XLII

Quando retornaram para a mansão, já era hora do café da tarde. Timothy e Tobias estavam cada qual em um sofá, prestando atenção em seu líder, que lhes instruiu a buscarem os demais moradores daqui dois dias.

Meine Liebe, está tudo bem? — Lins perguntou em tom baixo ao sentir a namorada apertar sua mão com um pouco mais de força.

Não obteve resposta, se vendo obrigado a acompanhar o olhar da jovem, que estava cravado em Slenderman. As escamas começaram a tomar conta do rosto dela assim que a criatura voltou a face na direção deles.

— Blader... — O ruivo chamou. No mesmo instante, sentiu seu rosto formigar e, ao tocá-lo, constatou que as escamas estavam ali, significando que a garota poderia usar a energia armazenada nele a qualquer instante. — Ou melhor, Llafn — corrigiu. Aquela atitude não era típica de Blader, afinal —, por que fazer isso?

— Você não entenderia.

Assim que Slenderman desapareceu da sala de estar, Llafn disparou em direção às escadas, obrigando o músico a segui-la o mais depressa que conseguia.

— O que deu neles? — A voz de Timothy chegou aos ouvidos do austríaco, porém este não teve tempo de responder.

A demônio parou por um instante, olhando na direção do quarto de sua outra face. Valeria a pena pegar as lâminas para terminar o serviço?

Depois de alguns segundos, balançou a cabeça em negativa. Não seria necessário se estrangulasse seu genitor até a morte ou se conseguisse esmagar a cabeça dele, tal qual fizera com Rake na floresta. Contudo, essa hesitação fez com que Lins a alcançasse e, antes que pudesse se esquivar, ele a abraça por trás.

— Não faça nada que lhe cause arrependimentos futuros, Llafn — pediu, sem soltá-la.

— Não se preocupe. Dificilmente me arrependerei dessa decisão — replicou ela, impassível. — Sei que isso vai fazer com que Blader assuma o controle da mansão, mas talvez seja melhor assim e as coisas de fato comecem a caminhar direito.

— Olha, apesar de ter visto tudo o que ele fez com vocês, tenho certeza que vai se arrepender — insistiu. — Deixe essa ideia de lado e tentem se entender de outra forma.

— Para você é fácil falar — rebateu com amargor na voz distorcida. — Você cresceu em uma família perfeita, onde todos se amavam. Claro que não faz ideia do que é receber o tratamento que minha outra face recebeu tanto de Slenderman quanto da própria família materna. Você nunca foi tratado como um monstro por seus próprios genitores, Lins, e nunca vai entender o que sinto de verdade.

O rapaz ia responder, porém Llafn se desvencilha do abraço dele com facilidade, sem o ferir. Não estava com tempo e nem humor para continuar aquele debate. Até porque, por mais que explicasse, ele jamais compreenderia, e não poderia culpa-lo.

— Llafn!

Por alguma razão, ele conseguiu ultrapassá-la e agora bloqueava seu caminho até a escadaria que levava ao segundo andar da casa. A demônio o observou com atenção e notou algumas escamas a mais no rosto do ruivo, dispensando palavras para entender por que a havia superado naquele instante em velocidade.

— Vai mesmo usar minha própria energia para me impedir, Lins? — indagou, se aproximando a passos lentos. — Só porque Slenderman é seu sogro vai defendê-lo com unhas e dentes?

— Não estou preocupado com ele, mas sim com você, já disse isso antes. — O músico engoliu o nó em sua garganta e fechou os olhos um momento, inspirando e expirando fundo — Isso é loucura, Llafn, e não vai te tornar melhor que ele. — Suas íris azuis se fixaram os olhos escarlates da outra, encarando-a apelativamente — Não me faça fazer isso, por favor, não depois de...

— Então você não me deixa escolha. — Llafn baixou a cabeça um momento antes de voltar a observá-lo — Se não vai me deixar passar por bem, então terei que usar a força. E você sabe bem que, nesse quesito, quem vai te cansar sou eu, certo?

Ele não respondeu, se limitando a vê-la se aproximar. Quando ela tentou agarrar o colarinho de sua camisa, conseguiu segurar o pulso direito dela e o esquerdo logo em seguida, contendo um tremor. Se não tivesse adquirido a agilidade, não duvidaria que a demônio já o teria jogado para longe. Estava brincando com fogo, sabia bem disso, porém não poderia permitir que ela agisse de cabeça quente.

— Acho injusto você ter desenvolvido agilidade. Por outro lado, até que vai ser interessante — constatou a garota, olhando o rapaz de cima a baixo. — Quero ver se consegue ter tanto vigor para me impedir quanto teve na cama há algumas horas.

— Quando se trata de vocês, sempre terei vigor de sobra — provocou, sem perder o tom galanteador.

Ela deu um meio sorriso em resposta, tentando aplicar uma rasteira, porém assumiu a expressão de mau humor quando o ruivo deu um passo para trás. Torceu um pouco os pulsos, forçando-o a soltá-la se não quisesse ter os braços quebrados, e tentou passar por uma pequena brecha à esquerda dele.

Lins balançou a cabeça negativamente quando bloqueou o caminho dela, porém a preocupação começou a lhe incomodar. Até então, Llafn estava brincando com ele, mas agora seus traços entregavam sua fúria, indicando que seria questão de tempo até ela de fato resolver usar a força bruta. Não acreditava que acabaria morto, porém temia ao imaginar quantos ossos quebrados teria no final.

De toda forma, não poderia demonstrar sua preocupação excessiva ou cautela, pois talvez a garota usasse isso contra ele. Deveria se conter e agir como de costume. Bem ou mal, aquela ainda era a Blader, então talvez pudesse dar um jeito de contê-la.

Llafn tentou buscar outra abertura pela direita, entretanto o músico novamente a bloqueou, segurando seus pulsos e prendendo-a contra a parede. A demônio semicerrou os olhos por um instante, porém suavizou a expressão, aproximando o rosto do pescoço do rapaz e respirando profundamente para inalar o perfume dele.

— Blader adora seu cheiro, e agora entendo o porquê — murmurou, encarando aquelas íris azuis tão claras enquanto ficava na ponta dos pés. — Pelo jeito, tudo em você é feito para atrair não apenas ela, mas a mim também, não é?

Lins a soltou quando seus lábios se tocaram, enlaçando seus braços na cintura de sua amada enquanto ela o empurrava levemente para trás e pudesse se desencostar da parede. O alívio percorreu cada canto da espinha do rapaz ao imaginar que havia conseguido fazê-la desistir de seguir em frente com aquela ideia de vingança.

— Pena que não tenho tempo para aproveitar mais esse momento — sussurrou ela, se afastando rapidamente.

O ruivo tentou segurá-la, porém Llafn disparou com a mesma rapidez de quando subiu as escadas, ficando longe de seu alcance. Ela não queria ter usado um truque daqueles, porém se viu obrigada a reconhecer que não chegaria a lugar algum tentando forçar a passagem. A agilidade dele era proporcional à força dela, portanto, por mais golpes ou agarrões que tentasse realizar, o músico se esquivaria de todos e ambos permaneceriam em um jogo empatado.

— Llafn! — Ainda o ouviu chamar enquanto subia a escadaria do segundo andar.

— Sinto muito, Lins. — Foi a única coisa que disse em resposta.

**

— Não importa qual face seja a dominante, pelo jeito nunca vai bater antes de entrar — constatou o dono da mansão, se levantando da cadeira atrás da escrivaninha.

Llafn rosnou em resposta, subindo no móvel e agarrando a criatura pelo pescoço.

— Espero que não deixe a marca de seus sapatos em meus papéis, do contrário teremos um sério problema.

— Deveria se preocupar com você mesmo, Slenderman — advertiu ela, o empurrando contra a parede enquanto se estabelecia em pé na cadeira do outro. Ao notar que ele continuava impassível e sem reagir, se viu obrigada a perguntar: — Por que não reage? Simplesmente decidiu se render?

— Continuar brigando com você não vai fazer minha culpa sumir, vai? É uma pena que só percebi o quão abominável foi meu comportamento agora, por isso entendo seus sentimentos. — Não havia hesitação ou qualquer alteração na voz de Slenderman. Por mais que a filha tivesse aumentado um pouco mais o aperto em seu pescoço, manteve o tom firme — Ao que parece, posso assumir a culpa por você ter herdado a mania de agir primeiro e pensar depois, pois eu mesmo fiz isso, afinal.

— Não se atreva a dizer o que herdei de você. Isso me deixa enjoada.

— Se tivesse se deitado com Lins antes, diria que seu enjoo é por outra coisa.

Llafn fechou ainda mais a expressão, puxando Slenderman para frente e depois empurrando-o com violência de volta para trás, de forma que ele batesse a cabeça com força na parede.

— Ainda assim não perde a chance de ler nossa mente... Um hábito detestável de um homem detestável, no final das contas.

— Esse é o único jeito de saber o que acontece com minha filha, pois aparentemente ela não é aberta a diálogos, e sim a ações radicais.

— Como se você pudesse fazer esse tipo de colocação — retrucou, dessa vez segurando-o pela gravata. — Se tivesse sido um pai presente e menos tirano, talvez um diálogo fosse possível. No entanto, é tarde demais para isso.

Slenderman se manteve em silêncio. Ser classificado como tirano não era um problema, porém "pai ausente" era uma expressão que abria suas feridas, ainda mais levando em conta o tom furioso e ao mesmo tempo magoado de Llafn. Como se quisesse ter deixado a filha todos esses anos sozinha...

— O que houve? — A garota voltou a perguntar. — Onde estão seus argumentos agora? Por acaso falei algo que te incomodou? — Ao continuar sem resposta, prosseguiu: — Bom, parece que toquei em alguma ferida... Porém, como sou bondosa, te agradeço por doar seus órgãos em prol de salvar Blader. Embora essa ideia me enoje um pouco, acabou sendo útil, então que seja.

O homem usou um tentáculo para alcançar o removedor de grampos sobre a mesa, fazendo um corte em seu indicador e na mão da demônio.

— Isso é o melhor que consegue? — Ela se esforçava para não rir mais pela ação do genitor.

— Não fiz isso para contra-atacar — respondeu categoricamente. — Apenas entenda que o sangue que corre em você também corre em mim e é por isso que salvei sua vida, pois é o mínimo que eu, como pai, poderia fazer.

— Que bonitinho... Por acaso quer uma medalha de "pai do ano"?

— Só gostaria que você me entendesse.

— E para quê? O que preciso entender para relevar sua decisão em trancar Blader no porão em meio a vários espelhos? O que há de compreensível em coloca-la para lutar contra Lins na frente dos outros moradores para ser provocada por aquela maldita da Zero? — Ela levou a mão livre até o nó da gravata vermelha do outro, apertando-o — Me diga, Slenderman! Como entender sua falta de empatia?! Como dizer que está tudo bem sendo que você... — A voz dela começou a falhar e o queixo tremia — Você... nos tratou como se fôssemos uma monstruosidade?

— Tive medo, Llafn. — O homem de terno não se imaginava pronunciado aquele nome em voz alta — Medo de como reagiria ao saber que sou seu pai, de nos reencontrarmos e de seus poderes. 

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