XXV
Lins deixou a sala de jantar com uma bandeja, carregando uma porção para a namorada e indo em direção ao quarto dela. Bateu duas vezes, decidindo entrar ao não obter resposta, se surpreendendo ao ver o cômodo vazio e em completo silêncio, indicando que de fato não havia ninguém ali.
Decidiu, então, levar a refeição até seu quarto e aguardar por algum sinal da morena, porém estranhou o som do chuveiro sendo desligado. Bateu na porta do banheiro, tentando imaginar quem teria audácia o suficiente para adentrar o cômodo sem permissão.
— Não se atreva a abrir essa porta!
— Seu pai não pagou a conta de água do outro lado do corredor, por acaso?
— Já ouviu falar em "comunhão de bens"? — Blader respondeu no mesmo instante, arrancando uma risada do ruivo. — Além do mais, meu banheiro está ocupado e não achei educado atrapalhar a visita.
— Acabei de entrar no seu quarto e não ouvi barulho algum.
— Isso é porque a visita é de poucas palavras e muito silenciosa.
Tentando entender o que se passava, ele volta até a suíte da morena. Bateu duas vezes na porta do banheiro antes de abrir e, quando o fez, deu de cara com a tal "visita".
Uma mariposa.
A pior inimiga da Algoz demoníaca da mansão Slender.
— Com tantos quartos para entrar, você foi escolher justo o dela? — murmurou, aproximando o cabo de um dos pentes da jovem. Assim que o inseto foi para o objeto, o ruivo completou: — Mas te devo essa, no final das contas.
Abriu a varanda e deixou a mariposa voar para fora. Deixou o pente sobre a escrivaninha e voltou para seu quarto. Blader estava de costas para a porta, mexendo nas roupas dele e tirando uma peça do cabide logo em seguida.
Vê-la de pijama, com a toalha enrolada na cabeça e acabando de vestir um moletom seu o fez ter a completa certeza de que valia a pena todo o esforço para mantê-la consigo. Lhe aquecia o coração ter a chance de contemplar a namorada assim, sem as vestimentas típicas de missão e com ar mais casual.
— Se apropriou do meu chuveiro e agora vai alugar minhas roupas também? — indagou, abraçando-a por trás e beijando o ombro direito da jovem.
— "Comunhão de bens", já te falei.
— Engraçadinha. — Ele beijou o rosto dela antes de soltá-la, ficando preocupado em seguida — Como está aquela ferida, mein Herz?
— Está cicatrizando bem devagar — respondeu, indo em direção à escrivaninha, onde estava seu jantar. — Mas tenho a impressão de que as escamas aumentam à medida que a ferida se cura. Simplesmente não consigo voltar ao normal e nem usar a invisibilidade. — Um suspiro lhe escapou antes de abocanhar a primeira garfada de carne e arroz. Ao engolir, prosseguiu: — Me sinto mais agressiva também e às vezes tenho medo de acabar ferindo alguém sem necessidade.
O violinista ficou escorado na beira da escrivaninha em silêncio, pensando em como tentar ajuda-la, porém nada lhe vinha à mente. Ery havia saído com Brian para comemorarem o aniversário de namoro, portanto não poderia repassar essa informação tão logo.
Falar com Slenderman? Seria perda de tempo, infelizmente. Afinal de contas, o homem de terno sequer parecia preocupado com isso. Smiley e Ann dificilmente poderiam ajudar, pois algo lhe dizia que a questão já estava completamente fora do alcance da medicina.
— Não precisa esquentar a cabeça com isso, meu amor. — Ela tentou tranquiliza-lo — Levando em conta toda a confusão que está por vir, minha situação é o menor dos problemas.
— Para mim, esse é o maior dos problemas e não há quem me faça mudar de ideia.
Blader deu um meio sorriso em resposta, terminando de jantar e depois indo até o banheiro para escovar os dentes. Lins a espiou, arqueando uma sobrancelha ao vê-la usar sua escova.
— Mein Herz, eu já tirei a mariposa do seu banheiro — avisou.
— E só agora você me fala isso? — A reclamação foi quase incompreensível por não ter parado de escovar para falar. Cuspiu a pasta e apontou a escova na direção dele — Não que eu me sinta bem em ficar usando suas coisas, mas nem venha reclamar, eu não tinha como saber que meu quarto estava seguro de novo.
— E quem disse que estou reclamando? Na verdade, isso é a inspiração perfeita para um pedido de casamento... — O violinista se ajoelhou, fazendo de conta que estava segurando uma aliança — Senhorita Blader, aceita dividir a escova de dente comigo?
A garota desatou a rir, como há muito tempo não fazia. Gargalhou tanto que lágrimas escorriam e sequer conseguia continuar a escovação.
— Acho que quebrei minha namorada — brincou ele, dobrando a toalha de rosto pendurada perto da pia e usando-a para abanar a algoz. Como gostava de vê-la assim... Isso não havia preço.
Ela enfim terminou o que estava fazendo e teve um beijo roubado pelo ruivo.
— Você gosta tanto assim de beijar uma desajeitada como eu?
— Se meu coração já palpita agora, imagine quando você aprender.
Um breve sorriso escapou dela e trocaram mais um selinho. A morena secou o cabelo e logo em seguida bocejou, se encaminhando para baixo de uma das duas cobertas de solteiro.
— Você e seus costumes diferenciados de arrumar a cama...
— Essa é a forma de promovermos a paz e não a guerra pelos lençóis, mein Herz.
Lins pegou um dos pijamas na gaveta e depois tirou a camisa, fazendo o rosto da jovem esquentar.
— Por que não se troca no banheiro?
— Porque me esqueci que a senhorita não está acostumada com isso — o ruivo respondeu, pendurando a peça de roupa que acabara de tirar. Ao se virar de frente para a namorada, a viu com a coberta no rosto e balançou a cabeça em negativa. — Quando formos a Viena, me lembre de nunca te levar a uma sauna. As pessoas costumam ficar lá do jeito que vieram ao mundo.
— Não se preocupe, jamais vou pisar em um lugar desses enquanto eu viver.
Blader sentiu um peso a mais na cama e decidiu espiar, dando de cara com ele em cima dela e ainda despido na parte superior.
— Mas olha o abuso desse desgraçado... — reclamou, fuzilando-o com o olhar. — Para sua sorte, sou obrigada a admitir que não deve existir alguém mais bonito que você.
— Tudo isso aqui é seu, sabia? — O violinista apontou para o próprio corpo um instante — Não faço questão que me veja assim, até porque você já viu enquanto eu estava na sala médica. — Ele depositou um beijo na testa da moça — Na verdade, se estivesse no seu lugar, eu apreciaria cada detalhe.
— Já sei quem de nós é o que tem mais autoestima.
— Se minha namorada me acha bonito, então é tudo o que preciso ouvir e saber. — Lins lhe lançou um sorriso gentil e esfregou seu nariz no dela, sussurrando em seguida: — E posso dizer sem parar o quão linda você é até que se torne confiante também.
— Você é um doce.
Trocaram mais um beijo, e esse fez ambos sentirem algo a mais. Apesar de Blader não entender muito bem o que era, o ruivo conhecia a sensação. Já a tivera antes com Lydia, claro, porém era algo mais carnal da parte de ambos. A morena em seus braços, por sua vez, lhe fazia continuar sendo dominado pelo amor e ternura que transbordavam de seu coração. Havia encontrado sua metade reservada pelo destino e queria se unir a ela para nunca mais se separarem, algo bem diferente do que já havia vivenciado até agora.
Mesmo assim, optou por não dar continuidade àquele momento. Queria fazê-la se sentir amada e completa, porém só o faria quando ela descobrisse o significado daquilo e expressasse seu desejo por ele. Até lá, se dedicaria a lhe proporcionar todo o carinho e conforto que pudesse.
Beijou a ponta do nariz da algoz antes de descer da cama, terminando de se trocar, escovando os dentes e aninhando-a em seus braços logo depois.
**
A jovem acorda no meio da noite, sentindo incômodo no local onde estava a ferida. Escapou do abraço do namorado, que estava em sono profundo, e foi até o banheiro. Até quando isso iria durar?
O machucado se fechou mais um pouco, porém era como se algo afiado e pontiagudo estivesse alojado profundamente em sua carne. Arregaçou as mangas do moletom, notando que as escamas já haviam tomado seus braços por completo.
"Até quando vai conseguir manter o controle?" ouviu aquela antiga voz sussurrar em sua mente.
**
A Vela de Luz e Sombras emite o característico brilho escarlate, chamando a atenção de Zalgo. Este descansava em seu trono, se recuperando do último corte causado pelas lâminas da algoz.
— Ao que parece, ainda não removeram o fragmento da Vela daquela criança... — murmurou para si mesmo. — Pobres coitados. Mal sabem que estão brincando de roleta russa deixando-a desse jeito. E vou adorar ver os estragos.
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