Capítulo 40
— Não acredito que eu perdi a minha cama pro cachorro!
Com as mãos no quadril, a Bia olhou as filhas apagadas, cada uma de um lado da cama, e no que seria o seu lugar, no meio, também dormindo, o mais novo membro da família, o filhote de Shih Tzu, cujo nome estava em disputa entre Bolota, escolha da Amanda ou Simba, da Alícia.
— Eu não sei quem que cansou mais quem. — O Lourenço riu, parado do seu lado, também observando a cena.
Ele tinha passado o dia com elas. No shopping, a Bia tinha entrado em pânico por um segundo inteiro ao lembrar da fotografia do outro passeio, mas não tinha mais problema se algum repórter fofoqueiro quisesse reviver o assunto. A Alícia já sabia que o Lourenço era pai dela, e daí o resto do Brasil saber? No fundo, ela até passou a torcer para alguém tirar outra foto, ela teria orgulho de aparecer em todos os sites de fofoca ao lado daquele homem. Quem não teria?
Depois de duas horas no pet shop, finalmente, com a ajuda das recomendações do vendedor, as meninas escolheram o cachorrinho, e foi só pelo que a Bia conseguiu pagar. A caminha, os pratinhos de comida e água, o saco de ração, a coleira e os brinquedinhos? Tudo presente do tio Lôro, claro.
Eles passaram a tarde sentados, lado a lado, no quintal, olhando as meninas brincando com o filhotinho e se colocando a par do que tinha acontecido no mês em que ficaram separados. A Bia descreveu suas aventuras na noite do ano novo e as resoluções que ela estava tentando seguir, a viagem com as filhas e o Fred e os detalhes das conversas que ela teve com a Alícia, e também sua visita ao Galpão, onde ela voltaria a ser voluntária no horário em que as meninas estivessem na escola.
O Lourenço, por sua vez, contou que um dos bares estava praticamente vendido, que ele estava estudando algumas propostas pelo segundo e que, para que a Mariana não ficasse sem trabalho depois que ele viesse em definitivo para o Rio, ele não tinha colocado o restaurante à venda, pensando em deixá-lo sob os cuidados da irmã. Ideia a ser repensada depois do inesperado beijo dela com o Fred. Que, por sinal, ainda estava sumido, resolvendo os 'assuntos inacabados' entre eles.
A Bia flutuou ao ouvir os planos concretos do Lourenço de vir morar na mesma cidade que ela e, apesar do desenvolvimento natural da conversa fosse sobre o que aquilo significava para eles, nenhum dos dois se atreveu a prosseguir. Aquele momento era dele e da Alícia. Para reconstruir com cuidado o que tinha se quebrado no Natal. E a Bia continuou ignorando a eletricidade que parecia estalar no ar cada vez que ela pegava o olhar dele no seu ou com os carinhos disfarçados de toques casuais que ele roubava, como um simples roçar de mãos ao pegar o copo de suco da sua mão.
Ele tentou ir embora antes do jantar, alegando que elas deviam estar cansadas dele, mas antes que a Bia replicasse à afirmação absurda, as próprias meninas insistiram para ele ficar. E ele ficou, sem se importar com o cardápio de lasanha pronta congelada.
Quando a Bia desceu com as meninas, depois de tomarem banho, ela foi surpreendida por uma salada de alface e uma panela de arroz soltinho, cozido e bem temperado, que o Lourenço exibiu com orgulho, como acompanhamento das lasanhas que a Bia tirou do forno.
Exaustas, as filhas quase dormiram por cima dos pratos e suspiraram felizes ao descobrirem que tinham um par de braços fortes para carregá-las para cima. Apesar do cansaço, elas só sucumbiram ao sono depois que a Bia colocou o cachorrinho, que não parava de latir e choramingar, entre elas.
— Hoje foi um bom dia. — Ela desviou o olhar das filhas para o Lourenço.
— Um dos melhores. — Ele passou o braço pela cintura dela, a puxando para a frente dele, e descansou o queixo do lado do seu ouvido. — Mesmo com o elevador?
Ela relaxou contra o peito dele. O que eram dez minutos de pânico comparado com todas as outras maravilhas que tinham acontecido naquele dia?
— Mesmo com o elevador — ela confirmou.
— E agora tá na hora da nossa conversa. — Ele esfregou a bochecha áspera no rosto dela.
Ainda que ela não tivesse passado o dia inteiro esperando por aquele momento, até parece que ela ia conseguir dizer não com ele explorando seu ponto fraco daquele jeito. Não que ela estivesse reclamando, ele podia se aproveitar dela sempre que quisesse.
Eles desceram as escadas de mãos dadas, o corpo da Bia todo formigando de antecipação. Ele a levou até o sofá, mas quando ela tentou sentar, ele passou os dois braços pela sua cintura e a segurou de frente para ele.
— A primeira coisa que eu quero fazer, é também te pedir desculpas pelo que a Nicole fez. E me acredita quando eu digo não tinha nada sério entre nós? Depois da sua ligação, depois que eu ouvi a sua voz, não aconteceu mais nada com ela. Nem com nenhuma outra.
— Eu acredito. — A Bia aninhou o rosto ansioso em uma das mãos. — E você não precisa me pedir desculpas. Eu perdi você uma vez, eu sei como é difícil, mas foi escolha da Nicole vir aqui em casa e usar uma menina inocente pra te atingir. A culpa é dela, não sua. E eu também sei que você teria prevenido o desastre, se pudesse.
— Eu teria feito qualquer coisa. — Ele esfregou a bochecha contra a sua palma, a olhando pelos olhos semicerrados. — Mas tem um detalhe errado no que você falou, a Nicole não me perdeu, porque ela nunca me teve. Eu sempre fui seu, Bia. Só seu. E agora eu preciso fazer uma coisa que eu tô querendo desde a hora que você saiu daquela audiência.
O Lourenço a pegou com um beijo devastador. O beijo que ela também passou o dia, o mês inteiro, desejando. Um beijo de recomeços e promessas e planos a serem feitos. Uma das mãos afoitas subiu pelas suas costas e foi acariciar a sua nuca, espalhando arrepios pela sua pele, e a outra agarrou sua bunda, a apertando contra ele, não a deixando ter dúvidas do quanto ele tinha sentido saudades suas. Eles se pertenciam, e mesmo que aquele fosse só o primeiro de muitos outros beijos, ela poderia ter ficado ali para sempre, sentindo o gosto dele, envolvida pelo calor gostoso, e não seria o suficiente.
Ele terminou o beijo mordiscando seu lábio inferior, e ela gemeu seu protesto.
— Gulosa! — Ele escorregou a mão que estava na nuca da Bia até aninhar o rosto de bochechas coradas. — Eu quero te dizer uma coisa. Uma coisa que eu devia ter dito há anos, e que depois que eu fui preso, eu achei que eu nunca mais ia ter outra chance. Uma coisa que eu não tive coragem de dizer no dia que eu te levei em Grumari e acabei dizendo que você era a mulher da minha vida. Não que você não seja. Você é, e nunca deixou de ser, a mulher da minha vida, Biatriz.
Ele a apertou contra ele, e roçou os lábios nos dela, suave e provocante, mas não voltou a beijá-la como ela queria.
— E no Natal, eu quis dizer, de novo, mas eu achei que você não estava pronta. Que não tinha problema esperar mais um pouco, e o que aconteceu? Eu precisei ir embora outra vez e me xinguei o voo todo até Porto Alegre, me prometendo que eu ia aproveitar a primeira chance que eu tivesse, e essa chance é agora.
Ele levantou a outra mão até o seu rosto, acariciando com os polegares. Ela não era burra, ela imaginava o que ele ia dizer. Com as pernas trêmulas, ela se preparou para as palavras que ela ia escutar com os ouvidos, com o cérebro e o coração, o corpo e a alma.
— Eu te amo, Biatriz — ele sussurrou com a voz rouca e os olhos sinceros e emocionados. — Eu te amo desde o dia que você me deu aquele quadro e me disse que eu era a sua paisagem. E nunca parei de te amar. Nem por um segundo.
— Lourenço... — Ela respirou algumas vezes tentando controlar todas as sensações que a confissão acordou nela. — Eu também amo você. Muito!
— Eu sei.
Apesar da seriedade do momento, a Bia precisou soltar uma gargalhada.
— Claro que você sabe! Idiota!
Eles se beijaram com os lábios esticados em sorrisos, era felicidade demais para ficar contida dentro deles, mas a Bia também tinha uma confissão para fazer e, colocando as mãos por cima dos pulsos do Lourenço, foi a vez de ela interromper o beijo.
— Senta aqui, um minutinho. — Ela se deixou cair no sofá e esperou que ele se juntasse a ela.
— Você tá me assustando.
— Não é nada de mais. — Ela segurou a mão dele. — É que eu andei pensando muito, nessas últimas semanas, numa coisa que a sua tia me disse no Natal. Ela me contou a história dela com o seu tio, como eles foram noivos e ela não teve ninguém nos quase quarenta anos que eles passaram separados. E isso me fez pensar no meu casamento com o Diego e...
— Não, Bia! — o Lourenço a interrompeu. — Eu sei o que você tá pensando, mas nem eu, nem ninguém, tem o direito de querer entender porque você se casou com ele. Só você sabia o que você estava passando. As suas razões são só suas, você não precisa se explicar.
— Obrigada. — A Bia sorriu, mas continuou, porque era uma coisa que ela precisava falar. — Sabe como você acabou de me dizer que os seus sentimentos não mudaram em dez anos? Eu tenho certeza que os meus também não, e isso ficou martelando na minha cabeça, como eu posso ter achado que eu podia viver o resto da minha vida com alguém que não fosse você?
— E você chegou a alguma conclusão?
— Hoje, eu entendi tudo. Você lembra como eu te contei que, da primeira vez que eu fiquei presa no elevador, eu tive tanto medo que eu desmaiei?
— Lembro. Você falou que foi um tipo de mecanismo de defesa, pra se proteger do medo.
— Então, eu acho que é, mais ou menos, igual. Foi um mecanismo de defesa, pegar tudo o que eu sentia por você e esconder até de mim mesma, ou eu não ia sobreviver.
— Oh, minha linda! — Ele a puxou para o colo dele e a abraçou com força. — Se depender de mim, nunca mais vai acontecer de novo. E não fica pensando nisso. É passado. Acabou. O que interessa é que a gente vai ficar junto agora.
— Eu sei, mas o que eu queria te dizer é que, do mesmo jeito que eu não me arrependo de nada que aconteceu com a gente, antes, por causa da Alícia, eu também não posso sentir remorso por ter casado com o Diego, porque ele me deu a Amanda.
— Deixa eu te contar uma outra coisa. — O Lourenço se afastou o suficiente para olhá-la. — Me pegou totalmente de surpresa, eu não tinha nem pensado na possibilidade de tão preocupado que eu estava em conhecer a Alícia, mas a sua caçulinha, com aquela carinha de anjo e toda docinha do jeito que ela é, me conquistou. Eu entendo como o seu ex-marido pode amar a minha filha, porque eu também amo a dele. E, se pra ela existir você teve que ser casada, ninguém tem que se arrepender de nada.
Meu Deus! Aquele homem!
— Eu te amo tanto! — A Bia se agarrou nele. — Eu não quero ter que ficar longe de você nunca mais.
— Eu ainda preciso me dividir entre aqui e Porto por um tempo, e eu vou tentar resolver tudo o mais rápido que eu puder, mas eu acho que é bom um pouco de distância, por agora.
— Bom, como? — a Bia inclinou a cabeça, esperando a resposta.
— Eu disse pra Alícia que eu não quero tomar o lugar do Diego, e eu acho que vai confundir a cabecinha dela se, de repente, ela me vê aqui todo dia e eu começo a dormir na sua cama e a sentar na cabeceira da mesa. Eu não tô falando de esconder nada, mas de usar aquela sua teoria de ir devagar, pra dar tempo de elas irem se acostumando com a ideia. Principalmente, a Alícia. Ela precisa entender que existe uma diferença entre eu ser seu marido e eu tomar o lugar do Diego na vida dela.
— Meu marido? — A Bia tentou esconder o sorriso, mas não conseguiu.
— Ah, eu não te contei os nossos planos, não? — Ele a ajeitou no colo dele, empurrando uma mecha de cabelo dela atrás da orelha. — Vai ser assim: a gente vai namorar, devagar, como eu acabei de explicar, mas só até o dia em que você assinar o seu divórcio. Aí, eu vou te pedir em casamento, e você vai aceitar.
— Eu vou?
— Claro que vai, Biatriz com 'i'! Eu pretendo comemorar as nossas bodas de prata enquanto eu ainda tenho cabelo e não uso dentadura.
— Eu vou te amar de qualquer jeito. Até careca, desdentado ou barrigudo. Mas eu tenho uma condição pra aceitar o seu pedido de casamento.
— Você e suas condições. — Ele revirou os olhos. — Qual?
— Eu quero um filho.
Sua afirmação acabou com todo o ar de brincadeira do Lourenço. Ele arregalou os olhos e engoliu em seco.
— O que foi? — a Bia perguntou, surpresa com a reação assustada do Lourenço. — Você não quer mais filhos?
— Não é isso. Você já tem duas filhas, eu não achei... Eu não cheguei a pensar tão longe.
— Eu não vou mentir pra você, Lourenço. Os meus motivos pra querer outro filho com você, são puramente egoístas. Eu preciso desconfiar que eu tô grávida e pedir pra você ir na farmácia comprar um teste de gravidez, e que você fique do meu lado no banheiro esperando o resultado. Eu preciso que você vá em todas as consultas de pré-natal comigo, que a gente escute junto o coraçãozinho batendo pela primeira vez, e descubra junto se é menino ou menina. Eu tenho um monte de buracos de experiências que eu quis ter com você, e não tive...
— Não precisa dizer mais nada, meu amor. Claro que eu quero! Eu vou adorar ver você grávida do meu filho.
— Combinado. Você me pede em casamento, eu tiro o DIU e a gente tem um filho. Ou dois, quem sabe? Eu sempre quis uma família grande.
Ele deu uma gargalhada.
— Eu te dou quantos filhos você quiser, Biatriz com 'i', desde que seja sempre assim. Com o sol brilhando dentro de você o tempo todo.
— Tem outra coisa que eu descobri, nesse tempo que eu andei pensando. — Ela esperou até ele perceber a seriedade do que ela ia falar, e ter toda a atenção dele. — Essa luz que você vê dentro de mim? Não é o sol.
— Não? — Ele franziu a testa. — É o que, então?
Ela sorriu e se deixou brilhar por ele ao dar sua resposta.
— É você...
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