Capítulo 14
(Blair's POV)
– Oi, mãe.
– Olá, querida. Como estão as coisas por aí?
Segurei o telefone com força, analisando a imagem refletida no espelho parcialmente embaçado do banheiro diante de mim. Engolindo em seco, concluí que minha mãe não iria querer saber como estavam as “coisas” por aqui... Pelo menos não por enquanto.
– Está tudo bem – respondi, quase não conseguindo pronunciar a última palavra devido à mordidinha que levei no lóbulo da orelha – E por aí?
– Ah, você sabe como eu me sinto nessas viagens a trabalho – mamãe suspirou, enquanto eu fazia o mesmo, só que por motivos bem diferentes - É sempre uma chatice. Mas eu vou sobreviver.
– Claro que vai – afirmei, com todos os meus esforços concentrados em manter minha voz firme e casual apesar das sensações que as mãos de Zayn, viajando por baixo da camiseta que lhe pertencia e que desde nosso banho interminável cobria meu corpo, despertavam em mim, juntamente com seus lábios vagando sem rumo por meu pescoço. Lancei um olhar repreensivo a seu reflexo, que apenas sorriu de forma nada arrependida e continuou suas provocações.
– Bem, eu tenho que ir, só liguei para saber se você estava bem – ela disse, e o tom maternal pesado em sua voz teria me feito sorrir, se não fosse por todo o resto acontecendo ao mesmo tempo - Você estava tão tristinha quando nos despedimos...
Zayn, ouvindo o comentário de minha mãe devido à sua proximidade ao telefone, cessou suas carícias de imediato e respirou fundo, nitidamente afetado pelo que escutou. Seus olhos não encontraram os meus, e eu reforcei a convicção em minha voz ao responde-la:
– Eu estou bem agora, juro. Não se preocupe.
– Que bom, filha – mamãe sorriu, aliviada – Te amo. Logo estarei de volta.
– Também te amo – falei, com o olhar fixo no espelho, antes de desligar e me virar para o ser cabisbaixo atrás de mim – Ouviu o que eu disse? Estou bem agora.
– Eu sei... Mas continuo me sentindo culpado – ele suspirou, ainda evitando meu olhar – Sua mãe deve me odiar agora.
Revirei os olhos, soltando um risinho desdenhoso ao me desvencilhar de seu abraço e deixar o banheiro.
– Claro que não, seu besta! Talvez ela tenha se preocupado no começo de toda a confusão, mas quando percebeu que você estava tentando consertar as coisas, entendeu que não havia motivo pra cavar seu túmulo. Ela só quer me ver feliz, e sabe que isso é o mesmo que me querer com você... Como ela poderia te odiar?
Com uma expressão nem um pouco convencida, Zayn me seguiu até meu quarto; notando sua dificuldade em deixar o assunto de lado, venci a curta distância entre nós e envolvi seu tronco com meus braços, apoiando meu queixo em seu peito para que ele não pudesse fugir de meu olhar. As pontas de nossos narizes se tocaram quando ele aproximou o rosto do meu, e meu abraço foi enfim retribuído.
– Chega de culpa entre nós – murmurei, em tom definitivo, ainda que carinhoso – Estamos juntos agora, é só o que importa. Combinado?
Após alguma hesitação, ele abriu um sorriso derrotado e assentiu, unindo nossos lábios num beijo tranquilo. Nem bem o partimos, meu celular voltou a tocar em minha mão. Franzi a testa, me perguntando quem poderia ser, e a atmosfera de felicidade que havia acabado de construir ao redor de nós dois evaporou assim que li o nome no visor.
– Quem é? – Zayn indagou, com certo alarme, ao perceber a mudança em meu rosto. Me forcei a reagir, ignorando a ligação e balançando a cabeça.
– Não sei, era um número desconhecido – menti, sabendo na hora em que as palavras saíram de minha boca que ele não acreditaria. Dei-lhe as costas e me afastei alguns passos, tentando retomar a calma que me dominava há poucos segundos. Como previ, ele não se contentou com minha desculpa mais do que esfarrapada.
– Você pareceu conhecer o número, e muito bem... Era ele, não era?
Fechei os olhos, atirando o celular na cama à minha frente, e não respondi. De que adiantaria mentir de novo? E eu não queria dizer a verdade, assumir que ainda havia um problema a ser resolvido, quando tudo o que eu mais desejava era fingir que nada mais existia além de nós dois.
– Eu vou resolver isso agora mesmo – Zayn rosnou, se aproximando em passos determinados e pegando o aparelho sobre o colchão – Chega desse inferno.
– Não! – exclamei, roubando-o de volta com rapidez – Ignore, uma hora ele vai desistir.
– E enquanto ele não desiste, você é obrigada a ficar aguentando esse terror psicológico? – ele rebateu, inconformado – Não posso deixar que isso aconteça. Ele já te fez mal demais, chega.
Quando ele fez menção de pegar o celular de mim, eu o impedi com uma mão em seu peito.
– Zayn, por favor – pedi, deixando claro que já estava cansada antes mesmo de a discussão começar – Deixe pra lá. Se ele ligar de novo, prometo que te deixo atender e falar o que quiser. Mas por ora, esqueça isso.
Meus argumentos pareceram não funcionar totalmente, pois ele ainda manteve sua postura ofensiva. Insisti.
– Por favor. Eu só quero aproveitar o resto desse fim de semana com você, sem ninguém atrapalhando. É só o que eu peço.
Após respirar fundo algumas vezes, Zayn fixou o olhar no meu, e o que disse fez com que um arrepio desagradável percorresse minha espinha.
– Você precisa parar de protege-lo... Antes que sua passividade acabe se voltando contra você.
Ao mesmo tempo em que seu tom de quem sabia mais do que deveria tenha me assustado um pouco, o que mais me atingiu foi a insistência em resolver o problema imediatamente. Ele até podia suspeitar de que algo além do que minha versão da história cobria estava acontecendo, mas não fazia ideia do que se tratava, e enquanto eu não confirmasse a veracidade dos fatos que Matthew compartilhou na tarde anterior, ele continuaria no escuro. Respirei fundo, retomando o controle sobre a situação, e devolvi na mesma moeda.
– Eu não estou protegendo ninguém a não ser nós dois. É tão errado querer passar um fim de semana, um mísero fim de semana sem ter que me preocupar com nada que esteja acontecendo lá fora? Depois de três meses longe de você, eu não posso simplesmente querer esquecer todo o resto e apenas me deslumbrar com o fato de que você está aqui, e que eu posso te abraçar, te beijar, olhar pra você quando quiser? Se ser egoísta por um fim de semana e só querer você é protege-lo, então me declaro absolutamente culpada.
Zayn sustentou meu olhar exaltado enquanto eu falava, e quando terminei, sua expressão havia mudado de frustrada para levemente arrependida. Eu entendia seu impulso de afastar Matthew de uma vez por todas de nossas vidas, mas sabia que seria inútil deixa-lo tomar as rédeas da situação; por mais que o assunto a ser resolvido tivesse muito mais a ver com Zayn do que comigo, eu tinha plena certeza de que se alguém deveria intermediar aquele atrito, esse alguém era eu. Tudo o que eu queria era adia-lo ao máximo, para ter certeza de que ele era realmente necessário. Não havia motivo para levar aquilo adiante se Matthew estivesse mentindo sobre a paternidade de Ben.
– Está bem – ele assentiu, sem coragem de insistir no assunto depois de meu discurso – Só por esse fim de semana.
Agradeci com os olhos, e ele rapidamente adicionou, erguendo o indicador em minha direção:
– Mas se ele ligar de novo, eu vou atender.
Revirei os olhos, e ergui o celular diante de mim.
– Ele não vai ligar de novo – afirmei, enquanto desligava o aparelho e voltava a atirá-lo sobre a cama – Pode acreditar.
Minha atitude rebelde fez com que ele desse um sorriso de canto, ainda um tanto relutante quanto a deixar o assunto Matthew de lado, mas eventualmente eu o convenci a deixá-lo de lado, pelo menos por ora.
O celular não tocou mais durante o resto do fim de semana.
– Você tem mesmo que ir?
Zayn riu contra meus lábios pelo que pareceu a milésima e ao mesmo tempo primeira vez nos últimos cinco minutos, enquanto ensaiávamos uma despedida no hall de entrada de minha casa. Estava anoitecendo e minha mãe chegaria a qualquer instante, o que significava que ele tinha que ir embora. Eu contaria a ela que havíamos nos acertado, mas não queria que ela descobrisse ao vê-lo em casa. Além do mais, ele havia insistido em voltar para a casa dos pais naquele domingo, para resolver como seria sua vida dali em diante. A hipótese de passar duas semanas em Londres e duas na casa dos pais parecia relativamente viável, embora meu coração resmungasse só de imaginar aquela mesma despedida se repetindo quinzenalmente.
– Eu volto logo, prometo – ele sussurrou entre um selinho e outro, acariciando minha cintura daquele jeito que subentendia um até breve.
– Acho bom mesmo... Se não, vou atrás de você.
– Hm, você indo atrás de mim soa bastante tentador...
Ri de sua idiotice, dando um tapa de brincadeira em seu ombro.
– Ai de você se não aparecer, Zayn Malik!
Ele fez cócegas dos lados de minha barriga, e eu me contorci em seu abraço, sem conseguir me recordar da última vez em que havia me sentido tão feliz, ainda que estivéssemos nos despedindo. Mal havia me recuperado da crise de riso que ele provocara quando sua boca se aproximou de meu ouvido, e mais uma vez minhas pernas ameaçaram ceder ao peso de meu corpo.
– Estarei de volta antes que as marquinhas que deixei sumam por completo.
Subitamente sem fôlego, respirei fundo, apertando o tecido de sua camiseta em minhas mãos. Zayn soltou um risinho rouco e mordeu meu lóbulo antes de se afastar, com um olhar sujo que definitivamente ficaria gravado em minha memória até o seu retorno.
– Boa viagem – suspirei, ao retomar parte da consciência – Dirija com cuidado.
– Te ligo quando chegar.
Assenti, abraçando-o pelo pescoço ao nos beijarmos uma última vez, e quando abri a porta para que ele passasse, já estava morrendo de saudade. Ao observá-lo entrar no carro e acelerar, acenando com um sorriso pesaroso, me peguei pensando: se já estava doendo agora, que estávamos bem e ele ficaria longe por apenas alguns dias, como sobrevivi todo aquele tempo sem qualquer certeza de que nos veríamos de novo?
Uma semana se passou, durante a qual nos falávamos a todo momento por telefone ou Skype. Até minha mãe conversou com ele, ao entrar em meu quarto e me pegar tagarelando diante do computador. Pelo visto, ele teria que passar outra semana por lá, já que Ben parecia ter pegado uma forte gripe e precisava de um carinho extra. Ele apareceu numa de nossas conversas virtuais, com o nariz vermelho e as pálpebras pesadas, típicos sintomas do vírus, e me deu um aceno simpático, seguido de um espirro; Zayn correu para apanhar a caixa de lenços mais próxima e auxiliar o pequeno.
– Ugh, não aguento mais espirrar – ele balbuciou, um tanto grogue, e não hesitou em se aninhar no colo do pai, cochilando após alguns minutos. Enquanto Zayn se ausentou para colocá-lo na cama, eu tratei de espantar a história que Matthew me contara de minha mente, temendo deixar algo indesejado transparecer quando ele retornasse.
Por falar em Matthew, não recebi mais ligações ou visitas desde que o ignorei no sábado. O que era bom, pois tudo o que eu queria dele era distância, mas ao mesmo tempo, me preocupava. Estaria ele armando alguma coisa? Ou teria apenas desistido? Para quem parecia tão determinado a levar seu plano adiante, aquele sumiço repentino parecia suspeito demais. De qualquer maneira, me encolhi em minha bolha de negação e preferi me iludir com a segunda hipótese, ainda que a primeira ainda me perturbasse quando eu me permitia considerá-la.
Parte de mim queria, precisava descobrir se o que ele havia me dito era mesmo verdade... E eu até já havia pensado em como comprovar sua versão dos fatos. O problema era a outra parte de mim, que temia que tudo desandasse se eu ousasse admitir, ainda que por um segundo, que ele estava sendo sincero, e, portanto, continuava inerte, apenas adiando o momento em que eu teria que tomar uma atitude a respeito daquela bomba-relógio.
Resumindo: foi uma semana quase feliz, a não ser pelos breves momentos de terror que minha própria mente paranoica criava.
Mais uma semana se passou, e enfim Zayn retornaria. Contudo, ele apenas estaria de volta no sábado, e eu tinha um aniversário para ir na sexta-feira. Dianna, uma colega de faculdade, havia me convidado para uma pequena comemoração numa casa noturna, e permitiu que eu levasse acompanhantes. Serena, que estava um tanto chateada com Ewan desde seu retorno da casa dos pais dele, aceitou na hora, mesmo sem conhecer a aniversariante, alegando que precisava de uma boa desculpa para encher a cara e curtir um pouco a vida. Zayn me incentivou a ir, alegando que eu precisava de um escape antes da semana de provas, e me advertiu quanto à parte de encher a cara, com mais veemência do que eu esperaria – e então me lembrei de quando apaguei em seu carro, para só acordar na manhã seguinte, de calcinha e sutiã, em sua casa... De repente, sua preocupação fez bastante sentido. Prometi me comportar, e ele me fez prometer outra vez.
– É sério, eu não vou ficar bêbada! – repeti pela décima segunda vez, rindo ao telefone enquanto me arrumava para a festa na casa de Serena.
– Ninguém vai ficar bêbado essa noite, Malik – ela reforçou, com um falso tom de seriedade, e sua risada nem um pouco convencida emanou do alto-falante do celular.
– Pra ser bem sincero, acho que você já está bêbada – ele retrucou, e ambas rimos também.
Se eu soubesse o que estava por vir, teria desistido de sair naquele exato momento e passado o resto da noite em meu quarto, rindo com Zayn pelo telefone até o sono chegar e levar consigo tudo o que poderia ter dado errado naquela noite.
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