7 | "Este é um manifesto de amor"
"[...] e eu não sabia que direção tomar quando todas as estradas pareciam levar direto para o fundo do poço." (Samantha Vérant – Cartas de Amor de Paris)
<><><><><>
— Por favor, não fica longe de mim de novo — abracei Henry e o beijei ternamente após sua chegada do aeroporto, eu sentia saudade do toque aveludado de seus dedos em meu rosto.
— Se for pra ser recebido assim, vou viajar todos os dias — brincou. Ele agarrou meu cabelo por trás e me devolveu o beijo.
— Senti muito a sua falta quando a minha bomba familiar estourou, queria você por perto, pra me consolar, ver seu sorriso.
— Pare com isso, homem! Está me fazendo derreter, vem aqui — ele me puxou para a cama e nos deitamos abraçados, ficando daquele jeito por vários minutos.
Era maravilhosa a presença de Henry, acho que nunca me cansaria de estar ao seu lado. Passei minhas mãos em todo o seu corpo, lendo cada uma de suas entrelinhas, ouvindo a música que saia de seu peito. Passei minha língua em seu pescoço, degustando o meu sabor preferido. Acompanhei o desenho dos pelos em seu abdômen, sentindo seus músculos se contraírem de desejo. Apesar de estar todo arrepiado, ele fingia não estar interessado, sabia que isso me deixava louco. Aquela manhã foi regada a provocações e saudades.
Após o banho juntos, estávamos tomando café no balcão da cozinha, sentados nas banquetas de madeira de carvalho. Conversávamos sobre as coisas que ele trouxe para o novo apartamento e sobre como ele estava entusiasmado com a mudança para Los Angeles. Eu também estava muito feliz, já que ele estaria mais próximo de mim, poderíamos nos ver sempre.
Mais tarde, naquele mesmo dia, Henry me convidou para ver o seu apartamento. Era um loft muito espaçoso, daqueles que tem tudo num cômodo só, a cama ficava em um mezanino, havia um grande balcão de mármore escuro onde seria o espaço da cozinha. A reforma já estava no final, faltando alguns acabamentos, mas eu notei algo no móvel que estava no canto. Num porta-retrato, uma de nossas fotos casuais que tirávamos por tirar, sem nenhum propósito. Na imagem, eu estava de olhos fechados, rindo de alguma piada boba e Henry me fitava com amor, uma foto que guardei para sempre em minha memória.
A minha real vontade era de capturar Henry numa moldura e o deixar exposto para mim, sempre. A paixão me fez enxergá-lo com outros olhos, ele era um cara lindo, porém, mais que isso, era companheiro, carinhoso e gentil. Um perfeito cavalheiro, dono de um sorriso fantástico que poderia, facilmente, me fazer flutuar e ir a lugares desconhecidos. Eu não me cansava de olhar para aqueles olhos, o formato de seu maxilar, a barba por fazer, poderia ficar horas observando aquela obra-prima. Voltei da minha divagação para me dar conta de que, quando dizem que nada permanece oculto, para pessoas famosas isso é pior ainda.
— Hum, parece que alguém estava se divertindo em Seattle — Henry me mostrou, no seu celular, uma foto minha e de Naomi no bar, naquela noite. A maldita foto mostrava a moça numa posição bem sinuosa e ainda tinha a manchete "Ben Summers está voltando às raízes?".
— Ham?! — engoli seco e senti meu rosto ficando muito vermelho — Não, isso não é nada... Apenas nos encontramos, por coincidência, nada aconteceu.
— Então por que você está tão nervoso — ele passou o dedo indicador na ruga em minha testa.
— Não estou nervoso! — Eu quis disfarçar, mas já era tarde demais, eu não conseguia atuar na frente daquele sujeito, ele me fazia perder todas as minhas habilidades.
— Ben, Ben, Ben Summers, você ainda pensa que me engana? — Ele levantou a maldita sobrancelha esquerda e cruzou os braços, o que significava que não iria deixar esse assunto de lado.
— Primeiramente, nada aconteceu, nada! — Não havia outra saída a não ser contar.
— Okay... — tive a impressão que ele estava se divertindo com o meu nervosismo.
— Eu a encontrei no bar, foi coincidência, mas eu estava chateado por causa da minha mãe... Susan... não. Não vou colocar a culpa em ninguém. Naomi começou a flertar comigo e eu devolvi o flerte, achei que seria mais homem se ficasse com ela, pensei que poderia ser aceito pela minha família — abaixei a cabeça, envergonhado por ter me sentido daquele modo — fomos para o hotel e lá... bem...
— Bem...
— Nós quase nos beijamos, mas eu neguei, eu não poderia fazer isso com você, mesmo sabendo que você não é tão ligado a essas coisas.
O que ele não sabia era que quase não consegui me controlar. Ele não quis prolongar o assunto que, pouco a pouco, estava começando a nos incomodar. Nós tínhamos visões diferentes sobre ficar esporadicamente com outras pessoas. Enquanto eu não gostava da ideia, Henry era mais liberal, soltando uma ou outra dica de que não haveria problema para ele, caso não tivesse para mim também. Eu estava prestes a iniciar uma conversa sobre isso, quando fomos interrompidos pelo interfone tocando.
Nossos agentes de trabalho, Jhon e Lucas, haviam chegado para uma reunião improvisada. Henry fez um café enquanto os rapazes subiam, mas, depois daquela conversa, eu iria querer uma bebida alcoólica, bem forte. Os dois chegaram sem graça, sorrisos amarelos, falsos cumprimentos e congratulações sobre o último filme. Porém, não esperaram o café ser servido para nos falar sobre a péssima novidade.
— Você está sem nenhum projeto — os dois disseram quase sincronizados.
— Como assim? Nenhum? Mas e quanto àqueles roteiros que recebemos? — Perguntei, aquilo só poderia ser alguma pegadinha, mas, no fundo, eu sabia que não.
— Ben, os roteiros recebidos foram... digamos... retirados de oferta — Jhon estava escondendo alguma coisa e Lucas sabia, confirmando que o mesmo aconteceu para Henry.
— Falem logo, já estou ficando impaciente... — Henry fechou tanto o cenho que quase fez uma única sobrancelha, ele também já sabia.
— Olha, vou abrir o jogo, beleza? Estão retirando as ofertas para vocês, pelo motivo de vocês não serem mais tão... homens. Pelo menos é o que estão alegando — Lucas falou de supetão, sem se importar com o que aquelas palavras poderiam causar.
— Você está me dizendo que não querem nos contratar por sermos namorados e não sermos masculinos o suficiente? — Henry esbravejou para o seu agente e se virou para mim, visivelmente alterado — Era isso que eu não quis falar com você pelo telefone, Ben, parece que eu já estava pressentindo!
Fiz com que os ânimos se acalmassem, principalmente Henry que ficou nervoso além da conta. A culpa não era dos agentes, eles estavam apenas fazendo o trabalho deles. Jhon explicou que, apesar do grande sucesso com os fãs, não foi o suficiente para que os estúdios deixassem suas ofertas para papeis mais masculinos e sexualizados, como em filmes de ação. Enquanto Henry perdeu uma grande chance num estúdio famoso, para mim, cancelaram uma sequência de um filme de aventura que fiz antes do último.
Henry socou a porta de um armário após Jhon e Lucas irem embora, sem dar nenhuma solução e resposta, apenas dizendo que estão estudando algumas possibilidades. Nós sabíamos que aquilo significava que estávamos sem trabalho nenhum, por termos assumido uma relação afetiva, pelos estúdios serem preconceituosos. Afinal, nós continuávamos as mesmas pessoas, o que havia mudado? Amar uma pessoa do mesmo sexo sempre foi e sempre será algo inconcebível por pessoas que não entendem o verdadeiro sentido do amor.
Nem eu entendia, antes de me ver apaixonado pelo Henry, não entendia muito bem como isso funcionava. Eu tinha algumas ressalvas quanto a esses assuntos e preferia não ter envolvimento como nenhuma história que eu achasse duvidosa. Fui seguindo esse caminho até conhecer Henry e minha vida se transformar. Pois, quando a gente ama, é como se nem olhasse para quem estamos beijando ou abraçando. É mais que isso, não amamos apenas a pessoa, amamos suas atitudes, seu calor, seu abraço, sua empatia, você muda seus conceitos de forma natural, porque o amor te ajuda a evoluir.
A história de Henry era diferente, apesar de vários pontos semelhantes, ele se descobriu ainda jovem, cresceu tendo noção de como esse mundo era e, mesmo assim, ele ficou muito mais aflito do que eu ao imaginar seu futuro. Tínhamos plena consciência de que nossa carreira estava se desmanchando, sem muita esperança, não havia muito o que fazer. O trabalho seguia um protocolo: recebíamos os roteiros, analisávamos e escolhíamos o que parecia ser mais interessante e que poderia ajudar a crescer profissionalmente. Já éramos atores conhecidos, aparecer nos estúdios pedindo papeis seria humilhante, sem contar que a maioria deles já havia nos rejeitado.
Aquele foi um dos poucos momentos em que eu precisei consolar Henry, já que era sempre ele quem me ajudava com as minhas tristezas e dificuldades. Ele ficou visivelmente abalado, pois o trabalho era sua vida, ele amava atuar, principalmente em filmes de ação e aventura, os quais ele foi cortado sem conversa. Eu, por outro lado, não me importava muito com esses filmes, eu gostava dos romances e dos dramas, comédias e filmes despretensiosos. Mesmo assim, fiquei muito chateado e, percebendo a tristeza e irritação do meu companheiro, joguei meus sentimentos de lado, eu poderia lidar com eles depois.
Tentamos não falar sobre o assunto e isso gerou um clima tenso no ar. Ficamos um tempo calados, apenas aproveitando a companhia calorosa um do outro. Nos fitávamos longamente, os olhos de Henry eram de uma profundidade sem igual, senti que quase conseguiria enxergar a sua através deles. Deitados no carpete recém colocado do apartamento, seguramos nossas mãos, cada um pensando no futuro incerto que nos aguardava. Porém, de uma coisa tínhamos certeza, enfrentaríamos tudo juntos, sem medo de ser feliz, sem medo de julgamentos, o que tivesse que acontecer, estaríamos presentes para amparar um ao outro.
— AH! — Henry se levantou de repente — Josh! Ele havia comentado de uma sequência de Espiões de Elite, se lembra?
— Na verdade, não me lembro muito bem — fiquei um pouco atordoado com a mudança repentina de humor do Henry e achei engraçado depois.
— Vamos falar com ele, quem sabe ele tem algo para nós, afinal o filme está rendendo bastante, né? — Ele alcançou seu telefone, colocou no viva-voz e o convidamos para um jantar no meu apartamento.
Henry ficou animado com aquilo e me deixei levar por sua felicidade. O ajudei a arrumar várias coisas no apartamento, o que incluía empurrar móveis, organizar prateleiras, não sei como uma pessoa já tinha tanta coisa em tão pouco tempo de lar novo. Parecia que ele já morava ali há muitos anos, vários CDs, DVDs, livros, discos de vinil, bibelôs, fotos e mais um milhão de coisas. Havia tanta roupa para ser guardada que ficamos quase a tarde toda só trabalhando nisso, o que nos ajudou a dispersar os pensamentos vazios e preocupados. Cada objeto e cada foto eram repletos de histórias e aquele homem sabia cada uma delas, me contando várias. Pedi que ele contasse sobre o misterioso rapaz por qual ele se apaixonou aos quinze anos.
— Quando eu morava no Brasil, comecei a fazer um curso de teatro, foi meu primeiro contato com esse mundo das artes cênicas e das artes sexuais — ele começou a contar e eu me sentei no chão para ouvir, sabia que seria uma ótima história — o curso tinha integrantes bem diferentes, várias idades e jeitos, e eu conheci o Daniel, que também tinha quinze anos. Claro que eu nem imaginava que gostasse de garotos, mas quando eu vi seus olhos, senti algo que foi diferente do que apenas desejo por garotas.
"Foi numa noite de verão já que, no Brasil, toda noite é verão — ele riu, estava se divertindo com a história e eu estava gostando de escutar — o pessoal do teatro saiu para dar uma espairecida depois de um ensaio pesado. Todos se despediam quando Dan me convidou para dar uma volta com ele, queria me mostrar um lugar. Chegando no lago, aquele mesmo que te levei, o rapaz tirou a roupa, nu ao luar, sem pudor ou vergonha. Fiquei muito sem graça ao ver o... bem, você sabe. Eu já havia visto outros por aí, nas revistas do meu pai, mas nunca ao vivo, foi bem diferente. Ele me chamou para entrar na água e, mesmo me tremendo todo, como você estava naquele dia da nossa primeira vez, nervoso, tirei a roupa e entrei.
O final não foi outro, nos beijamos pela primeira vez e fomos embora sem conversar muito, pois eu fiquei com medo, parecia que todos já sabiam. Ben, minha história foi um pouco diferente da sua, a confusão se formou na minha cabeça, as dúvidas, mas eu era jovem e os pensamentos mudavam rápido. Depois disso, começamos a nos relacionar e nos apaixonamos enlouquecidamente — Sua expressão facial mudou repentinamente, revelando uma certa tristeza em seus olhos — Mas tudo mudou quando os pais dele descobriram sobre sua sexualidade, ele não suportou a pressão e tirou sua própria vida.
Eu fiquei arrasado, foi uma fase complicada, por isso eu nunca contei para os meus pais, eu fiquei com medo de que a pressão fosse muita, imaginei que poderia ter o mesmo destino. Foi por isso que eu quis te levar naquele lago, pois é um lugar especial para mim e eu queria que fosse pra você, também. Foi onde eu tive uma das minhas melhores descobertas, onde a minha primeira paixão nasceu e morreu, não foi uma história passageira".
— Eu nem sei o que dizer — estava emocionado, entendi muita coisa sobre Henry após seu relato.
— Foi através de Dan que eu me apaixonei pela atuação, ser várias pessoas e representar vários personagens, sabe? Por isso essa história de estar sem nenhum trabalho me deixou péssimo, só de imaginar que está tudo ruindo eu fico muito mal, me desculpe — Henry me abraçou e eu o beijei no rosto, o afagaria pelo resto da vida se fosse preciso.
Por isso aquele homem parecia tão mais vivido que eu, já havia passado por várias experiências fortes e marcantes. Ele era convicto e resolvido, enquanto eu sempre fui indeciso e inseguro. Num momento em que eu estava começando a ter certeza de algo, se utilizaram disso para me tirar uma das melhores coisas da minha vida, o meu trabalho. Henry e eu conversamos muito sobre a nossa situação e, já que não tínhamos muito mais a perder, resolvemos fazer um desabafo. Me despi do meus conceitos de timidez, a hora de usar a minha fama tinha chegado, eu não queria ficar escondido.
Nas nossas redes sociais publicamos uma mensagem, com uma foto em que nossas mãos estavam agarradas. "Caros estúdios de cinema, caros diretores, atores e todas as pessoas do mundo. Este é um manifesto de amor, de afeto e de força. Estamos sendo boicotados por amar. Isso mesmo, retiraram todas as nossas ofertas de trabalho por estarmos amando um ao outro, disseram que já não somos masculinos o suficiente para os papeis. O que mudou? Continuamos as mesmas pessoas, nossas habilidades profissionais continuam as mesmas, não tem nada de diferente. A única diferença é o preconceito de todos vocês, que tiram vidas e destroem carreiras. Parabéns a todos os envolvidos, estamos muito felizes em dizer que não vamos ceder e que vamos resistir por todos os que já sofreram e sofrem pelo preconceito nesse mundo hipócrita".
Em menos de minutos, nossa publicação já tinha quase um milhão de compartilhamentos, o alcance foi enorme e a mídia conseguiu extrair tudo o que pôde daquela história. "Manifesto do amor é publicado por Benry em redes sociais, atores alegam estar sem emprego", "A coisa mais linda que você verá hoje", "O mundo cruel dos cinemas", várias manchetes sensacionalistas e outras mais inteligentes surgiam a todo momento. Henry e eu ficamos felizes com o resultado, não poderíamos deixar a coisas acontecerem daquela forma, a visibilidade era importante e esse foi um meio de gritar para que todos pudessem escutar.
Várias matérias fomentaram o assunto, dando força para novos relatos surgirem. Preconceitos de várias formas foram sendo desmascarados, racismo, sexismo, assédios, foi uma loucura na internet. Já de madrugada, percebemos que os termos "Benry", "SofriPreconceito" e "Orgulho" já estavam em primeiro lugar nos assuntos mais falados no mundo. Sem ter o objetivo, nossa publicação acabou estourando uma panela de pressão que já estava no limite, mas, como tudo na mídia passa rápido, esse assunto também seria esquecido em poucos dias.
Dormimos exaustos nos sofás mal dispostos do loft de Henry e, no outro dia, já acordamos com chuvas de mensagens e notícias, mais positivas do que negativas. Infelizmente, nossos agentes acharam que seria coisa demais para eles e se demitiram, com certeza foi uma decisão da agência, pois os dois eram da mesma. Isso não foi um empecilho para o nosso dia ser ótimo. Fomos a uma cafeteria perto da minha casa e encontramos várias pessoas que pediram para tirar fotos, pegaram autógrafos e nos deram muita força para não desistir.
Era o dia do jantar com Josh, eu fiquei meio receoso sobre o que fazer, mas Henry preparou um cardápio fantástico. Ele era a pessoa perfeita, fez vários cursos de culinária e cozinhava como ninguém. A campainha tocou e abrimos a porta como os casais clichês dos filmes americanos, um ao lado do outro, sorrindo como bobos. Josh fez cara de "parem com isso, hajam normalmente" enquanto nos entregava o vinho branco preferido do Henry. Já sentados na sala de estar, degustando os canapés que Henry preparou e o vinho que Josh trouxe, nos divertíamos contando histórias engraçadas sobre situações nos sets de filmagens.
— Quando o cabo arrebentou e o Ben me agarrou para eu não cair, pensei "ninguém me tira daqui" — rimos descontroladamente, Henry era muito engraçado na hora de contar as histórias.
— Meu queridos, eu sei o motivo de terem me chamado aqui — Josh cortou o clima e ficamos um pouco sem graça — os fãs amaram a notícia do romance de vocês, mas os estúdios... é complicada a situação de vocês. Espiões de Elite não está rendendo tão bem quanto gostaríamos e o estúdio acredita que pode ser por causa de vocês. Não vou mentir, sabemos muito bem como é a indústria do cinema, ninguém se importa com ninguém, o egoísmo e o dinheiro sempre falam mais alto. Com essa postagem nas mídias sociais...
— Não foi uma má ideia — argumentei, Henry pousou sua mão sobre meu braço, sinalizando para que eu esperasse.
— E com essa postagem nas mídias sociais as coisas melhoraram significativamente, pois o alcance foi incrível, vocês estão sendo noticiados em várias partes do mundo. Estou negociando uma sequência de Espiões de Elite e o estúdio demonstrou interesse, mas a possibilidade de não acontecer também existe. Eu juro pra vocês que farei o possível pra que esse filme aconteça, mas não depende só de mim, vocês sabem como esse mundo é doente.
— Eu sei que podemos contar com você, Josh — Henry pegou a mão do amigo e a embrulhou com as suas, num gesto fraterno muito bonito.
— Você é um irmão pra mim e você — virou-se para mim — agora é da família que eu escolhi, não se esqueçam disso.
Ainda não estávamos certos sobre o que tínhamos feito. Eu fiquei muito sem graça de estar pedindo emprego daquela forma, mas foi o que nos restou. Josh disse que entendia a nossa situação e que jamais nos deixaria desamparados, faria tudo o que pudesse. Ele conhecia o meio podre de Hollywood, sabia como as pessoas pensavam, a publicação nas mídias sociais nos deixou em evidência novamente, mesmo que essa não tivesse sido nossa intenção.
A manhã seguinte acordou chuvosa e ficamos na cama até bem tarde, era ótimo acordar ao lado de Henry, ele me abraçava por trás e eu percebia o seu... vigor matinal. No início, eu me sentia estranho quanto a isso, mas eu me acostumei, aliás, eu já sentia falta quando o seu peso não estava sobre mim quando acordávamos. Mas daquela vez eu acordei com o cheiro de café da manhã. Desci as escadas como se estivesse num episódio de desenho animado, flutuando e sendo puxado pelo cheiro maravilhoso. Só me esqueci de um detalhe: no final dessas cenas, sempre há uma armadilha.
A cozinha cheirava a panquecas e ovos, havia um monte de frutas e pães em cima da mesa, acompanhando café, leite e suco. Confesso que fiquei meio assustado com tudo aquilo, Henry estava elétrico, radiante, como se tivesse tomado um gole de Felix Felicis, mexia numa frigideira, terminava de bater um suco, ligava outra boca do fogão, seu sorriso robótico era de dar arrepios.
— Bom dia, meu amor, dormiu bem? — Henry indagou e quase derrubou a panqueca ao colocá-la num prato.
— Bom dia, tudo bem com você? — Perguntei enquanto desligava o fogo dos ovos mexidos para não queimarem.
— Tudo maravilhoso — uma risada estranha acompanhou a resposta.
— Henry, o que tá acontecendo?
— O quê? Estou me sentindo confiante, sinto que hoje será um grande dia para nós! — Ele gesticulava com as mãos, fazendo uma cena exagerada e engraçada.
Apaguei todas as chamas do fogão, desliguei o liquidificador e tirei tudo o que estava em suas mãos. Pedi que ele respirasse fundo e, com as minhas mãos, segurei em seu rosto, perguntando o que estava acontecendo. Ele mal conseguiu abrir a boca direito e, entre os dentes, disse que seus pais chegariam no próximo final de semana e que tinham exigido me conhecer num almoço ou jantar. O rapaz respirou aliviado, como se tivesse tirado um planeta inteiro de cima dos ombros, me olhou com curiosidade para saber qual seria a minha reação, mas eu estava viajando longe.
Eu nunca poderia apresentar Henry para a minha família e isso me deixou um pouco pensativo. Naquele momento, me senti mal por ter saído daquele jeito da casa dos meus pais. Porém, eu não conseguia enxergar outra solução, acho que eles nunca receberiam meu perdão, tudo o que me fizeram passar, o segredo guardado por tantos anos, as comparações com o meu irmão, tudo foi batendo na minha cabeça como pedras, fazendo doer. E Henry estava nervoso por seus pais exigirem me conhecer?
Acordei dos pensamentos com Henry estalando os dedos em frente ao meu rosto. Minha reação foi uma risada, eu achei graça do comportamento de Henry que, apesar de adulto, estava agindo parecendo adolescente, nervoso por apresentar o namorado aos pais. Então eu me toquei, eu seria o primeiro namorado, homem, que Henry apresentaria aos seus pais. Eu parei de rir assim que entendi a situação, parece que eu ia ficar igual o Henry, mas olhei fixamente em seus olhos e disse para ele não se preocupar, que iria ficar tudo bem. Mesmo sabendo que a frase não era verdade, não tinha como saber que tudo iria ficar bem.
Tantos problemas se apresentando, um futuro duvidoso nos rondando, as preocupações nos apertando contra a parede. O que seria de nossas vidas? Josh nos deu uma pontinha de esperança, mas não poderíamos nos agarrar àquilo, o estúdio iria esperar o filme alcançar uma margem de lucro para confirmar uma sequência e, mesmo alcançando um bom valor, isso poderia não acontecer. A vida de adolescente apaixonado estava nos abandonando pouco a pouco, trazendo problemas reais, que batiam em nosso rosto sem dó.
Visões diferentes sobre relacionamentos, problemas com o trabalho, envolvimento familiar, tudo isso começava a me assustar, seria coisa demais para eu lidar? O amor costuma nos cobrar tanto assim? O que é preciso passar, que situações devemos presenciar, até onde devemos ir? Eu sabia que essas questões seriam respondidas apenas vivendo, não existia outro jeito, você nunca saberá o que vai acontecer se não se colocar a prova, é preciso arriscar.
E eu estava disposto a me jogar, já havia acontecido tanta coisa em minha vida depois que conheci o Henry, eu não poderia me deixar levar pelas experiências ruins, mas meus dias pareciam mais escuros, menos felizes. Essa é a ironia, tanto tempo para achar alguém que me fazia feliz, mas tudo estava desmoronando em virtude disso. Pelo menos eu tinha plena consciência que o problema nunca foi o Henry, sempre foi o preconceito das outras pessoas.
Qual o problema de amar? Seja uma pessoa do mesmo sexo ou não, amor é um sentimento, não pode ser enjaulado e submetido a regras. O amor precisa ser livre, precisa ter asas para voar da forma que quiser. A esperança de que, um dia, todas as pessoas poderiam amar sem medo, me fazia pensar em tudo de bom que o mundo poderia experimentar. O ser-humano é feito de emoções, sentimentos, se engana quem diz o contrário, não existe razão quando se trata de coração e era, por esse motivo, que eu seguia em frente.
<><><><><>
Notas do autor
Olá, pessoas! Espero que esteja tudo bem com vocês! Como sabem, Ben & Henry está concorrendo ao Watty Awards 2017-2 como melhor romance LGBT e conto com vocês pra gente levar essa vitória! Lembrando que pode votar quantas vezes quiser.
Quem ainda não votou, me peçam o link no privado, pois é inútil colocar o link aqui, já que não dá pra clicar ou copiar. Vamos que vamos, pois essa indicação é mais de vocês do que minha, já que sem vocês essa história não teria chegado onde chegou.
E... rumo ao primeiro k! É isso mesmo, já estamos quase alcançando mil visualizações e meu coração vai batendo mais forte a cada voto <3 <3 <3
Observação: Ben anda muito poético (ou tentando), né gente <3
Observação 2: Se vocês ficaram curiosos pra saber a história do Henry com o primeiro boy dele, estou terminando o conto em que o Henry narra tudinho, logo logo publico ele pra vocês.
Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top