Capítulo 23
A verdade doeu. O silêncio que a sucedeu doeu ainda mais.
Dias se passaram sem qualquer contato, dias que viraram semanas, duas semanas de ligações sussurradas com Elliot e mais nada. Fora isso, silêncio.
Meu pai não ousou pagar para ver se eu teria coragem de cumprir a ameaça que o fiz, e apareceu na casa dos Malik ao anoitecer daquele dia, para confirmar tudo o que eu dissera, com muita vergonha e arrependimento, de acordo com Elliot. Parte de mim, ainda que ínfima comparada ao resto ainda muito machucado por sua participação naquela trama, ficou aliviada ao saber disso; no fundo, eu sabia que queria perdoa-lo, agora que a poeira baixara e eu enxergava a situação com olhos mais distanciados, com a mente menos atribulada pelo furor da descoberta. Somente o tempo diria o que de fato aconteceria.
No momento, eu tinha outras preocupações mais urgentes com as quais lidar. Como, por exemplo, o fato de que Matthew estava passando as tardes na mansão, junto ao filho, enquanto Zayn ainda estava lá.
– Não posso dizer que o clima é leve – disse meu espião, numa de nossas conversas telefônicas às escondidas – Mas não aconteceu nenhuma tragédia até agora. Cada um fica no seu canto, sem sequer se verem. Mesmo assim, não é difícil perceber que Zayn fica no limite de seu autocontrole só de saber que Matthew está aqui.
Meu coração doeu ao imaginar o que ele estava enfrentando, a batalha interna que travava... Se o desejo de correr até ele e abriga-lo em meu abraço apenas se intensificou, mas eu sufoquei o impulso com todas as minhas forças, mesmo que isso me causasse ainda mais sofrimento.
– Não deve ser fácil para ele assistir ao homem que tanto o prejudicou entrar pela porta da frente em sua própria casa, e ocupar o posto com o qual ele enfim começava a se acostumar.
– Realmente, não é uma cena nada bonita de se ver – Elliot concordou, penalizado – Pelo menos Ben tem se dado bem com o pai. Claro que ainda existe uma confusão a respeito dessa mudança brusca, mas ele está se adaptando bem, e Matthew está bastante comprometido com a tarefa de deixa-lo o mais confortável possível durante essa transição.
– Fico feliz por isso, de coração... Por Ben, por Emily, por todos vocês. Mas por Matthew... – falei, com um nó na garganta ao me recordar da forma como ele olhou para o filho no fatídico encontro há alguns dias – Depois de tudo o que me fez passar, e não falo só dos recentes acontecimentos, acho que levarei um bom tempo para aceitar que ele está feliz, que conseguiu o que tanto queria, apesar de seus métodos horríveis.
– Entendo perfeitamente... Você tem todo o direito de se sentir assim.
Alguns segundos de quietude reflexiva se seguiram, até que ele se pronunciou, como se soubesse exatamente a pergunta que eu queria fazer.
– Ele não está bravo com você.
Suspirei, apertando a réplica de tartaruga prateada pendendo de meu pescoço como um fanático religioso apertaria um pingente da cruz em seus momentos de aflição.
– Como pode ter tanta certeza?
– Primeiro, porque ele não é capaz de nutrir qualquer sentimento ruim por você. Segundo, porque ele não está bravo comigo.
– Não está? – questionei, positivamente surpresa, e Elliot confirmou – Ele disse alguma coisa? Conversou com você?
– Não exatamente. Ontem à noite, depois do jantar, eu o procurei. Disse que você merecia uma satisfação depois de tudo o que fez pela nossa família, fosse ela positiva ou negativa.
– Você disse isso? – indaguei, sem conseguir conter a angústia que crescia cada vez mais dentro de mim.
– Claro que sim, eu precisava dizer e ele precisava ouvir – Elliot confirmou com veemência – Conversamos por alguns minutos sobre você... Ele perguntou como foi sua conversa com seu pai. Eu falei a verdade, que você foi muito corajosa e que ele deveria se orgulhar... Nem todo mundo iria tão longe para descobrir uma verdade que mal lhe diz respeito.
Mordi o lábio inferior, tocada por suas palavras. Nota mental: abraçar (e muito) Elliot quando o visse outra vez.
– Obrigada pelo apoio – murmurei com sinceridade – Significa muito para mim.
– Sem problemas, só fui honesto – ele disse num tom bem humorado – Zayn levou anos para encontrar a mulher perfeita, e agora que ele a tem, não posso deixá-lo perdê-la. Já que eu não tenho mesmo chances com ele, que esteja em boas mãos, e seu nome vem logo abaixo do meu na minha lista.
Ambos rimos de seu comentário; em momentos assim, eu sentia que já o conhecia há muito mais tempo do que apenas algumas semanas.
– Prometo que cuidarei muito bem dele – suspirei quando nosso riso cessou, adornando minha voz com alguma melancolia – Isto é, se ele voltar pra mim...
Elliot grunhiu do outro lado da linha, claramente enojado com minha postura derrotada.
– Eu me recuso a sustentar esse tipo de pensamento. Dê tempo ao tempo, garota! Mais cedo do que você imagina, ele estará batendo à sua porta de novo. Confie em mim, conheço o primo que tenho.
– Espero que sim, Elliot – falei, de olhos fechados, como uma prece – Espero que sim.
– Eu não consigo acreditar... O seu... O seu pai?
Assenti com um suspiro monótono após narrar mais uma vez o ocorrido a Serena, enquanto andávamos com passos monótonos pelo shopping que me parecia cheio de pessoas e lojas monótonas. Ela me acompanhava com os olhos estarrecidos, perdidos à frente, mal enxergando o ambiente ao nosso redor.
– Isso é demais... É chocante demais, eu... – balbuciou, balançando a cabeça em negação enquanto eu confirmava os fatos com a minha – Estou até arrepiada!
Ela passou as mãos pelos braços depressa, na tentativa de se livrar daquela sensação. Dei de ombros, já sem reação diante da verdade, apesar de ainda não ter derrubado uma lágrima sequer.
Se o fiz, não foi de tristeza ou arrependimento. Foi de saudade, temendo que ela durasse muito mais tempo.
– Estou muito triste, amiga – Serena disse, após quase um minuto de silêncio, passando um braço ao redor de meus ombros – Quer dizer, você não consegue uma folga!
Fingi entreter-me com a vitrine de uma livraria, prevendo o discurso que estava por vir, e ciente de que não conseguiria me manter firme se não buscasse uma distração para dividir minha atenção.
– Primeiro, você ficou triste porque Zayn estava longe, depois voltou a ficar feliz quando se resolveram. Aí você ficou triste de novo pelo que Matthew fez, e feliz outra vez quando descobriu que foi apenas um susto. E agora você está triste de novo porque ajudou a revelar um segredo terrível, e como se não bastasse o envolvimento de seu pai nisso tudo, Zayn não deu sinal de vida até agora.
Senti-me ainda mais deprimida depois da recapitulação dos últimos meses, que mais parecia uma montanha-russa de emoções. Não satisfeita, Serena continuou, alheia ao efeito deprimente de suas palavras.
– Tudo isso é culpa do Matthew. Tudinho. Que raiva… Que raiva daquele cara!
Estava tão exausta, tão cansada de tudo, que mal pude concordar, por mais que quisesse; contentei-me com murmurar as únicas palavras que tinha a dizer a respeito, com os olhos fixos na capa de um livro que mostrava um casal abraçado, como se zombasse de minha solidão.
– Eu nunca mais quero vê-lo na vida.
Serena não reagiu, pelo menos não ao meu comentário, já que a senti paralisar ao meu lado. Estranhando sua atitude, virei-me para observá-la, notando que ela encarava algo diante de nós, de olhos arregalados...
Ou melhor, alguém.
– Espero sinceramente que não estejam falando de mim.
Meus olhos também se arregalaram ao ouvir a voz que eu conhecia melhor do que ninguém, e que não ouvia há quase três semanas.
– Estávamos falando do… Não, não era de você – Serena respondeu, claramente mais capacitada para falar do que eu, que ainda nem tinha me movido, com o coração prestes a sair pela boca. Lentamente, como se ele fosse desaparecer caso eu fizesse algum movimento brusco, segui seu exemplo, deparando-me com os radiantes olhos castanhos de Zayn.
– Como vai, Serena? – ele sorriu, olhando para ela, como se nada tivesse acontecido, como se tivéssemos passado os últimos dias juntos, e não sem trocar uma palavra sequer. Como se eu não estivesse prestes a desfalecer ali mesmo.
– Bem, obrigada – ela disse, e eu senti seu braço se afastar de meus ombros – E de saída.
Sem nem se despedir apropriadamente, ela nos deixou sozinhos; só então ele desviou o olhar até o meu.
– Oi – gaguejei enfim, com os batimentos cardíacos reverberando em meus tímpanos. Zayn inclinou a cabeça para o lado de leve, certamente percebendo o nível de meu nervosismo em minha voz e expressão.
– Oi.
Encaramo-nos por alguns segundos, durante os quais pensei que desfaleceria de tanta ansiedade no mínimo umas sete vezes. Ele quebrou contato visual, engolindo em seco, e se minha paranoia não estivesse nublando tanto meu discernimento, poderia jurar que ambos estávamos igualmente apreensivos e sem jeito.
Por alguma graça divina, ou talvez apenas devido à angústia crescente em meu peito, consegui recuperar minha voz, vencendo o silêncio entre nós.
– Não sabia que estava na cidade.
Ele coçou a nuca, ainda evitando me olhar, e deu um sorrisinho encabulado.
– Eu... Não estava. Acabei de chegar.
Subitamente, um único pensamento preencheu minha mente.
Que saudade...
– Ah – foi só o que disse, tentando devolver seu sorriso, porém falhando completamente. Mais alguns segundos de mudez, até que ele voltou a falar.
– Passei na sua casa, mas você não estava... Sua mãe me disse que você estaria aqui.
Assenti devagar, lidando com a surpresa de sua afirmação. Ele estava me procurando... Certamente, queria conversar...
Depois de dias querendo mais nada além disso, agora que o momento chegara, eu não sabia se estava pronta para ouvir o que ele tinha a dizer. E se fosse algo terrível? E se...
– Você está ocupada agora? Ou... Não sei, podemos... – ele murmurou, cada vez mais tropeçando nas próprias sentenças, e com um suspiro rendido, voltou a me encarar, deixando claro que estava dando seu melhor para conduzir o diálogo.
Dei um risinho esganiçado, olhando para os lados e então erguendo as sobrancelhas.
– Pareço estar ocupada?
Patético. Absolutamente patético. Mas, ao perceber um esboço de sorriso em seus lábios, percebi que minha tirada desesperada funcionara. Zayn balançou a cabeça, percebendo a óbvia falha em sua pergunta.
– Uh... Está um pouco cheio aqui – ele observou, colocando as mãos nos bolsos da calça, inquieto assim como eu – Você se importaria de me acompanhar até um lugar mais reservado... Meu apartamento, por exemplo?
Se respirar já era uma tarefa difícil até então, depois daquilo...
– Tudo bem – concordei com o pouco de fôlego que me restava, esforçando-me para não parecer tão solícita a aceitar seu convite, e ao mesmo tempo tão disposta a correr na direção oposta à dele. Zayn indicou o caminho para a escada rolante com um gesto de cabeça, e fomos em silêncio rumo ao estacionamento do shopping.
Minhas pernas viraram gelatina ao perceber que ele estava de moto. Não pude evitar parar diante dela, por mais tempo do que o necessário, o que não escapou de sua atenção.
– Eu... Deixei o carro na garagem. Ainda não tirei a bagagem do porta-malas.
– T-tudo bem – repeti, limpando a garganta e aceitando o capacete que ele me oferecia. Atribuí a vaga impressão de que aquela era uma desculpa esfarrapada para que ficássemos fisicamente próximos ao fio de esperança a que ainda me agarrava com todas as forças.
Subimos na motocicleta, e como de costume, passei os braços ao redor de seu tronco, encostando a cabeça em suas costas. Zayn respirou fundo ao ser abraçado por mim, mas antes que eu pudesse tirar qualquer conclusão disso, ele acelerou, deixando para trás todos os meus pensamentos, levando consigo – conosco – todas as emoções que enchiam meu coração de energia e faziam com que minha pulsação reverberasse contra sua pele. Durante os poucos sinais vermelhos que pegamos no trajeto, ele virava discretamente a cabeça para o lado, como se precisasse certificar-se de que eu ainda estava ali, de que eu estava bem, de que ele não estava apenas imaginando minha presença. Não ousei mover um músculo, por mais que o esforço causasse um leve desconforto, temendo acordar de um sonho que até então ia muito bem, considerando-se as possibilidades.
Chegamos ao seu prédio, onde fui engolida por mais uma onda de saudade conforme repetíamos o percurso que já estávamos tão acostumados a fazer, da moto até o elevador. Ocupamos o cubículo sem dizer uma palavra, cada um num canto, e embora eu tenha mantido meus olhos fixos no visor acima da porta, que indicava nossa ascensão dolorosamente lenta, pude perceber que ele não tirou os dele de mim, nem por um segundo, até que estivéssemos em seu andar.
– Fique à vontade – ele disse, indicando a passagem para dentro do apartamento, percebendo minha hesitação em me mover. Deixei o elevador com passos cautelosos, sentindo seu olhar arder em minha nuca. Observei enquanto ele deixava as chaves da moto sobre a bancada que separava a sala da cozinha, na expectativa de que dissesse alguma coisa; encontrando nada além de silêncio, a não ser por suas íris fervorosamente cravadas em mim, não pude mais suportar a pressão.
– Eu sei porque estamos aqui.
Zayn ergueu uma sobrancelha.
– Sabe?
Confirmei com a cabeça, travando o maxilar por um instante para me manter firme.
– Então diga – ele pediu, avançando lentamente em minha direção, o que prejudicou ainda mais meu equilíbrio – Por que estamos aqui?
Soltei parte do ar que prendia involuntariamente em meus pulmões, buscando as palavras que estavam na ponta de minha língua meros segundos atrás. Sem qualquer sucesso, cedi ao peso sobre meus ombros. Meus olhos despencaram até o chão, assim como a determinação em minha voz, o que a fez sair baixa, quase como um murmúrio.
– Eu nem sei o que dizer. Estou tão envergonhada...
Cobri o rosto com as mãos, buscando a calma que eu desejava manter durante aquela conversa, mas que a cada segundo esvaía-se por entre meus dedos. Senti sua presença cada vez mais próxima, e então ele segurou meus pulsos suavemente; seu toque, tão carinhoso, tão convidativo, mesmo depois de tudo o que ele descobrira, depois de tudo o que ouvira de minha própria boca, foi a gota d’água.
– Eu sinto muito... Sinto tanto, tanto, por tudo isso – comecei, desvencilhando-me de suas mãos e afastando-me dele, somente satisfeita quando estava do outro lado da sala – Por toda essa confusão. Eu jamais poderia imaginar que meu pai...
O resto de minha frase ficou preso por um instante em minha garganta, assim como das outras vezes em que tocava no assunto de forma tão direta. Zayn fez menção de abrir a boca, mas eu estava apavorada demais para deixá-lo falar, temendo que ele despejasse ofensas sobre mim e me desse as costas sem me permitir dizer tudo o que ele precisava saber antes de desprezar minha existência.
– Que meu pai foi capaz disso – completei, sentindo lágrimas arderem nos olhos devido à sinceridade de minhas desculpas – Entendo perfeitamente se você não puder perdoá-lo.
– Blair...
Mal percebi que ele me chamara, afogando-me na culpa e no pânico que me faziam gesticular freneticamente e apenas encorajavam o fluxo de palavras saindo de minha boca.
– Entenderei também se você não conseguir dissociar essa mágoa de mim, claro – adicionei, dando-lhe as costas brevemente – Ele é meu pai, é compreensível que não queira mais se relacionar comigo depois de tanta...
– Blair! – ele interrompeu com urgência, agora bem atrás de mim após reaproximar-se sem que eu percebesse, como se cada sílaba que ouvia fosse uma tortura – Eu não vou fazer nada disso.
Virei-me de frente para ele e deixei que nossos olhos se encontrassem, boquiaberta; todo o resto de meu raciocínio evaporou de minha mente. Meu queixo permaneceu caído por alguns segundos, até que eu enfim consegui colocá-lo no lugar e reagir apropriadamente.
– Não... Não vai?
– Não, não vou – ele respondeu, com uma sombra de sorriso em seu rosto, achando graça de minha inocência – Digamos que eu tenha... Outra forma de enxergar tudo isso.
– Outra forma? – balbuciei, estapeando-me internamente por não conseguir formular outras respostas que não fossem meras reproduções das dele. Zayn concordou com a cabeça, olhando fundo em meus olhos, mergulhando neles, para ter certeza de que o que diria a seguir teria o impacto necessário. Eu conhecia exatamente aquela expressão, e ele só a usava quando estava prestes a fazer algo que me faria amá-lo mais ainda. Meu coração acelerou só de imaginar como tal feito seria possível, mas jamais duvidou de sua capacidade de fazê-lo.
– Eu encaro essa situação como um prenúncio – ele começou, e apesar da tranquilidade em seus traços, sua voz carregava uma seriedade imensa, para que nenhuma sílaba fosse mal compreendida – Uma forma que a vida encontrou de nos aproximar, mesmo que indiretamente, mesmo que de um jeito distorcido, antes de nos conhecermos.
Franzi a testa de leve, buscando compreender o que ele dizia. Lendo a confusão em meu rosto, ele prosseguiu, colocando as mãos sobre meus braços de forma reconfortante.
– Você não percebe, talvez porque esteja machucada demais por tudo o que aconteceu, por tudo o que enfrentou... Mas para mim, é óbvio, tão óbvio quanto o amor que eu sinto por você, e que sei que você também sente por mim.
Um suspiro aliviado escapou de meus lábios ao ouvi-lo dizer que me amava, no presente, ao ver a honestidade em suas pupilas, transbordando ternura e saudade, a saudade que corria em minhas veias com velocidade assustadora, arrasadora, impedindo que qualquer outro sentimento se manifestasse. Recebendo incentivo em meus olhos, ele disse mais.
– Como eu poderia te odiar... Como eu poderia não te perdoar por algo que você não fez? Pelo contrário, por algo que ajudou a desfazer? Você não é seu pai. Você é você. E eu sou eternamente grato por isso. Eternamente grato por suas escolhas, apesar de todos os obstáculos em nosso caminho, vários deles colocados por minhas próprias escolhas ruins.
Pisquei algumas vezes, em transe, hipnotizada pelo som de sua voz, pelo calor de seu toque, pelo sorriso em seu rosto... Por ele, por tudo o que pudesse dizer respeito a ele, ainda que minimamente... Eu o amava. Eu o amava demais...
– Mesmo que eu quisesse, mesmo que decidisse terminar tudo entre nós, com toda a força de vontade que existe em mim... Por mais que eu tentasse culpá-la por toda essa mágoa, por toda essa raiva que eu senti nesses últimos dias... Eu sabia, da mesma forma que sei, com toda a certeza do mundo, que um dia eu morrerei, eu sabia que... No momento em que eu colocasse os olhos em você, no segundo em que você entrasse em meu campo de visão... Você estaria perdoada. Sem precisar dizer qualquer coisa, sem precisar derrubar uma lágrima.
Zayn deslizou o polegar sob meu olho direito, enxugando o pequeno filete salgado que escorreu dele sem que eu percebesse. Um sorriso emocionado surgiu em meu rosto, que ele reproduziu no seu.
– Mas nada disso importa... Porque eu não culpo você – ele sussurrou, traçando o contorno de minha bochecha com o indicador até alcançar a base de meu queixo, com a testa quase unida à minha – Nem um pouco. Não existe um motivo sequer pelo qual você deva se sentir em dívida comigo.
Fechei os olhos brevemente, tentando quebrar o feitiço que ele colocara sobre mim para que toda a angústia acumulada em meu peito pudesse se manifestar.
– Zayn... Eu menti para você...
– Isso não importa – ele interrompeu, segurando meu rosto com ambas as mãos para me impedir de romper a bolha de felicidade que ele tentava construir ao nosso redor – Eu também menti para você uma vez, já fiz coisas horríveis com você, coisas de que me arrependo amargamente... E mesmo assim, você me perdoou. Você sabe que o que somos juntos é mais forte do que o que somos quando erramos, individualmente, mesmo que sempre na tentativa de acertar.
Relutante, voltei a encará-lo, enxergando em seus olhos a súplica que enxergara pela última vez há muitos meses, quando ele implorou para que eu não o mandasse embora, na noite do baile de primavera.
Acho que vou enlouquecer se você me recusar mais uma vez. Você não sabe o quanto eu preciso disso... O quanto eu preciso de que você me queira.
Minha resposta ainda era a mesma, independentemente de todos os acontecimentos que separavam aquele momento do agora.
Eu quero você.
– Eu só queria ajudar – soprei, mal conseguindo fazer minha voz atingir um volume audível, mas ele assentiu, compreendendo perfeitamente – Eu só quis ajudar, sempre, sempre... Ajudar você.
– Eu sei, meu amor, eu sei – Zayn sorriu, encantado com minha declaração – E eu só quero amar você, sempre, sempre, sempre...
Nossos lábios se encontraram na metade do caminho, saudosos demais para esperarem mais um segundo distantes. Lágrimas escorreram por meu rosto, misturadas aos risos aliviados que escapavam de nós dois durante aquele beijo atrapalhado, porém visceral, vital, indescritível.
Estávamos mais uma vez onde pertencíamos: nos braços um do outro.
– Não acredito que isso está acontecendo – confessei, apertando seu pescoço com meus braços e respirando seu perfume – Pensei que nunca mais...
– Shh, não diga isso – ele pediu, envolvendo minha cintura com seus braços e prensando-me contra si – Não consigo nem imaginar como seria ficar sem você, e já passamos tempo demais separados para sequer tentar repetir a dose.
– Concordo – murmurei perto de sua orelha, fazendo-o respirar profundamente e rindo de sua reação. Zayn, que me erguera do chão com nosso abraço monstro, colocou-me de volta, observando meu sorriso largo e permitindo-me ver minha alegria refletida no dele.
– Você é incrível – ele disse, afastando meu cabelo do rosto com o olhar pensativo – Você descobriu tudo sozinha... Mesmo quando eu duvidei de você...
– Shh, não diga isso – interrompi, repetindo suas palavras, colocando o indicador sobre seus lábios e os meus logo em seguida – Você tentou me ajudar, eu sei disso. Com todas as evidências apontando na direção oposta, e depois de tudo que Matthew aprontou, você imaginou que eu estivesse confusa... Não posso dizer que teria acreditado em você se os papéis estivessem trocados.
– Mesmo assim, eu deveria ter escutado o que você tinha a dizer...
– Zayn – falei, segurando seu rosto como ele segurara o meu há pouco – Chega. Vamos deixar tudo isso para trás e olhar para frente, para o futuro. Para o nosso futuro.
Ele pareceu gostar da alternativa, ainda que resquícios de arrependimento perdurassem em seus olhos. Seu sorriso voltou a ganhar força, e ele selou o acordo com um beijo breve, mas que continha o infinito em cada segundo de sua duração.
– Posso só comentar uma coisa que me veio à mente durante esses últimos dias? – ele murmurou, enquanto permanecíamos abraçados, enroscados um no outro, e eu assenti – É irônico, na verdade...
Suas mãos seguraram meus pulsos, que repousavam sobre sua nuca, e trouxeram-nos para seu peito, observando-os com um sorriso intrigado.
– O que é irônico? – indaguei, subitamente curiosa com seu comportamento enigmático.
– Você se lembra de qual foi nossa primeira conversa?
Não foi difícil revirar minha memória em busca daquele momento, e assim que encontrei o registro que procurava, sorri de leve.
– Você me ajudou... Com as mangas...
Zayn completou a frase por mim.
– Do avental do seu pai.
Ergui minhas sobrancelhas, verdadeiramente chocada com a constatação. Um arrepio percorreu minha espinha.
– Que bizarro – suspirei, vendo-o rir de minha reação – Nós somos muito bizarros, fala sério.
– Eu não sou bizarro, você é bizarra – ele retrucou, fingindo estar ofendido – Olha essa cara bizarra!
Antes que eu pudesse dizer alguma coisa igualmente rude, ele cobriu meu rosto de beijos, ao mesmo tempo em que fazia cócegas em minha barriga. Cambaleamos até o sofá e ali desmoronamos, gargalhando de nossa própria bizarrice.
Bizarrice que não trocaríamos por nenhuma normalidade no mundo.
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