XII

— Por quanto tempo mais acha que vai aguentar, garota? — Rake deu um risinho, se deleitando com a imagem de Blader com a lateral esquerda do corpo embebida de sangue e as roupas nesse lado rasgadas pelas garras da criatura.

— Sabe que não sinto dor, certo? — A garota replicou, se afastando e ignorando os olhares dos demais sobre ela.

— Mas vai morrer sem uma única gota de sangue no corpo. Onde está aquela petulância da primeira vez que deu as caras aqui?

Levara oito longos dias para assumir pleno controle de seus poderes e reaprender o mínimo sobre combate, mas em compensação não estava conseguindo lutar de igual para igual com Rake. Cada gota de sangue no chão do covil manchava sua honra por terminar assim e por ter receio de avançar impetuosamente como deveria.

— Se continuar nesse ritmo, ela vai morrer — alertou Nick.

— Embora seja filha do inimigo, não vou deixar isso acontecer — Zalgo respondeu. — Terminarei a briga quando for o momento certo, mas até lá ela precisa descobrir seu próprio jeito de lutar.

Os dois notaram quando ela balançou a cabeça de um lado para o outro, tentando manter a consciência. Rake avançou sem pensar, dessa vez acertando o vazio pela outra ter esquivado.

— De novo essa brincadeirinha? — ralhou a criatura. Olhou em volta e sorriu ao ver o rastro de sangue — Mas dessa vez não vai funcionar.

— Ela tem a vantagem, só não sabe disso. — Profeta apoiou-se na parede perto de Nick e Zalgo — Na verdade, a combinação de poderes dela é problemática, sem dúvida alguma.

— Imponha-se, Blader — aconselhou o dono do covil. — Você não vai ter mais a intervenção da sua outra face, então não adianta ter receio. Se não consegue calar a boca de Rake, não será capaz de dominar os idiotas da casa do seu pai como Algoz.

No fundo, a jovem sabia que ele tinha razão. Enquanto desviava com dificuldade de seu oponente e sofria com a dor, ela ia dando voltas pela sala, pisando no sangue derramado e manchando o piso do lugar. Sua regeneração era lenta, mas conseguia diminuir o sangramento. De toda forma, sabia que não duraria muito nesse ritmo.

— De que adianta ficar invisível se está se denunciando dessa forma? Vou te encontrar de qualquer jeito e não vai conseguir desvi...

Rake interrompeu sua fala ao olhar para o chão e não entender onde a garota estava. Pelo fato de ela não fazer barulho, era incapaz de se guiar pelo som. No entanto, com o chão repleto de pegadas e algumas manchas, também perdera o rastro dela.

Foi pego desprevenido pela direita, mas conseguiu desviar e arranhar o braço direito dela. Blader desapareceu mais uma vez e se reposicionou, saindo da invisibilidade usando os poderes de Zalgo para desferir um soco com o máximo de força nas costas da criatura, que urrou pela dor e tentou revidar, porém acertando o vazio.

A garota se manteve alternando entre a invisibilidade e os poderes demoníacos até o combate terminar com ambos caídos. Rake estava desacordado pelos golpes e ela caiu de joelhos, voltando ao seu estado normal. A visão estava totalmente turva e o cansaço a consumia. Segurou o pingente dado por Lins e suspirou, sem saber se sairia viva ou não disso.

Antes de perder a consciência por completo, Zalgo apoia a mão sobre sua cabeça, recitando novamente algum encantamento e dessa vez fechando os cortes da garota, curando-a por completo.

— Por um instante, achei que fosse morrer sem entender a essência de suas habilidades. No entanto, ter usado suas feridas a seu favor foi surpreendente.

— Então agora é a minha vez de me vingar dela. — Hobo Heart se levantou, marchando até o centro da sala.

— Não — ditou o líder. — Guarde sua vingança para outra ocasião. — Ouvindo o rosnado descontente de seu subordinado, virou-se para encará-lo — Que glória há numa revanche na qual seu inimigo não pode responder de igual para igual?

— Infelizmente não estou nem aí para isso. Se ela está esgotada, então vou ajuda-la a descansar pelo resto da vida.

Nick e Nathan impediram o outro de avançar. Zalgo ofereceu apoio à jovem para ela se levantar e caminhar para longe dali, decidindo que era aquele o momento de reivindicar seu pagamento.

— Entendo seu cansaço, criança, mas isso prova que não há muito mais a ser feito por você. Dessa forma, devo receber o pagamento prometido por seu pai.

— Ele não me entregou essa tal Vela de que falaram no primeiro dia em que cheguei aqui.

— Ela está selada em você — explicou ele. — No entanto, esse objeto me pertence desde sempre e há anos desejo tê-lo de volta.

Blader se afastou, cambaleante, mas fora pega pelo encantamento de sono.

— Sinto muito, criança. — Zalgo pegou-a nos braços e se dirigiu ao último cômodo do corredor, onde havia uma espécie de altar — Mas combinado é combinado.

A colocou deitada sobre o mármore escuro, recitando algo na mesma língua de seus encantamentos até conseguir ver um ponto de luz avermelhado na altura do coração dela. A criatura tocou o brilho com o indicador e a luz o cegou por breves segundos antes de revelar seu antigo cetro.

— Depois de tanto tempo, finalmente recuperei um dos meus artefatos.

Observou Blader mais de perto e a viu ainda respirando. A aproximação com a jovem fez o rubi na ponta do cetro brilhar, acordando-a no mesmo instante.

— Nosso tratado termina aqui, criança. A partir de agora, que vença o melhor.

**

De alguma forma, ela teve vigor o bastante para seguir o caminho de volta para a mansão de seu pai e, ao contrário da outra vez, não sentia cansaço. Seja lá o que tenha acontecido enquanto estava desacordada naquele altar, se sentia mais viva.

Cruzou a porta da frente, chamando a atenção dos demais. Zero foi a primeira a se levantar do sofá e caminhar lentamente na direção da recém-chegada.

— Então a boa filha à casa torna, que surpresa. — Ela analisou as vestes de Blader com uma careta pelos rasgos e as manchas grotescas de sangue — Mas está tão apresentável quanto Jeff.

— Agora que estou definitivamente de volta, é melhor tomar cuidado com o que diz. — A filha do homem de terno chegou perto o bastante e sussurrou — Senão vou te matar de verdade dessa vez.

Zero lutou para conter o calafrio e engoliu em seco antes de responder:

— Cadela que ladra não morde.

— Não queira pagar para ver, queridinha.

Blader seguiu escadaria acima, ignorando os murmúrios e conversas até sentir alguém agarrar seu rabo de cavalo. Ela agarrou o antebraço da pessoa, usando a força extra de seus poderes para obriga-la a soltar seus fios e jogá-la contra a parede.

— Se vai começar a causar tumulto, serei obrigada a te punir, Zero. — Seus olhos escarlates miraram a outra resmungando de dor — Uma coisa que precisei aprender bem no covil de Zalgo é perceber quando tenho a vantagem. E, para o seu azar, tenho a vida de todos vocês na palma das minhas mãos.

Ela ia subir o primeiro degrau, mas parou ao ver Sally congelada no topo da escadaria. Os olhos estavam levemente arregrados e ela se esforçava para não deixar uma caixa em suas mãos cair pelo susto.

— Precisa de ajuda com isso, Sally? — A morena indagou.

Não obteve resposta, portanto tratou de ir até a menina, abaixando-se e encarando-a por um instante.

— Se desfizer essa cara assustada, vai ganhar uma panela toda de brigadeiro para raspar — disse em voz baixa. — Um docinho vai fazer bem, não acha? Mas vai ser segredo seu, meu, de Ery e de Lins.

O rosto da menor se iluminou no mesmo instante e Blader deu um meio sorriso ao ver que conseguira consertar a situação. Sally a seguiu saltitante pelo corredor, ainda carregando a caixa.

— O que tem aí?

— É segredo — falou a menina. — Lins pediu pra eu levar isso até o quarto dele.

Ela não teve tempo de perguntar mais nada, pois a outra começou a cantarolar e assim permaneceu até chegarem ao final do corredor dos dormitórios, onde cada uma entrou em uma porta diferente.

Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top