Capítulo XIX: Jozankei
Calados, assim andavam, assim se olhavam. Depois do episódio com Maxwell, parte do motivo pelo qual todos conseguiam manter as mentes tranquilas foi desfeito.
A sensação que ele criava, de segurança, de proteção, nascida da racionalidade e força que emanava de sua posição, até então, imaculada, fora quebrada, revelando um homem, certa vez vista muralha, vulnerável e tão gasto e fatigado quanto todos que resguardava...
Isso poderia dar força a alguns, mesmo tirando sua confiança, e destruir outros. No final das contas, era como ver um enorme buraco na muralha, e isso, trouxe uma emoção, uma falta, falta da força...
Entretanto para certos fugitivos, dos mais peculiares, essa falta de força não representava grande preocupação, pois entendiam tudo de forma mais completa, talvez...
A destaque de Harry, que não viu o ocorrido como algo necessariamente negativo, pelo contrário, foi a primeira vez que entendeu, ao menos, parte da natureza do cicatrizado, e também tomou conhecimento de um pedaço o sofrimento de Max, portanto, o fato de Mia estar o cuidando carinhosamente nas cadeiras dos caronas, ao seu lado, não o incomodava.
Obviamente, não era apenas isso, já que toda sua concentração estava agora, e deveria mesmo estar, na estrada.
Após Mia obrigar Max a ficar descansando e esfriando a cabeça, o britânico se ofereceu para dirigir, e em função das competências por ele antes mostradas, Maxwell não hesitou em dar permissão, com a condição de que o menor não tentasse estacionar: "Isso devia ser feito por alguém mais experiente, esse ônibus não tem seguro" ele disse.
Dessa maneira seguiram viagem.
Yan-Li, coitado, foi limpar, na medida do possível, seu braço direito, lambrecado com as regurgitações do moreno mais velho.
No andar de cima do transporte, os outros se encontravam um bocado mais misturados que na organização anterior, tendo em vista que todas as cadeiras do fundo estavam vazias.
O lugar ocupado mais próximo da traseira, já depois da escada, era presenciado por Mikhail, pulando algumas fileiras entre ele e os meninos, que agora conversavam, não apenas entre si, mas com a participação das meninas também... Eles estavam começando a se enturmar...
— ...Mais alguém aí ficou... Sei lá, frustrado? — Heidi pronunciou, olhando virada da primeira fileira para as demais, com um ar infeliz.
— Acho que você podia tentar não falar daquilo... — Yuri boquejou, tremendo, da quarta fileira a direita.
— Eu rezei pra ele melhorar. Espero que Deus me ouça, estamos precisando muito dele agora. — Diogo comentou com os olhos tristes, ele havia ainda se levantado para dizer, da segunda fileira.
Foi quase direto à se sentar novamente quando recebeu olhares curiosamente confusos de alguns, mas se conteve e perguntou:
— Algum problema? —
— N~Não... Só queria saber pra qual você orou... Minha avó diz que rezar em conjunto ressoa mais alto entre os Deuses — Kabir, que se sentava também na segunda fileira, mas do lado oposto, indagou sem esconder como estava encucado, e também, cativado.
— Como assim "deuses"? Só existe um Deus. — O menino afirmou, convencido, com chateação.
— Um? Existem muitos, ué! — O rapaz falou com grandiosidade, estendendo os braços para o alto e os separando, na tentativa de "mostrar" a quantidade de Deuses de sua doutrina.
— Mas isso não faz sentido, eu sei que existe a santíssima trindade, Deus pai, Jesus Cristo e o Espírito santo... Mas a divindade é só uma! Como assim muitos?! — O pequeno contava os dedos, confuso.
— Eu eh... Quem é Jesus? — Kabir queixou, recebeu olhares de reprovação de Chloé, Heidi, Finn, Yuri, Pablo, Jawari e Alexander, mas o menino realmente não fazia ideia de quem era aquele. — "Não conheço esse Jesus... Será que é um Deus cultuado em outras regiões?" — Ele se perguntava.
— VOCÊ NÃO SABE?! Ele é o filho de Deus! — Diogo arregalou os olhos, mas Kabir pareceu entender menos ainda.
— Tipo... Filho de Brahma? Ele é pai de Daksha, Manu... E teve mais alguns, mas nenhum Jesus... — O indiano apoiou a mão no queixo, pensativo.
— Agora eu que te pergunto. Quem são esses? — O espanhol franziu o cenho com julgamento.
— Cê não conhece Brahma?! Que tipo de credo é esse?! — Em resposta, Kabir devolveu a desaprovação.
— Eu~! — Diogo foi interrompido por um comentário um tanto ousado.
— Não entendo vocês... Por que brigar por algo tão irracional quanto religião? — Evelyn se pronunciou. — "Não vai acabar bem se eles continuarem a discussão... A fé pode ser divisora as vezes... Melhor tentar redirecionar esse conflito." — Ela refletia sua preocupação.
— Sem lógica?! — Os dois interlocutores questionaram em uníssono. Junto deles, Heidi deu uma cotovelada na irmã dizendo: — Mana! Porque você~?! Aí que vergonha! —
— Ei! Não são sem lógica! — Yan, que acabara de subir as escadas e escutou a toda a discussão, se pronunciou. — Crenças não são sem sentido, Heidi, nunca zombe de alguém por acreditar. É como cuspir na vida dessa pessoa. — Completou com a voz embargada, havia lembrado de algo que não gostava de pensar.
— Mas por acaso esse Jesus Cristo nos criou?! — Kabir continuo zombando. Yan deu um tapa em sua própria testa.
— Deus nos criou, a nós e a tudo que conhecemos! Jesus se sacrificou para que pudéssemos continuar existindo! Sua crença por acaso exalta algo como isso?! — Agora Diogo tirava sarro.
— Eu acredito que as ações que tomamos vai ser devolvida em algum momento, seja nessa ou na próxima vida, então devíamos sempre agir com decência. —
— Bom~!... Nisso a gente concorda. — Diogo baixou a cabeça, acabou sendo obrigado a concordar, visto que aquela ideia, a seu ver, não estava errada, exceto pela citação de uma outra vida, no entanto, na hora, isso nem pareceu ter importância.
— É isso aí~! Espera, você concorda?! — Kabir se engasgou com a própria fala, e recebeu um assentir de Diogo. — B~Bom então... Deixa quieto. — Kabir murchou o peito, e então se sentou sem saber mais o que dizer.
Diogo fez o mesmo. E o monge relaxou os ombros finalmente, pensou que teria de intervir de forma mais direta.
Dessa forma, a acalorada discussão teve um fim repentino, ou melhor, os principais participantes se depararam com a possibilidade de suas oposições talvez não serem tão diferentes, mas as notáveis discrepâncias em suas histórias e visões lhes impedia de aceitar isso, pelo menos, não tão cedo. E assim como eles, os outros que apenas se faziam de espectadores se mantiveram em silêncio por terem a mesma conclusão.
— Ah que isso gente?! Pra quê esse silêncio?!... Já sei, que tal a gente jogar adedonha? — Heidi apontou, receosa.
No fim, todos acabaram concordando, a sugestão havia servido para animar o grupo abalado. Dessa forma, o clima natural da viagem teve sua volta, embora certos níveis de acanho tenham subido a cabeça de alguns dos pequenos fugitivos...
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Enquanto isso, em algum lugar na costa leste do Japão
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Num galpão notoriamente velho, mas ainda usado por criminosos, estavam Shogun e o Xié Lang, observando as movimentações de seus subordinados.
*Chinês* — Sinto muito por ontem. Eu esperava mais condescendência deles. — Kyoichi boquejou.
*Chinês* — Devia era esperar isso é de mim, hoje, Shogun. — Xié Lang comentou sarcástico, acendendo um cigarro e puxando um trago.
*Chinês* — Entendo que minha conta está bem vermelha contigo. Mas de que adianta matar alguém tão útil como eu? Só pra usar de exemplo? Pelo amor! HÁ HÁ! — O japonês riu, também puxando um trago de seu grande charuto. Nenhum dos dois havia ainda trocado olhares. — Isso e, mesmo que eu não fosse, não acho uma boa ideia ficarmos divididos... As coisas estão mudando, Xié Lang, tem algo acontecendo e não sei se nossas organizações vão sobreviver. — Ele pensou com um sorriso ladino após soltar a fumaça dos pulmões.
*Chinês* — Hum! Eu ainda vou cortar essa sua garganta. Entretanto eu concordo. Só que isso não significa que vou me prejudicar gratuitamente, não com você. — Li Wei finalmente o encarou.
*Chinês* — Sabe, depois de trabalhar com o senhor Fangs, algumas coisas no seu jeito de pensar mudam... — Shogun devolveu o olhar.
*Chinês* — A calamidade de Osaka... Me diz, já que eu acho que devo encontrá-lo em algum momento, como ele é? —
*Chinês* — Mais cedo eu liguei pra ele a pedido da Intrepid, não consegui nem rastrear o moleque... Ele é inteligente, forte, não tão cruel quanto as cenas que ele deixa, mas ainda é a pessoal mais brutal que conheço... Ele é assustador, um verdadeiro monstro. — E deu mais uma tragada, bem funda, tentando acalmar a tremedeira que seus dedos faziam.
*Chinês* — Sei... Então como ficou a história com os mutantes? —
*Chinês* — Por hora, sou obrigado a seguir ordens do Coronel Kurt ou de qualquer superior envolvido, o General Reese, por exemplo. Mas eu pensei em uma coisa que pode nos garantir, pelo menos, tempo pra planejar algo. — Sorriu orgulhosamente, embora séria fosse como se mostrava.
*Chinês* — "Nós", vocês? Ou "nós", a gente? — Li Wei indagou, cerrando os olhos.
*Chinês* — Você também tem o que ganhar com isso. Lembra daquela mulher que você mandou matar há alguns anos? Aquela que cuidava do filho daquele espião Russo? —
*Chinês* — Uhm, vagamente... É aquela latina gostosa do "mercadinho"? — Arqueou a sobrancelha o chinês.
*Chinês* — Ela era da Espanha... Enfim, o ponto é que aquele garoto está junto com o Fangs, e se o plano dele for o que eu estou pensando, não deve demorar pra eles aparecerem na China, afinal, o rapaz tinha ido pra um monastério, ou coisa assim... —
*Chinês* — Acredito poder supor que os cães da Diverge não têm essa informação. E também que eu possa ser muito útil caso ele apareça na China. — Li Wei deu uma pausa, se recusou a terminar o resto de seu cigarro, e Kyoichi assentiu para ambas as suposições, logo antes de ser surpreendido pela reação de descoberta do colega de "trabalho". *Chinês* — Espera! Está mesmo achando que eu vou trabalhar com você de novo?! E ainda, pra pegar o Fangs, a calamidade?! — Gargalhou com deboche.
*Chinês* — Caro cliente, caro empregador, veja bem, eu faço parte do governo agora, e querendo ou não, como líder da Yakuza, sou vulnerável como político e vice-versa... — Shogun se desfez de seu trago, tocando no ombro de seu parceiro de negócios.
*Chinês* — Você está falando isso porque quer que eu use ao meu favor ou porque quer que me foda ainda mais me envolvendo com você agora?! — Xié Lang, confuso com a sinceridade na informação, não conteve o questionamento.
*Chinês* — Eu não posso garantir minha segurança jurídica, nem a da minha organização agora, não na minha posição. E você também não é o sócio menos descartável deles. E além de tudo, como eu disse, tem alguma coisa mudando na ordem vigente... Pode ser que não sobre lugar para nós quando essa guerra silenciosa se intensificar. Mas tem algo que eu posso fazer para retardar nossos prejuízos, tanto para mim, quanto para você... — Shogun mal terminou seus argumentos, que Li Wei pareceu entender aonde ele queria chegar, arregalou os olhos, mas se recusou a dizer em voz alta.
*Chinês* — Sabe o que vai acontecer se fizer isso, não é? Toda a estrutura das organizações... A Tríade e a Yakuza deixariam de existir do mesmo jeito... — Xié Lang boquejou áspero.
*Chinês* — Não nossos princípios, não nosso legado e muito menos nossos homens! Eu sei que não somos exatamente amigos, mas eu confio em você para isso. O que você tem que fazer é colaborar quanto ao Fangs. — Shogun se opôs com firmeza.
E com isso, o líder da Tríade se viu obrigado a concordar com aquela ideia extraordinária, nem deu o último trago e jogou seu cigarro fora. Em seguida disse com a cara fechada:
*Chinês* — Eu aceito a sua proposta. — Estendeu a mão para um acordo. *Chinês* — Mas se essa brincadeira obtiver falha, e eu me arrepender, vou fazer questão de fragmentar tudo o que você construiu em bens leiloáveis e expor suas merdas em rede internacional. — Disse, e então viu Kyoichi sorrir com prazer orgulho ao dizer isso.
*Chinês* — Esse é o Xié Lang ao qual me aproximei! Negócio fechado, amigo. — Finalizou completando o aperto de mãos. *Chinês* — Agora, por que não damos continuidade nas atividades dessa dependência? Tenho que remover seus produtos daqui antes que as autoridades venham vasculhar, lembra? — Também largou o charuto, segurado pela outra mão, e fitou os vários caixotes entupidos de inúmeros entorpecentes alucinógenos ilegais, armas não registradas e containers a serem carregados com figuras humanas raquíticas e pálidas acorrentadas umas às outras, pelos pés e pelas mãos.
Xié Lang foi tomado pela sensatez do parceiro, soltou uma risada, e então concentrou, também, sua atenção aos seus subordinados e companhia aliada que davam procedência às atividades de forma setorizada.
E assim, foi selado um acordo... Um acordo que mudaria o rumo da história de muitos, fossem pessoas, instituições ou mesmo governanças... Algo que, para o bem ou para o mal, seria imutável para qualquer um dos envolvidos...
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Na mesma tarde, na cidade de Aomori, porto de balsas Tsugaru
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Estampado como uma pintura desde o infindável horizonte do oceano, repleto de nuvens desvanecidas no azul celeste, agora tingido pela profundidade das alturas, e pelos tons vermelhos e alaranjados contrastando suavemente à sua vastidão, o céu estava para ser tomado pela escuridão das estrelas, e cintilar o brilho da lua naquele sereno fim de tarde.
Já quase na reta final, os fugitivos deveriam pegar uma balsa da cidade de Aomori, na ilha principal de Honshu, até Hakodate, na famosa ilha de Hokkaido, muito conhecida por suas famosas fontes termais.
No passo que eles adentravam o porto, local bem espaçado, cheio de balsas e alguns cruzeiros, Yan explicava aos outros para se manterem quietos e jamais saírem do ônibus, para evitar complicações quanto ao valor da passagem, Mia e Max tentavam negociar com um dos recepcionistas da balsa, a qual escolheram devido a vantagem de não requerer agendamento, informada na placa um pouco antes da rampa.
Max conduziu o transporte até os pneus dianteiros cruzarem o nível entre o metal e o concreto, então parou com excelência e abriu a janela ganhando vista para um funcionário logo ao lado.
*Japonês* — Senhor... — O moreno cicatrizado começou, observando da janela da cabine, o crachá no uniforme de tecido grosso do homem de idade que o recebeu, logo antes da ponte de entrada da balsa. *Japonês* — Maruyama... Vocês aceitam dólar como pagamento? — Sorriu sem jeito. Ele e sua amiga já estavam na fila há algum tempo.
O homem os encarou com seriedade, e então respondeu com bom tom:
*Japonês* — Ahh, sim, claro, meu rapaz! Recebemos muitos estrangeiros, não tem problema. Mas antes, me tira uma dúvida, vocês dois pretendem ir nesse ônibus? —
*Japonês* — Bom, é o nosso plano. — Mia, de prontidão, logo matou sua curiosidade.
*Japonês* — Isso vai ser complicado, normalmente, por acaso tem mais gente aí com vocês? — Ele olhou para a janela acima.
*Japonês* — NÃO! — Os dois jovens gritaram. *Japonês* — A gente só... Sabe, eu~eu trabalho de forma independente, faço umas viagens aqui e ali, pra escolas, empresas, esse tipo de coisa. Recentemente eu ganhei uma boa grana transportando uns universitários. Então, assim, eu planejei essa viagem com a minha... A minha... N~Namorada, só que não ficou muito viável alugar um carro, então... Aqui estamos. — Esclareceu com um sorriso de nervoso.
Então o senhor contraiu a face numa expressão de clareza, passando os dedos em seu fino bigode grisalho, ato que acelerou o coração de Mia mais do que estava, e fervorosamente fez uma gota fria de suor escorrer pela testa de Max, e por fim, com um genuíno suspiro, o senhor continuou:
*Japonês* — Certo, de qualquer jeito a passagem pra ônibus é mais cara. Oitenta mil Ienes pra transportar ele, mais vinte mil pra vocês dois... Cem mil Ienes devem dar algo em torno de novecentos dólares, vai ser no dinheiro ou no cartão? — Puxou uma maquininha azul de um dos bolsos.
Ambos, Max e Mia, arregalaram os olhos, eles pensavam "Merda! Eu não pensei que fosse ser tão caro!" em quase perfeita sincronia. A jovem engoliu seco, mas impulsiva tomou a dianteira, o moreno acabou sendo travado logo que balbuciava mais alguma de suas enganações.
*Japonês* — Não dá pra fazer por quatrocentos?! — Ela, com um estalo engasgado na garganta, sugeriu.
*Japonês* — Tá de brincadeira comigo?! — O velho se enfezou, mas foi ter vista do rosto de Mia, que toda sua correta ira foi transformada em uma disfarçada cortesia. *Japonês* — Escuta mocinha, quatrocentos? É menos da metade do que esses ingressos valem, mas acho que posso fazer por setecentos e cinquenta, o que acha? — Ele fechou as mãos, demonstrando apreço e cuidado ao apontar um desconto menor.
Max, já com algumas manhas nesse tipo de situação, interveio com outra proposta.
*Japonês* — Eu pago quinhentos, e ainda trabalho com o que precisar por essa noite. Sei limpar, lavar, organizar, contar e se precisar ainda conserto o refrigerador que 'tiver quebrado. — Propôs com a voz firme, cheia de confiança.
O senhor Maruyama quase riu com a ideia, até fez uma careta de desafio antes de impor sua proposta no tom mais sério que fizera desde o início da conversa.
*Japonês* — É o seguinte, setecentos dólares se você cuidar da limpeza de todo o barco até chegarmos em Hakodate, e consertar a geladeira, porque realmente está quebrada. Se não der, pode manobrar seu veículo e se retirar desta balsa, senhor. — Cruzou os braços com a cara fechada.
A morena assim projetou seu tronco ao botão da janela por onde os dois jovens conversavam com Maruyama. E disse, com um sorriso falso, antes de fechar.
*Japonês* — Bom senhor, me dá só um segundo pra eu conversar com meu namorado! — O velho fez um tinindo e flexionou as sobrancelhas em resposta, permitindo a Mia fechar a janela e se sentar normalmente em sua cadeira, encarando Max com seriedade. — Não acho uma boa ideia você virar outra noite, ainda mais agora. — Fraquejou os olhos.
— Nem eu, mas pelo visto é isso ou esquece a viagem, e a gente vai ter que roubar mais uns trezentos dólares, a gente só tem quatrocentos e setenta e quatro. — Concordou dando de ombros, o cicatrizado.
— Eu posso fazer isso, não deve ser difícil limpar as coisas, só demorado, talvez, já que é um barco grande. Você conserta a geladeira, e pode deixar que eu consigo o que falta de dinheiro pra gente também... É melhor do que te ver daquele~ daquele jeito outra vez. — A jovem tremeu, olhava a face do amigo com a cara assustada.
Maxwell riu com jatos de ar, balançando a cabeça, então fechou o rosto para a garota e num arfar disse em remorso:
— Me desculpa. Eu não devia ter gritado com voc~ —
— NÃO PRECISA!... — A morena gritou. — ...Continuar... Foi pior... Pra você. — Transmitia dor no olhar, ela sequer cogitava em pensar no que Max passara, mesmo assim já travava a garganta.
— ...Talvez... — Assentiu tirando os olhos dela. — Obrigado, Mia. — Soltou, sórdido, segurando os olhos marejados.
— N~Não precisa disso também. — A menina corou com sorriso de gratidão que o rapaz deu logo que acabou de falar. — Enfim, vamo' resolver isso, abre aí. — Cruzou os braços. Max, sem mais o que dizer obedeceu.
Assim, acataram a negociação.
*Japonês* — É o seguinte, eu viajei muito pra chegar aqui, tamo' vindo de Nagoia. Eu tô exausto, posso consertar a geladeira, mas a minha namorada que vai limpar o barco, tem problema? — Disse Max.
*Japonês* — Nenhum, desde que ela consiga deixar o chão lá dentro brilhando, Senhor... Me descupe, qual o seu nome? —
Maxwell não era muito bom inventando nomes, não, nem um pouco, pior do que se pode imaginar, mas ofuscado pela escuridão das empreitadas em que estava atualmente metido, jazia um verdadeiro espectador de entretenimento barato, então, ele acabou dizendo o primeiro conjunto de palavras "japonesas" semelhantes a um nome que surgiu em sua cabeça.
*Japonês* — Kagaro Nakama. — No mesmo instante pensou desacreditado: "Nem fodendo que eu meti essa!". Mia soltou uma risada, após uma falha tentativa de contenção.
*Japonês* — Tudo bem, Senhor Nakama. — Assentiu o senhor Maruyama. *Japonês* — Você e sua namorada parecem confiáveis. podem entrar, mas comecem logo, logo que entrarem vão até a cabine principal e avisem ao Senhor Hinode do nosso acordo. Andem, não leva mais do que cinco horas pra chegar em Hakodate. — Finalizou saindo da janela do ônibus, dando aos jovens espaço para passar.
Maxwell fechou janela enquanto seguia, e assim encarou Mia, com um olhar distintamente estranho, o qual a garota nunca o vira expressar.
— O quê? — Ela arqueou a sobrancelha, ganhando rubor nas bochechas, não podia deixar de se desconsertar sob os olhos firmes de Max daquela forma.
— Ah, nada... — Ele respondeu num soluço. — "Namorada, é? Cê tem que parar com esse tipo de fantasia... Ela é demais pra você." — Pensava.
O transporte foi estacionado logo ao canto da balsa, um local que favorecia a saída ao chegarem, e afastava a atenção. Os dois adolescentes então saíram da cabine e subiram ao segundo andar, de encontro com os outros.
— A gente vai ficar tranquilo aqui, vocês deviam começar. — Disse Harry. — Aliás eu ouvi a conversa do carro atrás do nosso, são um casal americano... Se quiserem o dinheiro que falta, já tem um jeito de conseguir. — Aconselhou.
Mia, como já conhecia as peças, olhou em volta para confirmar o que Harry afirmara. No momento estavam todos com a atenção vidrada nela, em no mais velho cicatrizado.
— Só vou falar uma vez, hein, fiquem quietos! Não falem alto, não briguem e não discutam, ok? — A responsável ordenou.
— Tudo bem. — A maioria, com exceção de Mikhail e Harry, se manifestou.
E dessa forma, sem muita enrolação, Mia e Max já foram descendo, não antes de pedirem a Yan e Harry que cuidassem de tudo, mas logo se retiraram do veículo.
— Então, é só ficar e esperar chegar, né? Tranquilo. — Yan comentou.
— Pra gente, com certeza. Pra Mia e pro Max? Ele, eu não seu se sabe mexer numa geladeira. E a Mia, cara, ela nunca pegou em uma vassoura na vida. — Harry apontou relaxado. — Fazer o quê? A situação pediu, se eles estão dispostos. — Repontou ainda mais tranquilo, deitando o encosto de sua cadeira.
O monge massageou o cenho, mas não se ateve ao que podia acontecer, e perguntou:
— A gente pode fazer alguma coisa? —
O inglês pensou um pouco e respondeu certeiro:
— Fica de olho, se eles precisarem a gente dá um toque ao estilo super audição. —
Yan-Li concordou, e assim se sentou, tendo vista de Diogo, o mesmo comia um chips.
— E aí? — Cumprimentou o maior.
— Quer? — O Espanhol ofereceu um punhado de seu lanche. Recebeu um gemido confuso e então aceitação por parte de Yan.
O mais novo despejou um bocado de suas batatas empacotadas sobre as mãos do mais velho, e isso finalizou o gesto.
Infelizmente, para ele, os outros garotos resolveram se oferecer seus chips, o que resultou numa reação espontânea de proteção ao próprio alimento, no entanto ao menos, eles se esforçaram para não fazer barulho.
Já os dois mais velhos estavam se virando o melhor que podiam, agora se encontravam na cabine principal, de frente à um idoso, de aparência notoriamente cansada, mas de sabedoria sublime, oculta por seus tristes olhos.
*Japonês* — Senhor Hinode? — Max indagou, recebendo um aceno do velho. *Japonês* — Eu minha namorada conversamos com o Senhor Maruyama, ele disse que podíamos pagar setecentos dólares apenas, pelo nosso ônibus, se consertássemos a geladeira quebrada e fizéssemos a limpeza do barco até Hakodate. — Explicou firme, como quem não tinha qualquer dúvida sobre o que aconteceria.
O senhor deu uns passos para lá e para cá, para seguinte soltar:
*Japonês* — Entendo. Tem uniformes da minha companhia no armazém aqui ao lado, peguem e se vistam, depois levo vocês até a geladeira. — Respondeu com mansidão. Max e Mia alegraram-se, embora soassem uma queixa não dita. O velho percebeu e esclareceu. *Japonês* — Podem começar a limpeza por dentro do barco, aqui fora, deixem as vagas serem ocupadas, ainda faltam muitas. —
Dito e feito, ambos colocaram os macacões verde azulados e grossos por cima de suas roupas, então voltaram ao senhor Hinode, este que sem dizer nada fora um "Venham" saiu da cabine e desceu uma escada até o interior da barca, caminhou vagarosamente pelo apertado corredor da embarcação e adentrou uma porta metálica que despojava na cozinha, completamente tomada pelo fedor de peixe.
Caminhando demasiado, pararam assim que alcançaram o refrigerador com defeitos. Este que foi brevemente apresentado por Hinode.
*Japonês* — Aqui está, o problema é o seguinte: Ela não está mais resfriando como antes, na verdade é quase o oposto, além dos parafusos frouxos. Acha que consegue ajeitar ela? — Questionou vidrado nos olhos castanhos de Maxwell.
*Japonês* — Eu dou um jeito, devem ser as bobinas. Já até trouxe a caixa de ferramentas. — O moreno respondeu levantando a maleta amarela e preta.
Logo mais um dos cozinheiros, chamado Kenji, veio até os três e a mando de Hinode resguardou ao que Maxwell fazia: abria o exterior traseiro da geladeira.
Assim, Mia foi separada dele, levada ao piso superior para pegar um esfregão e alguns baldes e então até o andar mais inferior, para começar a limpar.
Assim todos estavam já em seus lugares preparados e apontados a seus objetivos, as crianças apenas conversando, ou jogando algo, no ônibus, Mia limpando com muita dificuldade, para não dizer tentando, os corredores e os cômodos da barca, e o mesmo valia para Max, que usava todo o raciocínio que retinha e lembrava para consertar a geladeira.
Nesse meio tempo, já na pouca iluminação lunar, Finn chamou Harry, com uma sugestão nada convencional. A ideia: saquear dinheiro do casal americano no barco.
— Vamos, a gente vai adiantar pro lado da Mia e do Fangs. Além disso, são só pessoas, não criminosos. Anda, vai ser tranquilo, ninguém nem sabe que a gente tá aqui, e nenhum de nós planejou pegar aquele dinheiro já. — Finn apresentou.
— Pode ser, mas só um vai e volta. Paft, puft, entendeu? — Harry se pôs, e Finn concordou.
Então, com o vapor da pressa, os dois saíram rápida e silenciosamente, agachados e lentos, quase imperceptíveis. Assim deram os passos da porta do ônibus até o carro do casal, o qual apenas se aproximaram quando tiveram certeza de que ninguém ocupava o veículo.
Por sorte, a lua estava linda aquela noite, por isso, a maioria dos viajantes ocupou as bordas da balsa na tentativa de obter uma foto do espetáculo natural.
— Vamos forçar pra abrir a porta? — Finn se queixou, sem saber como abrir o carro.
— Consegue congelar a fechadura do porta-malas muito rápido? Se conseguir, a reação térmica deve quebrar a fechadura pra nós, resfrie o máximo que puder, no mínimo a fechadura vai enfraquecer. — Harry apontou, e por sorte, recebeu um tinindo de Finn.
O Australiano tocou no fecho e no mesmo instante o metal passou a apresentar uma camada cristalizada, típica da condensação, o ar em volta chegou a secar e mesmo objetos a mais de dois metros de distância, como vidros e espelhos, começaram a apresentar embaçamento e turvar, indicando uma queda na temperatura não apenas onde Finn congelava, mas seus arredores adjacentes.
Num passe, pode-se escutar um sucinto trinque se formar de dentro da fechadura, e um estalo expansivo da lataria do carro na região.
— Acho que foi. — Harry puxou levemente o porta-malas, e viu mesmo se abrir. — Certo, me espera aqui. — Disse pulando para dentro do carro, focado na bolsa marrom no banco do carona na frente.
Sem mais, pegou e vasculhou o pertence alheio, enfim encontrando uma carteira em meio a batons, maquiagens e documentos de pouco ou nenhum interesse. Encontrou um total de mil dólares, e uns trocados, em cédulas de cem, das quais pegou três.
O gênio saiu rapidamente e Finn logo fechou o porta-malas, já sem sinal de que fora congelado, e Harry pressionou o ponto onde se colocavam as chaves.
— O que tá fazendo? — Finn perguntou, franzindo o cenho.
— Testando um truque, quero ver se vai funcionar. — Seus olhos brilharam em ciano intenso, isso até Harry desencostar do carro, quando, mesmo com o fecho quebrado, o porta-malas permaneceu fechado.
— O que você fez? — Finn indagou novamente, seguindo o mais novo de volta ao ônibus.
— Magnetizei a fechadura. Depois te explico melhor, mas vamos voltar agora. — Breve e genericamente, esclareceu o Britânico.
Então voltaram para o resto do grupo, sem muitos problemas, o roubo foi concluído com sucesso, e melhor, sem absolutamente ninguém perceber.
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Horas depois
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O tempo passou, e mesmo sendo a primeira vez que tocava no objeto, Mia havia dominado o esfregão e o pano, o suficiente para remover a maior parte da oleosidade, poeira e ferrugem dos caminhos do barco. Infelizmente, ela não foi capaz de chegar à superfície da balsa, deixando o exterior no mesmo estado em que encontrou.
Já Maxwell, teve muito mais dificuldade do que imaginou. Desmontou totalmente a parte de trás da geladeira, limpou, esterilizou, removeu a ferrugem e até trocou algumas peças, mesmo assim, o eletrodoméstico continuou incapaz de refrigerar como deveria.
Então, num ato de desespero, utilizou de sua audição aprimorada para contatar Harry e pedir direcionamento, e após descrever os sons que a mesma emitia, não demorou para o mais novo concluir que o problema era o entupimento dos canais de ventilação internos e que era necessário uma remoção cuidadosa pelos orifícios de saída para resolver. Feito isso, não demorou para terminar a tarefa e remontar a geladeira, mas quase cinco horas já haviam passado.
Quando Max retornou ao senhor Hinode, se deparou com Mia já na sala agradecendo o desconto, a ele e ao senhor Maruyama.
*Japonês* — Terminou, Mia? — Questionou, logo antes de fechar a porta.
*Japonês* — Oi, Max, já sim. E você? — A garota devolveu a indagação.
*Japonês* — Geladeira cem por cento operacional, senhor. — Respondeu direcionado ao capitão da balsa.
*Japonês* — Muito bom. — O velho disse. *Japonês* — A garota não conseguiu limpar o convés, nem nada do lado de fora, mas observei um pouco o trabalho dela. Normalmente eu seria duro com um serviço incompleto, mas também, valorizo muito o esforço, e isso eu vi de sobra nessa jovem. — Dizia com ternura.
*Japonês* — Então... Você vai aumentar o desconto? — Mia, mesmo sem querer, acabou perguntando, afinal, setecentos era uma quantia um pouco maior do que a que tinham, em seu bolso.
A jovem recebeu uma cotovelada de Max logo que vez a pergunta. Uma do tipo: "Chegamos até aqui, não ferra com tudo". Ela ruborizou na mesma hora.
*Japonês* — Não. — Disse o velho. *Japonês* — Mas eu teria cobrado oitocentos, se não fosse o teu esforço então, de certo modo, sim. — Complementou com um olhar intenso, quase como um aviso.
*Japonês* — Certo, obrigado, Senhor Hinode. Vou devolver esse uniforme, pegar minha carteira no ônibus, depois voltar aqui e te pagar, tudo bem? — Maxwell datilografou.
*Japonês* — Rapaz, você já foi militar? — O senhor indagou.
*Japonês* — Por que a pergunta? — Max estranhou.
*Japonês* — Nada... Só que sua postura, sua disciplina... Me lembrou de quando era mais jovem. Deixa pra lá. — Comentou, vendo como Maxwell se mantinha firme, de peito estufado, complementado por sua voz, certeira e direta.
*Japonês* — Ah... Força do hábito... Enfim, vamos Mia... Mia? — O rapaz desfez sua posição numa caminhada até a porta, ao mesmo tempo que chamava apressadamente a garota.
*Japonês* — O quê? Ah, sim, vamos. — Ela, que se encontrava perdida observando como Max agia, teve um choque de realidade e foi o acompanhar.
Ambos os jovens foram, novamente, até o depósito, onde deixaram organizadamente os uniformes e as ferramentas utilizadas, e saíram vestidos normalmente. Mia com sua calça jeans de suspensório e blusa preta com detalhes rosa e Maxwell com seu moletom preto, calça jeans e botas táticas.
— Deu tudo certo? — O mais velho questionou a caminho do transporte.
— Se um dia eu morar em uma casa, vou querer uma empregada. Ou sei lá, um mordomo. — A jovem esbravejou de braços cruzados, o seguindo.
— Chato, né! — Max riu, antes de se dar conta de algo sobre o que Mia havia dito. — Mas apartamento tem que limpar também, oxe? — Foi obrigado a acrescentar.
— Eu sei... Mas nunca parei quieta em lugar nenhum, como eu vou saber! — A menina brincou dando leves soquinhos em sua cabeça.
— Nunca parou? Tipo, nunca teve... Uma casa? — O cicatrizado entrevistou-a, sem assimilar direito a informação.
Mia, escutando a pergunta, pescou uma oportunidade que buscava a tempos, logo aproveitou de bom gosto, começando uma brincadeira como meio para seu fim... Ela só não imaginava o que aquilo desencadearia...
— É, eu vivo viajando por aí com meus pais desde que me entendo por gente. — Mia admitiu dando uns passos à frente do moreno, num sublime rebolado se voltando a ele, com graça. — Mas eu não vou te contar essa história agora. — Sorriu com o indicador sobre os lábios.
A animação da garota, embora estranha, arrancou também um sorriso de Maxwell, que confuso, e mais uma vez seduzido pelo olhar da garota, perguntou:
— E por quê? Posso saber? —
Ela se virou para frente então e, o fitando encantadoramente de rabo de olho, explicou:
— Vai ter que me contar a sua primeiro. — Ela sorriu e bateu na porta para Yan, ou outro alguém, abri-la.
— Se queria saber, era só ter me perguntado na viagem pô, mas já que é assim vou te deixar na vontade um pouquinho. — Ele sorriu elegantemente, desajeitadamente escorando-se com um braço e cobrindo a garota contra a porta.
Mia riu de vergonha, corada, ela estava gostando da situação, ver Maxwell daquele jeito era estranhamente inquietante, mas, ao mesmo tempo, nada desconfortante.
Já Maxwell, nem notou como seus corpos estavam próximos, apenas deu atenção àquele detalhe quando Mia interveio.
— Max, ehm, tá meio... Apertado... — Disse a garota de rosto avermelhado enquanto encolhia os braços em meio a sua vergonha.
Então, Max acabou com a mesma inquietação. Num piscar de olhos o moreno tomou uma pigmentação tão fortemente avermelhada que parecia estar queimando de dentro para fora.
Mia se apoiava na porta, intimidada pelo corpo parrudo e alto de Max que de tão próximo, sentia sua respiração aquecer a pele. Ambos naquela entrevista constrangedora de olhares íntimos.
O cicatrizado, de prontidão se desaproximou da garota, num impulso.
— M~Me desculpa, Mi~ — Mal teve tempo de pedir desculpas que a porta atrás da menina se abriu.
Nisso, Mia, que lá se apoiava veio a se desequilibrar, e então a cair. Mas não antes de segurar a blusa de Maxwell, este que se não fosse seu transe de desconcentração, teria aguentado de bom agouro, mas desta vez, o rapaz acabou caindo junto, em cima da jovem.
Seus corações dispararam, o sangue ferveu. O rapaz, com o rosto de encontro ao da moça. A jovem, imobilizada, com os dois braços firmados no chão pelas mãos ásperas do maior. A queda teve seu fim com seus rostos colados, olhos quase mesclados e narizes entrelaçados.
Eternos os momentos em que permaneceram nesta posição.
Quem observou o ato fora Harry, que saía da cabine de motorista, e não pôde deixar os fitar com tamanha desaprovação.
Mas nem a isso os mais velhos se importaram, nos poucos segundos que se entreolharam bastou saber que alguém os via, que num tempo ainda menor do que a queda, se separaram constrangidos. Maxwell se levantou em um movimento rápido, e puxou Mia com ainda mais destreza.
O rapaz tossiu desentendido, coçando a nuca. A garota sorriu desajeitada, olhando para o nada.
— Só dessa vez, eu não vou perguntar. — Harry tinha a vista fixa nos dois, contorcendo os beiços irriquieto.
Mia bufou, cruzou os braços, e disse:
— Eu acho que você não tem que falar nada, nem se tiver próxima, Harry. —
— EU~ Deixa... — O menino se encolheu.
Naquele ponto, Mia e Max já haviam entrado no ônibus, e com pressa, foram subindo até o segundo andar. Harry apenas os viu passar.
— Agora temos que pagar, né? — A mais velha questionou de modo retórico, ao mesmo tempo que remexia a mala onde guardava a comida, a água e o dinheiro. — Temos só 476 dólares... Merda, não tive tempo de ver aquele carro. Você teve, Max? — Suspirou emburrada, recebendo um balançar negatório da cabeça do cicatrizado.
Acabou que, se vendo em um beco sem saída, Max suspirou um "que saco", e se virou à escada já pensando em como faria para roubar o dinheiro do casal no carro.
Mas uma luz no fim do túnel o animou.
— Tá indo aonde? Eu e o Harry já pegamos o dinheiro. — Finn se pronunciou, animado para anunciar seu feito.
Max encarou Yan com uma expressão de desaprovação, que apenas o monge conseguiria descrever depois, a sensação que causava.
— N~Não olha pra mim! Eu nem vi eles saindo! — O mestiço tremeu em defesa.
Infelizmente, sua afirmação apenas serviu para piorar o olhar. Max até perdeu o fôlego ao ouvir, teve que desconstruir sua feição em quase puro desespero em forma de riso.
— Claro que ele não viu, não sou imprudente o suficiente pra deixar isso acontecer numa travessia de menos de dois minutos. — Harry subiu com o argumento e com o dinheiro que faltava para completar setecentos dólares.
Maxwell respirou fundo, contou os segundos que permaneceu sem dar resposta e então pegou o dinheiro.
— Vou falar nada não, só dessa vez eu vou deixar passar. DESSA VEZ! — Gritou, descendo as escadas.
— Mas eu não. De novo não. — Mia o encarou como uma fera antes de dar o bote.
— Pelo amor, Mia. Você não é a minha mãe! — O britânico reclamou.
— Não, mas posso contar pra sua de verdade o que você fez no escritório do seu pai aquela vez. — A mais velha ameaçou.
Harry tremeu e desfez totalmente sua postura.
— Nunca... Nunca mais isso vai acontecer de novo. Eu juro por tudo que eu sei. — Levantou as mãos em rendição. Baixou a bola e foi sentar quieto.
E quando se deram conta, Max já tinha retornado do pagamento, com uma cara nada agradável, mas parecia mais tranquilo que quando saiu.
— Harry, eu vou tirar o ônibus do barco, depois você pega o volante até a casa da Hana beleza? — Roçou o cenho enquanto piscava seus olhos, e verificava o quão acordado estava.
— Tudo bem, mas, tem certeza? Não quer ir você? Se eu for eu vou botar minhas músicas. — Estranhou o requisitado.
Max riu, como quem debochava da situação.
— Posso, Mia? — Perguntou despretensioso.
— Do jeito que você tá?! Só em outro tiroteio, você precisa descansar pelo menos uns dois dias. — Ela confirmou sua crença.
O mais velho fitou o mais novo como quem dizia "viu, eu avisei", e nisso, foi até a cabine do motorista tomar seu rumo e o do grupo.
Assim feito, os jovens retornaram à estrada, e ao trocarem de motorista, deixaram Yan e Harry apenas na cabine com uma das músicas que o menor gostava – Whaterver it takes, da Imagine Dragons – tocando, Harry sempre teve a sensação de se identificar com aquele som, então o deixou fluir as ruas pelas quais passava.
O resto se deitou e dormiu, no fim das contas, estava no meio da noite já, para que quando acordassem, já estarem em seu destino...
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Olhando para meu passado como um martírio
Todos precisam fazer parte dele
Nunca fui suficiente, sou o filho pródigo
Eu nasci para correr, eu nasci para isso
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No outro dia, quando todos acordaram, já se viram estacionados em meio à inúmeras árvores, os famosos pinheiros japoneses, os matsuos e também as cerejeiras, as sakuras.
O primeiro a acordar foi Pablo, que em seguida acordou Mia e ela acordou Hana e Max.
Hana deu pulinhos de felicidade ao ver algumas casas tradicionais, pertencentes ao vilarejo onde morava, e escutar o som do riacho que por lá passava. E com seus pulinhos, as meninas também acordaram, sendo a primeira a dizer qualquer coisa, indubitavelmente a Heidi.
— Que bonito aqui! É aqui que você mora, Hana?! — A gêmea alemã indagou maravilhada pela beleza verdejante dos arredores.
— Espera só até ver meu jardim! — Hana sorriu e desceu a escada correndo.
Mia quis a pedir para tomar cuidado, mas quis deixar a menina aproveitar o momento, então apenas tentou acompanhar, da mesma forma que Max.
Yan e Harry, que dormiam na cabine foram acordados no susto pela japonesa, que invadiu bruscamente apertando o botão para abrir a porta dos passageiros, e correu de volta para sair.
A menina correu meio a vila gritando o nome de seus vizinhos com todo ar de seus pulmões, até se deparar com uma mulher já adulta, carregando algumas garrafas de saquê em seus braços. Ela as deixou cair e quebrar aos seus pés no que viu a garotinha correr em sua direção, acompanhada de outras cinco meninas e um rapaz com uma cicatriz no rosto.
Logo os outros meninos vieram também, mas não antes da mulher se pronunciar como quem via um fantasma.
*Japonês* — Shinkai-san?! A senhorita... Está viva?! — A moça disse eufórica.
*Japonês* — Claro, o Fangs ali me salvo~ — Interrompida, a mulher segurou seus ombros e chorou com um sorriso escancarado.
*Japonês* — Seus pais! Eles têm que saber! Vem comigo! — e sem hesitar ela a seguiu.
Ela não podia aguentar a saudade de seu pai, um homem forte e cheio de energia, que passou todos os dias desde que ela se lembrava, se dedicando a ela, cuidando e protegendo. O que ele faria quando a reencontrasse? Choraria? Gritaria? A jogaria para o alto, de felicidade? Ela não sabia a resposta, mas sabia que ele com certeza faria alguma maluquice, afinal, um homem tão cheio de vida não poderia a receber de outro modo, não?
Correram até o bosque atrás da vila, e seguiram uma trilha que desenterrava uma enorme mansão de arquitetura tradicional japonesa, onde de fato, Hana morava, e lá não deixaram de bater à porta.
Bateram, bateram e bateram mais, e nada até que Hana chamou por seu pai, impaciente, e continuaram batendo.
De repente, a porta se abriu dando vista para um homem de aparência acabada, cansada e triste. O homem se viu olhando para a paisagem além da porta e para as meninas, amigas de Hana, mas elas estavam longe demais para terem batido na porta.
Foi quando sentiu algo apertar sua perna, e ao olhar o que era, viu os cabelos pretos, amarrados, de sua filha se mexendo até a cabeça se virar e dar vista de seu rosto, o rosto de sua filha.
*Japonês* — Oi, pai... Senti saudade. — A garota sorriu de lábios trêmulos, segurando o choro.
Mas seu pai não pareceu acreditar no que via, invés de uma feição de felicidade, Hana recebeu uma face horrorizada do próprio pai ao vê-la, e então, um choro de agonia junto a uma expressão espantada e culpada, o pai de Hana se mostrou derrotado...
E junto a sua queda, Hana entristeceu o olhar... Ela o encarou com receio, e ele a encarou de volta, sem brilho nos olhos... Foi quando ela percebeu que seu pai não era mais o mesmo homem... Aquele já havia perdido... Perdido a esperança há tempos...
<--To be continued...
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