Capítulo I
Tudo absurdamente normal no passado...
Momento: meio da madrugada; hora imprecisa; dia 13 de setembro de 1979.
Local: no hemisfério ocidental.
Evento: "O arrebatamento".
Não é necessário comentar o quanto as igrejas vangloriaram-se como sendo os oráculos da humanidade. Muitos ateus se converteram à fé cristã, muito mais pelo desespero de ver metade de sua família evaporando e não poder fazer nada, do que pela fé.
Nesse momento muitos pediram por Jesus Cristo. Outros aceitavam que as ondas dos tsunamis os levassem. Raios acertaram pessoas. Chuva de fogo. Mares sangrentos. A desgraça trazida para o homem pelo próprio homem. Um final iminente. Ninguém poderia curar o ferimento colossal em nosso planeta. Um planeta que cansou de pedir por socorro. Um planeta furioso.
Porém uns e outros ou muito e muitos lembraram dele, o jovem que aceitou a responsabilidade de salvar a humanidade de si mesma. Aquele jovem simples que nunca mostrou quem era por trás da máscara que usou. Que nunca quis fama ou dinheiro e se recusou veemente em ser chamado de Jesus negro.
Quem fora chamado de Esperança da Humanidade, sequer teve um enterro digno, pois seu ser desintegrou-se completamente na frente de milhares de pessoas presentes e outros bilhões que acompanhavam os eventos transmitidos por televisão. Isso em 1979, quando nem todos os lares continham uma TV em cores, houve quem jamais soube qual a cor de seu uniforme de batalha.
Seu corpo jamais sentiu tanta dor. O limiar fora atingido. Era a dor da dilaceração, da desintegração do ser mortal que sofre até a última célula evaporar, ficando seu corpo astral flutuando como um campo de energia. O sacrifício de um homem versus a vida do planeta Terra. O fim de Bruno Pereira, o super-herói real, o único que existiu de fato.
Para o restante dos povos de todas as nações, ele era traduzido como Deus Negro, Força Negra e no exterior conhecido como Black Power, nome que o imortalizou. Mais tardeHollywood comprou da família todos os direitos para produzirem na hora mais oportuna o filme com sua versão do super-herói.
Todos que sobrevivessem por mais três ou quatro décadas após 79, teriam lembranças do batizado Black Power, comercializado em filmes ruins ano-ointentistas, um pouco esquecido nos anos noventa, em dois mil era chamado de lenda e na primeira década do novo milênio alguém cogitou a ideia de integrá-lo à alguma das equipes de Super Heróis que lotavam os cinemas entre 2014 a 2018...
Época atual...
Atores que interpretam Thor, Capitão América, Superman, Mulher Maravilha entre outros, falam com paixão sobre único herói com super poderes que fora real. A moda ressuscitara Bruno Pereira.
— Uau! Assisti aqueles momentos gravados ainda em VHS e uau, ele era um deus. — Por Chris Evans. — O mais incrível é saber que ele poderia ter tudo o que quisesse e morreu pobre financeiramente. Mais uma prova que dinheiro não compra tudo e que ainda há pessoas com decência e moral nesse mundo.
— Hahaha, quem está falando é o Chris ou o próprio Capitão América?
— Ele sempre foi meu super herói preferido e logo a seguir, o Wolverine com aquelas garras. ─ Por Anthony Mackie. — Eu já tinha um ano de idade e é claro que não lembro (risos), mas é a coisa mais incrível que já ouvi falar.
— Muitos heróis de quadrinhos já existiam quando ele surgiu em 1972, então só reforçou a crença das pessoas, de que aqueles heróis poderiam sim, ser reais. — Henry Cavill — Olha, sequer Super Homem seria páreo.
— O que se dirá sobre nós, pobres mortais. — entre risos dos entrevistados da noite a conversa sobre o Black Power. — Infelizmente muito material foi destruído, manipulado e tem gente que não acredita que ele foi real.
— Eu acredito. Nós todos aqui cremos nele.
Quando crianças, as pessoas creem em super heróis, mas igual ao Papai Noel e Coelho da Páscoa, um dia descobrem que tudo não passava de produto de alguma imaginação fértil. Ninguém deixa de amá-los por isso, apenas tem a capacidade de entender que eles não são reais. Quanta gente crê, mesmo sem ter visto, nos discos voadores? Essas pessoas afirmam que certamente o "Governo", mais especificamente dos Estados Unidos, esconde algo do restante do mundo. Isso é basicamente um incentivo para que as mentes formulem teorias, seja sobre o fim do mundo, visitas de alienígenas e até que Elvis e Michael Jackson continuam vivos. Quem sabe o próprio Bruno...
....
....
No ano de 1952 nascia Bruno Pereira, mais um menino preto, pobre e sem futuro brilhante à sua espera. Ele cresceu sem esperar nada da vida. Sofreu muitas vezes somente por sua condição étnica, aprendeu a odiar e perdoar ao longo de seus dez primeiros anos.
Sua maior revolta era pelo fato de não ter pai, atribuindo um pouco da culpa à sua mãe Maria.
A comunidade onde ele vivia era muito violenta, havia o toque de recolher às nove horas e quem ficasse na rua, era morto pela polícia.
Primeiro atirar, depois perguntar. Assim que era.
Acostumados à essas condições, juntamente com a pobreza e falta de oportunidades, os cidadãos trancavam-se em casa com medo dos bandidos e também da polícia.
Mal completados os doze anos,Bruno vendia amendoim açucarado nas sinaleiras, às pessoas a lhe tratarem como se fosse mais um trombadinha e fechando os vidros dos carros, o que lhe custaria um dia sem vendas e isso queria dizer, sem pão e sem leite, a menos que sua mãe tivesse feito limpeza em casas de pessoas ricas.
Ficou meio perdido por conta do horário de verão que vigorava novamente, não percebendo que era quase oito horas da noite e levaria quase uma hora para chegar à comunidade onde vivia.
Resolveu correr sem se importar com os amendoins que caíam do seu tabuleiro e o mundo parecia girar mais lentamente para ele enquanto corria sem parar ou pensar. Seu maior medo não era o de tomar um tiro da polícia, mas por sua mãe que preocupada certamente desobedeceria ao toque de recolher, saindo para procura-lo.
Jamais correu tanto em sua vida, conseguindo chegar dentro de casa nos últimos minutos antes da maldita sirene tocar muito alta, parecendo com a aquela que anunciava ataques aéreos na Segunda Guerra Mundial.
Um pouco de sorte, ele pensou e logo ficou contente pela segunda vez naquele dia. Alguém havia entregue no endereço deles, uma compra de alimentos.
— Não! — sua mãe o censurou — Não toque nisso. Estou achando que entregaram por engano.
— Mas eu tô com fome.
— Coma isso. — Maria entrega-lhe um pedaço de pão velho sem margarina ou doce e sai da presença do filho. Podia suportar a fome, mas vê-lo sofrer por isso, era demais para si. — Vendeu hoje?
— Nadinha. Mãe e se alguém tá querendo ajudar a gente?
— Não existe milagre. — Maria tinha suas razões para sentir amargura
Mas houve sim um milagre, pois o dono da mercearia disse à mulher que as compras foram destinadas à ela.
— Nunca vi o sujeito, dona Maria. — Disse o coroa galanteador, Toni. — Não retiro o que eu disse naquele dia, por favor, aceite a bondade das pessoas.
— Por trás da bondade, está a má intenção, Toni.
O quarentão ítalo-brasileiro não desistia de paquerar aquela mulher. Porém o fazia com cautela, sendo o mais respeitoso que poderia ser. Obviamente ela entendeu que nunca houve um estranho na comunidade ou teriam cochichos sobre. Fora Toni e ninguém mais.
Pensando no filho, ela resolve aceitar e fazer-se de desentendida naquela vez... mas três anos depois, estava amasiada com o homem que deu uma família ao jovem Bruno, então com quinze anos.
.
A melhor amiga de Bruno se chamava Queila, que diferente dele, não desistiu dos estudos ainda na quarta série para trabalhar no pesado. Queria ser médica mesmo que todos lhe dissessem que aquele sonho não era para pessoas iguais a ela.
— O que foi, meu chapa? — Queila sorri expondo dentes muito brancos num magnífico contraste com sua pele escura e brilhante.
— Saindo do trampo, — descendo da bicicleta velha, Bruno preferiu acompanhar a moça à pé. — não tá esquecendo nada?
— Cê tá me cobrando? Seu descarado! — diz Queila antes de tirar do bolso do casaco o valor em Cruzeiros Novos, que devia ao amigo. — Então só veio me encontrar porque queria o dinheiro e não porque sentiu minha falta?
— Não gosto de você. — ele provocou para darem risadas juntos
— O que faz com o dinheiro que ganha nesse trabalho?
— Dou a maior parte para minha mãe e o que sobra, minha amiga me pede emprestado.
Queila mostra a língua ao amigo e nesse clima, por mais três anos eles puderam caminhar juntos nos finais de tarde, pois ela sempre teve esperanças de que ele a beijaria um dia qualquer.
Em 1970, ele se alistou no Exército Brasileiro, mesmo contrariando a si, que sonhava com a Aeronáutica e fazer parte de missões com a FAB. Queria voar de alguma maneira, mas o que lhe sobrou, foi o treino pesado e brutal num dos piores anos para receber treinamento no país.
No acampamento, ele e os outros soldados fazem uma fogueira e falam sobre si, seus sonhos e o que fariam quando dali saíssem.
Bruno apenas disse que gostaria de não ser dispensado. Gostaria de ter uma carreira como militar, pois seu coração lhe dizia que havia encontrado aquilo que seria seu destino, um defensor da vida e da paz. Mas ao findar o ano, ele foi dispensado dos serviços.
Chegou a pensar que seu temperamento calmo não fazia dele um homem promissor no serviço militar e acatou o que decidiram. Oportunidades para pessoas com menos instruções acabam sendo menos interessantes, com menos benefícios e as atividades mais árduas.
Maria não estava em casa para recepciona-lo quando ele voltou. Viviam na casa de Toni e certamente ela deveria estar ajudando-o como podia na mercearia. Pensar nisso, independente do local onde se encontrava, fazia com que Bruno sorrisse, justo porque Toni não fora gentil e galante com sua mãe só para conquista-la, permanecia assim mesmo depois de anos de convivência.
Olhou para o sofá velho que recebeu um pequeno remendo, um pano de crochê feito por ela e almofadas, era aconchegante e bonito. A TV que a família comprara, era preto o branco, considerado quase um objeto de luxo, o que se diria sobre as coloridas que estavam chegando ao Brasil.
Numa pequena memória, Bruno lembrou que seu padrasto lhe dissera:
— Na hora da novela sua mãe reina absoluta nessa casa.
— Como assim, seu Toni? Minha mãe reina sempre.
— Você tem razão, garoto. — ambos riem juntos, fazendo Maria embravecer com os dois.
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