XXXIII

— E vocês não deram um jeito de segurá-la aqui? — Slenderman não sabia se os punia, se ia atrás da filha ou respirava fundo para manter a calma.

— Claro! Segurar a Blader sendo controlada pela versão demoníaca, que tem pelo menos o dobro da nossa força, para ela se enfurecer mais e nos matar... Por que não tivemos essa ideia antes? — O homem de terno massageou as têmporas como resposta à ironia da sobrinha. — E vale dizer que a culpa é sua por deixar aquela morta-viva aqui.

— Ao menos podemos tirar proveito dessa situação. Com mais poder, mais rapidamente Blader vai terminar tudo isso. — Ele voltou a se tranquilizar.

— E, com sorte, ela te mata depois — murmurou Ery, arqueando a sobrancelha em seguida por ouví-lo rir. — Por favor, não faça isso. Não quero ter pesadelos à noite.

— Já que estão com tanta pressa, se arrumem e vão o quanto antes. Estarei aqui aguardando o retorno de vocês.

Brian segurou a mão da namorada, levando-a para fora do escritório o mais depressa possível para evitar que ela discutisse mais com Slenderman e as coisas não terminassem bem.

No caminho, o casal cruza com o violinista, cujo rosto abatido era impossível de ser ignorado. Os nós dos dedos da mão direita estavam mais pálidos do que já eram pela força que ele usava para segurar o instrumento.

— Lins, aconteceu alguma coisa? — A loira indagou. — Você não apareceu na reunião de emergência que o Slender fez e sua cara não está nada boa.

— São... — O ruivo pigarreou para tirar a rouquidão da voz — Problemas pessoais, mas digamos que já os resolvi. Só... acabei descobrindo coisas desagradáveis. — Ele tentou forçar um sorriso e decidiu mudar o assunto: — E o que aconteceu nessa reunião?

— Finalmente temos ordens para nos agruparmos com Blader o quanto antes e terminamos isso de uma vez — Brian respondeu. — Melhor se apressar.

Lins assentiu, seguindo novamente até a sala de estar, onde Lydia permanecia sentada no sofá e com olhar fixo em uma das grandes janelas. Encará-la era tão doloroso quanto ter mil agulhas presas na garganta, portanto se apressou até a porta da frente, decidido a esperar os outros proxies o mais longe possível dela.

— Para onde está indo? — Como ela ainda tinha coragem de falar com ele?

— Ajudar minha futura esposa. — O ruivo simplesmente saiu, fechando a porta e sem se virar para trás.

A austríaca ouviu os diversos passos no andar de cima. Em seguida, os demais começaram a descer a escadaria com pressa, também deixando a mansão. Ela se levantou do sofá, observando o caminho que haviam tomado, e viu o vulto de Profeta Risonho não muito distante os seguindo.

Saiu apressada da casa, seguindo o mesmo caminho que o proxy de Zalgo até certo ponto para depois tomar um atalho até o covil. Queria chegar até lá antes de Lins ou qualquer outro para fazer o que planejava. O violinista não a perdoaria, o conhecia bem para afirmar isso, mas mesmo assim tentaria se redimir.

**

Zalgo abriu os olhos ao sentir uma presença forte adentrando o covil. Embora não pudesse ouvir os passos da visitante, só conhecia uma pessoa capaz de andar onde quer que fosse sem emitir um ruído sequer.

— Seja bem-vinda de volta, criança. — A criatura analisou a filha de Slenderman atentamente e deu um meio sorriso — Então a garota está adormecida nas profundezas de sua própria consciência? Que notícia... interessante.

— "Interessante" vai ser você se debatendo e implorando por essa sua vida miserável.

Ele fingiu não ouvir enquanto se aproximava, observando-a de alto a baixo enquanto caminhava ao seu redor. Ao notar a mancha de sangue em um dos sapatos e na calça dela, decidiu perguntar:

— Quem foi o felizardo que morreu por suas mãos, Llafn?

A face demoníaca de Blader o encarou de olhos semicerrados. Não gostava de ouvir seu nome verdadeiro sendo proferido por alguém como ele, mas decidiu respirar fundo e colocar seu melhor sorriso no rosto antes de responder:

— Foi Rake. Fascinante, não é? Ah, se serve como conselho, aquele imbecil tinha ossos frágeis demais. Se houver uma próxima vez, arrume proxies sem osteoporose, por favor.

Zalgo franziu o cenho. Por que Llafn não havia tirado a vida de ninguém como quase fez na época em que estava no porão e mesmo sob treinamento no covil? Sua esperança era que ela tivesse dizimado pelo menos metade dos proxies de Slenderman ou, então, o próprio líder.

— Não teve vontade de matar nenhum daqueles idiotas? — insistiu, apoiando a mão no ombro esquerdo dela.

— Se Blader e eu fôssemos matar as pessoas que queremos, não haveria muita gente no mundo agora.

Seus olhos escarlates foram para o próprio ombro. Embora o corpo fosse compartilhado, faria o outro pagar por achar que poderia tocá-la quando bem quisesse. Levantou o antebraço direito e, em um gesto ágil, cortou a mão do demônio fora,  se afastando em seguida para não sujar os óculos com o sangue dele.

— Estou tentando ser amigável, mas você não me dá escolha, Llafn. — Zalgo recolheu a parte decepada, colocando-a de volta no lugar segundos depois. Um sorriso lhe escapou ao ver a expressão tensa de sua visitante — E, para seu azar, terá que fazer mais do que tentar me cortar.

— Não se preocupe, já sei bem como dar um jeito em você. — A garota sentiu o isqueiro em seu bolso pesar, como se pedisse para ser usado o quanto antes.

— Então venha. — Ele abriu os braços, fazendo a Vela de Luz e Sombras emitir um breve brilho escarlate — Ou desistiu de brincar porque não consegue ficar invisível igual ao papai?

Llafn rosnou, avançando no outro, que bloqueou o golpe com auxílio do cetro.

— Por que luta por eles? Não ficou claro que não te dão o devido valor?

— Estou aqui por mim e pela própria Blader — afirmou, segurando a haste da Vela e iniciando uma disputa de forças. Apoiou o pé direito com o máximo de firmeza e flexionou o joelho enquanto a outra perna lhe ajudava a empurrar Zalgo para trás. — E não vou parar até que você e Slenderman estejam mortos. Chega de humilhação, tormentos e dor.

O demônio gargalhou.

— Llafn, você é a maior desgraça que aconteceu na vida da pobre Blader. — declarou. todavia, em tom tedioso, como se a jovem tivesse a obrigação de saber disso — O fato de a menina ser vista como violenta e evitada pelas pessoas é por sua causa. E olha que nem estou citando os outros defeitos.

Ela foi empurrada alguns centímetros para trás, mesmo se esforçando muito para permanecer com a vantagem. No entanto, acabou vacilando pelo que acabara de ouvir.

Desde o nascimento de Blader, Llafn estava lá e acompanhou o crescimento da garota mais de perto do que uma mãe, pois compartilhavam sentimentos. Tentava não se envolver na vida da verdadeira dona do corpo, mas havia momentos em que era necessário.

Uma vez, quando a morena ainda estava na escola, uma colega de classe debochou do fato de ela usar sempre blusas de manga longa mesmo no calor. A verdade era que a filha de Slenderman nunca gostou de deixar muito do corpo à mostra e sempre tentava ocultar o máximo que podia, mas aquilo não era da conta de ninguém e muito menos alvo para comentários.

As piadas e provocações pareciam não ter fim e as pessoas que diziam amigas de Blader apenas riam enquanto a própria ficava em silêncio, sem retrucar ou tomar alguma atitude. Aquilo fez os nervos de Llafn ferverem e, quando se deu conta, havia tomado o controle da situação para se vingar. Aproveitando as unhas longas, começou a arranhar a colega petulante. A perseguiu até onde pôde, enchendo o braço da outra de arranhões.

— Olha o que você fez! — Blader piscou lentamente, de volta no controle do próprio corpo, tentando entender o que havia acontecido. — Se isso não sumir até a hora da saída, vou contar para o diretor!

Aquilo fez o coração da menina disparar. Não poderia ter nenhuma ocorrência em sua ficha. Sempre fora uma aluna exemplar e deveria continuar assim, do contrário sua avó se decepcionaria, e muito.

As amigas apenas a olhavam torto e cochichavam enquanto a morena ainda tentava se situar, olhando para as próprias unhas. Só se lembrava de estar ouvindo as provocações e depois não viu mais nada, sequer percebeu que estava arranhando a colega. Não poderia ter feito aquilo, certo? Não era violenta assim, não é?

— Invadida por boas lembranças? — Zalgo a empurrou com mais força, fazendo-a quase perder o equilíbrio.

— Tudo o que fiz foi para protegê-la! — Llafn retorquiu, voltando à realidade — Eu só... quis fazer aqueles insultos pararem... — murmurou, mais para si mesma do que para o outro. — Não para fazê-la parecer agressiva ou perigosa...

Balançou a cabeça de um lado para o outro, afastando aqueles pensamentos e colocando mais força, conseguindo reverter a situação a seu favor.

— Sempre agi na melhor das intenções. — Seu tom era firme enquanto encarava o demônio — Se não fosse por mim, ela teria sofrido muito mais.

— Será? E, com "melhor das intenções", você quis dizer "fazer Blader bater no próprio primo quando ele ainda era pequeno"?

Ela novamente engoliu em seco. Se lembrava desse dia como fosse ontem.

Blader e o primo de dois anos estavam no carro enquanto a avó foi até a padaria. O menino brincava com um cubo mágico que pertencia à garota, pois as cores haviam lhe chamado a atenção. Porém, em um estalo, ele jogou o objeto na cabeça dela e uma das pontas do brinquedo a atingiu em cheio. Llafn assumiu o controle do corpo de imediato quando a dor fez os olhos da morena marejarem e acertou um tapa no pequeno.

Quando a avó chegou, encontrou o menino chorando e Blader de volta à razão desesperada, tentando distrair o primo. Novamente, a menina não se lembrava de nada, apenas da dor de ser atingida pelo cubo. "Por que eu fiz isso?" ela pensava enquanto engolia o próprio choro por ter recebido xingamentos da avó e ser colocada de castigo pela primeira vez na vida.

— Não era para prejudicar... — Llafn novamente murmurou, se esquivando do golpe de Zalgo ao notar que estava prestes a perder de vez aquele jogo de empurra.

— Viu só? Ainda acha que a culpa é dos outros pelo que aconteceu na vida dela? Ninguém gosta de você ou consegue ter confiança, por que ainda tenta? — Ela se viu obrigada a reprimir um rosnado de descontentamento enquanto o ouvia falar — Quer dizer, há alguém que aprecia sua existência, afinal: Slenderman. Pode ficar feliz, pois ele te vê como uma ferramenta preciosíssima.

Não queria e nem podia dar razão. No entanto, os acontecimentos vinham à tona: a própria Blader a ignorando e mandando calar a boca; Lins se afastando e evitando ter os cabelos tocados; Ery a encarando com desconfiança; Timothy derrubando o cigarro e com terror evidente.

Todas essas reações só porque Llafn estava no controle. 

Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top