2 | "Era o medo..."


"Falem-me sobre esse órgão que bombeia dor e prazer." (Lucas N. Santana em Ilusões de Amor Puro)


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Eu não sabia o que sentir naquele momento, fiquei muito mais confuso do que já estava. Vendo aquela troca de mensagens, várias questões se agitaram em minha cabeça. Henry sempre foi gay? Por que ele mentiu que nunca tinha ficado com homens? O que está acontecendo com a minha vida? Por que Josh saberia dessas coisas? Um sentimento de raiva, tomou conta de mim, mas eu precisava me acalmar, entender o que eu estava sentindo. Sentei na cama novamente e fechei os olhos para refletir, porém, sem sucesso. Num impulso adentrei o banheiro e já comecei a externalizar o que estava remoendo meu estômago.

- O que você estava pensando? Planejou isso tudo? Você é louco ou o quê? - falei num tom normal, mas dava pra perceber meu nervosismo. Henry, cheio de espuma no corpo, me olhou atordoado - Você planejou tudo isso? Eu vi sua conversa com Josh, não tente me enganar. Quer saber? Esquece, isso nunca daria certo mesmo, esse não sou eu, não sou assim, foi o calor do momento e nada mais - saí do banheiro sem nem dar chances para respostas.

- Primeiro eu quero te pedir desculpas - disse ao sair do banheiro alguns minutos depois, eu queria prestar atenção, mas fingi não estar interessado, continuei arrumando minhas coisas - o que eu fiz não foi a escolha mais sábia, mas deu certo, não deu? Tivemos uma manhã linda, intensa, que ficará guardada para o resto de nossas vidas.

- Fale por você - respondi secamente - eu não tenho nem vontade de te olhar nos olhos. Você... no que você estava pensando?

- Ben, você significa pra mim muito mais que uma manhã de sexo - sentou-se na cama e fez sinal para que eu me sentasse ao seu lado, a ternura na sua voz me fez continuar escutando - faz tempo que estou tentando investir, flertar, mas você é sempre tão fechado, introspectivo, eu fiquei com medo de ser inconveniente e acabar te afastando. Eu não tramei nada, eu apenas dei um empurrãozinho - riu sem graça se dando conta da besteira que fez.

- Olha, Henry, você é um cara diferente, mas eu não sou... assim... não sou como voc... - parei de falar naquele instante, eu não queria parecer um preconceituoso idiota.

- Não há nada do que se envergonhar, meu caro. Eu sei que você está confuso, quem não estaria? Mas você não pode negar o que aconteceu há alguns minutos, aquilo foi bom demais pra você achar que foi apenas calor do momento. Eu não sei o que você está pensando de mim, se está me achando um otário, um idiota, não sei, mas eu sei o que eu acho de você. Um homem fantástico, que se permite a novas experiências e as vive com intensidade, você não precisa se identificar como nada por enquanto, apenas seja você mesmo.

- O que você quer dizer com isso? - atônito, olhei em seu rosto.

- Existem muitos rótulos: gay, heterossexual, bissexual, tantos nomes pra tentar explicar, entender, aquilo que sempre será uma incógnita para nós, a sexualidade humana. Você sempre cresceu numa família dita normal, assim como eu, não tivemos a oportunidade de pensar diferente dos nossos pais. Não tivemos a oportunidade de experimentar.

- Mas o que as pessoas vão pensar de mim? Irão me apedrejar - senti vontade de chorar ao imaginar minha vida indo por água abaixo e Henry me abraçou, seus braços eram aconchegantes como o calor do nascer do sol.

- Ben, ninguém precisa saber o que você faz entre quatro paredes, essa é a sua vida. Por outro lado, se você sentir a necessidade, pode gritar aos quatro ventos, isso não vai te impedir em nada. Estamos em 2017, isso já não significa o fim de uma vida inteira. Não fique com medo, eu estou aqui, não estou?

- Eu... eu não sei... Me sinto revirado por dentro - ele levantou meu rosto e enxugou minhas lágrimas com a toalha que envolvia seu corpo- eu tenho...

- Medo. É normal sentir medo do que as pessoas vão pensar, sua família, você mesmo. Mas ele é um sentimento que te limita, cria uma cortina em frente os seus olhos impedindo que você veja com clareza, que você enxergue a realidade como ela é, te faz se esconder por trás do conforto, do habitual. Não deixe o medo te impedir de ser quem você é.

- Mas e se eu não for assim? E se realmente foi só uma coisa de momento?

- Isso somente o tempo poderá te responder, mas é certo que se você não se permitir viver, você nunca vai encontrar o que procura - me manti calado, queria continuar escutando aquelas palavras gentis, aquela voz confortante.

Passamos um bom tempo abraçados na cama, aquilo tudo guardado por tanto tempo estava, finalmente, sendo exposto. Henry me explicou que eu não precisava excluir mulheres da minha vida, uma coisa não exclui outra. Ele me contou que também se relaciona com elas quando deseja e que, no seu ponto de vista, o sexo é algo complexo demais e que ele gosta de ter experiências variadas. Tem espaço para todo mundo ser feliz. A vida nos trás aquilo que podemos aguentar, aquilo que nos trás aprendizado, não podemos ficar escondidos dentro de uma caverna.

Mais tarde, naquele mesmo dia, almoçamos no quarto do hotel. Eu ainda estava pensativo sobre tudo o que ele me disse, era muita coisa para digerir, ele respeitou meu momento e não tentou puxar assunto, mas sempre que eu o olhava ele estava me fitando com seus olhos azuis. Eu estava começando a sentir algo diferente, não sabia o que era, mas queria muito descobrir.

Durante a tarde tivemos uma entrevista num programa de TV, uma hora de autógrafos, depois outra entrevista, tivemos vários canais do YouTube fazendo matérias sobre nós. Numa sessão de autógrafos, eu não conseguia tirar meus olhos de Henry e ele sabia, me encarava de volta, aquilo foi me dando um calor por baixo do terno. Ele me olhou fazendo gestos depravados com a mão, mas de modo discreto, o sorriso sacana, aquilo foi como estourar fogos de artifício. Me senti desconfortável, comecei a suar, senti algo a mais, pedi licença e corri para o banheiro, sorrindo e com medo que alguém visse minha ereção gritando.

Já no banheiro, entrei em uma das repartições e fechei a porta, apoiei a mão na parede e tentei urinar, sem sucesso, visto a rigidez lá em baixo. Pensei que só uma coisa iria ajudar naquela situação e comecei a me masturbar. Eu estava tão concentrado em não fazer nenhum barulho que nem percebi alguém entrando.

- Uau, tá gostoso aí, hein? - quase tive um ataque cardíaco, Henry me espionava por cima da divisória do banheiro, ele estava se tornando especialista em me assustar. Me recuperei do susto e saí rapidamente dali, fiquei um pouco constrangido e embaraçado.

Eu tô ficando louco. Passei a tarde inteira com um sorriso bobo no rosto, parecia que tinha usado algum tipo de droga e estava preso no nirvana. Estava fazendo tudo no automático, respondendo, autografando, tirando fotos, ir ali, dar entrevista uma lá. Eu, no auge dos meus 30 anos, apaixonado. Apaixonado... Isso ecoou e doeu na minha cabeça. Meu semblante mudou, fiquei sério e comecei a me estressar se motivos aparentes, logo pedi para encerrarem e sai apressado antes que Henry me visse.

Já do lado de fora, encontrei um canto discreto, sentei num banco e me perguntei por que eu tinha que ser tão literal? Apaixonado? Não posso dizer que nunca me apaixonei por outra pessoa, mas nada que me deixasse daquele jeito. Minha mão começou a tremer e eu tentei me acalmar, sem sucesso. Tantas coisas se passavam pela minha cabeça, que começou a doer de tanto pensar. Um homem? Estou apaixonado por um homem? Nem se quer estaremos juntos daqui a algumas semanas...

Ele morava em Londres, eu morava em Los Angeles, são mundos diferentes. Dei algumas batidas na cabeça numa tentativa de forçar os pensamentos a irem embora. Apesar de todas as semanas de divulgação do filme, dois dias foi o tempo que passamos juntos de verdade, não entendia o motivo de ter aquele sentimento tão forte. Aquilo me revirava o estômago e eu não estava aguentando, vomitei parte do meu almoço. Alguém passou e tentou conversar comigo, mas eu não entendia nada do seu idioma, apenas acenei que estava tudo bem. Não nada bem. Respirei fundo para a sensação ruim sair do estômago, encostei no banco e limpei as lágrimas, preferi acreditar que eram de forçar o abdômen.

Pedi ao agente para me levar ao hotel e, ao chegar lá, deitei na cama e tentei dormir um pouco para fugir daquilo tudo. Acordei com Henry afagando meus cabelos, tão sutil. Ah não, ele tá aqui, pensei e logo me levantei, fui ao banheiro e percebi que já havia anoitecido. Enquanto lavava o rosto, lembrei-me dos poucos relacionamentos que tive.

O meu primeiro relacionamento sério foi aos 19, enquanto atuava no meu primeiro filme de cinema, um romance dramático. Conheci uma atriz, Naomi, iríamos contracenar em boa parte das cenas. Saímos para um drink e ficamos pela primeira vez, depois disso nos encontrávamos todos os dias. Jantávamos, nos beijávamos, conversávamos, fazíamos sexo, coisas que namorados fazem. Isso durou alguns meses, até que terminamos a gravação do filme e fomos nos distanciando aos poucos, a agenda complicava tudo, decidimos terminar antes que nos machucássemos. Seria esse o meu destino?

Geralmente meus namoros não duravam muito, o motivo mais provável era que eu viajava constantemente para fazer algum trabalho. Ou seria o meu péssimo temperamento e habilidade com as pessoas? Prefiro pensar na primeira opção, admitir que não sou alguém tão agradável de perto exige um grau de evolução do qual não disponho. Seria eu um rabugento nato ou seria apenas a minha autoestima se rebaixando? Tantas questões a serem respondidas.

Saí do banheiro e fui para a sacada sentir a brisa. Um abraço por trás e um beijo na nuca me fazendo arrepiar, me virei, olhei fixamente nos olhos do homem parado na minha frente e sem perceber falei em alto e bom som:

- Henry, acho que estou me apaixonando por você - ao perceber o que tinha acabado de falar, fiquei vermelho como a parede atrás de mim, senti minhas orelhas queimarem, desviei o olhar, mas antes percebi que ele estava sem reação, não esboçou nenhum sorriso, nada.

Como se já não bastasse toda a confusão na minha cabeça, eu tive que arrumar mais uma. Sinceramente, eu não consigo me entender, mais cedo estava preocupado, agora já me declaro apaixonado, fico vermelho e tudo mais. O pior foram os segundos que se passaram entre o que eu falei e qualquer reação de Henry. Você não vai nem dizer obrigado?

- Vem comigo - disse puxando-me pelo braço, pegou nossos casacos e saímos do quarto do hotel.

- O que você está fazendo?

- Shhhhhh, fica quieto, só vem comigo.

Entramos no elevador de serviço e descemos até o corredor que dava acesso à cozinha e lavanderia. Saímos por uma porta dos fundos e Henry nos colocou num táxi. Ficamos sérios o caminho todo, ele nem olhava no meu rosto e eu já estava pensando na grande besteira que fiz, na oportunidade que desperdicei por falar algo na hora errada. Eu preciso ser sempre tão impulsivo? Maldito táxi que não chegava nunca, eu não entendi as palavras que Henry disse ao taxista, agora até português ele fala? Ele evitou meu olhar o tempo todo e, quando o táxi parou, saiu do carro sem dar uma explicação.

Sem entender, desci já nervoso pronto para fazer várias perguntas, mas ao fechar a porta, antes mesmo de ver onde estávamos, ele tampou os meus olhos com um pouco de dificuldade já que sou um pouco mais alto. Sussurrou no meu ouvido para que confiasse nele e me pediu para ir andando devagar. Fui andando às cegas e meu coração começou a acelerar, minha respiração descompassou, eu ia desmaiar ali mesmo. Ao tirar as mãos dos meu olhos, tudo se acalmou. Aquela paisagem era linda.

À beira de um lago, sem luzes artificiais, o céu limpo exibia suas estrelas cintilantes, a meia-lua nos iluminava sobriamente, do outro lado do lago eu conseguia ver a cidade iluminada, os poucos prédios se destacando entre as casas. Enquanto admirava a beleza daquilo tudo, meus sapatos foram retirados e eu pude sentir a grama nos pés, o frescor das árvores, uma calmaria tão suave que eu me sentei para apreciar tudo aquilo.

Henry colocou a mão no meu peito, fazendo com que eu me deitasse na grama úmida de sereno. Ele se deitou ao meu lado e ali ficamos por muitos minutos, talvez uma hora, não sei, não me preocupei com o tempo naquele momento. Quando voltei do transe, me deparei com um olhar feliz e sincero.

- Obrigado - disse a ele.

- Não há nada para agradecer, você é minha motivação pra sair escondido a noite, sem conhecimento do meu agente, é a minha motivação pra fazer essas loucuras - fiz menção de falar alguma coisa, mas Henry continuou - e sabe por que eu fiz isso? Eu me apaixonei por você desde o primeiro momento que te vi. Me apaixonei pelo seu jeito de ser, pelo amor que você tem ao trabalho, por sua simplicidade, por você ser gentil com as pessoas, por gostar tanto dos seus fãs a ponto de ir dar autógrafos mesmo não se sentindo bem - ele me viu passar mal, mas não sabia o motivo - Ben Summers, eu gosto do homem que não tem medo de dizer o que pensa, mesmo que não tenha planejado isso, gosto das suas mãos, gosto da sua nuca se arrepiando com o meu beijo, gosto do brilho no seu olhar quando observa as estrelas. Eu gosto de você exatamente do jeito que você é - seus olhos marejados indicaram sinceridade.

- Ninguém nunca me disse palavras tão bonitas - eu pensei em expor meus medos e minhas inseguranças, mas me aproximei de seu rosto e dei-lhe um beijo, nossas bocas conseguiam sentir o salgado do líquido que escorria dos meus olhos, eu não entendia o motivo de estar tão emotivo naqueles dias. Eu não era uma pessoa que chorava com frequência, mas eu sabia que aquelas lágrimas eram de alívio, felicidade por saber que alguém, totalmente diferente do que imaginei para mim, tinha acabado de se declarar.

Para Henry não era algo de momento, ele já sentia algo por mim há muito tempo, afinal, foram quase 2 anos desde a primeira vez que nos conhecemos. Como ele conseguiu se segurar por tanto tempo? Às vezes eu desejo ler a mente das pessoas, pescar suas memórias, entender o que se passa naquele universo tão particular.

Algumas coisas não faziam sentido ainda, mas naquele momento eu estava aceitando a ideia de que não tem problema eu me apaixonar por um homem ou uma mulher. O que importa de verdade é estar com alguém, querendo isso, desejar ver a pessoa no final do dia, passar um tempo juntos. Fiquei mais um tempo calado, observando aquele lugar, acertando pensamentos confusos e fazendo as pazes comigo mesmo.

- Como você conhece esse lugar? - perguntei.

- Há muitas coisas que você não sabe sobre mim, uma delas é que morei no Brasil antes de me mudar para Londres.

- O que você veio fazer no Brasil? Quanto tempo faz isso?

- Morei aqui quando tinha uns quinze anos, meus pais vieram fazer um trabalho voluntário e fiquei aqui durante um ano, ninguém me reconhece e isso é bem legal, aprendi muito do idioma e algumas expressões também. Eu adoro voltar aqui, é um mundo diferente do nosso, muito mais... verdadeiro.

- Eu diria que você é uma caixinha de surpresas, mas isso seria muito clichê - sorri ao ver ele confirmando com a cabeça - Realmente, o Brasil me tem feito passar por ótimos momentos.

Nos beijamos novamente, mas dessa vez eu senti o fogo em seus lábios. Minha camisa foi sendo desabotoada e, quando percebi, Henry já estava sem a dele, exibindo seu peitoral, os pelos escuros brilhavam refletindo a luz da lua. Escutamos um barulho e nos assustamos, vestimos nossas roupas rapidamente, onde estávamos com a cabeça? Imagine se um fotógrafo tivesse nos seguido, seria uma notícia de capa para o dia seguinte: "Extra! Extra! Atores se encontram escondidos e fazem sexo a luz do luar", por mais romântico que isso fosse, ainda não estávamos prontos, pelo menos era isso que a gente pensava. Henry chamou um táxi e voltamos para o hotel.

Os próximos quatro dias se seguiram entre trabalho e encontros às escondidas. Ficávamos juntos observando o movimento dos carros, a cidade agitada, por vezes nem falávamos nada, nossa presença já bastava. Eu ainda sentia aquela insegurança, aquele medo de me aceitar completamente, mas eu queria me entregar àquele sentimento. Apesar de estar sempre trabalhando isso na minha mente, ainda tínhamos várias conversas sobre sexualidade e preconceito.

- Algo te preocupa? - Henry percebeu minha expressão fechada enquanto eu estava sentado no chão da varanda do quarto no hotel.

- Não, estou apenas pensando em tudo o que aconteceu nesses últimos dias, pensando em como a nossa vida muda e a gente fica com medo de seguir em frente.

- Eu já te falai várias vezes que o medo é normal - seu tom suave quase me fazia acreditar- é um sentimento saudável, mas a gente não pode deixar ele tomar conta.

- Pra você é fácil falar, é todo resolvido já, mas eu... eu não tenho tanta segurança quanto você, não sei se conseguiria... eu nem sei de que eu tenho medo - percebi a minha própria confusão e me encostei na parede, tentando resolver meu quebra-cabeças.

- Quem te disse que sou resolvido? Eu também tenho minhas dúvidas, meus medos, a única certeza que tenho, nesse momento, é que quero ficar com você - sentou-se ao meu lado e me entregou uma caneca com chá de canela.

- Aprecio o seu sentimento, tudo o que faz por mim, a sua compreensão, você não existe - suspirei e tomei um gole do chá, estava quentinho - chega de lamúrias, vamos nos animar!

Já estava tudo pronto, fomos para um boate alternativa, tentamos ir escondido e, aparentemente, funcionou. O local era mais afastado e nem era muito movimentado, estávamos a fim de curtir a noite sem chateação de paparazzi. Por fora a fachada era sem graça, mas por dentro era um lugar amplo e bem colorido, muitas luzes e músicas muito animadas. Pedimos um drink e fomos dançar, me surpreendi com o rebolado de Henry, era estranho e sexy ao mesmo tempo, como um homem daquele tamanho ficava tão sexy rebolando? Ele me olhava com sedução, definitivamente sabia como me provocar.

Fomos para um canto mais escuro e começamos a dançar juntos, nos beijávamos com gosto de vodka e sentíamos o vapor quente de todos aquelas pessoas dançando ali também. De longe, percebi um rapaz me olhando, fiquei sem graça e tentei disfarçar.

- Você tá chamando a atenção - Henry sorriu, demonstrando que já tinha visto o rapaz flertando comigo.

- O que? Não... eu não tive a intenção - fiquei envergonhado, mas Henry parecia se divertir com a situação.

- Para com isso, vai lá conversar com o rapaz que, por sinal, é muito sexy.

- Como assim, você não fica chateado de ver outro cara flertando comigo? - fiquei surpreso e embaraçado.

- Na verdade, imaginar você beijando aquele rapaz tá me deixando bem animado - ele piscou o olho esquerdo e mordeu o lábio inferior. Tremi com a ideia, mas julguei que poderia ser interessante.

O rapaz era mais baixo que eu, olhos escuros e aparentava ser bem novo, usava uma calça jeans clara e uma regata azul, deixando os braços a mostra. Ele não tinha jeito de que malhava, apresentava ser do tipo normal, que não se importava muito com seu físico. Como eu não sabia nada do idioma falado no Brasil, Henry acenou para o rapaz que veio até nós sorrindo discretamente. Eles conversaram algo e eu fiquei muito sem graça.

- Ele disse que nos reconheceu, mas que promete não contar pra ninguém.

- Ah, não sei não Henry, não é muito arriscado? - confesso que não estava muito a vontade.

- O que pode acontecer? Olha, não vamos sair daqui, você pode aproveitar e ter mais uma experiência interessante - Henry me deu um beijo, demonstrando que realmente não estava incomodado.

O rapaz chegou mais perto quando Henry deu espaço. Daniel era seu nome, não poupou esforços, suas mãos percorriam meu corpo por onde alcançavam e eu estava um pouco retraído, tímido, até que Henry se aproximou e cochichou para que eu me soltasse e aproveitasse o momento, finalizando com sua língua molhada na orelha.

Resolvi seguir o conselho e puxei o corpo de Daniel contra o meu, nos beijamos sentindo o calor de nossos corpos, beijei seu pescoço e senti o gosto do suor, nesse momento percebi que Henry estava olhando tudo, o volume na calça mostrava sua excitação. Ele se aproximou e começou a me beijar, depois beijou Daniel, estávamos alheios à boate, éramos apenas os três ali naquele canto escuro.

Daniel nos convidou para sair dali e ir para outro lugar, mas achamos melhor não nos arriscar muito, preferimos continuar curtindo a noite na boate mesmo. Quando chegamos no hotel cheirávamos a álcool e suor, tomamos um banho juntos, já estávamos cansados, mas ainda finalizamos a noite tomando um drink sentindo a brisa na sacada. Expus para Henry que ele era muito diferente e confessei que achei estranho ele sentir prazer em me ver beijando outro rapaz.

- Eu também achei estranho, no começo. Pensar diferente do que todo mundo pensa é complicado, eu senti muito medo de ser julgado. Assim como eu tinha, você ainda tem esse pensamento fechado, ainda tem muito pra se libertar, o que importa é que tudo seja consentido e que dê prazer, vai me dizer que não curtiu se esfregar com aquele brasileiro? Ou quando nos beijamos os três?

- Claro que gostei, mas é tudo muito novo pra mim, acho que prefiro ir com calma.

- Leve o tempo que precisar - Henry tomou mais um gole e apertou os lábios quando engoliu a bebida forte, pegou minha mão e a passou em seu rosto - não tô sentindo nada, acho que já estou bêbado.

- Eu também - rimos e fomos nos deitar.

Tem muito vapor aqui, por que tô me sentindo estranho? Entro morrendo de vergonha, não quero que ninguém me veja. Abro o meu armário e percebo que minhas roupas sumiram. Suspiro de tristeza. De repente ele entra e começa a tirar a roupa, me escondo atrás da porta do meu armário. Ele é tão... bonito. Observo, com medo de ser descoberto, o garoto ruivo que é mais velho do que eu, olho os pelos lá... embaixo. Nossa, é tão diferente do meu. Sinto uma dor na cabeça devido ao soco que levei de outro garoto que me pegou olhando o ruivo. Caio no chão tentando me defender, mas sou chutado e socado ao som de várias vozes gritando "bicha", "veado", "vadia", "morra". Com a visão turva em meio a sangue e lágrimas percebo que já estou sozinho ali, com a minha dor. Levanto com dificuldade, apoiando na parede branca, agora manchada de vermelho, vou mancando até o espelho. Era eu, aos oito anos.

Acordei suado, as bochechas ardendo, o estômago revirando. Que sonho foi esse? Sentei na cama, as imagens rodando na minha cabeça. Fiquei confuso e tentei ordenar os pensamentos, será que desde criança eu já sentia algo em relação aos garotos? Com certeza eu devo ter reprimido isso na infância, após apanhar por ser diferente, era mais fácil fingir ser outra pessoa. E se eu tivesse me aceitado desde criança? Talvez as coisas teriam sido bem diferentes. Eu suspirei olhando para o Henry dormindo.

Talvez por isso eu estava tão inseguro com o que está acontecendo entre Henry e eu. Eu queria muito, ao mesmo tempo que desejava que aquilo nunca tivesse acontecido. Eu desejava seu corpo, suas mãos em mim, mas desejava que aquela banheira nunca tivesse existido, que eu nunca tivesse concordado em dormir no mesmo quarto que ele. Era o medo, sempre ele, porém, agora, eu já sabia o motivo de sentí-lo tanto. Isso é coisa antiga.

Eu já estava começando a me entender comigo mesmo, apesar da minha luta interna que acontecia o tempo todo. Isso é certo ou é errado? Eu estava me encontrando, sentia que o meu vazio estava sendo preenchido. Além disso, era interessante enxergar através da perspectiva de Henry Scott, sua filosofia de vida era despretensiosa e sagaz. Eu me sentia mais leve e sem a obrigação de esconder mais nada. Será?

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Notas do autor:

Quero agradecer a todos pelos votos e comentário, pela força, isso me dá vontade de continuar. Essa história está mexendo muito comigo, de verdade.

O próximo capítulo será narrado pelo Henry, vamos saber como foi que conheceu Ben e como se apaixonou por ele.

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