XIII
Chegando perto de seu quarto, notou por debaixo da porta que a luz estava acesa. Estranhou e, ao entrar, dá de cara com Ery de braços cruzados enquanto encarava o guarda-roupa aberto.
— Quer me matar de susto, mulher? — A loira levou as mãos até o coração no primeiro instante, porém depois de aproximou da outra com o cenho tão franzido que por pouco suas sobrancelhas não se uniram — Que merda aconteceu naquele covil? Me fala quem te deixou nesse estado e eu vou transformar em churrasco.
— Não acho que o Rake tenha carne suficiente para um churrasco, sabe? Mas pode ficar em paz, aquela coisa horrorosa deve estar em coma até agora. — Blader se aproximou, observando o interior do guarda-roupa — E posso saber o que você está olhando com tanta atenção?
— Estou tentando entender como uma pessoa só tem roupas e sapatos pretos, nada demais.
— Mas é claro...
A garota aproveitou pegar uma troca de roupas e as toalhas. Precisava desesperadamente se livrar do sangue e do restante do cansaço daquele dia antes de encontrar quem desejava para alguns assuntos serem esclarecidos.
**
Subiu determinada até o segundo andar, entrando no escritório de seu pai sem bater.
— Espero que seja muito importante para sair entrando assim. — Slenderman deixou a papelada de lado, entrelaçando os dedos e apoiando os cotovelos sobre a mesa.
— Quero uma história bem convincente para explicar como um artefato de Zalgo estava selado em mim e por que não fui informada disso antes. — Ela se apoiou no braço do sofá e cruzou os braços.
— Não era algo que você precisava saber — respondeu ele com indiferença. — E, para sanar sua curiosidade, Zalgo precisa de dois artefatos para ter seus poderes com força total: um deles é a Vela de Luz e Sombras e o outro é a Estrela Morta.
— Se a Vela estava comigo, então onde está a Estrela?
— Com Ery, e ela sabe disso. — O homem apoiou as costas no encosto, tirando os cotovelos da mesa e apoiando-os nos braços da cadeira — O motivo desses artefatos estarem selados em vocês é para enfraquecer Zalgo ao máximo.
— E aí você entrega a Vela para ele de bandeja. — Blader o aplaudiu lentamente — Incrível. — Seu tom de escárnio era indisfarçável — Se eu soubesse, teria dado um jeito de trazer aquela coisa de volta.
— Um acordo não pode ser quebrado. Ofereci a Vela porque sei o que faço.
— Mesmo? — Ela arqueou uma sobrancelha — Tenho minhas dúvidas.
Ele se levantou da cadeira e começou a caminhar pelo cômodo.
— Por acaso Zalgo usou encantamentos em você?
— Como sabe disso?
— Para a retirada da Vela, ele obrigatoriamente precisaria usar o encantamento de quebra de selos. — Slenderman parou de caminhar para virar na cabeça na direção dela — Uma vez feito isso, ele acabou compartilhando uma parte da energia dele com você, mesmo que seja pequena.
— E onde você espera chegar com isso? — indagou ela, colocando o braço sobre o encosto do sofá e tamborilando suas unhas contra o couro.
— Se ele se fortalecer, seu lado demoníaco também irá. — O homem de terno voltou para perto da mesa, apoiando-se nela — E é com isso que colocaremos um fim a esse conflito longo e sem sentido.
A garota estreitou os olhos, ajeitando os óculos e ficando em pé.
— Se ele ficar mais forte também não vai adiantar nada.
— Mas você conseguirá dar cabo dos subordinados dele mais depressa e aliviará o esforço de seus companheiros, deixando-os em forma para o que é de fato importante — elucidou, ajeitando a gravata. — Quanto mais rápido eliminarmos os peões, mais rápido daremos o xeque-mate. Zalgo pode até ter poder, mas não pode dar conta de várias pessoas atacando-o ao mesmo tempo se estiver sozinho.
— No final, você também só me enxerga como uma ferramenta mesmo, não é? — Blader desviou o olhar para a varanda — Que surpresa.
— Você deveria estar ciente de que sua performance e seus serviços são os responsáveis por fazerem as pessoas te tolerarem, Blader. E comigo não é diferente. Se você não valesse nada, eu jamais me daria ao trabalho de te buscar.
Ela cerrou os punhos e engoliu em seco. Sabia que aquilo poderia ser verdade, mas ouvir em voz alta era doloroso de toda forma.
— Entenda uma coisa, Blader — Slenderman lhe chamou a atenção: — Não existe essa ideia de ser querida pelos outros. As pessoas só vão gostar de você enquanto tiver algo para oferecer. Seus esforços para ser a boa menina eram muitos, mas sua família humana falava pelas suas costas e sempre fecharam os olhos para com suas necessidades e sentimentos, não foi? Aqui não vai ser diferente. Embora seja minha filha, antes de tudo é minha subordinada e seu potencial é o mais importante para mim.
— Isso não é verdade e não vou ficar aqui ouvindo esses absurdos. — Blader se encaminhou até a saída — Enquanto eu tiver minha irmã e Lins comigo, ainda posso acreditar que sou querida de alguma forma.
— O amor e fraternidade não são eternos. Também acreditei neles e no fim paguei o preço.
— Isso porque você é um monstro. — A garota virou a cabeça na direção dele, tocando a maçaneta.
— Sendo minha filha, isso faz de você um monstro também, lembre-se sempre disso.
A resposta dela foi a porta se fechando com violência. Piscou repetidas vezes para afastar as lágrimas enquanto descia as escadas de volta para o primeiro andar. Eu sou uma idiota, disse para si mesma, é claro que ele não iria busca-la para mantê-la por perto ou porque sentia sua falta, isso se mostrou bem claro naquele instante. Slenderman sequer se mostrou feliz por vê-la de volta bem, até porque já havia premeditado tudo para sair vitorioso no final dessa guerra.
— Olha só quem eu encontrei... — A voz de Lins atrás dela a surpreendeu — Achei que estivesse na cozinha fazendo os brigadeiros com a Sally, ela disse que ia procurar pela Ery enquanto isso.
— Já estava indo para lá.
O ruivo deu alguns passos largos para ultrapassar a moça e conseguir encará-la.
— O que aconteceu, meine Liebe?
— Nada demais.
Ele a conhecia como a palma da mão para saber que não deveria insistir naquele momento. Ajeitou uma mecha de cabelo dela atrás da orelha e se limitou a abrir um sorriso acolhedor enquanto ela retomou a caminhada puxando-o pela mão até a cozinha.
— Precisa de ajuda?
— Por enquanto não — respondeu ela, procurando pelos ingredientes no armário. — Só depois que estiver pronto.
Lins se acomodou em um dos bancos que ficavam no balcão, observando a outra colocar os ingredientes e misturá-los com o olhar distante. Queria muito iniciar uma conversa para amenizar o clima, mas decidiu lhe dar espaço e tempo.
— Estou aqui! — Blader voltou à realidade ao ouvir a exclamação de Sally — A Ery tá terminando de passar aquelas coisas estranhas no rosto e disse que já vem.
O violinista a ajudou a se sentar no outro banco e o olhar da pequena se iluminou ao ver a morena colocando um prato no balcão repleto de granulados e depois mais dois vazios.
— O que você acha que está fazendo? — A jovem arqueou uma sobrancelha ao ver Lins comer os granulados.
— Nada demais — ele respondeu, pegando mais um punhado e colocando nas mãos de Sally. — Estamos esperando o brigadeiro ficar pronto.
Blader revirou os olhos, desligando o fogo e despejando o doce em um dos pratos vazios. Entregou a panela e a colher para Sally, que bateu palmas de animação.
— Tome cuidado, está quente — alertou a morena. — Quando puderem, podem ir enrolando no granulado por mim. Vou ver se a Ery vai terminar esse skincare hoje ou na semana que vem.
O músico assentiu e levantou as duas sobrancelhas ruivas para a outra em sinal de confusão pelo olhar prolongado dela sobre ele.
— E pare de comer o granulado, sua formiga de meia tigela. — Ele sorriu pela repreensão dela, pois ao menos estava voltando ao seu humor habitual.
**
Quando ambas desceram de volta para a cozinha, Ery foi a primeira a entrar no cômodo, correndo na direção do prato. Ao encontra-lo vazio, a loira cruza os braços e bate o pé impacientemente no chão.
— O que foi? — A morena perguntou, se aproximando dela. Quando viu o estrago, encarou o ruivo com os olhos semicerrados — Lins, para onde foi o brigadeiro do prato?
— Sally e eu só fizemos o que você pediu: enrolamos e passamos no granulado — começou ele com serenidade. — Depois disso, decidimos ver se estava bom mesmo e veja só que coisa, não é mesmo?
Lins analisou com atenção a expressão de indignação da garota e passou o dedo na panela.
— Você não disse que precisávamos esperar. — Ele então passa o indicador no nariz e nas bochechas da jovem, sujando-a com o doce.
— Vou ficar sem cunhado mais rápido do que pensei... — Ery soltou um suspiro, pegando novamente os ingredientes.
O ruivo se levantou do balcão e saiu correndo de Blader, que o perseguia com afinco e em um misto de fúria e vontade de rir. Pareciam duas crianças naquele instante e isso a fez deixar aquela conversa com Slenderman de lado.
Ele parou de correr quando escapou para o lado externo da casa e levantou a mãos, balançando-a como se estivesse balançando uma bandeira.
— Tudo bem, eu me rendo — declarou. — Acho que em matéria de resistência você ganha de mim.
— É bom mesmo ter corrido tudo isso para gastar esse açúcar todo. — Ela se aproximou, estranhando o sorriso e o brilho no olhar dele — O que foi?
— Fico feliz que não está mais tristinha. — Lins tomou o rosto dela entre as mãos, beijando-lhe a testa — Seja lá o que aconteça, sabe onde me encontrar, não sabe? Meu quarto fica de frente para o seu e estará sempre de portas abertas para te receber.
— Eu agradeço, de verdade.
Trocaram olhares por um tempo até alguém lhes chamar a atenção. De uma das janelas da cozinha, Sally gritou:
— O brigadeiro da Ery já tá acabando, hein! Se não vierem logo, vão ficar sem!
— O Lins não pode mais comer doce pelo resto do ano, então está tudo bem — respondeu Blader.
— É o que você pensa — O ruivo provocou. — Se eu chegar primeiro, fico com a sua parte.
— Só por cima do meu cadáver — A garota respondeu, correndo na frente do outro.
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