.

— Agora é você quem está me deixando preocupado, Smiley. — Finalmente conseguiu encontrar a própria voz, que continuava no tom habitual — Até parece que viu um fantasma.

— Recomendo ir até o banheiro dar uma olhada no seu rosto, depois vai me dar razão — respondeu o de olhos vermelhos. — Tirando sua mudança radical, está tudo bem? Nenhuma voz no fundo da sua consciência dizendo o que deve fazer?

— Suas perguntas estão me assustando.

O ruivo seguiu até o banheiro e só então entendeu por que o outro estava fazendo aquelas perguntas e o encarando como estivesse prestes a levar uma surra. Cedo demais para dizer que não sofreu efeitos colaterais, disse a si mesmo. No entanto, estava bem até o momento, sem sofrer nenhum tipo de influência como Blader tinha com Llafn.

Voltou até onde estavam o médico e sua amada, se surpreendendo com a presença de Slenderman ali àquela hora. Um tentáculo veio em sua direção e o jovem conseguiu desviar sem esforço, fato esse que surpreendeu não só ele, mas os outros presentes também.

— Não estou sob influência de nada, senhor — avisou, na tentativa de evitar ser atingido de novo.

O homem de terno nada disse, apenas continuou enviando mais tentáculos de uma vez na direção do ruivo enquanto este se esquivava com agilidade nunca antes vista.

— Senhor, eu já disse que estou no controle de minhas ações!

— Acredito em você, Lins. Só quero entender se esse pacto lhe trouxe algo além da mudança de aparência — explicou o dono da mansão, finalmente guardando a maioria dos tentáculos e deixando apenas um à mostra. — Seus reflexos e movimentação nunca foram assim, o que responde minha dúvida. Me permita só testar uma coisa, peço que não desvie dessa vez.

Lins assentiu, um pouco desconfiado, porém permitiu que seu pulso fosse segurado pelo tentáculo. Quando menos esperou, foi puxado para frente com força, se desequilibrando.

— Quero medir o quão forte está agora.

Com isso, o rapaz tentou puxar o homem de terno, como já vira Blader fazer algumas vezes. Entretanto, a criatura não moveu um músculo sequer. Por que parecia algo tão simples quando a morena realizava essa mesma ação?

— Então sua força não foi alterada — constatou Slenderman, soltando o braço do outro. — Sabe me dizer se também não sente dor?

— Não fizemos teste algum, senhor — Smiley respondeu pelo jovem. — Achei melhor te notificar antes de qualquer coisa.

O dono da mansão assentiu, acompanhando os movimentos do ruivo, que pegou um bisturi e fez um pequeno corte no antebraço. Uma careta surgiu involuntariamente segundos depois.

— Pelo que parece, não tive a sorte de assimilar esse poder — resmungou, deixando o médico fazer um curativo.

— Então o benefício desse pacto foi o aprimoramento de sua agilidade. Uma pena que isso veio só agora, mas ainda assim te torna menos vulnerável — O homem de terno concluiu, virando a face na direção da filha. — E como ela está?

— Ainda não demonstrou nenhum sinal de que vai despertar.

— Entendo.

Slenderman nada mais disse, apenas se retirou e voltou aos seus afazeres. Lins, por sua vez, voltou a se ajeitar no canto da maca onde Blader se mantinha inconsciente.

— Por quanto tempo vou ficar desse jeito?

— Isso não saberei responder, infelizmente — respondeu o médico. — Contanto que você não nos mate, sua mudança de visual não é algo preocupante quanto pensa.

**

— Agora fico me perguntando como meus sobrinhos vão nascer...

A voz de Ery fez o ruivo despertar, permitindo que ela analisasse as íris violeta dele.

— É, essa mistura de vocês vai ser uma caixinha de surpresas — concluiu.

— Primeiro, você deveria ter dúvidas se Blader vai sobreviver — respondeu o rapaz. — E depois se perguntar se ela vai querer te dar sobrinhos.

— Estou tentando ser otimista, coisa que você deveria fazer também. E, se der um jeitinho, duvido que ela vá negar seu pedido de ser papai. — A loira revirou os olhos quando o ruivo deu um tapinha de leve na própria testa — Olha só, agora vocês vão ter que tirar da dúvida se seus filhos vão sair com escamas ou não, nem venha reclamar.

— Você fala como se fazer filhos fosse a coisa mais fácil do mundo.

— E não é?

— Com uma esposa dessas? — Ele direcionou o olhar para a morena.

— É, talvez seja mais complicado do que deveria... — Ery soltou um suspiro — Bom, brincadeiras à parte, então o Slender já testou você?

O ruivo assentiu e ela assumiu a cadeira de Smiley, que havia finalmente ido descansar por conta da troca de turnos. A garota abriu um de seus livros e, depois de alguns minutos, voltou a falar com o cunhado:

— Você vai ficar nesse estado até seu corpo assimilar a energia demoníaca, mas não acho que vá levar tanto tempo. — Fechou o livro e prosseguiu enquanto anotava algo na ficha do violinista: — Levando em conta que seus olhos não ficaram vermelhos como da Blader e sim no meio termo, a carga que foi divida no pacto não vai apresentar riscos e nem demorar a ser absorvida.

Talvez agora sim ele pudesse dizer que estava mais aliviado com a própria condição. No entanto, o que queria mesmo saber ninguém seria capaz de lhe fornecer: Blader acordaria? E, caso despertasse, como ela reagiria ao vê-lo dessa forma?

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