XXX

Assim que Blader adormeceu novamente, o violinista a acomodou no sofá outra vez e deitou-se ao seu lado.

— Vocês não têm quarto para ficarem? — Timothy resmungou, passando por eles em direção à sala de refeições. Já eram oito da noite e o jantar seria posto em breve.

— Temos, mas não tenho condições de carrega-la até lá, então sugiro que ou se acostume, ou nos ignore.

**

Já passava do meio-dia e Blader não demonstrava sinais de que acordaria tão logo. O ruivo aferiu a temperatura dela com os lábios e nada havia mudado, a garota continuava em brasa. Decidiu, então, ir até a biblioteca procurar pela cunhada, pois imaginou que pudesse haver outra medicação mais forte para controlar aquela febre persistente.

— Ontem à noite ela teve outra crise quando Lydia estava por perto — começou, com um suspiro.

— Lins, Blader tem medo que você a abandone para ficar com a outra, sabe? — Ery replicou, sem tirar o olhar sobre os livros e respirou fundo. — Não dá para culpa-la por se sentir assim.

— Mas e os sintomas físicos? A febre ainda não cedeu e ela ainda não dá nem sinal de que vai acordar tão logo, não me parece ser só algo emocional.

— O emocional pode gerar sintomas físicos, mas entendo aonde quer chegar. Afinal, por fora ela se tornou um demônio completo... — A loira finalmente o encarou — E sei o porquê.

Fechou o livro, se levantando da poltrona.

— Vamos até a sala. Essa conversa vai ser longa e não podemos deixar Blader sozinha.

Ele se acomodou na beira do sofá em que a namorada estava enquanto Ery sentou-se no outro logo à frente.

— Seja lá o que tenha acontecido no meio da briga que ela teve com Zalgo, ele conseguiu depositar uma quantidade grande de energia demoníaca nela. — disse a loira, massageando as têmporas. — E claramente fez isso por meio do objeto que estava alojado na ferida, por isso não consegui suturar ou fazer qualquer coisa para ajudar na cicatrização dela.

— A energia não permitia?

— Não, pois precisa ser absorvida primeiro. — Seu olhar então recaiu para a morena — Por isso o corpo dela começou a ser tomado pelas escamas e ela não conseguia voltar ao normal. Isso seria passageiro, mas o problema vem agora.

— Diga de uma vez, Ery — O violinista pediu, segurando a mão de Blader enquanto sentia a garganta fechar pelo silêncio que se instaurou.

— Blader está recendo energia demoníaca de Zalgo através de duas fontes. Uma delas já sabemos ser o dito objeto na ferida... — Ery fez questão de olhar o cunhado atentamente antes de prosseguir: — A outra fonte é Lydia.

Por um instante o ar faltou para Lins, que ainda tentava processar a informação. Como sua antiga namorada poderia ser condutora de algo assim?

— Trazer uma alma de volta à vida é complicado — prosseguiu a garota, estudando a expressão e o olhar do ruivo. — Com certeza Zalgo precisou colocar bastante energia no ritual e isso, querendo ou não, acabou ficando impregnado na sua ex. E, por já ter herdado os genes dele, a maninha automaticamente começou a absorver a energia que vinha de Lydia, o que gerou os sintomas físicos, ainda mais pelo choque e abalo mental de tê-la aqui.

Ela se calou, imaginando que o outro fosse dizer algo, porém o silêncio prevaleceu. Respirou fundo, decidindo ir então ao desfecho de suas pesquisas:

— Blader está sobrecarregada de energia demoníaca e isso vai suprimir seu lado humano. A aparência física já foi, o que falta agora é...

— A mente. — Lins completou, com a voz rouca. — Por isso ela estava tendo as crises. — A loira assentiu e ele indagou: — O que podemos fazer para impedir isso? Se... matarmos Lydia poderemos reverter a situação?

Ela negou com a cabeça, contraindo o músculo do maxilar.

— Matá-la não vai resolver nada. O estrago já foi feito. — Seu olhar foi tomado pela fúria — E a culpa, como sempre, é do Slender... No entanto, acredito que seja possível tirar o excesso de energia dela com um pacto, algo que só um humano conseguiria fazer, mas a pessoa funcionaria como uma reserva de energia. E, sinceramente, não sei no que isso pode dar.

— Farei quantos pactos forem necessários para trazê-la de volta. Não me importo com os riscos e nem mesmo se eu for ganhar escamas também. — Lins não precisava pensar duas vezes para se propor a isso.

— Ela também precisa querer isso — esclareceu a loira. — Para sua informação, nós, demônios, não fazemos pactos com quem não achamos dignos. Por mais que você seja uma pessoa querida, Blader precisa querer dividir a energia dela.

— E eu não quero.

A algoz abriu os olhos, chamando a atenção dos dois presentes pelo timbre totalmente distorcido. Não havia resquício da voz original da morena e isso indicava que a face demoníaca estava livre para fazer o que desejasse.

— Tentei convencê-la a matar aquela humana antes que chegássemos até esse ponto, mas ela não me deu razão. — A criatura disse, se levantando sem dificuldades ou sinais de que o corpo continuava debilitado.

— Você não tem poder para decidir algo pela Blader. — Ery ficou de pé, com os punhos cerrados.

— Agora que este corpo é meu, devo decidir toda a vida dela e não vou aceitar esse pacto. Se esse ruivinho acabar morrendo — Ela tocou os cabelos do violinista por um momento antes que ele se afastasse — Blader ficará desolada, e não desejo vê-la sofrer mais.

— Faça-me rir — A loira retucou.

— Então devolva o corpo para ela — disse o ruivo. — Se não quer ver o sofrimento dela, faça sua parte.

A morena soltou um suspiro pesado.

— Não sou como o alter ego de seus amiguinhos Timothy e Brian, amor — respondeu, encarando o violinista. — Eles decidem quando e por quanto tempo deixam suas outras faces assumirem o controle, mas Blader não. Quando apareço, é como se ela estivesse em modo sobrevivência por estar ameaçada ou desgastada com a situação na qual se encontra. E ela só retorna ao comando de suas ações quando seu cérebro e seu corpo acham que está tudo bem. Até lá, é impossível alcança-la.

— Se o problema for Lydia, posso dar um jeito nisso rapidamente.

A "Blader" demoníaca balançou a cabeça negativamente.

— Não é só isso. A sobrecarga de energia demoníaca é uma ameaça também, por esse motivo estou aqui, pois consigo lidar melhor com esse poder. — Ela se afastou dos dois, indo em direção à escadaria — Para falar a verdade, eu não queria estar tomando o controle de nada, mas já que não há outro jeito, vou atrás do que é meu e de Blader por direito.

— Que seria? — Ery indagou, caminhando em direção à criatura.

— Nossa vingança por tanto sofrimento e humilhação. E isso só vai acontecer quando Zalgo e Slenderman caírem mortos perante nós. — Os olhos escarlates dela observaram a expressão dos dois com serenidade — Não se preocupem, meu alvo não é o engravatado... Ainda.

**

Enquanto estava trocando o pijama pelas roupas de missão, a face demoníaca de Blader é surpreendida pela entrada repentina de Lins no quarto. Se fosse a verdadeira dona do corpo vivenciando aquilo, imediatamente teria dado um jeito de se esconder e se sentiria envergonhada pelo resto da vida. No entanto, como não era, a criatura apenas continuou o que estava fazendo, sem dar tanta atenção à intrusão do ruivo.

— Seja rápido, já estou de saída — avisou, terminando de vestir a camiseta.

— Você não vai levar o corpo de Blader a lugar algum, não precisa ter pressa.

— E quem vai me impedir? Você? Ou talvez a súcubo? — Ela se sentou na cama, calçando os tênis — Escute, não tenho a menor intenção ou vontade de ferir vocês. Blader os ama mais do que a si mesma e, querendo ou não, compartilhamos os sentimentos, portanto não dificulte as coisas, por favor.

— Então fique e não nos deixe preocupados. Uma coisa é a própria dona do corpo estar no controle, outra é você.

— Sinto lhe informar, mas tenho total noção do que estou fazendo e sou boa de briga, talvez até mais do que sua própria namorada. — Se levantou, alcançando o pente e o prendedor de cabelos mais próximos — Além do mais, alguém tem que dar um fim nessa guerra patética logo. Slenderman está ocupado demais correndo atrás do próprio rabo e tomando decisões imbecis, então cabe a mim a tarefa de dar um jeito nisso ou, pelo menos, iniciar fogo.

Lins ficou em silêncio, observando a criatura ir até a mesa de cabeceira e pegar o colar que ele havia dado de presente para a morena, colocando-o e escondendo-o por dentro da camiseta em seguida. Embora fossem faces distintas, não deixavam de ter a mesma essência, afinal.

— Cuide dela — pediu, entendendo que não teria como discutir contra a face demoníaca, tão determinada e insistente quanto sua namorada.

— Vou tentar, mas não posso prometer nada. — Isso foi o suficiente para trazer mais aperto ao coração do rapaz.

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