12 | "Uma combinação perigosa"


 "Eu ateei fogo à chuva/ A assisti cair enquanto tocava seu rosto/ Bem, ela queimava enquanto eu chorava/ Porque eu a ouvi gritar seu nome, seu nome!" (Adele – Set Fire to the Rain)

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Os três amigos curtiam a boa notícia de mais um trabalho grandioso a caminho. Ben, Henry e Josh tomavam vinho na varanda atrás da casa, onde havia algumas cadeiras espreguiçadeiras à beira da piscina. Uma garrafa já tinha secado e a segunda já estava quase acabando.

Ben e Henry já estavam se amassando enquanto Josh observava as luzes da cidade, que eram muito visíveis do alto da colina onde a casa ficava. O rapaz ajeitou os óculos e o cabelo quase vermelho e virou-se para olhar os dois amigos que se engoliam a alguns metros de distância. Um pouco alterado pelo vinho que havia tomado durante a noite, seu desejo foi despertado pelo calor que os dois amantes emanavam.

― Poxa, será que os dois pombinhos poderiam parar de me passar vontade? Minha boca tá salivando ― disse Josh, sorrindo. O casal se desgrudou, rindo também.

― Foi mal, cara, é que eu não consigo resistir aos olhos castanhos desse homem ― Henry tentou disfarçar enquanto ajeitava algo indiscreto em suas calças jeans, sem sucesso.

― E quem poderia resistir? ― retrucou o que ainda estava deitado na espreguiçadeira, lançando um sorriso ao ruivo.

Meia hora mais tarde e todos já estavam sem camiseta, exibindo seus tórax, pelos e abdomens. Os dois noivos eram um pouco mais preocupados com a aparência, iam à academia regularmente e mantinham corpos sarados, mesmo que estivessem um pouco relaxados ultimamente, visto que o próximo trabalho demoraria alguns meses, estavam aproveitando a folga na dieta.

No entanto, Josh não se preocupava com nada disso. Tinha uma barriga saliente, mas não era gordo, apenas desleixado, tinha muitos pelos bagunçados distribuídos pelo corpo. Era o tipo de homem que andava só de cueca em casa, tomando uma cerveja e vendo TV. Porém, isso não o impedia de ficar sem camiseta próximo a outras pessoas, ele se sentia bem com o próprio corpo.

Ben era um homem muito sexy, suas costas bem torneadas e a barba escura por fazer o transformavam num galã em qualquer lugar que passasse e Josh pôde notar isso. Não tirava os olhos dele, mas sabia que nem poderia chegar perto, pois o rapaz era noivo de seu melhor amigo, além de estar se tornando um bom amigo, também.

Aparentemente, o calor estava tão intenso que eles resolveram entrar na piscina pouco iluminada. Sem vergonha, pois estavam entre amigos, os três nem se deram ao trabalho de vestir sungas, tiraram o restante das roupas e pularam na água apenas usando cuecas. Josh, que estava a quase três meses sem ninguém, sentiu uma súbita vontade de passar a mão nos pelos molhados no peito de Henry, mas se conteve ao perceber como o dono dos olhos azuis fitava o parceiro. Mais uma garrafa de vinho foi esvaziada e todos já estavam bêbados, inclusive já quase nem conversavam mais, apenas curtiam a água morna e o céu limpo cheio de estrelas.

Henry não se sentiu bem e saiu para ir ao banheiro, mas acabou indo direto para o quarto dormir, deixando os outros dois na piscina. Josh não conseguiu se conter e começou a flertar com Ben, que sorria sem graça e procurava por algum sinal do seu noivo, que não chegava. Algum tempo se passou e Ben estava se segurando para não devolver os flertes com o outro rapaz.

― Você tem toda razão, impossível resistir a esses olhos. Como pode existir tanta beleza em uma pessoa só? ― o ruivo se aproximou um pouco mais e pode perceber, entre a visão confusa que a água permitia, a transparência na cueca de Ben, apertou os olhos para tentar entender se ali havia uma ereção.

― Obrigado, você também é um gato, uma pena sermos amigos ― rindo, um pouco nervoso, bêbado, Ben foi se encostando na parede da piscina até ser quase pressionado.

― Sabe, amigos podem ter... benefícios ― Josh aproximou-se e percebeu o rubor no rosto de sua presa, além das mãos tremendo um pouco e o cheiro alcoólico da respiração.

O clima quente, a tensão sexual entre os dois, o desejo. Uma combinação perigosa. Ben estava suando e quase não conseguia conter sua vontade de avançar para os lábios daquele homem em sua frente. Além dos ombros largos, Josh era um pouco mais alto que Ben, o que o deixava aceso, sua ereção quase explodia embaixo da água, mas ele não poderia... ou poderia?

― Josh, não podem...

― Shhhh ― o ruivo sobrepôs o dedo indicador nos lábios vermelhos do outro e se aproximou mais, encostando e colando em boa parte daquele corpo sarado ― eu não sei se consigo segurar, veja como estou...

Pegou a mão trêmula de Ben e a levou até sua cueca, fazendo-o perceber o seu rígido estado, gemeu baixinho quando sentiu uma leve pressão. O desejo explodiu e os dois homens se beijaram intensamente enquanto a água morna lambia seus corpos elétricos. Se aquelas águas pudessem falar, com certeza atestariam o calor vindo do atrito entre as peles. Contariam sobre coxas se esfregando, pelo com pelo, faíscas. Relatariam mãos aparecendo e desaparecendo num instante, buscando pedaços de pele que pudessem arrancar qualquer gota de prazer.

Josh não acreditava no que estava acontecendo. Sentia a língua de Ben invadindo sua boca, o gosto de vinho era excitante, eles descolaram os lábios e o mais alto pôde sentir a barba cerrada do outro roçando em seu pescoço, fazendo-o arrepiar cada vez mais. O silêncio do lugar somente era quebrado com o barulho da água se mexendo com os movimentos bruscos e os gemidos entrecortados.

Ben sentia o calor ultrapassar os limites do ambiente, cada parte de seu corpo tremia, mas ele estava aproveitando o momento, esqueceu de tudo. Esqueceu de todos. Apenas seguia o fluxo do prazer, se apertando contra aquele corpo peludo e segurando aqueles cabelos ruivos com força. Só conseguia puxar o ar nos intervalos dos beijos ardentes. O mais alto foi além, já ia tirando a cueca de Ben quando este retomou a consciência e se afastou, assustado.

― Não, nós não podemos... eu não posso... O quarto de hóspedes está arrumado para você, fique à vontade ― disse Ben, gentilmente, saindo da piscina de uma vez só. Visivelmente constrangido, deixou o amigo com o peito arfando.

Com o coração ainda acelerado, Josh socou a água, o que ele tinha feito? Estava se sentindo envergonhado e decidiu ir embora daquela casa. Porém, ao sair da piscina, percebeu que não conseguiria dirigir. O álcool subiu-lhe a cabeça, deixando-o tonto, ou seria o asco que sentia de si mesmo? Resolveu por dormir no quarto de hóspedes, mesmo depois de ser claramente rejeitado. No outro dia, foi embora assim que despertou, sem falar com ninguém.

***

― O que eu fiz? ― me encostei na parede do banheiro, o chuveiro ligado na temperatura mais quente, o vapor embaçando o espelho, embaçando minha lucidez.

Aquilo realmente aconteceu? O ar estava pesado, eu não conseguia respirar direito, não queria acreditar. A lembrança daquele beijo, de que eu traí Henry, me dava náuseas. Minha cabeça parecia um furacão, nada estava no lugar. Para piorar, Henry bateu na porta, me perguntando se estava tudo bem, já que eu estava dentro daquele banheiro fazia uma eternidade.

Não estava tudo bem, meu coração acelerava, como eu iria olhar no rosto dele de novo? Desliguei o chuveiro, desejei ter o poder de desligar o dia, também, acordar após um mês. Não, não poderia acontecer assim, depois de um mês e poucos dias seria o casamento. Seria? Se Henry descobrisse tudo, ainda haveria casamento?

Um lampejo de luz atravessou meus olhos, Henry não ligava para essas coisas, ele mesmo já me disse, várias vezes, que não haveria problema em ficar com outras pessoas esporadicamente. Suspirei aliviado, tudo estava resolvido. Só que não era bem assim. Tinha apenas um problema: ele dizia, também, que tudo deveria ser consentido. O que ele acharia do seu noivo se enroscando com seu melhor amigo na piscina sem ele saber?

― Ben, ainda vai demorar? Preciso conversar com você, é muito sério ― sua voz me assustou.

Teria ele descoberto tudo? Limpei o espelho embaçado e me olhei, o homem confiante de alguns dias atrás tinha sumido, só havia restado um monte de culpa e vergonha embrulhado em pele humana. Penteei o cabelo, ou pelo menos tentei, me embrulhei na toalha, era hora de sair e enfrentar a realidade. Quando sai do banheiro, junto com um monte de vapor, parecia o Darth Vader saindo de sua nave, o traidor que foi para o lado negro, eu até conseguia escutar a trilha sonora.

― O que você fazia aí dentro? Achei que precisaria chamar uma ambulância ― disse Henry, irônico.

― Eu estava me refrescando ― respondi sem pensar.

― Se refrescando com essa água fervendo? Olha o tanto de vapor saindo dali ― ele disse apontando para a nuvem espessa de vapor que invadia o quarto. Tenho certeza que fiquei muito vermelho.

― Esquece, é a ressaca, minha cabeça está doendo muito ― disse enquanto virei o rosto, a vergonha e a culpa me consumiam.

― Senta aqui, precisamos conversar.

Congelei. Sem ação, não sabia o que ele queria, torci para não ser o que eu imaginava. Olhei para ele sentado na cama, eu estava suando, tive a impressão de que até os pássaros lá fora pararam de cantar só para escutar melhor a cena de horror que aconteceria ali naquele quarto. Quantos minutos se passaram até eu finalmente me sentar e olhar no rosto daquele homem? Pareceram uma eternidade, enrolei vestindo uma cueca, uma bermuda, troquei a bermuda, desodorante, regata, não, camiseta com mangas. Henry suspirou, parecia impaciente.

Meu celular vibrou em cima do criado mudo. Era ele. O outro. Com certeza era Josh, fui em direção ao aparelho e olhei a mensagem: "precisamos conversar, fala comigo, por favor". Antes dessa haviam mais umas dez mensagens não lidas. Pronto, agora eu tinha dois homens querendo conversar comigo, todos os dois com motivos suficientes para nunca mais olhar na minha cara novamente. Naquele momento eu pensei em fingir um infarto, uma convulsão, um desmaio, qualquer coisa que me desligasse daquela situação. Por fim, sentei ao lado de Henry, mas com uma certa distância, minha vergonha era enorme, eu não conseguiria tocá-lo.

― Olha ― comecei antes dele ― seja o que for eu quero que você saiba que...

― Bem, é sobre o casamento.

― Que? ― perguntei sem saber se respirava de alívio ou não.

― Meu pai ainda vai estar terminando um trabalho, sabe como são essas coisas no exército, precisaremos adiar ― ele estava... se justificando? Pobre Henry, nem sabia do que eu tinha medo. Por mim, poderíamos adiar o casamento infinitamente, eu precisava resolver aquele problema chamado Josh.

― Tudo bem ― respondi e me levantei, precisava sair dali.

― E tem outra coisa ― parei de costas ― ainda não pensamos nos padrinhos, quero que Josh seja um deles.

Pronto. Será que ele ainda ia querer Josh como padrinho depois de saber o que aconteceu naquela piscina? Não, ele nunca poderia saber. Peguei o celular e respondi a última mensagem: "me encontra no píer 19, daqui uma hora". Disse a Henry que eu precisava sair para resolver alguns problemas e troquei de roupa mais uma vez, já estava tão suado que poderia tomar outro banho, mas resolvi sair dali rapidamente.

O que Josh iria me falar? Com certeza ele concordaria comigo em esconder tudo. Combinaríamos que nunca mais encostaríamos nossos lábios, nunca mais nos olharíamos com desejo novamente. Eu preparava todo um discurso na minha mente, queria ter a resposta para todas as perguntas, argumentos para todas as suas falas. Imaginei mil cenas enquanto o som do carro tocava a Marcha Imperial. Não, ele tocava a rádio normalmente, mas, na minha mente, eu só escutava aquele maldito "tan tan tan" e os trombones gritando para mim que eu era um traidor.

Eu era um poço de drama, sentia tudo tão intensamente, mas ninguém poderia me culpar por ser daquele jeito. Eu era um ator, ser dramático estava no meu sangue. O ponto de encontro era num píer do porto, o 19, onde ficava o pequeno barco a vela que Henry comprou após ficar encantado com a nossa viagem para Ilha Grande. O maldito nomeou o barco de "Benry", relembrando nossa primeira manchete juntos. Até meu inconsciente estava me torturando, por que eu escolhi uma das melhores lembranças com Henry?

Tantas perguntas surgiam na minha mente, questionamentos que nunca teriam respostas, mas vinham e me deixavam mais vacilante, mais envergonhado, mais culpado. Estacionei o carro na vaga mais escondida e saí parecendo um espião que não poderia ser visto por ninguém. Comecei a andar em direção ao ponto de encontro. Havia uma marina com vários píeres e inúmeros barcos, iates, lanchas, as placas indicando os números ficavam no alto e eu fui contando cada uma delas, andando naquele chão suspenso de madeira.

Finalmente cheguei no 19 e comecei a andar em direção ao mar, pois o barco de Henry ficava quase na ponta. Parecia cena de filme, eu sentia que todas as pessoas me olhavam, até as gaivotas, até a criancinha que passou tomando um sorvete me lançou um olhar de reprovação. Que crueldade eu fazia comigo mesmo, elevando meu sofrimento a níveis jamais alcançados pela humanidade.

De longe avistei o cabelo ruivo, estremeci. Comecei a repassar tudo o que eu já tinha planejado e ensaiado dentro do carro. A cada passo mais perto as cenas da noite anterior iam começando a brotar, o beijo, o corpo, o toque grosseiro, o puxão de cabelo. Agitei a cabeça para espantar as memórias, mas só serviu para que eu ficasse tonto e quase caísse do píer. O que eu estava fazendo da minha vida?

Antes que Josh me visse, me virei e comecei a andar na direção contrária. Eu poderia ir embora, ignorá-lo e fingir que nada aconteceu. Aliás, eu poderia ir embora de Los Angeles, e fingir que o último ano não tinha acontecido. Seria tudo tão mais fácil sem a briga com meus pais, sem descobrir que sou filho de outra, sem quase perder o emprego por gostar de um homem. Não. Eu não teria conhecido Henry, e isso já superava tudo o que aconteceu.

Na minha confusão mental, virei novamente e apressei o passo para encontrar um Josh triste e pensativo, olhando para o mar sem fim a nossa frente. Ele viu que cheguei, mas continuou fitando o horizonte e eu não quis atrapalhar aquele momento, apenas o imitei, respirando profundamente, tentando sossegar meus pensamentos revoltos.

Alguns minutos se passaram, Josh olhou para mim e se aproximou. Eu estava sentindo a tensão no ar, ia acontecer de novo. Olhei em seus olhos, implorando para que ele não fizesse aquilo, mas não adiantou. Antes que ele pudesse encontrar minha boca com a dele, me desvencilhei. Era pior do que eu pensava.

― Josh, você tá louco? ― Perguntei enquanto me sentava num banco de madeira.

― Estou, Ben. Eu tô apaixonado por você ― ele nem conseguiu olhar nos meus olhos para dizer, deveria estar se sentindo envergonhado ― mas eu sei que isso é muito errado. Muito. Errado.

― Como assim, apaixonado? Somos amigos, eu nunca percebi nada ― minha voz demonstrava dúvida e indignação.

As últimas palavras de Josh bateram-me no rosto com força. Mantive minha visão para baixo, fitando o chão, então percebi que gostas começaram a molhar a madeira corroída, aquele pobre homem estava chorando ao meu lado e eu não sabia o que fazer. Qualquer toque, mesmo que fosse de consolo, poderia ser mal interpretado, qualquer palavra poderia ser desvirtuada. Eu sabia bem o que era estar apaixonado, distorcemos tudo a nosso favor, buscando algo em que se agarrar para manter qualquer sentimento.

Cocei a testa, o que eu estava fazendo ali que ainda não tinha ido embora? Minha perna começou a balançar em pequenos e rápidos movimentos, sinal de que minha ansiedade estava atacando novamente. O choro do homem ao meu lado tinha aumentado, ele escondia o rosto com as mãos. Meu Deus, o que estava acontecendo?

Nunca poderei negar que senti desejo por Josh naquela noite da piscina, sempre o achei atraente e charmoso, típico homem quarentão, já cheio de experiências, maduro. Não sei se ele era assim, mas, na minha imaginação, eu havia construído essa imagem. Porém, naquele momento, sentado naquele banco, percebi o quanto todos nós somos humanos e, por mais que sejamos maduros e experientes, sofremos por amor. E o pior: um amor que ele sabia que não seria correspondido.

― Josh, me desculpe, do fundo do meu coração, mas ontem... foi apenas um deslize que dei. Não sei se foi por causa da bebida... odeio ser um babaca ― eu estava colocando a culpa no álcool, quem nunca o fez?

― O babaca aqui sou eu, por imaginar que alguém como você poderia querer algo comigo ― ele se levantou e foi saindo, ainda escondendo o rosto.

O que eu poderia fazer? Eu deveria deixá-lo ir, mas eu odiava ser o idiota, não poderia fingir que não me importava. Antes que pudesse sair do meu alcance, o puxei pelo braço e pedi que esperasse, não poderíamos ficar daquele jeito. No entanto, ele se soltou da minha mão, dizendo que não queria conversar naquele momento e foi embora sem hesitar. O acompanhei com o olhar até que desaparecesse.

Inferno! Mas que maldita reviravolta! Meu cérebro fervilhava, minhas mãos suavam. Ainda sentado, fiquei um bom tempo observando o mar e as gaivotas, fitando o nome "Benry" estampado no casco do barco, balançando suavemente com o movimento da água, jogando na minha cara todo o amor que Henry sentia por mim. E toda a idiotice que fiz com ele. Como resolver essa situação?

Antes que eu pudesse pensar na resposta, meu celular vibrou com uma mensagem recebida: "me encontre no café de sempre, preciso de um ombro amigo, por favor – Lili". Teria como ficar pior? Além da minha tragédia pessoal, precisaria lidar com o drama da minha melhor amiga. Lili já havia segurado minha barra muitas vezes, eu não deveria nem pensar em não fazer o mesmo por ela. Entrei no carro e dirigi até o nosso café preferido.

O lugar era chamado de Café Francês, mas de francês mesmo, não tinha nada. Era bem americano e ficava num bairro mais reservado, no qual não era comum ver fotógrafos e repórteres, um refúgio para pessoas famosas. Apesar de que poucas celebridades frequentavam lá, pois achavam muito simples para seus egos inflados. Lili e eu adorávamos, o cappuccino era ótimo, as torradinhas com geleia eram maravilhosas.

Ao abrir a porta de vidro, procurei minha amiga e a vi numa mesa quase escondida. De longe, a imagem de seu rosto inchado, provavelmente de tanto chorar, foi um tiro no peito. Para mim, Lili era aquele tipo de pessoa que nunca chorava e vê-la daquele jeito estilhaçou meu coração. Sentei-me ao seu lado no sofá que circundava a mesa e puxei seu rosto para o meu peito, abraçando-a carinhosamente enquanto arrumava seu cabelo gentilmente.

― B, ela me deixou ― sua voz triste me deixava com um nó na garganta.

― Ela não te deixou, ela te perdeu ― constatei, tentando animá-la um pouco.

Lili explicou que a situação delas já não estava boa e que ela tinha começado e implicar com Bea, coisa que eu percebi há alguns dias. Elas foram se distanciando, mesmo morando juntas, até que ficou insuportável e Bea tomou frente na separação. Mesmo estando implicada, Lili amava aquela mulher, impossível não sofrer. Porém, o mais difícil seria vê-la todos os dias no set de gravação da série, por isso, Lili estava pensando em deixar o projeto, já que o seu filme estava quase confirmado.

― Não... não faça nada que possa se arrepender depois. O seu filme ainda não está totalmente de pé, não há nada realmente confirmado. Sei que a gente fica querendo evitar a pessoa, mas fica firme na série, sei que você é capaz, a diretora mais profissional e ética que conheço.

― Só você mesmo pra levantar minha moral, estou me sentindo derrotada ― Lili fraquejou de novo, já estava começando a lacrimejar ― eu sei que a culpa é minha...

― Olha, quando chega a esse ponto, não existe exatamente um só culpado. Vocês duas tem sua parcela de responsabilidade sobre o relacionamento. Não adianta ficar se machucando.

Ficamos cerca de duas horas conversando, mas eu nem quis tocar no vendaval que minha vida tinha se tornado desde a última noite. O momento era dela, poderíamos conversar sobre o meu problema depois. Nos despedimos e eu encarei a realidade, estava na hora de voltar para casa e encontrar Henry.

Quando o portão se abriu, percebi que o carro dele não estava na garagem, suspirei de alívio, talvez meu primeiro suspiro de verdade naquele dia. Adentrei a casa e pude sentir o perfume cítrico que Henry adorava, o miserável ama me fazer lembrá-lo. Um bilhete na porta da geladeira dizia "volto com o jantar – H" e apreciei a ideia de passar o restante do dia sozinho.

Me joguei no sofá e adormeci. No sonho, Henry me deixava, ele ia andando e desaparecendo. Já eu, era um demônio, segurando a mão de outro, Josh. Tão clichê. Aquele sonho pareceu durar uma eternidade, tão óbvio quanto sugestivo, escancarando minha culpa e minha autoimagem naquele momento. Quando acordei, já começava a escurecer lá fora, mas Henry ainda não havia retornado.

Muitas mensagens de Josh no meu celular. Não li. Eu ainda tinha dúvidas de como ele foi se apaixonar por mim, nós nem interagíamos muito. Uma reunião aqui, um encontro ao acaso ali. Mas esse sentimento é traiçoeiro, qualquer coisinha, detalhe, palavra, serve para acender a chama, aquela que faz o peito arder. Analisando bem, muita coisa começou a fazer sentido, mas não quis pensar muito nisso.

Meu desejo por ele era puramente sexual, carnal, e disso eu tinha certeza. Depois do beijo e da declaração, eu havia percebido o quanto tudo estava errado. O meu desejo se tornou medo, pois uma pessoa apaixonada é capaz de qualquer coisa. Será que ele contaria para Henry? Será que eu deveria contar tudo antes? Senti um arrepio na nuca, como se fosse um presságio de que algo ruim viria pela frente. Eu precisava consertar tudo.

Quando ouvi o carro de Henry entrando na garagem, fui para o banho, ainda não tinha coragem de olhar em seus olhos. "Ben, cheguei", gritou ele do outro lado da porta. Minhas lágrimas se misturavam com a água em meu rosto. Aquele foi um dia pesado. Esmurrei o azulejo da parede algumas vezes, numa tentativa inútil de me punir pelo segredo que eu precisaria guardar.

Desci as escadas para encontrar meu noivo cantarolando, usando as colheres para imitar baquetas, cozinhando um jantar que cheirava muito bem. Meu noivo. O que foi traído na noite passada. As imagens vinham e voltavam a todo momento. Em silêncio, o observei, dançando ao som de Bohemian Rhapsody, feliz, alheio à catástrofe que estava prestes a sugá-lo para o olho de um furacão. O arrepio na nuca. Eu, demônio.

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Notas do Autor:

Agradeço, novamente, a todos que leem, votam, comentam e fazem este livro crescer cada vez mais. 

Agradecimento especial para as leitoras que, assim que o capítulo sai, já fazem a leitura e votam. Vocês são poucas, mas, para mim, já é uma conquista enorme! <3 <3 <3

Vocês não sabem o quanto é recompensador ver que pessoas realmente gostam da sua história e se lembram dela.

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