• C A P Í T U L O II •
𝓐s estrelas piscavam no céu noturno, de uma forma simplista de um ponto de luz. Nas noites antecedentes, estava cada vez mais raro a chance de observar um céu verdadeiramente estrelado, porém naquela noite se tornou possível. Com a penumbra da noite, o ar que invadia a janela acalentava minha pele que suava frio.
O sapo retomou com bico na linha fina da boca e eu agarrei o corpo robusto trazendo lentamente para meu rosto. O quanto antes eu fizesse, mais rápido eu acabaria com tudo. Por isso, eu fechei os olhos para não presenciar aquela conspurcação, uma mácula para minha reputação. A pele fria e nojenta selou um beijo nauseante, embrulhando minhas entranhas num ápice torturante. A luminosidade fulva reapareceu com agressividade, fazendo meus músculos extraoculares apertar supérfluos, excessivamente. Entretanto, o corpo pequeno estava no início anômalo, crescendo e criando uma forma vultosa, tornando meus olhos obrigados a verem o homem se transformar em minha frente.
— Oh, meu Deus! — desviei o olhar tão ligeiro a ponto de não ver a parte íntima dele, pois o miserável estava completamente nú. — Você está sem roupas! — girei nos calcanhares e me mantive de costas, notando que a outra rã estava desacordada. — Saia do meu quarto, antes que te encontrem aqui.
— Por favor, se acalme. Quando me transformei as roupas ficaram no chão. — o sotaque grave e britânico soou em minha retaguarda, me recordando do vestido arrojado quando Margot se transfigurou.
— Então você deve se cobrir. — em um movimento rápido, eu arranquei o lençol superior branco da cama e entreguei o tecido para o homem sem abrir brechas para observar o que eu, com certeza, não devia olhar.
— Olha, eu sinto muito por essa inconveniência. — além de sua voz, minha audição distinguiu seus movimentos ágeis ao manusear o tecido envolta de si mesmo, me restando a esperar e pensar em qual devia ser minhas próximas atitudes. — Pronto, já pode se virar.
Fiquei receosa. Eu não sabia se estava preparada, pois era constrangedor estar diante de um sinal de luxúria. Eu estava numa situação perigosa, pois as mulheres carregavam o peso do pecado original e deviam ser vigiadas de perto. Por causa da crença e do medo, acabamos sendo originadas a fragilidade moral por não ter um poder social como os homens.
Portanto, eu apenas olhei por cima dos ombros numa rotação abtusa e acidentalmente, minhas vistas pararam no par de olhos verdes do rosto masculino que refletia no espelho. Os fios de cabelo estavam desgrenhados e sua feição apresentava aflição. Provavelmente eram as mesmas preocupações que as minhas, pois ele deixava minha honra ameaçada e a retaliação por ser descoberto não seria nada agradável. Entretanto, eu me tornei cúmplice da imoralidade por permitir minha visão descer e examinar todos os traços, pestanejando e sentindo o rubor se concentrar nas minhas têmporas quando parei no lençol preso na cintura.
— Isso está errado, muito errado. — voltei a notar a parede branca em minha frente, ao passo que o rubor se espalhava ligeiramente por toda a região do meu rosto.
— É melhor eu sair o quanto antes e, pode ficar tranquila que ninguém saberá o que aconteceu aqui.
Passei a ouvir a fechadura se abrindo. Meu coração errou nas batidas e meus olhos correram para a direção da porta. Era o príncipe espreitando pela fresta. O meu instinto insistiu a observar o que era devidamente proibido, tornando minhas têmporas mais pigmentadas por motivar minha conduta desenfreada. Ele era incrívelmente bonito, porém eu não devia estar em um quarto com um homem nú.
Moralidade e modéstia. Foi o que martelou na minha mente.
— Obrigado. — sua voz despertou minha atenção, me mantendo presa em seus olhos claros e consecutivamente, no pequeno sorriso que se formou diante da princesa simplória.
Sem saber para onde olhar, visto que minha percepção exercia um papel desafiador, não me restou outra alternativa a não ser migrar a visão para o carpete aveludado. Em questão de segundos, o rapaz deixou o quarto e minha respiração recorreu mais tranquila, até minha atenção ser levada para os movimentos de minha amiga Margot, finalmente despertada.
— Eu vou ter que fazer isso de novo? — resmunguei com o canto do lábio superior erguido, assim que descaiu meus braços. Portanto, sem demora, eu fui em busca da rã surpreendida por levá-la no meu beijo bem depressa, antes que a bile subisse o suficiente pra causar um distúrbio digestivo retardando o fim daquela história. Como era previsto, a luminosidade ascendeu em nossa volta onde pude ter minha amiga novamente em sua verdadeira forma, e nua.
— Meu Deus, Clara! — esfregou a boca com a parte dorsal da mão. — Você me beijou?
— Antes de mim, você beijou um sapo. — recuperei sua vestimenta presa no cabideiro e a entreguei.
— E você beijou dois. — esboçou um sorriso ao se vestir.
— Então estamos quites. — assentei na beira da cama e pressionei a mão no peito sentindo a loucura que estava dentro da minha cavidade torácica, pois nem nas minhas maiores alucinações um homem poderia surgir no meu quarto.
Seria impossível esquecer aquele homem.
Margot ameaçou perguntar alguma coisa, porém a porta do meu quarto anunciou a chegada de minha mãe num sorriso afável e também duvidoso.
— Margot, nos dê licença por favor.
— É claro. — assentiu com reverência e me deixou sozinha com a rainha.
— Não foi tão ruim assim, não foi? — estendeu a mão e eu a segurei como apoio para levantar.
— Vai ser melhor quando todos partirem. — embora oportuno, eu recebi seus cuidados para me apartar daquele vestido, depois que me pus de costas.
— Sabe que isso é preciso. Um dia vai entender e... — refletiu. Eu sentia que algo assolava seu coração. Eu desejava obter entendimento de todos os fatos cruciais, mas eu não tinha. Eu estava excluída dos assuntos e tudo o que devia fazer, era acatar. Por outro lado, minha mãe encobria algo maçante, então me virei para encontrar o seu semblante depois de tanto silêncio da parte dela. — Sinto muito por não compreender agora. — surpreendida, ela retirou agilmente dois dedos do canto de um olho.
Eu podia jurar que ela estava chorando.
— Mãe...? — franzi o cenho totalmente incrédula e passei a notar o azul de seus olhos serem contornados por um tom leve de carmim. Puxei fôlego para perguntar, mas ela interrompeu, dizendo:
— Amanhã conhecerá o príncipe que faltava nessa noite. — mudou o teor da conversa disfarçando-se num sorriso. — Ele apareceu não tem meia hora. — me coagiu a girar novamente de costas e frouxou o corselet de minhas costelas aliviando toda aquela pressão da vestimenta. — Disse que se perdeu no leste da floresta. O que achei estranho, porque pelas redondezas há um bosque não muito grande e, bem perigoso por sinal.
Arqueei sutilmente as sobrancelhas, enquanto surgia um sorriso no canto de meus lábios, pois ela nem imaginava que já tínhamos sido apresentados, de forma informal eu diria, e bem indecente.
— Já estava com saudade desse sorriso lindo, minha flor. — afagou minhas madeixas quando livrou meu cabelo da presilha, despencando em meus ombros de modo sutil enquanto eu limitei meu sorriso em repreensão, porque assim, não daria margens para a trama anedótica que sobreveio minutos antes.
— Mãe... — eu me virei novamente decidida a mudar de assunto naquela vez. — Qualquer primogênito herdeiro pode disputar pela minha mão, não é mesmo?
— Bom, não um primogênito necessariamente, mas bem, isso poderia ser uma prioridade. — recolheu meu vestido e abandonou com cuidado na poltrona da penteadeira. — E você tem sorte que tem uns belos partidos ansiosos por você.
Precisei concordar mentalmente que alguns eram muito bonitos, como aquele que saiu de meu quarto revestido em um lençol. Portanto, dois de todos os príncipes eram velhos com idade aproximada do meu falecido avô, trazendo mais uma onda de discórdia entre minhas entranhas, pois não seria algo a se considerar. Era intolerável. Estaria disposta a morrer por tal casamento advindo.
— Bom, já está na hora de me recolher. O dia de hoje foi bem exaustivo. — minha mãe pressionou minhas bochechas com as palmas das mãos e me guiou para seu beijo afável. — Seu pai está orgulhoso de você.
O amor que sentia por eles era gigantesco. Apesar de obrigar sua filha imatura à sujeição de um casamento tão repudiado, meu laço de consanguinidade e a forte afeição que abrigava em meu coração, não permitia um sentimento inferior ao amor.
O sorriso dela foi uma despedida terna, sendo correspondida também pelo meu amorável. Ao deixar o quarto, meus pensamentos engalfinharam sem dar uma trégua, intensificando a ansiedade pelo o amanhã decisivo na busca de um futuro marido. Meus devaneios foram interrompidos quando o canto da andorinha anunciou seu pouso na janela, me extraindo um sorriso contente por receber aquela visita amigável e diária.
— Como vai, amiguinha? — fiquei próxima do pássaro e acariciei o topo da cabeça levemente azulada com o indicador, sendo convidativa para a andorinha saltar em meu dedo agarrada com suas patinhas. — Eu podia te contar tantas coisas do dia de hoje, mas eu sei que a senhorita já sabe de tudo. — a andorinha emitiu seu grinfar em resposta, antes de inclinar a cabeça para um dos lados. — Aquele príncipe precisa ganhar na disputa... — suspirei. —, mas também não vou casar com ele e tampouco com aqueles outros. — pestanejei e a passarinha bateu as asas lúdica, lançando voo assim que uma corrente de ar atravessou a janela esvoaçando as cortinas de voal.
Faziam dias que algo estava diferente. O vento era diferente. Ele rondava meu quarto diariamente rodopiando em minha volta numa tentativa de um possível elo. Eu sentia essa vibração quando acariciou minha pele e penetrou meus poros como uma corrente magnética que agita nas veias de forma atrativa. Eu o sentia. Clemente. Em desespero e em súplicas.
•••
Um novo dia raiou sobre o labirinto ajardinado, um dos lugares que mais apreciava no castelo. Tinha grande apreço em admirar as borboletas beijar as flores e sacudir as asas coloridas de um modo sutil, e prezar as fragrâncias com sua diversidade de emanar na extensão da relva verde. Aproveitei a calmaria e passei a sentir o ar me cumprimentar mais uma vez, permitindo a corrente fria percorrer minha pele com sua vibração numa tentativa de conexão.
— Eu sinto você. — derrubei as pálpebras para sentir a paz que antes rodeava em minha volta, remodelar com pequenos zumbidos finos e chiados que circularam juntamente com o ar.
— Imaginei que estivesse aqui.
Aquela voz britânica me extraiu um gemido assustado, despertando minhas vistas e arrancando devaneios. Depois de levar consigo a minha atenção, eu pude avistar o príncipe sapo diante de meus olhos.
— Imagino que agora usará roupas. — sarcástica, eu arranquei-lhe um riso, no qual me perdi facilmente pelos dentes brancos e bem alinhados. O olhar esverdeado do homem com traje bem asseado, me prenderam por longos segundos. Sua vestimenta em tom marsala combinou perfeitamente com os detalhes em dourado, assim também como os fios claros do cabelo bem arrumado, estando completamente digno de um príncipe.
Admirei tanta beleza naquele homem que meu rosto corou bruscamente por ter me perdido no tempo, retornando meu olhar nas flores para despistar qualquer migalha de um possível interesse. Seus passos soaram na retaguarda vindo em minha direção, consentindo com meus batimentos cardíacos que oscilavam com cada passo. A ignorância sobreveio por não assimilar tanta tensão repentina, com a linha fina em meus lábios que curvou em um sorriso bobo.
— Sinto muito, Alteza. — senti o hálito fresco tocar o pé de meu ouvido. — Mas meu interesse nunca foi em meninas mimadas e tão novinhas que parecem um bebezinho indefeso.
Aspirei mais do que precisava. Girei nos calcanhares e senti meu rosto aquecer por estresse, por suas palavras enervantes que trouxeram indignação. Eu fiquei irritada. E com raiva.
— O que você disse? — afrontei o par de olhos claros, fazendo o príncipe recuar com um sorriso em escárnio. — Então me diz o que faz por aqui? — ele segurou suas próprias mãos atrás das costas, enquanto eu esperava por uma resposta. Portanto, seu semblante desafiador continuou me observando com ironia, da mesma forma que eu o confrontei com um pequeno riso desapontado ao balançar a cabeça negativamente. — Devia ter te jogado pela janela como Margot queria. — dei as costas e passei a andar com passos largos na passarela do piso assentado por pedras, caminhando entre os arbustos podados como cerca viva naquele labirinto de flores.
— Calma princesa, não fique tão raivosa assim. — seu andar integrou com uma distância equivalente a meio metro, depois de conseguir me alcançar apressadamente. — Todos sabem que não quer esse casamento e, quase ninguém quer... — minhas pernas foram detidas aos poucos, assim que resolvi parar e continuar ouvindo acerca de minhas costas. —, menos os dois vovôs que adorariam ter Vossa Alteza aquecendo suas camas.
— Eu não vou casar com aqueles velhotes. — fiquei defronte dele mais uma vez, enfrentando aquele encargo para uma derrocada final. — E com ninguém mais, entendeu? E é por isso que vai me ajudar ganhando na disputa. — estiquei o indicador.
— Só quero que saiba que eu não quero casar, porque estou na melhor fase de minha vida, no auge da minha juventude. — gesticulou e eu ergui o canto do lábio superior. — Não faz muito que completei vinte anos e a vida me presenteou com muitas mulheres, tais francesas, irlandesas e outras que não seria lisonjeiro da minha parte entrar em detalhes, pois como sabemos, a princesa ainda é uma criança. — inclinou levemente o dorso na minha direção, enquanto meu consciente processou tanta tolice vinda de alguém que fazia parte da realeza. Ele não tinha vocação para ser um príncipe. — Quero desfrutar do bom e do melhor da vida. Só isso.
— Só isso... — debochando, eu pisquei um par de vezes. — Me poupe de sua vida mesquinha. — desviei do semblante do cafajeste, retornando a caminhar no trajeto empedrado do jardim.
— Por favor, espere. — segurou meu braço até que meu olhar adverteu o deslize cometido, então ele soltou. — Eu te ajudo como prometi. Eu só quero enfatizar que não quero casar, assim como Vossa Alteza também não quer.
— Depois que você, príncipe encantado, se livrar dos outros, eu mesma acabo com Vossa Alteza.
— Espera, o que vai fazer? — se posicionou em minha frente bloqueando o caminho para que minha tentativa de sair fosse mal sucedida.
— Está com medo do bebê indefeso? — deixei um sorriso esboçar no canto da boca, antes de tentar me esquivar daquele homem mais uma vez.
— É claro que não. — desviou o olhar por instantes. — Porém é bom estar sempre com um pé atrás, até porque um velho e aparentemente indefeso me transformou em sapo.
— Exatamente quem fez isso com você? — estreitei as sobrancelhas. — Porque se for algum cidadão de Virgínia, este deve ser punido imediatamente.
Por mais que eu não concordasse com a forma que ele levava a vida, mesmo sendo irrelevante para uma sentença, eu devia arcar com a responsabilidade que meu nome carregava. Executar as normas como a lei determinava, como o uso de feitiçaria e magia negra era considerado um crime barbárie contra a igreja, devendo ser pago com a morte.
— Pois eu não sei. — voltou a segurar suas mãos atrás das costas, ao mesmo tempo que observou os próprios pés. — Não conheço o velho... — inerte, ele pensou. —, parecia ser um tripulante. E depois do seu feitiço bem-sucedido e durante o desembarque eu tentei procurá-lo pois estava indignado, mas um desconhecido me humilhou quando me chutou contra uns caixotes, que por sorte, foi próximo a cavalaria que escoltou os visitantes até o Castelo Swallow. — me olhou e achou graça. — Isso se eu posso chamar de sorte.
— E como sabia que... — meu rosto começou a pigmentar acanhada. —, tinha que beij... humm...
— Beijar uma princesa? — me interrompeu e largou uma breve risada quando percebeu meu semblante aflitivo. Ainda era constrangedor falar de um assunto censurável, ao menos com um homem era insensato. Porém, o que me deixou mais irritada era o fato de eu ter beijado uma rã ao invés de um homem apaixonado. — Respondendo à sua pergunta, Vossa Alteza — umedeceu os lábios, antes de sorrir e me deixar com a feição descortês. —, o velho simplesmente me disse. Bom, mais ou menos. — esfregou os dedos na nuca e eu apontei minha curiosidade num olhar ríspido, lhe forçando a continuar com sua história infame. — Eu passei a viagem inteira resmungando que não aceitava esse casamento, então o velho apareceu muito simpático oferecendo um caneco de vinho e alegando que ninguém casaria comigo se bebesse tudo.
Aquilo fez total sentido, pois quem casaria com um sapo?
— Eu falei que um dia casaria. Num dia bem distante, quem sabe... — continuou e eu arqueei as sobrancelhas ao prosseguir com meus devaneios, refletindo ironicamente na possível teoria da centelha de ternura que haveria naquele coração vazio. — Então o velho afirmou que o beijo de uma princesa me tornaria apto para um casamento. Acredito que seja porque sou um príncipe e devo me casar com alguém da realeza. — andou até o arbusto podado como cerca viva e ocupou suas vistas nos pequenos galhos finos. Meu pensamento sarcástico desfrutou daquele último comentário vindo dele, pois eu achei que seu interesse era por mulheres nuas, mas pelo visto, o rapaz não se ausentou nas aulas de monarquia. — Não pensei duas vezes e bebi daquele vinho. Ele só não disse que me transformaria num sapo.
Meus pensamentos foram para as alturas, imaginando no quê seria mais insignificante que um mero sapo. Talvez uma lesma? Acabei por erguendo o canto do lábio superior em repugnância, degenerando tal comparativo de inferioridade. E uma enguia talvez? Apertei os lábios com força para não rir descaradamente, pois ser eletrocutado durante um beijo seria uma cena bem atrapalhada. Ou talvez um porco-espinho e cobrir os lábios pelas estruturas pontiagudas do roedor...
— Por um acaso falei algo engraçado? — me repreendeu, levando minha concentração consigo e a expectativa de apartar o riso.
— A, não, me desculpe. — pigarreei e alinhei a coluna na correção da postura. — Pode prosseguir.
— Bem, ele também disse que a princesa que me beijasse, se casaria comigo. — depreciou suas palavras num tom baixo, porém soou perfeitamente em meus ouvidos.
Eu não soube como reagir naquela conjuntura. Meus sinais passaram a trabalhar mais depressa, inspirando mais ar do que realmente precisava e sentindo as palpitações no meu peito com mais agilidade. O verde da íris foi quase coberta pelas pupilas dilatadas quando fixou nos meus olhos por longos minutos. Era como um felino diante de sua presa. Talvez ele esperasse por uma resposta que não surgia de forma alguma, porque a princesa aparentemente muda estava mantida no cativeiro dos olhos cintilantes, perdida num labirinto inexistente e ao encontro do além de sua carne.
Estava esquecida de qualquer problema existente ou até mesmo daqueles que poderiam surgir, enquanto o príncipe calado examinava minha passividade se esvair num piscar de olhos, admirando mais uma das tantas mulheres que se deterioraram bem à sua frente. E por causa disso, um pequeno sorriso brotou no canto de sua boca. Um sorriso daqueles que derrete corações a quilômetros de distância. E, para meu desespero, por mais que parecesse difícil escapar de um sorriso como aquele, eu consegui me libertar sentindo o ardor comprometer a maior parte de minhas têmporas. Por vergonha. E repulsão. Irritada por não esconder minha falta de controle nos sentidos traiçoeiros. Eu acreditava que seria imune a homens dados como especialistas natos da libertinagem.
— I-isso não vai acontecer. — pisquei uma sequência de vezes e desviei o olhar.
Eu não conseguia entender o porquê daquele interesse tão repentino por um homem que mal conhecia. Eram indagações que não me serviam porque não haviam respostas, ou no mínimo era pela imaturidade em ter que resumir o que nascia dentro de mim. Todavia, eu sabia que tinha algo. Eu sentia.
— Por isso precisei falar com você. — se aproximou e gesticulou. — Porque precisamos fazer alguma coisa para que isso não aconteça.
— Eu já pensei em tudo, não se preocupe.— falei abruptamente, apartando o que estava engalfinhando. — Conforme a tradição da família da minha mãe, a disputa será com arco e flechas. — ele franziu o cenho e manifestou um certo receio. — Espero que saiba usar um arco, Vossa Alteza. — dobrei minimamente os joelhos em reverência e desviei do príncipe para seguir caminho na trilha empedrada que levava de volta ao Castelo Swallow.
Se antes estava aflita quanto a esse casamento, descobrir que um feitiço poderia me prender naquele príncipe me deixou ainda mais angustiada. Aquilo não podia acontecer. Balancei a cabeça negativamente inúmeras vezes, enquanto batia o curto salto e o solado da sapatilha no piso longo e demorado. Não podia permitir que um sentimento estragasse com o que planejei. Eu estava decidida. Ainda mais se a possibilidade de estar sob efeito de um feitiço amoroso fosse real. Eu, definitivamente, esperava que não.
Retornei para meus aposentos tão rapidamente quanto a minha mente passou a me assombrar. Minhas pernas vagaram pelo cômodo enquanto eu mordia minha própria bochecha, reformulando em minha mente o plano que já estava formado. Todavia, a ansiedade andou de mãos dadas com a tormenta, pois o medo da reação dos meus pais seriam de fato, feroz. Eu não sabia que fim aquilo causaria. E qual seria o meu fim.
Era arriscado. Mas eu não via outra opção.
— Vossa Alteza — meu nervosismo intensificou com a voz da sra. Susanne quando passou pela porta. —, precisa se vestir adequadamente para os duelos.
— É claro. — abri um pequeno sorriso forçado e andei até estar no cômodo secundário. — Pode deixar, sra. Susanne, que estarei bem apresentável para esse momento. — pousei as vistas na riqueza que refletia no vestuário, nas cores fortes e estampas marcantes dos vestidos bufantes que refinavam o guarda-roupas alto e estendido, com superfícies ricas em detalhes entalhados.
— Minha flor — minha atenção partiu imediatamente para minha mãe adentrando no quarto. —, vejo que hoje está bem empolgada. — se aproximou esboçando um largo sorriso. — Não me diga que já escolheu o seu príncipe? Notei que hoje o jardim ficou mais florido.
Estreitei as sobrancelhas ao entender sua insinuação, pois devia ter vigiado o diálogo que tive com o príncipe sapo no labirinto ajardinado. Eu pisquei um par de vezes pensando em retrucá-la, porém decidi manter minha língua acomodada deixando ela acreditar que eu estava em um passeio romântico.
— Esperamos por você, minha flor. — ela depositou um beijo na minha testa, saindo de meu quarto com a governanta em sua retaguarda.
A rainha não hesitava em finalizar com a decisão do casamento forçado, porém eu pressentia que no coração dela vivia o mesmo desejo que o meu: Ser realizado em anos mais distantes. Por causa disso, a dor de magoá-la sufocou meu peito e dominou uma lágrima a despontar em minha face. Eu queria que tudo fosse menos difícil e custoso, mas para isso eu devia ceder e casar seja lá com qual daqueles homens e aquilo, eu definitivamente não conseguia aceitar. Eu não iria permitir.
Voltei a notar para aquela ostentação cheia de requinte e poder, recheado por glamour atrás das portas que se abriam ao meio do móvel de madeira como carvalho. Eu tinha a opção de escolher qualquer uma daquelas vestes aglomeradas como exposição, porém eu não estava empolgada, mas sim determinada. Não para conquistar um marido, e sim para colocar um ponto final naquele casamento.
Sem delongas, eu peguei o primeiro vestido que passou por meus olhos. Vestindo o tecido verde escuro facilmente confundindo por um azul intenso. O tecido fino envolveu meu corpo com leveza, com caimento reto até na barra detalhada com o bordado em fios de ouro. O decote em canoa mostrava um pouco dos ombros e juntamente das mangas longas, também tinham o efeito dourado na costura. Um pedaço de tecido com a mesma coloração caía até a parte final do vestido, onde era preso por um cinto fino de couro que destacava ainda mais a cintura. Calçei botas de couro e andei até a janela buscando mais uma vez pelo vento, pois era a minha única saída.
— Eu preciso de você. — deixei as pálpebras caírem e inspirei o ar fresco que passeou sobre meu rosto, me permitindo sentir mais uma vez a corrente fria percorrer meu corpo em clemência. — Eu sinto você. — se conectou em mim quando penetrou os poros de minha pele no momento que indentificou minhas súplicas. — Eu escuto você.
Os zumbidos invadiram meus ouvidos como vozes conjuntas em um mesmo timbre agudo. Escutei atentamente o que ar dizia, ao me manter num silêncio absoluto. Os fios do meu cabelo levitaram e se estenderem para o alto, como também a barra do vestido que elevou como companhia. Permaneci de olhos fechados ouvindo o zunido do ar que tanto dizia. Meu corpo sentiu a leveza e levitou lentamente até meus pés se despedirem do chão enquanto perdia a gravidade. As folhas passaram pela janela e dançaram em minha volta como um redemoinho, me tornando tão leve como uma delas.
O som dos trompetes me despertaram da calmaria, me devolvendo a gravidade vagarosamente. O refrigério percorreu minhas veias e um sorriso exultante nasceu em meu rosto, no mesmo momento que as folhas me acompanharam a encontrar o chão. Respirei fundo pra dar continuidade ao meu propósito, recolhendo meu arco e as flechas que havia escondido embaixo da cama, na primeira hora de dispersão solar no crepúsculo, e prendi a aljava - comprida bolsa de couro - nas costas, abastecida com flechas adequadas para a competição.
Com a mão abastecida pelo instrumento de rivalidades, eu andei quarto a fora segurando o arco curvo feito de madeira, atravessando o longo corredor despercebida, e de pernas bambas. Sair do Castelo Swallow sendo observada, foi prevenido. Sorrateira e astuta como uma raposa, se esgueirando entre os olhos surpresos de pouquíssimos empregados. Saí pela porta lateral e me afastei cautelosamente do castelo entre o jardim situado nos fundos. Se tudo desse certo, eu chegaria no ambiente tumultuado permanecendo ser o mais discreta possível.
A área verde do gramado orlava o lago próximo ao labirinto ajardinado, devidamente requintado com uma mesa retangular e grande, recheada por petiscos e um imenso bolo adornado por frutas vermelhas. No ambiente mais afastado, estava decorado com jogos para ocupar o tempo livre dos convidados e suas crianças, tais como pinos em mogno agrupados no chão e o objetivo de acertar com uma pequena bola. Passando por um menino de aproximadamente dez anos, rolando o arco com uma gancheta, surpreendi seu pequeno par de olhos castanhos quando admirou o arco em minhas mãos. Engoli a saliva e empinei o nariz sentindo as pernas fraquejarem ainda mais com a cada passo gradativamente pesado.
Mais a frente, o tumultuado de visitantes cercavam uma pequena área livre como uma arena. Os homens que disputariam por minha mão, aguardavam no centro daquele espaço com seus arcos em mãos, de frente para uma silhueta de madeira e empalhada com feno, revelando ser o alvo. Na medida que me aproximei, o trajeto se formou entre aquelas pessoas com suas vistas pousadas na única mulher com um arco, abrindo o caminho para eu prosseguir até a parte central da arena.
Então naquele momento, eu avistei meus pais. O rei de Virgínia conversava com a sra. Susanne, possivelmente ordenando a mulher sair à minha procura, porém não foi necessário, pois o silêncio regeu assim que todos notaram a princesa de arco e flechas. Meus pulmões arderam pela falta de oxigênio, assim como o coração que parou por dois segundos apenas.
•••
"Só desejar algo, não o torna real."
— A princesa e o sapo.
•••
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