Capítulo 37

A Bia saiu do elevador sem o costumeiro alívio que sentia sempre que colocava os pés em terra firme. Apesar de ter conseguido seguir, com poucos escorregões, sua lista de resoluções durante as primeiras semanas do ano, os últimos dias foram uma repetição do início da sua crise de abstinência. Com o estômago embrulhado o tempo todo, ela mal conseguiu comer, e seria otimismo dizer que ela tinha conseguido dormir mais que duas horas na noite anterior. Nada que uma boa maquiagem não tivesse conseguido disfarçar.

O doutor Lemmer também tinha enfatizando a importância de se vestir de maneira apropriada para a audiência, por isso, ela teve o cuidado de comprar uma saia preta que lhe servia perfeitamente, nem muito larga, nem muito justa, até os joelhos, e uma blusa rosa claro, de manga comprida para esconder sua tatuagem. Ele tinha dito que não era necessário, que sua tatuagem não era ofensiva, mas ela preferiu não dar chance ao azar. Um scarpin preto e os cabelos presos num rabo de cavalo, completavam a sua tentativa de parecer uma mãe que era séria quando precisava, mas não austera demais.

O advogado a puxou de lado no corredor.

— Como você tá se sentindo, Biatriz?

— Prestes a ter um ataque cardíaco a qualquer momento. — Ela massageou o peito.

— Eu sei que é pedir muito pra você se acalmar, mas é importante que você consiga manter, pelo menos, a aparência tranquila. Lembra que essa é uma audiência pra decidir a guarda das suas filhas e não pra resolver os seus problemas pessoais com o Diego. O advogado dele não vai ser gentil com você, pelo contrário, mas, a não ser que a juíza faça uma pergunta direta, você não se manifesta.

Ela concordou com a cabeça. O doutor Lemmer já tinha lhe falado tudo aquilo, na reunião em que explicou passo a passo o que ia acontecer na sala de audiências, mas a Bia não se importava de ser relembrada. Ele continuou:

— Se você precisar responder a alguma pergunta, respira fundo, pensa e fala devagar e com calma. Respostas diretas e sucintas. E não esquece, a juíza é excelência ou doutora. Pronta?

— Mais pronta, impossível — ela disse tanto para ele, quanto para convencer a si mesma.

Toda sua pouca segurança quase desabou ao virar o corredor e dar de cara com a Vivi sentada ao lado de um homem que devia ser o advogado deles. Do Diego, nem sinal. O ar ameaçou faltar, mas ela se obrigou a respirar no ritmo do exercício da doutora Clarisse e a continuar andando como se suas pernas não tivessem virado espaguete cozido.

— Oi, prima querida — a Vivi cumprimentou quando eles passaram, mas a Bia a ignorou.

O doutor Lemmer a levou até a cadeira mais longe da cobra e sentou do seu lado, criando uma barreira entre as duas.

As meninas tinham passado o último fim de semana com o pai e não mencionaram a Vivi. A reconciliação do casal devia ser recente. Ou ela estava ali por outro motivo.

— Eu achei que não ia ter testemunha hoje? — ela sussurrou a pergunta para o advogado, sem saber se seria capaz de cumprir a instrução de ficar calada na hora em que a prima começasse a desfiar a ladainha de mentiras.

— E não vai ter — ele a tranquilizou. — E mesmo que tivesse, seria fácil impugnar a sua prima. Ela está muito envolvida na história pra ser imparcial.

Um peso saiu dos ombros da Bia. Ela estava aceitando qualquer migalha naquele dia.

— Vamos aproveitar pra desligar o celular? — O doutor Lemmer tirou o telefone do bolso e a Bia revirou a bolsa até achar o seu. — Desliga por completo. Eu já vi telefone no silencioso se revoltar e fazer barulho. Mais que um casal lavando a roupa suja em público, só o celular tocando no meio da audiência pra acabar com a paciência de um juiz.

— Espero que você tenha aproveitado a viagem com as meninas. — A Vivi se inclinou pela frente do doutor Lemmer para falar. — Não vai ter outra, tão cedo.

— Por favor, controla a sua cliente — ele pediu ao outro advogado.

— Ela não é minha cliente. — Foi a resposta do homem que nem se dignou a levantar os olhos do documento que estava lendo.

— Não tem problema. — A Bia colocou a mão no braço do doutor Lemmer. Ela tinha prometido ficar calada na sala de audiências. Sua nova resolução de ser forte incluía não baixar a cabeça para a prima, e ela também se inclinou para falar com a Vivi. — Eu fico feliz de ver que você aceitou as condições do Diego.

— De que condições você tá falando?

— De não se meter mais entre ele, as meninas e eu. — A Bia sorriu com a surpresa piscando nos olhos dela. — Ele me contou quando eu fui na casa dele no ano novo.

— Foi passou o ano novo com ele?

— Ele não te falou? Então, você também não deve estar sabendo como ele me implorou pra esquecer o divórcio e aceitar ele de volta? — Um pouquinho de exagero, tudo bem, mas a Vivi quis começar a provocação, ela que aguentasse.

O rosto da prima se fechou e ela estreitou os olhos.

— Eu não acredito em você — ela disse entredentes.

A porta de sala de audiências se abriu e um homem gritou:

— Audiência de conciliação de guarda da segunda vara de família, autor Diego Valdez e ré Biatriz Bittencourt Valdez. Todas as partes, por favor.

A Bia levantou e parou na frente da prima, que continuou sentada.

— Você me conhece, Vivi. Você sabe quando eu tô mentindo e quando eu tô falando a verdade, e você tira sua conclusão.

Ela deu as costas para entrar na sala. Ter um inimigo que conhecia você muito bem era uma desvantagem até você aprender a usar o fato a seu favor. O silêncio da prima, que sempre tinha resposta para tudo, foi a medida do quanto ela tinha ficado abalada, porque ela sabia que a Bia estava falando a verdade.

Apesar da vontade de sorrir, a Bia se obrigou a não se comportar como uma criança de dois anos que ganha o pirulito depois de fazer birra. A vitória que importava dependia de não perder o foco na audiência.

— O Diego não veio? — ela perguntou ao advogado dele.

— Ele foi ao banheiro, mas já está vindo. — Ele apontou o cliente andando a passos largos pelo corredor.

— Cheguei! Cheguei! — O Diego se juntou a eles, ofegante. — Tudo bem, Bia?

— Tudo, e você? — Ela ficou satisfeita de ter conseguido responder como se não estivesse prestes a devolver o café da manhã que ela nem tinha tomado.

— Ótimo.

O doutor Lemmer segurou seu braço, a guiando para o seu lugar dentro da sala, que era menor que a Bia esperava. Duas mesas dispostas em T, em frente a uma janela que dava para o prédio do outro lado da rua, ocupavam quase todo o espaço. Na parte de cima, se sentava a juíza, ladeada por dois homens com notebooks abertos na frente deles. Na outra mesa, o doutor Lemmer puxou uma cadeira para a Bia e ocupou a que ficava mais perto da juíza. O Diego sentou na sua frente, com o advogado dele do lado. O único som era o motor suave de um ar condicionado.

— Bom dia a todos — a juíza desejou.

A Bia murmurou uma resposta junto com os outros.

— Declaro...

A juíza foi interrompida por um celular tocando. Em pânico, a Bia colocou a mão em cima da bolsa no seu colo, mas aquele não era seu toque.

— Me desculpa. — O Diego tirou o telefone do bolso do paletó e deu um dos sorrisos mais sedutores dele para a juíza. — Eu jurava que eu tinha colocado no silencioso.

— Faça o favor de desligar. — Ela não sorriu de volta, mas também não pareceu ficar aborrecida.

Quando o doutor Lemmer avisou que o responsável pelo julgamento da ação era uma mulher, a Bia considerou uma vantagem, achando que eles poderiam apelar para o lado maternal dela, mas a juíza que estava com o destino das suas filhas na mão, era muito mais jovem do que ela tinha imaginado e parecia estar caindo no charme do ator bonito e famoso.

— Pronto, excelência. Me desculpa, outra vez. — Ele teve a ousadia de dar uma piscadinha para ela.

— Alguém mais precisa desligar o celular? — A pergunta foi feita no geral, mas a Bia não conseguiu não se remexer na cadeira quando o olhar da juíza caiu sobre ela.

— O meu tá desligado — ela se sentiu na obrigação de responder apesar de não ter recebido uma pergunta direta.

Talvez, ela devia ter ficado calada? Pronto! Ela já tinha começado dando mancada. Ela virou para o doutor Lemmer, pedindo desculpas com o olhar, mas o advogado a encarava de volta tranquilo. A Bia respirou fundo e pousou as mãos cruzadas em cima da mesa na sua frente. Ainda tinha muita coisa para acontecer, ela não podia se desconcentrar logo no início.

A juíza recomeçou.

— Declaro aberta a audiência em que o autor Diego Valdez, representado pelo seu advogado, vem propor a ação de guarda unilateral em face de Biatriz Bittencourt Valdez. Com a palavra, o advogado da ré.

O que se seguiu, foi exatamente o que o doutor Lemmer tinha explicado. Ele começou expondo os motivos da guarda compartilhada ser a melhor opção para as meninas, fez um panorama de todos os problemas que a Bia tinha enfrentado e que culminaram com a noite em que ela misturou os remédios com a bebida, dando bastante ênfase aos resultados dos exames de sangue, que mostravam que ela não estava mais sob nenhum tipo de influência química, e ao laudo da doutora Clarisse, atestando que ela estava sob acompanhamento psicológico e se encontrava num estado emocional estável.

— E o resultados desses exames foram arrolados ao processo? — a juíza perguntou.

— Sim, doutora.

Ela olhou para um dos homens sentados ao lado dela. Ele estendeu algumas folhas de papel, que ela gastou alguns minutos lendo com atenção antes de devolver para ele.

— Passo a palavra para o senhor. — Ela indicou o advogado do Diego.

A Bia achou que tinha se preparado, mas foi muito pior. Ela escondeu as mãos em punho por baixo da mesa, fincando as unhas nas palmas ao escutar a narrativa de como ela era uma péssima mãe. Sua depressão depois da morte dos pais descrita com adjetivos fortes e dramáticos, uma queda da Amanda do balanço que teria sido evitada se ela tivesse sido mais cuidadosa, uma nota baixa da Alícia na escola porque ela não estudou o suficiente para a prova, o acidente com os remédios sendo referido repetidamente como tentativa de suicídio e, claro, o Lourenço.

Ela devia ter adivinhado que o orgulho ferido do Diego o faria 'esquecer' da predisposição em deixar a paternidade da Alícia para ser resolvida entre eles. O advogado dele desencavou todos os problemas do Lourenço na adolescência, as duas prisões, acusou a Bia de colocar as meninas em perigo ao convidar um ex-presidiário para se hospedar na casa dela e explorou o máximo que pôde a maneira desastrosa como a filha mais velha descobriu sobre o pai verdadeiro.

Ela tentou seguir o conselho do doutor Lemmer de projetar tranquilidade apesar do tumulto interno. Ela imaginou um escudo em volta de si mesma, as palavras maldosas do advogado batendo nele e caindo pelo chão sem atingi-la, mas a última declaração foi demais. A Bia tomou fôlego para contar como a Vivi, própria madrinha da Alícia, tinha feito comentário pior. O doutor Lemmer pareceu pressentir o que ela estava prestes a fazer e deu um leve aperto no seu braço.

A muito custo, a Bia engoliu a interrupção. Ela não tinha nada a ganhar fazendo uma acusação que poderia ser desmentida pelo Diego e a faria parecer mesquinha e vingativa.

Os dois advogados falaram alternadamente, defendendo e atacando. A Bia não conseguia ver quem estava levando vantagem. Os argumentos do doutor Lemmer pareciam sólidos e sensatos até o advogado do Diego falar e desmanchar um por um, só para a palavra voltar para o seu advogado e ele reconstruir tudo de novo. A juíza não servia como termômetro. A Bia não tirava os olhos dela, mas a mulher não deixava escapar nada na expressão impassível e fria.

Depois do que pareceu uma eternidade, os advogados fizeram suas considerações finais e a juíza retomou a palavra.

— A minha decisão está tomada. Eu gostaria de lembrar que as duas meninas passaram por uma avaliação psicológica e o que elas falaram foi levado em consideração, mas de maneira nenhuma foi o peso principal da sentença. O meu trabalho é fixar a tutela considerando quais as melhores condições emocionais e materiais que vão garantir o bem-estar e o desenvolvimento pleno e saudável da criança, não havendo preferência entre mãe ou pai.

Ela olhou da Bia para o Diego, que assentiram, em silêncio.

A Bia não tinha mencionado a audiência para as filhas, achando melhor esperar a sentença e ter uma coisa concreta para explicar, ao invés de assustá-las com cenários que podiam, ou não, se tornar realidade. Quando especulou sobre o que tinha acontecido na sala da psicóloga, as meninas disseram que tinham brincado, jogado um jogo, mas não deram nenhuma pista sobre o que tinham falado sobre ela ou sobre o Diego, e a Bia teve que desistir de fazer mais perguntas para não levantar as suspeitas delas.

— Confirmando com os advogados... — A juíza remexeu em alguns papéis até encontrar o que ela queria, antes de continuar. — Não existe desacordo sobre o valor da pensão alimentícia e todos estão cientes que, com a comprovação do senhor Lourenço Ribeiro como pai da menina Alícia por meio de teste de DNA, a obrigação de prover financeiramente por ela, passa a ser dele. Correto?

— Sim, doutora — o doutor Lemmer e o advogado do Diego falaram quase ao mesmo tempo.

— Antes de dar meu parecer, eu tenho uma pergunta pra cada um dos pais. — A juíza focou toda a atenção no Diego. — Senhor Diego, em primeiro lugar, eu queria dizer que eu acho louvável a indistinção que o senhor faz entre a sua filha de fato e a menina que o senhor não adotou legalmente, mas parece considerar como sua. E eu gostaria de saber, por que o senhor acha que a guarda unilateral é a melhor opção para a sua família?

Ele virou o corpo e ficou de frente para a juíza, apoiando o braço na mesa, como se estivesse conversando com um amigo num barzinho e não prestes a se dirigir a uma autoridade que estava com o futuro deles nas mãos. Não tinha como negar que ele levava vantagem naquele aspecto. Ele era um ator carismático, treinado para projetar a imagem externa que quisesse.

— Muito obrigado, excelência. Eu realmente amo as duas do mesmo jeito, independente de quem carrega o meu DNA. — Recolhendo o sorriso, ele colocou uma expressão grave no rosto. — Pensando em todo o meu tempo de convivência com a Biatriz, eu posso separar a experiência dela com a maternidade em duas partes. Antes do falecimento dos pais, ela era a mãe perfeita. Firme quando tinha que ser, brincalhona quando podia, sempre amorosa e paciente. Depois, ela virou outra pessoa, e longe de mim, invalidar os sentimentos dela. Qualquer pessoa passando por uma tragédia impensável dessas se sentiria da mesma maneira. O problema é que ela não consegue se recuperar. São quase dois anos de depressão e desequilíbrio. Eu acredito que assumindo a responsabilidade de criar as meninas e de tomar todas as decisões na vida delas, eu estou dando à Biatriz a liberdade, e o tempo, que ela precisa para melhorar. E quando isso acontecer, e eu tenho certeza que um dia vai acontecer, eu vou estar aberto a rediscutir a nossa situação. Vai depender dela.

A Bia precisou morder os lábios para não agradecer ao Diego por tanta bondade. A juíza não devia ser fã de respostas irônicas. Só do seu ex-marido.

— Obrigada pela sua resposta honesta, senhor Diego. — Foi muito rápido, mas a Bia podia jurar ter visto um sorriso no rosto da mulher, antes que ela se virasse na sua direção. — Agora, sua vez, senhora Biatriz, por que a senhora acha que merece a guarda compartilhada?

A Bia respirou fundo. A juíza disse que tinha tomado a decisão, mas não devia estar cem por cento segura, se estava se dando ao trabalho de querer ouvir as respostas de pai e mãe, e ela não ia estragar sua última oportunidade de ganhar a simpatia dela.

Seguindo o exemplo do Diego, ela se virou na cadeira, ficando de frente para ela, e com as mãos pousadas na mesa, num esforço consciente de não apertá-las uma contra a outra, a Bia fixou seus olhos nos da mulher na sua frente, apagando o resto da sala, falando com a voz firme e calma, como o doutor Lemmer tinha pedido.

— Tudo o que tinha que ser dito sobre o meu acidente com os remédios já foi dito. Eu não vou tentar me justificar, nem dar desculpas pelo meu comportamento. Aconteceu. E eu estou tomando todos os cuidados pra não acontecer de novo. E não vai acontecer. Um conhecido meu, me lembrou há pouco tempo, que uma boa mãe é aquela que faz o que os filhos precisam que ela faça e não o que ela tem vontade de fazer. A doutora me perguntou por que eu mereço a guarda compartilhada? Eu não estou pedindo a guarda compartilhada porque eu acho que eu mereço. Eu estou pedindo a guarda compartilhada porque é o melhor pras minhas filhas. Eu acho importante que elas vejam que os problemas que terminaram com o meu relacionamento com o Diego não influenciam no nosso relacionamento com elas. Que nós somos capazes de colocar tudo de lado pra pensarmos juntos, decidirmos juntos, o que é melhor pra elas. — A Bia estendeu o braço para o Diego na sua frente. — Porque o Diego é o meu ex-marido, e eu sou a ex-esposa dele, mas nós nunca vamos ser o ex-pai ou a ex-mãe delas. Que é o que elas vão pensar se um de nós sumir por quinze dias. A Amanda, principalmente...

Ela sentiu um leve aperto do doutor Lemmer no seu braço, e se interrompeu, entendendo que estava se estendendo demais.

— Desculpa. — A Bia colocou as duas mãos no rosto quente. — Eu me entusiasmei. É só o que eu tenho pra falar.

— Você não precisa pedir desculpas, senhora Biatriz. Preocupante é uma mãe que não se entusiasma, ou se emociona, ao falar dos filhos. Obrigada pela sua resposta. — A juíza também deu um breve sorriso para ela, fazendo a Bia respirar mais fácil.

Alívio que acabou no segundo seguinte, quando um dos homens que estava ao lado da juíza se levantou.

— Todos de pé, por favor, para escutar o parecer da doutora.

Ela só conseguiu obedecer com a ajuda do doutor Lemmer, de tanto que suas pernas, seu corpo inteiro, tremia.

De pé, a juíza começou a falar.

— Depois de escutar as partes envolvidas e com a análise prévia de toda a documentação que me foi apresentada, julgo improcedente o pedido de guarda unilateral feito pelo pai Diego Valdez, em face da mãe Biatriz Bittencourt Valdez...

O coração da Bia quase parou e ela não escutou mais nada. Aquilo queria dizer que ela tinha conseguido? Ela não estava conseguindo raciocinar direito com a quantidade de adrenalina sendo jogada no seu corpo, mas um olhar para o rosto sorridente do doutor Lemmer foi a confirmação que ela precisava para entender que as meninas iam ficar com ela. Ela tinha conseguido! O alívio foi tanto, que ela precisou apoiar as mãos na mesa para continuar de pé.

— Senhora Biatriz?

A leve sacudidela que o advogado deu no seu ombro a fez perceber que a juíza estava se dirigindo a ela.

— Senhora Biatriz?

— Desculpa. Pode falar, doutora. — A Bia se obrigou a continuar projetando a aparência exterior de calma, bem diferente da sua vontade de rir e chorar e sair pulando e gritando.

— A senhora está recebendo um voto de confiança, porque eu também acho que os filhos só têm benefícios quando percebem que o fim da vida conjugal de um casal não significa o fim da vida em comum deles. Que família é uma unidade que está acima de tudo. Mas, o que a senhora chama de seu 'acidente' com as substâncias químicas é um fato gravíssimo, por isso, a minha sentença é provisória. Daqui a seis meses, nós vamos voltar aqui e eu vou reavaliar a minha decisão, podendo confirmá-la, ou não. Durante esse período, eu espero continuar recebendo relatórios regulares da médica que faz seu acompanhamento psicológico, entendido?

— Sim, doutora — a Bia concordou.

— Durante esses seis meses, as suas filhas também vão passar por sessões mensais com a mesma psicóloga que fez avaliação delas. O seu advogado vai receber as datas e horários, e eu nem preciso dizer como é importante que elas não faltem a nenhuma sessão.

A Bia assentiu.

— Um último esclarecimento sobre o que significa a guarda compartilhada. — Ela olhou da Bia para o Diego e só seguiu depois de ter certeza que tinha a total atenção dos dois. — As meninas vão continuar morando com a mãe, mas as todas as decisões sobre elas são tomadas em conjunto, inclusive a quantidade de tempo que elas vão passar com um e com outro. Como elas são pequenas, a minha sugestão é que vocês estabeleçam uma rotina que não varie muito. Isso cria segurança e estabilidade na vida delas. Eu vejo vocês daqui a seis meses e um bom dia.

— Parabéns, Biatriz! — O doutor Lemmer apertou sua mão, depois que a juíza se retirou. — Você foi perfeita.

— Muito obrigada, doutor. Eu não teria conseguido sem o senhor.

— Relaxa e comemora com as suas filhas. Eu entro em contato pra passar as datas das consultas das meninas e marcar uma reunião pra planejar a nossa estratégia pra daqui a seis meses, mas fica tranquila. Você continua do jeito que você está e a juíza não tem motivos pra mudar a sentença.

— Eu sei.

E ela sabia. O pior tinha passado! Se ela tinha sido forte para chegar ali, o que vinha pela frente não a assustava mais. O nevoeiro estava se dissipando e ela estava começando a enxergar com clareza os caminhos na sua frente. E eles não eram mais tão assustadores como ela tinha imaginado.

Eles se viraram para sair da sala, mas o Diego parou na sua frente.

— Parabéns, Biatriz, você ganhou. — Ele estendeu a mão, que ela aceitou.

— Não, Diego. É isso que você precisa entender. Eu não ganhei. Nós quatro ganhamos.

— Você tá certa. — Ela colocou a mão nas costas dela a levando em direção a porta. — A gente podia marcar um almoço essa semana pra conversar sobre as meninas. Eu mando uma mensagem confirmando o dia?

— Pode ser. Eu tô com a semana livre. É só me avisar.

Ao pisar no corredor, seu coração ainda não tinha voltado ao ritmo normal e ele quase pulou pela boca quando seu olhar pousou na cadeira onde esperava encontrar a Vivi. Porque não era a prima que estava lá. Sentado, ao lado da Mariana, estava o Lourenço.


***

Nota: eu usei o que, na ficção, se chama licença artística ou poética nesse capítulo. A sentença de uma audiência de guarda não sai na hora, ela é dada somente alguns dias depois, mas pra aumentar a emoção, achei melhor assim, ao estilo Hollywood. Fica aqui o esclarecimento, pra alguém que vai passar por essa situação, não ficar com expectativas falsas.

Ah! E espero que vocês também ganhem! ♥

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