I

— Seja bem-vinda ao lar, Blader.

A garota lançou um olhar breve à criatura de sobretudo e chapéu preto antes de caminhar em direção à escadaria. Embora sentisse os diversos olhares curiosos sobre si, não se importava. Ia se apoiar no corrimão, mas mudou de ideia ao ver as mãos manchadas com o sangue de sua antiga família.

— Seu quarto fica na última porta do lado esquerdo, não tem como errar — instruiu o Homem de Terno.

Ela se limitou a assentir, sem olhar para trás. Quando desapareceu do campo de visão dos curiosos, Trenderman foi o primeiro a se manifestar.

— Estava prestes a perguntar o que há de errado com a pobrezinha, mas é melhor deixar quieto. Afinal, a resposta é evidente: Blader é sua filha, estranho seria se não reagisse assim.

— Então tudo isso foi à toa? – A voz de Splendorman carregava todo o seu desapontamento.

— Apenas disse que ela viria para cá, não mandei fazerem festa alguma — Slenderman rebateu no mesmo instante. — Deviam saber que Blader não seria receptiva como Ery foi ao chegar aqui.

Os dois soltaram um suspiro pesado enquanto recolhiam a decoração com a ajuda dos moradores da mansão. Offenderman, por sua vez, finalmente deixou de prestar atenção no caminho que Blader tomara e decidiu questionar o irmão de terno:

— Ela está em estado de choque tão grande assim?

— Confie em mim, não é estado de choque. Blader apenas está em um conflito interno sobre deixar sua real face prevalecer ou manter a máscara humana que sempre usou.

— Não tem vergonha em ler a mente da sua filha?

— Esse é o melhor jeito de saber o que está havendo, Offenderman.

Dito isso, Slenderman desapareceu, teleportando-se para seu escritório, como era de costume. Deveria rever e ter certeza das funções de sua filha antes de anunciá-la oficialmente para os demais moradores. Finalmente não precisaria mais perder tempo tomando conta daqueles assassinos barulhentos, já que Blader daria conta de tal trabalho, pensou.

**

Blader adentrou o quarto, trancando a porta e sentindo o corpo deslizar pela madeira escura e fria. Assim que encontrou o chão, fechou os olhos, inspirando e expirando longamente. Tentava encontrar alguma pontada de emoção, mas não conseguiu nada. O vazio dentro de si era absoluto.

Levou as mãos à cabeça, ignorando o fato do sangue manchar seus fios castanhos, e apoiou a testa nos joelhos. O que faria agora além de se tornar mais uma marionete de seu pai?

Balançou a cabeça em negativa. Deveria aceitar seu destino e ponto. Desde seu nascimento estava fadada a obedecer e nunca ter vontade própria. Viveu em prol das expectativas dos outros, cumprindo-as como se fossem um comando absoluto, portanto não esperava que a situação fosse diferente.

E, por isso, era considerada perfeita.

A neta, aluna e funcionária perfeita.

Agora, deveria ser nada mais, nada menos, do que a proxy perfeita.

Um gosto amargo chegou à boca da jovem ao pensar que continuaria sofrendo com a doença chamada "perfeição". Deixou um riso sem humor escapar e então ficou em pé, indo ao banheiro a passos lentos. Quando tal tortura iria acabar? Se perguntou. Porém, ao ver o fluído vermelho descendo pelo ralo da pia, entendeu não haver um fim para o fardo a ser carregado. Na verdade, seria apenas o começo.

**

— Ela não veio? — A sobrinha do Homem de Terno indagou ao entrar na mansão e ver as decorações nas caixas, a sala arrumada e seus tios sentados no sofá.

— Claro que veio, mas agiu como se não existíssemos – relatou Trenderman, ajeitando seus óculos. — Blader conseguiu absorver o comportamento ruim do Slender de forma surreal, Dhaegar que me livre!

— Onde ela tá?

— Muito provavelmente no quarto dela, mas não espere ser bem recebida — advertiu. — O humor dela estava péssimo... Quer dizer, se é que podemos dizer que havia alguma emoção nela. Parecia uma casca vazia.

Ery subiu as escadas com pressa, avançando rapidamente pelo corredor dos dormitórios até encontrar a última porta à esquerda. Conseguiu ver a luz acesa e bateu, animada.

— Maninha, sou eu! — exclamou.

Sem resposta. Bateu e chamou uma segunda vez, porém de nada adiantou. Chegou mais perto da porta, tentando ouvir alguma coisa, mas o silêncio era total. Por um instante, imaginou se Trenderman não a havia enganado.

— Blader está no quarto — Um rapaz ruivo confirmou, se aproximando. — Mas não deve estar disposta a receber ninguém. Já bati antes e ela também não me atendeu ou deu sinal de vida.

— O que fazemos?

— O melhor é deixá-la em paz por enquanto. Se insistirmos, pior vai ser.

— Esperei todo esse tempo pela chegada dela, não é jus...

— Eu também quero muito vê-la, Ery — Ele a interrompeu, desviando o olhar para o violino branco que tinha a mão esquerda. — Mas é como Slenderman disse: temos que deixá-la se acomodar no próprio tempo.

Ery levantou o punho fechado em direção à porta, desistindo em seguida ao ver o outro fazer um gesto negativo com a cabeça. Suspirou e, a passos lentos, se distanciou o quarto, caminhando lado a lado com o ruivo.

— Você a viu chegar, Lins?

O violinista assentiu.

— E como ela estava?

— Suja de sangue e com olhar baixo. Diria que estava tão cheia de vida quanto as marionetes do Toymaker.

— Ery e Lins. — A voz do Homem de Terno ecoou em suas mentes — Venham até meu escritório.

Os dois se entreolharam antes de subirem o outro lance de escadas até o segundo andar. Ao entrarem, viram os demais proxies no cômodo e as inquietações de ambos apenas aumentaram.

— Agora que temos Blader conosco, vou fazer uma alteração nas funções — ditou Slenderman. — Ery, a partir de hoje, poderá participar da linha de frente das missões assim como Timothy, Brian e Tobias. Sua prima se encarregará da retaguarda e da eliminação de testemunhas no seu lugar por ter herdado meu poder de invisibilidade.

A loira assentiu, assim como os demais proxies. No entanto, o ruivo desviou o olhar de seu chefe.

— Alguma objeção, Lins?

— Não, senhor.

— Certo. Mais tarde conversamos sobre essa sua expressão descontente — avisou a criatura de terno, voltando-se para os outros presentes. — E saibam que, a partir de amanhã, Blader estará designada como algoz quando não estiver executando minhas ordens. Portanto, tenham em mente que, a qualquer passo em falso ou falha, ela os matará. Isso também vale para todos da casa.

— Uma algoz que sequer conhecemos direito e pode ficar invisível, que maravilha... — Timothy resmungou, massageando as têmporas.

— Veja pelo lado positivo... — Tobias começou, mas desistiu segundos depois — Esquece, não tem lado positivo nessa história.

— Claro que tem — Brian contestou. — Com sorte, ela se livra do escandaloso do Laughing Jack e finalmente vamos ter silêncio nessa casa.

— Você tem um ponto — O primeiro concordou, tirando um cigarro do maço.

Slenderman deixou de prestar atenção na conversa para observar o músico, cujas sobrancelhas ruivas estavam unidas e os nós de seus dedos esquerdos brancos pela força ao segurar o violino.

— Podem se retirar, com exceção de Lins.

Os quatro proxies obedeceram de imediato, deixando os dois a sós.

— Algoz? — O violinista repetiu, sentindo o estômago embrulhar. — Por quê?

— Para evitar que os traidores tenham mais tempo de vida — elucidou o Sem Rosto. — Se esqueceu da traição de Judge Angels?

— Mesmo assim...

— Lins, conheço bem seus sentimentos para com Blader — interrompeu, ficando em pé e indo até a varanda. — No entanto, ela não veio aqui a passeio. Se está em minha casa, então terá de trabalhar para merecer o teto que tem.

— Sei bem disso, mas por que deixá-la com uma função dessas? Para ser algoz, é necessário manter distância de todos para não criar laços.

— Precisamente.

— Vai mesmo privá-la de ficar junto de Ery e de mim?

— Sacrifícios devem ser feitos para mantermos a ordem nessa casa, mas não se preocupe com isso, tenho certeza de que Blader não se importará. A família materna conseguiu eliminar os sentimentos dela pouco a pouco.

Os olhos azuis do ruivo foram para os próprios pés. Não gostava da sensação de impotência, contudo era um resultado imutável no momento. Uma vez ditado algo pelo dono da mansão, restava apenas obedecer.

— Você sabe bem pelo que ela passou ao longo desses anos, Lins. — Slenderman se virou para o jovem, quebrando o silêncio — As chances de Blader querer se aproximar dos outros para criar amizades são praticamente nulas. Por isso, é melhor designar essa função o quanto antes.

— Sempre respeitei as decisões que o senhor tomou e até aceito o fato de Blader, mesmo sem experiência de combate, correr perigo cuidando da retaguarda. — Lins voltou a encarar seu líder, porém no seu olhar só havia rancor — No entanto, não posso perdoá-lo por impedi-la de ficar com as únicas pessoas que sempre a quiseram bem.

— É melhor pensar mais antes de falar, meu caro. Aprecio muito suas músicas e seus conselhos, porém há um limite para tudo. Se continuar me desafiando, mandarei Blader te matar.

— Prefiro morrer pelas mãos dela de uma vez a vê-la perder a humanidade aos poucos.

— Cale esse seu coração ingênuo enquanto há tempo, rapaz.

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