Capítulo III
Em pouco tempo, Bruno recebe um convite para ingressar na polícia depois dele próprio aceitar a história sobre sua morte, o que de fato era verdade.
Talvez o capitão Sergio estivesse louco, pensava Bruno, pois o cara havia empregado o rapaz por "debaixo dos panos" por acreditar que o rapaz tinha poderes mágicos. E por sorte o médico doutor Paulo, sua assistente Natacha e o cabo Sandro não disseminaram o fato ocorrido. (Sendo que nos bastidores da história, sabe-se muito bem que os três foram ameaçados pelo capitão da polícia, então concordaram em fazer boca de siri)
— E aí tudo xuxu beleza? — Bruno chega em cima da hora em seu novo trabalho.
— Numa nice.
— Ei, cadê meu uniforme?
— Você pode usar uma máscara e ninguém vai saber o que tem por baixo.
— Sim, posso usar o elevador de serviço, mentir que não moro na comunidade e todo mundo deve achar que eu sou branco.
— É.
— Tô fora. Onde moro tem crime e injustiça o suficiente pra eu combater e virar super-herói sozinho.
— É? — Capitão Sérgio o provoca. — Vai lá. Os Estados Unidos te descobre e leva para fazer testes. Já viu o filme Campo 731.
— Eu nunca fui no cinema.
— Vão te abrir sem anestesia e estudar você, chapa.
— Isso não me deixa grilado, só vou usar máscara porque minha mãe não sabe e acho que não tá pronta pra saber, mora?
Como um foguete em final da contagem, Bruno se projeta na vertical e some. Ou melhor, vai combater o crime.
Foi no ano de 1973 que tiraram uma primeira foto de BP voando e foi em 1974 que ele levantou o primeiro vagão de trem.
O público ainda estava dividido, não tinha uma única teoria formada à seu respeito, se no Brasil, ele era uma atração de "circo", em outros países e pessoas poderosas, os visionários, tinham outras ideias para Bruno Pereira, o jovem negro que nascera e havia se criado dentro de uma comunidade pobre.
— Ele é uma máquina de fazer dinheiro. Quero contratá-lo, como faço? — MacCarter dono de vários cassinos de Las Vegas pensava em levar o jovem para fazer suas proezas, levar os filhos dos magnatas para um sobrevoo ou usá-lo nas competições de velocidade.
— Eu já enviei ao Brasil, um agente que fala o português...
— Eu não quero desanimar a ambos, mas ele é um ser humano. Não fiquem aí tramando. — Senhora MacCarter cortou o irmão e o marido que não falavam noutra coisa.
O que se sabe é que Bruno não aceitou e por um motivo meio besta: medo de avião, sendo que o maluco voava tão rápido quanto um jato.
.
Os fãs de HQ's pelo mundo ganharam mais um personagem, mas alguns criadores e desenhistas de um dos estúdios que adquiriu os direitos queriam desenhá-lo branco. Na verdade em 1975 saiu o primeiro esboço em cores do personagem Black Power, altura em que Bruno já tinha viajado pelos quatro cantos do mundo.
— Quem é esse? Coisa mais feia. — Bruno não sabia falar outro idioma que não fosse português, mas o criador do personagem baseado nele entendeu boa parte do protesto do brasileiro. — Eu sou preto! Como que posso inspirar alguém a desenhar um cara loiro e musculoso?
— Achamos que assim a aceitação é maior. — quando o desenhista foi traduzido para o português, Bruno ficou exaltado.
— Coméquié? Eu não ligo se alguém vai aceitar ou não.
— Calma, Bruno.
— O escambau, calma. Ninguém vai me desenhar loiro, não tem nada a ver. Olha, moça, eu não tenho nada contra branco nenhum, mas eu não aceito uma coisa desses, isso é um desrespeito.
— Compramos os direitos. Desenhamos com acharmos melhor.
— Manda ele escurecer o "boneco" ou o negócio vai ficar russo.
— Bruno! Tá vendo aquele rapaz lá, o Chris? Ele criou algo mais próximo da realidade. Você é um herói mascarado e o BP desenhado em seu peito, aqui nos "esteites" significa Black Power, bicho.
Bruno confere o desenho e junta a sobrancelha, encara o autor e se encaminha até ele.
— Desse eu gostei.
Finalmente a HQ é publicada e legiões de aficionados por seres mutantes de Stan Lee, poderiam conhecer mais um ser humano dotado de poderes incríveis como capacidade de voar, erguer coisas muito pesadas, tomar tiros de metralhadora e não morrer, decepar um dedo e horas depois vê-lo crescido, telecinesia e empatia, conseguindo pressentir uma situação ao sentir o que as pessoas estavam sentindo em sua volta, calma, calma... os poderes de Bruno vão até as palavras "metralhadora" e "não morrer", porém o herói dos quadrinhos fazia muito mais.
Houve líderes de países que acharam prudente, que ele não ficasse saltitando pelo mundo, ao mesmo tempo em que o disputavam sem saber o que ele realmente desejava.
Quiseram coloca-lo dentro de um uniforme com capa, botas e luvas. Bruno só queria ser ele mesmo, andar de chinelo pela comunidade, chutar uma bola com amigos de infância e conversar coisas bobas com Queila. Não queria mais ser super herói. Pensou em desaparecer simulando a própria morte, mas todas as coisas mais terríveis vinham em sua direção.
Cansou de salvar pessoas de tiros, prender assaltantes de banco, capturar criminosos muito perigosos e saber que nunca seria o suficiente. Não sentia-se cansado fisicamente, mas de ouvir:
Onde estava o tal do "abre aspas: Poder Negro, fecha aspas" quando meu filho tomou um tiro?
Ele se preocupa muito mais e prender um assaltante de banco, só pra ficar bem falado entre os ricos.
Esse cara não é real. É outra invenção dos Estados Unidos.
Bruno podia fazer todo o bem que conseguisse fazer, mas jamais contentaria a todos. Bêbado com meio copo de caipirinha ele chora na cama de seu quartinho na casa humilde.
— Meu Deus, o que eu fiz com a minha vida? Meu cachorro morreu. Sou um fracassado... — No dia seguinte, ele acorda no meio da tarde e o sol faz seus olhos arderem. — Merda. O ruim de ter superpoderes é que a dor de cabeça é super também. Nunca mais eu encho a cara... blerghheheh...
Bruno vai cambaleando e tropeçando até a privada, por fim rasteja no momento em que agarra a borda do vaso sanitário e vomita ruindo escandalosamente.
O governo russo, tanto quanto o americano já tentaram contrata-lo como agente, porém Bruno se recusou a aceitar, sempre afirmando que seu próprio país tinha seus problemas e ele era somente um cara. A informação era que a Rússia enfrentava perigos maiores, no ano em que homologava sua quarta Constituição.
— Sinto muito, mas grana não me interessa. Se tiver grana e por isso tiver que levar uma vida diferente, eu desisto de tudo.
Para reforçar, alguém lhe disse que ele estava alterando os eventos que já tinham sido escritos por Deus. Se algum país estivesse destinado ao genocídio, ninguém deveria intervir. Aquele era o destino daquelas pessoas.
Muita tristeza essas palavras causavam. Decido e contrariando o próprio coração, Bruno desistiu de tudo. Não meteria o bedelho onde não o queriam e sua mãe continuaria ignorante ao fato de seu filho ser o herói que ela maldizia:
— Pra mim, isso daí é um vagabundo. Gente não voa, é coisa de televisão. Cumé que pra mim ele nunca apareceu?
— Eu?
— Tô falando do rapaz que voa, toma tiro e não morre, isso é maior papo furado.
— Mãe, o que a senhora disse? Ouvi uma voz, ouvi sim.
— Credo rapaz, tá ouvindo coisas?
Voltou para casa com o rabo entre as pernas? Achei que fosse mais resistente.
— Ai Jesus de Nazaré, tem uma voz na minha cabeça. É a consciência, só pode ser essa encrenca chamada consciência.
— Que voz, menino. — Dona Maria se benze e faz o sinal da cruz.
Sou Nas. Você não me vê, mas eu te vejo.
Bruno procura a sua volta e com sua super visão, não localiza.
Precisamos conversar.
— Então mostra a cara.
Em breve.
— Vou enlouquecer.
Ele desmaia dramaticamente e sua mãe observa de braços cruzados e confessa que sabia que Bruno era o tal do BP.
— Eu já esperava. — Essa frase martelou na cabeça dele pelos dois anos seguintes... — Eu sempre achei que o traste do teu pai fumasse droga, mó papo furado de dimensão, galáxia e mais um monte de coisas que não faziam sentido. Depois desapareceu. Aquele safado.
— Ainda acho que isso é só um sonho esquisito e que vou acordar na melhor parte. AI! Porque a senhora me deu esse belisco?
— Agora sabe que não tá sonhando. Abre esse olho e fica esperto.
.
Bruno teve também um lance complicado por aqueles tempos...
— Pô bicho, que grilo é esse? Estamos em 1976 cara, isso é coisa do passado. — Lauro foi um caso de Bruno. Ele tentava convencer BP de que o dono do hotel simples aonde eles iam se hospedar, não o havia tratado diferente dos outros hóspedes pelo fato dele ser negro.
— Passado? Aquele homem olhou dentro dos meus olhos. Eu senti o que ele sentia. Eu nem sabia que sentia o que as pessoas sentiam, mas eu senti, tá legal?
— Então usa pra saber o quanto quero você. Se ele se importa com sua aparência, eu que sou muito mais importante, não me importo... — Lauro se aproximou tanto de Bruno que este pensou que seria beijado, empurrado para a cama e amarrado para ser cavalgado pelo homem mais baixo à sua frente. Mas ganha apenas um encostar de lábios e um apertão nas partes baixas. — Até logo.
Aproveitando-se do fato de voar, sentiu-se exibicionista e aproximou-se da janela do hotel que tinha apenas quatro andares, pulou do parapeito, pegou impulso e foi em direção ao céu, saboreando o vento gelado no rosto, adorando a sensação proporcionada. Lá de cima onde o frio era mais cortante, ele tinha uma visão privilegiada, nada na cabeça o perturbava, então seus olhos fecharam numa sonolência repentina.
O universo girava como um redemoinho e as estrelas pareciam borradas. Sons estranhos que pareciam ser de uma máquina trabalhando em sua cabeça. As noções foram se perdendo e quando ele acordou, estava caído de cara no chão.
"Nossa. Acho que caí de lá de cima. O que será que aconteceu? Apaguei do nada."
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