Capítulo 7
A Bia e o Lourenço ficaram conversando até altas horas, felizmente, com assuntos mais leves, girando sobre a vida dele em Porto Alegre e em como ele tinha saído do nada e se tornado dono de três empreendimentos de sucesso.
O que tinha desenterrado uma conversa antiga da sua memória, quando descobriu que o destino do Lourenço corria o risco de ficar nas mãos de outro defensor público desinteressado e ela tinha ido pedir ajuda ao pai. Ela contou as adversidades da adolescência do ex-namorado, como desde novo ele foi obrigado a se virar sozinho com circunstâncias cada vez piores.
— Eu sei que ele errou e tem que pagar — a Bia tinha argumentado para o pai. — Eu só queria que ele tivesse uma chance justa. Você mesmo me ensinou que, às vezes, tudo o que uma pessoa precisa, é de uma mão estendida.
— Você tem razão, minha filha. — O pai tinha lhe dado um abraço forte. — E eu tô muito orgulhoso em ver que você consegue enxergar que ser justo é mais importante que estar certo, ou qualquer tipo de desforra. Continua assim.
Claro que a mão estendida que tinha feito maior diferença na vida do Lourenço foi a do próprio tio que, pelo que ele falou, era considerado como um pai por ele e pelas irmãs, mas lhe trazia algum conforto, saber que tinha uma pitadinha da sua ajuda no caminho dele para o sucesso.
Parecia que ela tinha acabado de deitar a cabeça no travesseiro quando despertou com os cochichos das filhas.
— Quem é o monstro que tá rocando desse jeito? — Ela abraçou uma menina de cada lado, dando um beijo em cada uma.
A Amanda segurou seu rosto com as duas mãos.
— É a minha barriga. Porque eu tô com fome — ela explicou, séria.
— Ai, ai, ai! É melhor a gente levantar e dar comida pra esse monstro antes que ele saia daí e vem devorar todo mundo aqui fora.
A Amanda gargalhou com a cosquinha que a Bia fez nela.
— Mamãe. — Foi a vez da Alícia virar seu rosto para ela. — Tem muitos dias que o papai não liga pra gente.
— Eu tô com saudade dele — a Amanda acrescentou.
Graças a Deus pelos pequenos milagres que a vida ainda lhe dava. Se a Bia pudesse ter escolhido uma semana para o Lourenço chegar, melhor que aquela, ela não teria encontrado. Desde segunda-feira, o Diego estava incomunicável, no interior do Mato Grosso, gravando externas de uma mini série que ia estrear logo depois do ano novo. Como o nome do Lourenço não tinha sido mencionado perto das meninas até no dia da chegada dele, o Diego tinha embarcado para a sua semana de trabalho, na total ignorância dos hóspedes que ela estava prestes a receber.
— Ele tá gravando num lugar que o sinal do celular não pega direito. Ele disse que não sabia se ia conseguir ligar, mas amanhã de noite ele volta e no sábado ele vem pegar vocês e vocês vão ter o fim de semana inteirinho pra matar as saudades.
Ou, talvez, elas tivessem ocupadas com o seu enterro, porque havia a grande possibilidade de o Diego estrangular a Bia assim que as meninas começassem a falar do tio Lôro.
Seu corpo estava pesado e sua vontade era enfiar a cabeça debaixo do lençol e fingir que o resto do mundo não existia, mas, como das outras vezes em que aquela mesma vontade tinha batido, o resto do mundo não permitiu sua fuga.
— Mamãe! Eu tô com fome! — a Amanda insistiu.
— Pro banheiro, então. Quem chegar por último vai ter que estender a cama.
As meninas correram para o banheiro entre gritinhos e risadas, enquanto a Bia arrastava os pés atrás delas.
A preocupação com o Diego ia ficar para depois. Ela ainda tinha dois dias inteiros. Dois dias que ela ia aproveitar como se fossem os seus últimos. Porque, afinal de contas, independente de qualquer outra coisa, a vida já tinha lhe ensinado que eles poderiam mesmo ser.
O Fred estava lendo as notícias no celular, alheio a bagunça das meninas na mesa, quando o Lourenço e a Mariana se juntaram a eles.
— Bom dia — eles desejaram juntos, e o Lourenço continuou, puxando a cadeira para a irmã. — Desculpa, a gente tá atrasado pro café.
— Não precisa pedir desculpas — a Bia disse, depois que todo mundo respondeu ao cumprimento. — A gente acorda cedo, mas vocês estão de férias. Não precisam madrugar também.
— E desperdiçar um dia lindo desses dormindo? — O Lourenço sentou do lado da irmã. — De jeito nenhum.
Apesar de não ter dormido muito mais tempo que a Bia, ele estava com a aparência descansada, diferente dela mesma que quase sentia o peso das olheiras afundando no rosto.
— Prontinho, doutor Fred. — A Berenice entrou na sala carregando um prato de ovos mexidos e colocou na frente dele. — Mais alguma coisa?
O Fred largou o celular e pegou os talheres.
— Não, obrigado, Berê.
— Lourenço, Mariana, essa é a Berenice, minha ajudante — a Bia apresentou.
— Muito prazer, Berenice — a Mariana disse, da cadeira mesmo, mas o Lourenço levantou e foi apertar a mão dela.
— Berenice, eu preciso dizer, a lasanha do jantar de ontem foi a lasanha mais deliciosa que eu já comi na vida e olha que eu nem sou vegetariano. — Ele se curvou para falar com a senhora que mal chegava aos ombros dele.
— Aquela coisinha de nada? — A Berenice balançou a mão, mas o rubor que tomou o rosto dela entregou como ela ficou satisfeita. O caminho do coração de qualquer cozinheira é elogiando a comida dela, e o Lourenço parecia saber daquilo.
— Perfeita. — Ele deu dois tapinhas na mão dela, antes de soltar. — Você não deve saber, mas eu sou dono de um restaurante e eu tô sempre procurando receitas novas. Eu ia adorar colocar sua lasanha no meu cardápio.
— Minha comida? Num restaurante? — A Berê levou as duas mãos ao rosto.
— E o nome vai ser: Lasanha Vegetariana da Berenice. — O Lourenço fez um arco com a mão, como se estivesse anunciando a atração principal de um evento superimportante.
— Ai, meu Deus! Eu vou escrever tudo pro senhor, certinho, igual eu faço. Agora mesmo. — A Berenice deu dois passos em direção a cozinha, mas pareceu se lembrar de algo e voltou. — O senhor aceita ovo mexido? Fica pronto num minutinho.
— Eu aceito. — O Lourenço sorriu. — Tá com um cheiro delicioso.
— E a senhora? — A Berenice se inclinou e olhou para trás do Lourenço, se dirigindo à Mariana.
— Não, obrigada, Berenice — a Mariana recusou com um sorriso entre gentil e divertido.
— Por falar em lasanha, Berê — o Fred chamou antes que ela voltasse para a cozinha. — Não vai dar pra vir almoçar em casa hoje, se você puder arrumar o pedaço que sobrou de ontem pra eu levar?
— Claro, doutor Fred. Sobrou muita — ela concordou e deu uma piscadinha para o Lourenço. — E eu vou guardar um pedacinho pro senhor também.
— Obrigado, Berê, você é um anjo — o Lourenço agradeceu e sentou novamente, sorrindo, sem se importar com o olhar mortal do Fred na direção dele.
— Eu sei o que você tá tentando. — O Fred apontou o garfo para o Lourenço, como se ao invés de estar espetando o ar, preferisse estar espetando o folgado que se atreveu a se meter entre ele e o pedaço de lasanha que ele tinha planejado ficar todo para ele. — Um aviso: muita gente já tentou roubar a Berê da Bia. Ninguém conseguiu.
— Inclusive sua ex-mulher, né, Fred? — a Bia se meteu na conversa.
— Não é à toa que ela hoje é ex.
Claro que aquele não tinha sido o motivo da separação dos dois e a Bia mordeu o lábio para não sorrir e estragar a pose ameaçadora do irmão na tentativa de intimidar o Lourenço.
— Não sei não. — O Lourenço se recostou na cadeira, tranquilo. — Ela pareceu entusiasmada com a ideia do restaurante. Alguém já ofereceu o emprego de chefe de cozinha pra ela?
Antes que o Fred pudesse responder, a Alícia agarrou o braço da Bia com as duas mãos.
— Mamãe, a Berê não vai embora, vai? — ela perguntou com os olhos arregalados.
— Não, filha — a Bia a tranquilizou. — O tio Lôro tá implicando com o tio Fred.
— Foi só uma brincadeira — o Lourenço confirmou para a Alícia e se dirigiu ao Fred. — Roubar funcionários dos outros não é meu costume.
— Não. Só outros tipos de crimes — o Fred murmurou antes de encher a boca de ovo mexido.
— Fred! — A Bia chutou a canela do irmão por debaixo da mesa, e se virou para o Lourenço, com o pedido de desculpas na ponta da língua, mas ele estava concentrado em examinar o copinho cor de rosa com tampinha e canudo pousado no pires na frente dele.
— Eu sentei no lugar errado?
— Não — a Bia respondeu. — Isso é o que acontece com quem é desastrado.
— Olha, tio, eu também tenho. — A Amanda estendeu o braço mostrando um copo quase igual ao dele, que escorregou da mão dela e caiu virado na mesa. Mais do que depressa, ela o pegou de volta. — Viu? Não tem problema, porque não derrama.
— Entendi. Tá certo. Eu fiz bagunça e esse é o meu castigo. — Ele tentou puxar a tampa do copo até perceber que era de rosca. — Eu vou tomar café quente, de canudinho.
— Eu tenho certeza que você vai sobreviver. — A Bia levantou sua xícara na direção dele, como num brinde e bebeu o restinho do seu chá.
Ele se serviu e tomou um gole de café.
— Você esqueceu da tampa, tio. — A Alícia fez o favor de lembrá-lo.
— Claro. — O Lourenço enroscou a tampa no copinho. — Eu sou tão esquecido.
Ele puxou o café pelo canudinho, devagar e se queimou a boca, não deixou ninguém perceber.
— E então? Que tal a gente ir pra praia? — ele perguntou.
— Eba! — A Amanda bateu palmas.
— A gente vai também, mamãe? — A Alícia se juntou ao entusiasmo da irmã.
— Pra praia? — a Bia replicou com o estado de espírito no extremo oposto ao das filhas. — Ou a gente pode ficar na piscina, aqui em casa mesmo?
— O que você acha? — o Lourenço pediu a opinião da irmã.
— Sem desfazer da sua piscina, Biatriz, mas eu tô morrendo de saudades do mar do Rio de Janeiro.
— Eu acho que a gente devia votar — ele sugeriu. — Quem quer ir pra praia, levanta a mão.
Todo mundo na mesa levantou a mão, com exceção da Bia.
— Por que você tá votando? — Ela estreitou os olhos para o Fred. — Eu achei que você tinha que trabalhar?
— Eu tenho. Eu só acho que vocês deviam ir pra praia. — Ele sorriu de um jeito que a Bia conhecia bem, com um toque de satisfação vingativa.
— Prontinho. — A Berê entrou na sala e colocou os ovos mexidos na frente do Lourenço e um potinho de plástico retangular na frente do Fred. — Alguém quer mais alguma coisa?
Depois que todo mundo recusou, ela voltou para a cozinha.
— Pra quem fica, bom dia. — O Fred levantou, agarrou sua lasanha e deu um beijo na cabeça da Alícia, da Bia e a da Amanda. — Boa praia pra você. — Ele desejou para a Mariana e olhou para o Lourenço. — E boa sorte pra você.
— Boa sorte? — o Lourenço perguntou para a Bia depois que o Fred saiu. — Por que, boa sorte?
— Não faço a menor ideia — ela respondeu com a expressão mais inocente que conseguiu.
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