6 | Feridas Familiares

"As pessoas podem levar tudo de você/ mas eles não podem levar a sua verdade/ a questão é/ você pode lidar com a minha?" (Britney Spears – My Prerogative)

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A viagem de poucas horas foi muito cansativa, meus pensamentos não pararam nem por um minuto, mesmo tomando remédio para dormir. Eu não era aquele tipo de pessoa familiar, sempre fui mais quieto e gostava de ficar sozinho, tranquilo. Família é sempre um assunto complicado e a minha mãe gostava muito de exibir sua tradicional obra-prima doméstica: o papai, a mamãe e os dois filhinhos. Imaginem o colapso causado quando eu quis entrar para o teatro e cinema, me tornei a ovelha negra da família. Para não quebrar o ciclo da rejeição, eu estava indo os visitar para, dessa vez, me tornar a ovelha colorida.

Durante o voo eu pensei exaustivamente em todas as cenas possíveis, que iam de lágrimas até tapas na cara. Meu estômago embrulhava de cinco em cinco segundos, me trazendo aquele velho e conhecido bolo na garganta, aquela sensação de que vou morrer entupido com os meus próprios sentimentos. Depois de vários momentos pesados que eu tinha passado, minhas emoções se afloraram e tinha me tornado uma pessoa muito mais emotiva e sentimental, mas achava isso ótimo, eu estava adorando o novo Ben.

O táxi me conduzia pelas ruas de Seattle e eu fiquei abismado com as mudanças enquanto estive fora. Geralmente, eram meus pais que me visitavam em Los Angeles, eu não colocava os pés naquela cidade há uns quatro anos. Olhando as árvores passando, decidi que não queria mais tentar adivinhar o futuro, não tinha como eu saber qual seria a reação dos meus pais e nem a minha diante deles.

— Tio Benny! — Minha sobrinha, Kara, deu um sorriso enorme ao abrir a porta para mim. Ela atravessou o portal de madeira e abraçou minhas pernas, que era onde ela conseguia alcançar com seus quatro anos.

— Hey, minha fadinha, como você está? — A levantei com meus braços e lhe dei um beijo na testa. Só consegui perceber que sentia tanta saudade ao vê-la ali, na minha frente.

— Ah... Ben... — meu momento feliz foi interrompido pela cara de decepção que Susan, minha mãe, exibiu ao sair pela porta de entrada. Dirigiu-se à Kara e disse — querida, vá para dentro brincar com as suas bonecas, seu tio já está de saída.

— Quê? Não... eu vim aqui ver vocês, não vai me deixar entrar? — Perguntei com a voz firme, contudo, eu já sentia a tristeza me invadindo.

— Você quer aparecer aqui, entrar como um bom filho, fingir que está tudo bem, mesmo o mundo inteiro já ter visto você beijando aquele... você sabe! — O desprezo em sua voz me alvejava.

— Foi um erro vir aqui — o sentimento de tristeza tinha se tornado raiva, eu nem queria mais olhar para o rosto dela. Me virei, enfurecido, e fui andando em direção a lugar nenhum, só queria sair dali.

Por que ela tinha que ser tão dura comigo? O que eu fiz para ela me tratar daquele jeito? Algo esmagava minhas vísceras, apertava meu coração, eu queria Henry ali do meu lado. Ouvi a porta atrás de mim se bater e senti que não havia mais volta, aquela senhora magra e sisuda nunca mais iria falar comigo novamente. Fazia alguns dias que eu já não me sentia confuso, mas aquela cena me fez começar a pensar se eu também queria ver a minha mãe de novo ou fingir que ela não existia e tentar ser feliz.

Lembranças cruéis passavam como um filme. Eu ainda era criança, pequena demais para aprender a usar os talheres corretamente e, mesmo assim, ela sempre batia com a colher na minha mão quando eu não conseguia pegar a faca. Ela tinha prazer em ver minha dor, sempre que estalava suas mãos no meu rosto quando eu falava alguma palavra errada. Sempre gritando, parece que nunca foi feliz em toda sua vida, amargurada, maldizia e praguejava até os empregados da casa.

Só lembro de vê-la feliz no casamento do meu irmão, Robert, uma cerimônia pomposa e lotada de convidados. Ela sorria e conversava com todos, mas sempre me olhava com cara de desprezo, como se ela tivesse certeza que eu me tornaria uma decepção. Ela nunca acreditou em mim, sempre me depreciando, me deixando para baixo, no fundo do poço. Mas a minha resiliência era forte, eu me reinventava e me tornava outra criança, outro adolescente, só para tentar agradá-la. No entanto, nunca obtive sucesso em ser um filho para ela.

Quando eu anunciei que queria fazer o curso de teatro, ela quase me expulsou de casa, nesse dia eu decidi que não viveria mais sob suas asas, sob as escolhas que ela fazia por mim. Quase não conversamos depois que isso aconteceu, apenas nas poucas vezes em que eles foram me visitar em Los Angeles. Somente quando fiquei famoso que ela fingia aceitar minha profissão.

Meu pai, George, sempre foi neutro. Nunca me defendeu, nunca me ofendeu, era como se eu nem existisse. Aliás, era como se ele nem existisse, para ninguém, a casa nem tinha fotos dele. Sempre achei isso estranho, mas antes ele ser invisível do que ser implicado comigo. Eu até tentava me espelhar nele e ser invisível também, em vão, já que eu sempre era tragado para a rede de ventríloquos da minha mãe.

Todas essas memórias iam se misturando e eu estava começando a me sentir tonto de novo. Parei, me apoiei na árvore da calçada, suspirei profundamente, esperando que as memórias ruins saíssem junto com o ar nos meus pulmões. À sombra, senti que estava melhorando, quando ouvi uma voz rouca e uma mão pousando no meu ombro, fui virado e consegui encarar os olhos do meu pai. Ele me abraçou longamente e me levou até um parque próximo da casa.

— Não fica assim com as coisas que sua mãe te fala — ele tentava protegê-la, mas eu ainda estava quebrado demais para pensar em perdão — ela já não pensa mais direito.

— Eu não estou entendendo você, aquele e-mail também tem a sua assinatura... — o gosto amargo daquelas palavras quase me fizeram devolver a comida de avião.

— Que e-mail?

— Como assim "que e-mail"? Aquele que vocês me enviaram, dizendo que eu não seria mais aceito em casa.

— Não estou sabendo disso — percebi que ele realmente não fazia ideia do que eu estava falando. Peguei o celular, acessei àquele texto e entreguei para que o lesse — mas... o que é isso? Sua mãe enlouqueceu? Eu nunca faria isso.

— Não? — Perguntei, perplexo.

— Olha, Ben... Eu nem sei por onde começar — seus olhos se umidificaram, fitando um balanço que se movia com o vento, sua voz afogada. Ele não conseguiu segurar, começou a chorar e me abraçou.

Em meio a soluços, ele apenas pedia desculpas e eu fui entendendo o seu desabafo, mesmo sem ele dizer mais nada. Uma vida presa no peito, ele nunca pode ser o pai que queria ser, pois minha mãe o afugentava, ela sempre queria levar o mérito da boa educação que os filhos recebiam. Meu pai vivia em um relacionamento abusivo, no qual ele era a vítima. Sem tentar conter as lágrimas, nos encaixamos um no ombro do outro e choramos ali, sentados num banco no meio do parque, com crianças correndo e brincando.

Um pai e um filho que nunca conseguiram se conectar antes, naquele momento, estávamos ligados. Ficamos por ali durante uns quinze minutos, nos acalmamos, em silêncio, observando a movimentação do parque, o vento soprando as folhas amarronzadas, processando o que tinha acabado de acontecer.

— E então, gosta de homens? — Ele quebrou o silêncio, mais direto impossível.

— É... complicado — respirei fundo e continuei — conheci Henry porque trabalhamos juntos nesse último filme, mas eu nunca tinha imaginado nada, pai, juro, nunca tinha passado pela minha cabeça que eu quisesse ficar com outro homem. Mas um dia aconteceu, foi de repente... E... Eu o amo, só sei disso.

— Tem certeza que nunca passou pela sua cabeça? — O olhei curioso, atento, o que ele sabia? — Me lembro quando você era bem pequeno e chegou em casa todo arrebentado por garotos da escola. Quando fui até lá, apurar os fatos, me disseram que a justificativa dos agressores era que você estava olhando para eles, no banho.

— Eu...

— Eu voltei para casa disposto a conversar com você — continuou, me interrompendo — eu queria saber se era verdade, o que você sentia, ajudar, mas sua mãe... você sabe...

Um relâmpago atravessou minha mente e mais imagens da minha infância foram surgindo. Minha mãe nunca me deixava sozinho com outros garotos, por isso eu nunca tive grandes amigos, nenhum deles podia ficar no meu quarto para brincar ou conversar. Ela sempre soube que eu também gostava dos meninos, mas sempre me impediu de ser eu mesmo. Minha vontade era de gritar bem alto, espantar todos os pássaros que estavam ali, fazer as crianças correrem, eu queria explodir. Meu coração acelerou.

— Meu filho, não importa quem você ama, o que importa é se o sentimento é verdadeiro. Confesso que não fiquei confortável com a notícia, foi estranho saber que meu filho mais velho que, até então, gostava de mulher, passou a gostar de homem.

— Não, não é bem assim. Eu gosto do Henry, mas isso não significa que eu deixei de gostar de mulher — o rosto dele deixava claro sua confusão — eu sei que é confuso, mas logo você entende.

— Como eu disse, não importa, quero que você seja feliz — ele me deu um tapinha no ombro e se levantou — agora vamos para casa, você e sua mãe precisam conversar.

Demorei a concordar com a ideia, eu ainda estava fragilizado depois de tudo o que aconteceu. Várias cicatrizes foram abertas. Mas eu decidi que voltaria e enfrentaria Susan, eu precisava tirar esse peso dos ombros, não haveria nada mais a se fazer a não ser cauterizar as feridas. Contudo, resolvi que iria para um hotel, descansar, e voltaria no outro dia, mais calmo. Meu pai concordou com a ideia e me levou até um hotel ali perto, me deixando após outro abraço.

Na tentativa de que as cenas daquele dia se diluíssem na água do chuveiro, tomei um longo banho e me deitei. Deve ter sido difícil, para o meu pai, viver tanto tempo com a minha mãe, e ter que continuar convivendo. Os casamentos tradicionais podem ser lindos no imaginário da maioria das pessoas, mas a verdade é dura. Um casamento infeliz pode matar as pessoas aos poucos, sob o ideal imposto de que o casamento tem que ser para sempre.

Mais tarde conversei com Henry, pelo telefone, e contei tudo o que havia acontecido. Ele ficou feliz de saber que meu pai e eu começamos a nos relacionar como pai e filho. Porém, achei ele um pouco estranho, não demonstrou interesse na conversa mesmo dizendo que não estava ocupado, quis desligar rápido. O que será que estava acontecendo? Será que ele se arrependeu da mudança? Me despedi e resolvi ir a algum barzinho para tomar um drinque e espairecer.

Andei algumas quadras sentindo o vento fresco no rosto, observando os edifícios que não estavam ali antes, a quantidade absurda de carros nas ruas apertadas. Prefiro Los Angeles. O bar se chama "Lo Puerto" e tinha um ar mexicano, o que me fez lembrar do meu lapso de raiva naquele hotel, com o Henry, há algumas semanas. Balancei a cabeça a fim de sacudir essas recordações, ultimamente eu estava passando por muitas coisas ruins, mas também estava tendo ótimos momentos felizes.

Eu precisava parar de focar nas minhas ansiedades e ficar mais tranquilo, começar a aproveitar minhas felicidades e sorrir mais. Caso contrário eu me tornaria uma Dona Susan, carrancudo e inflexível, tentando controlar todos a minha volta, num jogo sem fim. E lá estava eu, de novo, preso nos meus dramas, tomando um gole da minha bebida, quando algo improvável aconteceu.

— Ben?! Não acredito! — Quem não acreditou fui eu. Naomi, minha primeira namorada, estava materializada na minha frente.

— Naomi? Como você está? — Me levantei para cumprimentá-la, mas fiquei confuso em como agir, até que ela me puxou e me deu um abraço, tocando nossas bochechas no final. Que perfume ótimo — Vem, senta aqui comigo.

— Veio visitar seus pais? Como está a vida? Meio... agitada... agora, né? — Ela ficou corada e puxou um pouco do cabelo para tampar suas orelhas, como sempre fazia.

— Sim, as coisas andam agitadas, eu precisava vir, pra tentar ajustar tudo.

Ela me contou sobre como estava feliz sendo atriz de séries de TV, pois o cinema nunca chamou sua atenção. Mas apesar do assunto rodar e rodar, acabou caindo no meu relacionamento com o Henry. Claro que Naomi não iria deixar de tocar nesse assunto, ela foi sempre tão curiosa, precisava saber diretamente da fonte.

— Eu nunca imaginaria, mas respeito, você está muito mais maduro, um homem lindo, sabe o que quer — Naomi sorriu, eu conhecia aquele sorriso, ela estava flertando comigo.

— As coisas nem sempre acontecem de acordo com o planejado — tentei ignorar o flerte, mas ela estava tão linda, uma linda mulher morena, de olhos escuros e lábios rosados naturalmente.

— O que você acha de irmos para outro lugar? — Pronto, veio a pergunta que eu, falhando miseravelmente, queria evitar.

— Talvez, não sei se é uma boa ideia — olhei para o lado, desconfiado, como se alguém estivesse me observando. Eu não queria sorrir, mas eu não conseguia controlar aquela sensação. Várias lembranças de quando estávamos juntos apareceram, momentos picantes. Será que ela está usando aquela renda?

— Talvez... A gente pode relembrar o nosso tempo — provocante, ela mordeu os lábios, se inclinando para frente, deixando à mostra o decote generoso. Senti algo dando sinal, vinha de baixo, de dentro da minha calça — Eu sei que você quer...

Num segundo estávamos no balcão pagando a conta e saindo do bar. Entramos em seu carro, minha respiração estava pesada, sem controle. Euforia ou culpa? Com o carro ligado, a linda moça ao meu lado posicionou sua mão na minha coxa, me retraí, foi como se eu estivesse levando uma facada. Era bom e, ao mesmo tempo, dava vontade de sair dali sem olhar para trás. Naomi nos dirigiu para o meu hotel e entramos no quarto sem nem trocar olhares.

Ela virou meu rosto e me disse para relaxar, ninguém saberia o que fizéssemos ali. Saí do contato visual para preparar um drinque. O que eu tô fazendo? Ela me seduzia mostrando a cinta-liga por baixo do vestido roxo, passando o cabelo atrás da orelha e o jogando para um lado só. Eu suava frio. O que eu tô fazendo? Preparei aquele drinque sem nem perceber o que tinha feito.

Talvez, se eu voltasse a ficar com Naomi, minha família poderia me aceitar novamente. Isso ecoava na minha cabeça e eu estava aceitando a ideia. A confusão de querer ser aceito, querer ser feliz, ser o filho sem defeitos, essa loucura de querer ser outra pessoa apenas para agradar. Essa ideia foi crescendo, Naomi revelou a renda preta de suas roupas íntimas, afrouxei o nó da gravata, arregacei as mangas, escorrendo suor.

Sentei no sofá e bebi quase todo o conteúdo do copo de uma vez. Naomi sentou-se ao meu lado, passando suas unhas no meu rosto, ela sabia que eu amava seu jeito de femme fatale. Eu estava dando brecha, eu estava querendo também, mas eu lutava internamente com as lembranças de Henry. Ela estava sedenta e, sussurrando, dizia que queria meu corpo, meu gosto em sua boca. Ela chegou bem perto, segurou meu rosto com as duas mãos e guiou seus lábios até os meus.

— Não! — Saí de perto antes que nos beijássemos — não posso fazer isso, me desculpe.

— Fala sério, Big Ben — ela tinha me dado esse apelido quando namorávamos — vamos continuar nossa brincadeirinha.

— Naomi, eu também quero, mas não posso. Finalmente eu descobri que amo alguém e que ele me ama também. Não posso trair sua confiança na primeira oportunidade — fui em direção a porta, deixando claro que eu queria que ela fosse embora.

— Não acredito que isso está acontecendo, virou bicha mesmo! — Seu escárnio me deixou com raiva.

— Você acha que isso me fará mudar de opinião? Você está aqui para me testar? Isso apenas te torna uma preconceituosa egocêntrica. Pra você é sempre isso, sempre se trata da sua beleza e sedução, não aguenta ver ninguém feliz, você tem que estragar — abri a porta do quarto com força e enxuguei o suor da testa com a manga da camisa — vai embora logo, me desculpe se te dei abertura, mas foi um erro.

Naomi deixou o quarto xingando e esbravejando, ela estava com muita raiva e com razão. Eu dei sinal verde para ela continuar com o flerte, o imbecil fui eu, de novo. Olhei o celular implorando para que Henry não me ligasse mais tarde, seria difícil falar com ele após essa estupidez. Deitei sob o lençol macio da cama do hotel, liguei a TV para desviar a atenção da besteira que eu quase fiz. Não demorou muito para eu adormecer.

Acordei com a camisa suada, mas não me lembrava de nenhum sonho que tive naquela noite. Meus músculos estavam duros, doloridos, fui até a minha bolsa e peguei dois comprimidos para ver se aliviava um pouco. De repente algumas lembranças do dia anterior se destacaram e a culpa bateu forte de novo, mas eu precisava me apressar, queria ver minha mãe logo, finalizar esse assunto e acabar com tudo isso, ir embora daquela cidade. Ainda eram dez horas da manhã quando bati na porta de madeira escura da casa dos meus pais.

Minha mãe abriu a porta e não disse uma palavra, apenas gesticulou, sem vontade nenhuma, para que eu entrasse. O cheiro da casa invadiu meus pulmões, era o mesmo cheiro da minha infância e me trouxe algumas memórias boas. Apesar de minha mãe ser uma megera, também tivemos alguns momentos bons, como quando podíamos experimentar a massa crua do bolo ou quando sentávamos perto da lareira para ouvir histórias.

— Não vai me dizer nada? — Ela parou perto da escada, nem quis sentar, dando a entender que não tinha disposição para conversar.

— O que você quer que eu diga?

— Sei lá, talvez, um pedido de desculpas? Por envergonhar a sua família para todos verem? Por virar um... — ela não teve coragem de dizer, estávamos cara a cara agora, era mais difícil.

— Olha, o que eu tenho para te dizer é que eu não mudei, eu não virei nada, você sabe muito bem que eu sempre fui assim, mas você me deixava somente com as meninas, com medo de eu querer algo com os garotos — pronto, o bolo da garganta tava saindo, eu temia as palavras que poderiam sair junto — Mas você sempre me prendeu, sempre me segurou, nunca me deixou viver. Então, o que eu tenho pra te dizer, é que agora eu sou feliz, como eu nunca fui quando você me controlava. Eu estou amando e sendo amado, não importa se é homem ou mulher! Você não entende isso porque nunca amou ninguém.

— Você pode ser adulto, mas ainda me deve respeito! — a mulher esbravejou e fez menção de continuar a falar, mas eu a interrompi.

— Quem me deve respeito é você, não é porque sou seu filho que não mereço respeito. Olha onde eu cheguei, os prêmios que conquistei! E você acha que tive apoio de alguém dessa família? Eu fiz tudo sozinho! E quando, finalmente, eu acho uma pessoa pra dividir meus sonhos e medos você vem me dizer que eu estou errado? Por que você me odeia tanto? O que eu te fiz pra você me tratar assim desde criança? Eu sou seu FILHO!

— NÃO, Ben, você não é meu filho, não saiu de dentro de mim, você é filho de outra mulher — suas palavras me acertaram como um tiro.

Sentei no sofá, minha visão ficou embaralhada e a minha respiração queria parar, eu não sabia o que falar, apenas queria que Henry estivesse do meu lado. Meu pai, que chegou naquele exato momento, sentou-se ao meu lado, aos gritos com Susan. A mulher subiu as escadas e, mesmo com a visão turva, pude notar tristeza em sua face, pela primeira vez ela não me odiava. Ela sentia pena de mim.

George me explicou o que aconteceu. Ele era casado com Susan há dois anos quando conheceu a outra mulher. Eles iniciaram um romance escondido e ela acabou engravidando, mas, o destino já brincava comigo, meu nascimento foi a causa de sua morte. Sem saber o que fazer, meu pai se sentiu obrigado a contar tudo para Susan, que aceitou me criar. Porém, com o passar do tempo, ela foi se afastando de mim e o sentimento de repulsa era visível.

Eu tentava assimilar aquela história, como eles tiveram coragem de esconder isso de mim a vida inteira? Eu não sabia como reagir, apenas me levantei e saí pela porta, ignorando todas as vezes que George me chamou e pediu que não fosse embora. Caminhei até o parque em que estive no dia anterior criando laços com o homem que manteve um segredo escondido de mim, durante trinta anos.

Naquele momento eu só pensava em Henry, seus braços me cobrindo de compreensão, suas palavras de empatia. Peguei o celular e liguei, sem resposta, deixei recado na caixa postal. Eu estava tão chocado que nem conseguia chorar. Senti uma presença sentando-se ao meu lado, mas nem olhei para saber quem era, eu segurava minha cabeça com as mãos, fitando meus sapatos cobertos com alguns grãos da areia do parque.

— Hey, você está bem? — Reconheci a voz do meu irmão, Robert, que tinha levado Kara para brincar no parque. Ele era mais novo do que eu, mas já tinha uma família construída, se tornando o orgulho de Susan.

— Você sabia? — falei sem me mexer — Que eu... não sou filho de verdade da Susan?

— O quê? Do que você está falando?

Contei a história e ele ficou estupefato, aparentemente, também não sabia de nada. Robert me abraçou, na tentativa de me consolar, dizendo que eu sempre poderia contar com ele e que poderíamos usar isso para nos aproximar mais, visto que sempre fomos muito afastados. Concordo com isso, Susan sempre fazia questão de nos diferenciar, eu sempre era o menos educado, o menos bonito, o menos tudo. Já Robert, sempre era mais inteligente, o mais esperto e sempre recebia todo o carinho e atenção. Porém, era tarde demais para uma reaproximação.

Minha sobrinha, Kara, que estava brincando ali no parque, veio me dar um abraço e me disse para não ficar triste, mesmo eu não tendo falado nada para ela. Fiz um carinho em seus cabelos escorridos e lhe dei um abraço apertado. Aquela pequena alma, tão inocente, não sabia o que eu estava passando e, mesmo assim, já tinha o impulso de ajudar. Após beijar o seu rosto e ela dizer "eca", me despedi dos dois e voltei para o hotel.

Eu estava arrumando minhas coisas e não conseguia parar de olhar o celular, esperando que Henry me retornasse. Ele estava estranho ultimamente, não quis me dizer o motivo, será que era algo relacionado a nós dois? Um arrepio me subiu a espinha. Após a última revelação seria demais receber um "não" e ficar sozinho, eu amava Henry com muita convicção e temia que algo desse errado. O pior inimigo de um relacionamento é o próprio amor, um sentimento traiçoeiro que pode nos dar muita felicidade, mas parece que sempre cobra algo dos amantes.

Deitei na cama, cansado das reviravoltas, cansado de tudo. A família é uma instituição especializada em deixar feridas abertas que, dificilmente, cicatrizam. Eu não sabia se conseguiria olhar na cara de Susan ou do meu pai novamente, esconderam de mim algo tão importante durante tantos anos. Meu pai, principalmente, me via sendo hostilizado por aquela que se dizia minha mãe, diariamente. Provavelmente ele sentia que se intrometer, poderia trazer a história de sua traição à luz. Acordei com o celular tocando desesperadamente, apalpei o criado mudo até encontrá-lo e atendi tentando abrir os olhos.

— Ben? Como você está? — Meu corpo se aqueceu quando ouvi aquela voz.

— Me sinto um lixo, quero você.

— Embarco amanhã para Los Angeles, não quero mais ficar longe de você.

— Isso me alegra, eu fiquei preocupado com o jeito que você estava agindo — revelei e senti meu rosto arder por estar evidenciando um medo.

— Eu explico quando chegar, preciso desligar. Hey, não esquece, eu te amo. Muito — aquilo foi como música, meu coração começou a dançar dentro do peito.

— Boa viagem, eu também te amo.

O que ele iria me explicar que não poderia ser por telefone? Isso estava me deixando inquieto. Levantei e fui para o banho, já estava quase na hora de pegar o meu avião, de voltar para a minha casa e esquecer tudo o que aconteceu. Minha vontade era de apagar essas memórias, extinguir qualquer laço que ainda existia entre mim e aquela família. Menos Kara, aquela menininha tão doce, afetuosa, sorte dela que ainda era pequena, sem os amargores da vida adulta.

Decidi encerrar essa fase da minha vida, mesmo sabendoque Susan e George ainda existiam, eu preferi não me relacionar demais, aliás,o mínimo possível. Mas se um problema estava acabando, outro estava apenascomeçando. Recebi uma mensagem do meu agente, dizendo que precisávamosconversar. Pensei que teria algo a ver com o fato de eu não estar me dedicandoao trabalho, mesmo que eu estivesse em férias. Era pior.    

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Notas do Autor

Olá, pessoas! Esse livro maravilhoso (tsc tsc) alcançou 100 votos! Eu estou muito feliz! Obrigado por vocês fazerem essa história acontecer e crescer. <3

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