XIV
— Se já brincou o suficiente, pode voltar a trabalhar. — Slenderman apareceu na cozinha para o jantar, virando a cabeça na direção da filha e do violinista, que limpava o rosto dela do brigadeiro.
Blader não respondeu. Na verdade, sequer o encarou, preferindo manter contato visual com o ruivo o tempo todo. Logo, os quatro se dispersaram e a jovem se torna invisível enquanto perambulava pela casa como um verdadeiro fantasma, ouvindo conversas e atentando-se às menores movimentações. Fora proibida de jantar pelo fato da movimentação dos moradores continuar intensa, principalmente à noite. O dono da casa proibira caçadas ou distanciamentos dos demais do pôr do sol ao amanhecer para que os moradores não fossem vítimas de possíveis emboscadas de Zalgo e seus proxies. Sendo assim, apenas os seis servos do Homem de Terno deixavam o local para missões ou que mais fosse necessário.
Depois de uma ronda pelo andar térreo, a moça vai até a ala dos dormitórios no primeiro andar, dando de cara com Lins deixando o quarto dela e seguindo pelo corredor como se nada tivesse acontecido.
Movida pela curiosidade, vai até o cômodo e encontra uma caixa branca decorada com uma fita rosada. Abriu, arqueando de leve uma sobrancelha enquanto desdobrava um conjunto de roupas novo em folha, juntamente com um par de sapatilhas. Ela sorriu ao observar todas as peças abertas sobre a cama, pois fazia exatamente o estilo dela. Mas não eram apenas as roupas que estavam ali: no fundo da caixa, notou um papel cuidadosamente dobrado e perfumado com o mesmo cheiro do violinista.
"Será que um simples violinista como eu poderia ter a honra de sua companhia em um passeio a dois qualquer dia desses?"
— Bobo... — Ela sussurrou, aumentando o sorriso enquanto relia o bilhete. — Como se precisasse perguntar.
A esperança de ser amada de verdade preencheu seu coração naquele instante. Seu pai e outras pessoas conhecidas sempre diziam que o amor uma hora acabava. Seria verdade? Até mesmo sua outra face afirmou o fato de Lins ser a pessoa no outro lado de seu fio vermelho e queria acreditar nisso também.
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O rapaz estava terminando de abotoar a camisa social vinho quando viu um pedaço de papel sendo passado por baixo de sua porta. A princípio estranhou, mas decidiu pegar o bilhete.
"Quando você quiser". Era o que estava escrito no verso do mesmo papel com o convite para ele e Blader saírem. Guardou-o debaixo do travesseiro e seguiu até o escritório de seu chefe para atender seu chamado.
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Ao chegar, viu todos os proxies reunidos, incluindo a própria Algoz.
— Já que os seis estão aqui, podemos começar. — O homem de terno se levantou da cadeira — Os humanos têm passado dos limites da floresta por pouco acreditarem em nós, e precisamos relembrá-los do quanto devem nos temer. Tobias, Timothy e Brian irão para o oeste enquanto vocês três lidarão com os intrusos ao leste. — Ele virou a face vazia na direção dos outros proxies — Matem todos, sem exceção.
Sem dizer uma só palavra, os seis tomaram seus caminhos. Lins foi na frente pela direita, sendo seguido de perto por Ery. Blader diminuía do ritmo de caminhada para se manter mais distante e conseguir perceber qualquer movimento que indicasse risco para a retaguarda dos companheiros. Com o auxílio de sua invisibilidade e suas lâminas afiadas recentemente, garantiria a proteção dos dois a todo custo.
Puderam ver uma fogueira não muito longe. O ruivo fez sinal para que as duas parassem onde estavam e foi se aproximando sozinho até ficar na distância desejada. Recostou-se em uma árvore qualquer e começou a tocar, fechando os olhos enquanto a música fazia seu trabalho.
— Seja lá de quem for esse rádio, troque agora de estação — ordenou um homem corpulento que terminava de cozinhar o jantar dos outros. — Detesto música clássica.
— Acha mesmo que alguém aqui ia trazer um rádio? — replicou uma garota deitada na grama perto da fogueira para se aquecer — Alguém por perto está tocando e é preciso meio neurônio para notar isso — constatou, revirando os olhos.
Ele a encarou com os olhos semicerrados, mas não respondeu. Os minutos foram se arrastando e a música não cessava, incomodando mais ainda o líder do acampamento, porém atraindo dois adolescentes curiosos.
— Onde pensam que estão indo? — O homem inquiriu, assustando ambos.
— A gente só ia procurar a fonte dessa música, nada demais. — A mesma garota de antes deu de ombros — Qual o problema?
— Não podem sair andando por aí sozinhos à noite numa floresta, já deveriam saber disso.
— O máximo que pode acontecer é darmos de cara com uma coruja, nada demais. — Ela pegou o outro jovem pela mão, arrastando-o consigo floresta adentro — Não vamos demorar! — avisou, desaparecendo de vez do campo de visão de seus colegas.
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Precisaram andar por um tempo considerável até encontrarem a fonte do som, pois esta parecia se afastar toda vez que chegavam mais perto de encontra-la. O que os dois não sabiam, entretanto, era o motivo de uma pessoa estar sozinha no meio da floresta com um violino daqueles, tão bem conservado que parecia novo em folha.
— Então tenho público até mesmo em um lugar como esse? — comentou o músico, abrindo os olhos e encarando os outros dois. Os encarou por um tempo e balançou a cabeça negativamente — Vai ser um grande desperdício encerrarmos duas vidas tão jovens, mas ordens são ordens.
— Acho que ele não bate muito bem — sussurrou o outro garoto para sua colega.
— Ele até pode ser estranho, mas toca bem, não custa nada ficarmos mais um pouco — replicou a outra.
— Se estão presos aqui pelo som do violino, presumo que de fato sejam almas condenadas — refletiu Lins, desviando o olhar dos adolescentes por um momento e soltando um leve suspiro. — Bom, a Melodia dos Caídos é quem escolhe seus alvos, infelizmente não posso controlar quem vai aparecer ou não.
Os dois jovens trocaram breves olhares arregalados. Já ouviram aquele nome antes, mas se recusavam a acreditar no fato de uma pessoa qualquer mencionar a "Melodia dos Caídos", uma música supostamente criada para atrair pessoas até seu inevitável fim.
Antigamente, suas famílias e eles mesmos temiam qualquer som emitido por um violino por temerem a Melodia, porém isso havia ficado no passado, certo?
— Desculpe, você chamou essa música de quê? — O garoto indagou, torcendo para ter ouvido coisas.
— Pelas suas caras, devem ter ouvido falar da Melodia dos Caídos, então não entendo por que estão tão espantados. — Lins examinava as expressões confusas de ambos — Como criador dela, seria inadmissível me esquecer do nome de minhas obras primas.
— Você não pode estar falando sério... — A jovem segurou o outro pelo braço, puxando-o de volta para o caminho do acampamento — Vamos, esse daí já pirou de vez.
— Tolos. É tarde demais para fugirem agora — avisou o violinista, fechando os olhos para se poupar de ver o que aconteceria a seguir.
Blader pula do galho onde estava e sai da invisibilidade, se colocando no caminho dos curiosos. Ao verem as lâminas presas aos antebraços da morena, engolem em seco. Não conseguiam relacioná-la a nenhuma descrição das outras lendas das quais ouviram falar, entretanto entendiam que aquele era o fim ao ouvirem a frase característica do violinista e se depararem agora com uma segunda pessoa. Os relatos diziam que ele jamais andava sozinho e era verdade, pois precisava de alguém para executar o trabalho sujo de fato.
— Como estou de bom humor, vou ser caridosa e matar vocês sem fazer tantos estragos — anunciou a filha do homem de terno. — Agora, se começarem a gritar, vou fazer questão de esquarteja-los vivos.
O adolescente tentou correr, porém a proxy o alcançou com facilidade, jogando-o no chão enquanto apoiava um joelho nas costas dele, impedindo-o de levantar.
— Esqueci de dizer que também não gosto de fugitivos — comentou, usando a lâmina para cortar a perna do rapaz.
Ela torceu o nariz quando o sangue jorrou e manchou suas roupas. Furiosa, acabou decapitando-o de vez antes de correr atrás da outra sobrevivente.
Por um momento, Blader precisou admitir que sua segunda presa sabia correr bem até demais, contudo não se deixou abalar por isso. Na verdade, adoraria ver a expressão daquela pequena intrusa quando voltasse ao acampamento.
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A adolescente caiu de joelhos ao ver o local sendo engolido pelas chamas. Começou a chorar e soluçar, sem forças para ficar de pé e fugir, dando chance para a causadora do incêndio aparecer, com expressão de divertimento.
— Obrigada pela fogueira, apenas facilitou meu trabalho. — Um meio sorriso maligno e de divertimento fez Ery parecer ainda mais sombria para aquela humana.
Com extrema facilidade, a loira fez as chamas desaparecerem, revelando o estrago causado pelo incêndio.
— Por quê? — A humana questionou, tentando se levantar enquanto sofria com os espasmos do choro. — Não fizemos nada a vocês!
— Adentraram nosso território, e isso nosso chefe jamais perdoaria — explicou a filha de Offenderman. Em seguida, direcionou o olhar para Blader — A gente precisa mesmo matar essa aqui? Ela já está tão transtornada que ninguém vai acreditar nela caso conte sobre nós.
— Isso é verdade — A morena concordou, caminhando no meio das cinzas enquanto parecia procurar por algo relevante. No entanto, nada encontrou e voltou para perto da irmã e da adolescente. — Desapareça daqui antes que mudemos de ideia — ditou para a sobrevivente. — Se quiser, pode levar as cinzas dos seus amigos para guardar de recordação.
Ela encarou a proxy de óculos com fúria e fechou os punhos, tentando alcança-la. Tinha a esperança de acertar um soco, mas acaba recebendo um corte profundo na garganta por uma terceira pessoa.
— Por mais que eu tenha pena de você, não posso deixa-la macular o rosto da Blader. — Lins balança o arco do violino, retirando o excesso de sangue do objeto.
— Desde quando você tem isso escondido aí? — Ery indagou ao ver a lâmina fina e afiada nas mãos do violinista.
— O senhor Slenderman encomendou esse arco para mim quando cheguei aqui como uma precaução — explicou, apertando o pequeno botão escondido no arco para recolher a lâmina. — Acredito que terminamos por aqui, certo?
— Nossa intenção era deixa-la ir e espalhar para os outros o mesmo medo que ela sente agora — comentou Blader. — Mas não acho que será possível agora.
— Logo vai cair morta — constatou Ery. — Então no fim matamos todos, como o Slender queria. — Ao ver a irmã sair em disparada floresta adentro, pergunta ao violinista: — O que eu perdi?
— Também gostaria de saber.
Os dois tentaram seguir a morena, mas não havia rastro algum dela por conta da invisibilidade e pela penumbra. Tentaram chama-la diversas vezes e, sem sucesso, acabaram recuando.
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Blader parou quando o vulto que perseguia alcançou outra pessoa. Apesar da pouca iluminação, reconheceu a outra pessoa como sendo Nathan. Não trocaram palavras, mas a morena viu um pacote pequeno ser passado de um para o outro antes de se separarem.
Acompanhou à distância e em completo silêncio a pessoa com o pacote fazer o caminho de volta, chegando à mansão de Slenderman. Por estarem distante das árvores, a proxy reconheceu a moradora com a ajuda do luar. Poderia barra-la ali, mas optou por acompanhar e ver o que aconteceria. Achou melhor reunir mais provas para entregar ao dono da mansão antes de executar a possível traidora.
Nina escalou a varanda até seu próprio quarto, sem saber que estava sendo seguida. Deixou o pacote sobre a cama e foi até a porta do cômodo, trancando-a e garantindo que não seria pega de surpresa.
— Até onde sei, ninguém além dos proxies saem à noite. — A garota gelou ao ouvir a voz de Blader tão próxima — Sei que foi encontrar Nathan, Nina, e acho bom você ter um bom motivo para isso. — O pacote foi aberto e um dos fracos com o líquido vermelho "flutuava" pelo fato da proxy se manter invisível — O que é isso?
— Não é da sua conta. — Nina arrancou o vidro das mãos da outra, dando dois passos largos para trás.
— A partir do momento que devo ser babá de vocês, é da minha conta sim. — Blader deixou a invisibilidade de lado, analisando a dona do quarto da cabeça aos pés — Posso muito bem te matar agora e levar esses frascos como prova para o chefe, não sabe?
A filha do homem de terno sorriu ao ver o medo estampado na face da traidora enquanto caminhava em círculos ao seu redor. Saiu de perto de Nina e pegou o pacote, jogando-o no chão e encarando todo o líquido formar um poça sob seus pés.
— Ops, foi um acidente... Não vai ficar brava comigo por isso, vai? — Blader pegou a primeira peça de roupa da outra e jogou no chão, pisando sobre a peça e movendo o pé de um lado para o outro, secando o líquido derramado — Hoje foram os frascos, mas amanhã será você, não se esqueça disso.
Ela deu uma última olhada em Nina, cujos olhos estavam marejados e a face mais pálida do que já era. A proxy saiu do quarto pela varanda, aterrissando na grama e entrando na mansão pela porta da frente como se nada tivesse acontecido.
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Nota: amostra da "Melodia dos Caídos" na mídia
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