Capítulo 38
O Lourenço estava ali!
E a Bia só conseguia vê-lo na sua frente.
Ela precisava se despedir do doutor Lemmer. O Diego estava em algum lugar perto dela e a Vivi devia estar por ali também, à espera de uma oportunidade de vir atormentá-la. Ela mal notou a Mariana ficando de pé quando o irmão fez o mesmo. Nada daquilo era importante.
Ela só conseguia ver o Lourenço na sua frente.
Ele dizia que ela tinha um sol dentro dela e, naquele momento ela conseguia senti-lo. O calor, os raios emanando da sua pele, a luz ofuscando tudo em volta que não fosse ela e o Lourenço.
— Como foi? — ele perguntou.
Poucas vezes ela tinha se sentido tão feliz. Pura e simplesmente feliz.
— Eu consegui!
Talvez, ele tenha aberto os braços.
Talvez, tenha sido ela quem correu.
Mas só o que importava também, era que em menos de um segundo, ela estava envolvida por ele.
— Eu sabia! — ele murmurou no ouvido dela, a abraçando apertado. — Eu sabia que você ia conseguir.
Ela se agarrou ao pescoço dele, respirando fundo. Não era um sonho. Sonhos não tinham cheiro, e ela estava tonta com aquele perfume que era só dele.
Sua resolução de ser forte por si mesma, de ser sua maior incentivadora, não se enfraquecia por tê-lo do seu lado. Pelo contrário, ela queria ser ainda mais forte por ele, e não tinha como negar que tudo ficava mais fácil, que as cores ficavam mais vivas e bonitas, quando ao invés de fechar os olhos e imaginar o Lourenço, ela podia abri-los e vê-lo ali na sua frente.
— Eu não acredito que você tá aqui! — Ela se afastou o suficiente para poder olhá-lo, matando as saudades de cada detalhe do rosto que ela conhecia tão bem, as ruguinhas nos cantos dos olhos brilhantes, a cicatriz que a lembrava dos sofrimentos que ele tinha superado, a sombra da barba e o sorriso que estava tão enorme quanto o seu.
— Hoje é um dia importante. — Ele acariciou o rosto dela. — Eu não podia não estar aqui com você. Por você. Pra você.
— Você chegou hoje?
— A gente chegou de Porto Alegre ontem à noite. E era pra gente ter chegado aqui antes da audiência, mas eu caí na bobagem de escutar a Mari e pegar o metrô ao invés de um táxi.
Com muita relutância, a Bia se afastou do Lourenço e incluiu a Mariana na sua bolha de felicidade.
— Como eu ia adivinhar que uma estação ia ficar fechada por mais de meia hora por causa de uma pane? — ela se defendeu.
— Não tem problema. — A Bia a abraçou. — O que importa é que vocês estão aqui, agora. Obrigada.
— A gente queria estar aqui pra comemorar com você, ou pra te apoiar se as coisas não dessem certo.
— Eu tinha certeza que você ia conseguir. — O Lourenço segurou a mão da Bia, como se qualquer segundo sem contato com ela fosse demais.
Ela entendia. Ela se sentia do mesmo jeito.
— O seu irmão não veio com você? — a Mariana perguntou.
— A Berê tá de férias. As meninas não sabem de nada, eu não contei da audiência, mas eu quis que elas ficassem com o Fred. Eles estão me esperando em casa.
— E como a Alícia tá? — O sorriso sumiu do rosto do Lourenço com a pergunta.
— Ela tá melhor. Eu te disse, nas mensagens, que eu estava conversando com ela. Ela é muito mais forte do que a gente deu crédito.
— Claro que ela é forte. — Ele voltou a sorrir. — Quem é a mãe dela?
A Bia aceitou o elogio. Outra coisa que ela não ia fazer mais, era se diminuir aos olhos das outras pessoas.
— Eu prometi levar elas pra almoçar no shopping. Pra comemorar ou me despedir, mas graças a Deus que é pra comemorar! Por que vocês não vêm com a gente? — ela convidou.
— Será, Bia? — A respiração do Lourenço se acelerou. — Eu tô aqui por sua causa. Eu não quero forçar nada. Se ela não estiver pronta pra me ver, vai ser pior.
— Eu acho que ela tá pronta, mas, claro, não dá pra ter certeza. Por que vocês vão comigo até em casa e a gente vê como ela vai reagir? Se for demais pra ela, vocês vão embora. Eu tenho que ligar pro Fred pra dar o resultado pra ele. Eu aviso que vocês estão indo comigo, e ele fica preparado. — A Bia abriu a bolsa para tirar o celular, mas o cartaz enorme na sua frente a lembrou que o uso do aparelho era proibido nos corredores da vara de família. Ela ia ter que sair do prédio para ligar. — Vamos descer, então?
— Se você acha que vale a pena tentar — o Lourenço aceitou, depois de trocar um olhar com a irmã. — Você veio de carro?
— Não, eu estava muito nervosa pra dirigir. A gente pega um táxi. — A Bia foi andando entre eles, sua mão ainda firmemente apertada na do Lourenço.
Ao virar o corredor, eles se depararam com a Vivi e o Diego esperando pelo elevador. A prima estava gesticulando muito e murmurando alguma coisa para o namorado com uma expressão assassina no rosto. Assim que ela os viu, ela calou a boca e cruzou os braços, dando as costas para eles. Ao contrário do Diego, que se virou de frente, também parecendo que queria matar alguém.
— Você tinha que contar pra ela, né?
O Lourenço largou sua mão e passou o braço pela sua cintura, o que não ajudou a diminuir a raiva do Diego.
— Eu não disse nenhuma mentira, disse? — A Bia não se deixou intimidar pelo ex-marido.
O Diego deu um passo à frente e a Bia sentiu o Lourenço retesar os músculos do seu lado, pronto para pular no pescoço dele se fosse preciso. Felizmente, as portas se abriram e a Vivi puxou o Diego pelo braço para dentro do elevador.
— A gente vai no próximo — o Lourenço murmurou no seu ouvido.
— Não! — A Bia também entrou no elevador, com passos firmes. O tempo de se esconder atrás dos outros, e de deixar o ex-marido e a prima influenciarem suas decisões, pertencia ao passado.
A Bia foi para o seu costumeiro lugar na frente do painel. Aquele era o seu tipo de elevador menos preferido, a cabine era grande e ficava difícil manter a contagem de pessoas lá dentro, mas os espaços vazios indicavam que ele estava longe de atingir a capacidade máxima.
O que mudou quando o elevador parou no andar de baixo e a torcida do Flamengo inteira entrou. O Lourenço precisou soltar sua cintura, sendo empurrado pelo fluxo. A Bia tentou andar na direção contrária e sair da lata de sardinhas lotada e terminar de descer pelas escadas, mas ela não foi rápida o suficiente e não conseguiu passar.
Tudo bem, ela respirou fundo. Seu olhar voou para o mostrador em cima da porta, o número cinco brilhando em vermelho. Cinco andares. Ela conseguia sobreviver a cinco andares. Ela continuou com o olhar grudado no mostrador que passou para o quatro. Enquanto aqueles números continuassem diminuindo...
De repente, o número sumiu. A luz apagou. E o elevador deu um tranco, fazendo seu coração parar dentro do peito.
Não! Não! NÃO!
— Biatriz!
— Bia!
Ela reconheceu as vozes do Lourenço e do Diego, mas não tinha condições de responder. Respirar passou a ser sua única preocupação.
Aos poucos, a escuridão foi sendo quebrada pelas lanternas e telas dos celulares se acendendo. Ela procurou pelo Lourenço entre o mundo de cabeças na sua frente, e o achou no meio da cabine, tentando se esgueirar pelas pessoas.
— Dá licença, por favor.
— Amigo, não dá pra passar não — o homem na frente dele reclamou. — Não tem como ninguém sair daqui.
Claro que não tinha como sair, mas escutar a afirmação em voz alta fez o pânico da Bia sair do controle. Ela ia morrer! Tinha muita gente ali dentro. O ar ia acabar e todo mundo ia morrer sufocado. Ela pensou nas filhas.
Por quê?
Por que sempre que ela se sentia feliz, o mundo vinha e acabava com tudo? Por que ela ganhou a guarda das meninas só para morrer no elevador? E pior, o Diego também estava ali. E o Lourenço. A história ia se repetir, elas iam perder a mãe e os pais ao mesmo tempo.
— Deixa que eu vou — o Diego falou. — Eu tô mais perto.
— Pra quê? — a Vivi gritou por cima do burburinho dos outros passageiros reclamando e tecendo teorias sobre quanto tempo eles iam ficar ali. — A Bia é adulta. Ela não precisa de ninguém pra salvar ela.
Muito a contragosto a Bia deu razão à prima, ela realmente não precisava de ninguém para salvá-la. O que não queria dizer que ela não teria gostado de ter o Lourenço ali do seu lado e poder se agarrar nele, mas o Diego? Ele não queria nada dele.
— Sério, Vivi? — ele replicou. — Nem numa hora dessas você consegue colocar seus problemas com a sua prima de lado?
— Eu tô bem, Diego. — A Bia conseguiu juntar fôlego suficiente para falar. — Pode ficar aí.
— Bem que eu achei que eu te conhecia! — uma mulher falou. — Você é o ator. Diego Valdez!
Todos os celulares viraram na direção do Diego, alguns passando a filmar.
— A minha irmã não vai acreditar! — Um flash clareou o elevador e outra mulher falou entusiasmada. — Eu presa no elevador com o Diego Valdez!
— Depois que a gente sair, você tira uma foto comigo? — uma outra voz feminina se manifestou.
Antes que o Diego pudesse responder, a luz acendeu e a Bia agradeceu aos céus quando o elevador recomeçou a se mover. Só para tudo ficar escuro de novo, a cabine descendo em queda livre pelos dois segundos mais longos da sua vida antes de parar com um tranco mais violento que o primeiro. O grito da Bia se juntou ao dos outros passageiros e ao som de vários objetos caindo no chão.
— Calma todo mundo! — um homem berrou depois que o elevador parou. — Alguém se machucou?
A Bia deu as costas para a cabine, apoiando a testa na parede acima do painel, e fechou os olhos. Ela queria vomitar, mas ela não podia vomitar ali dentro. As pessoas perto dela não mereciam ficar presas no elevador e sujas de vômito, e o cheiro ia ficar insuportável, ela voltou a se concentrar na respiração. Uma mulher começou a rezar baixinho.
— Cara, eu já disse. Não tem como passar!
— Vai ficar tudo bem — a Bia começou a murmurar para si mesma, entre longas inspirações e expirações. — Vai ficar tudo bem.
— Puta que pariu! Você quebrou meu nariz!
A Bia reconheceu a voz do Diego.
— Deixa de ser exagerado — a Vivi respondeu. — Não quebrou, só tá sangrando um pouco.
— Por que a cabeçada?
— Eu perdi o equilíbrio.
— Não! Você fez de propósito!
— Quer saber? Fiz mesmo! Pra que você foi pedir a Bia pra voltar com você?
— Depois a gente fala disso! — Foi a resposta do Diego.
— Ele te pediu pra voltar pra ele? — uma mulher perguntou. Mesmo de olhos fechados, a Bia sentiu a diferença na claridade, como se as lanternas dos celulares tivessem virado na sua direção. — E o que você disse?
— Ela disse não, claro! — o Lourenço respondeu por ela.
— Você tá doida? — a mulher insistiu. — Recusar um homem desses?
— E suas filhas? — uma voz de homem perguntou. — Você não pensa nelas?
— Você devia ter vergonha! — uma outra mulher atacou. — Como você pode não querer reunir a família mais perfeita do Brasil?
Ótimo! Se ela não morresse sufocada, ela seria linchada pelos defensores da família e dos bons costumes. Ela ignorou todo mundo. Aquela era uma discussão em que ela não se meteria mesmo se estivesse em condições.
— A senhora não devia recriminar ela — o Lourenço tomou a defesa da Bia nas mãos. — A senhora teria feito a mesma coisa se tivesse flagrado o seu marido transando com a sua prima no sofá da sua sala.
— Cala a boca, babaca! — o Diego tentou falar por cima do Lourenço, mas não teve jeito, todo mundo escutou.
— Ooops! Era segredo? — o Lourenço perguntou.
— Você traiu a sua esposa com a prima dela? — uma das mulheres que atacou a Bia reverteu a revolta para o Diego.
— Não foi bem assim — ele tentou se defender. — Será que dá pra parar de filmar?
— Sem vergonha! — a mulher xingou.
— Cara, isso é melhor que novela das oito! — um rapaz falou. — Vai bombar na internet.
— Ninguém vai colocar nada na internet!
— Já era, amigo. Tá live.
A Bia tentou se desligar da confusão de vozes dentro do elevador. Uns xingando o Diego, que tentava convencer os passageiros que ele era inocente e a não postar nada, ao mesmo tempo em que a Vivi ameaçava colocar o Lourenço de volta na cadeia por difamação.
Uma mão apertou a sua, e só então a Bia se deu conta que estava de mãos dadas com alguém. Ela levantou o rosto, assustada, e encontrou a Mariana do seu lado.
— Continua respirando. — Ela deu outro aperto na mão da Bia. — Vai ficar tudo bem.
A Bia assentiu e voltou a encostar a testa na parede, de olhos fechados.
Toda flor é feita de bem-me-quer e malmequer.
Quem diria que no meio de uma experiência tão apavorante, poderia acontecer uma coisa tão inesperadamente boa?
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