Capítulo 33


Na manhã de Natal, a Bia estava sentada no sofá com o Fred, observando as meninas brincando com os presentes novos, a Mariana distraída no celular na poltrona perto deles.

Seu contentamento só não era completo pela ausência do Lourenço. Apesar de toda a provocação da noite anterior, a Bia não pôde ir visitá-lo no quarto dele, sem sutiã e sem calcinha como ele tinha exigido, porque ele não tinha dormido lá.

O seu Rodolfo, que também não bebia nada alcoólico por causa dos remédios que tomava, e era o motorista designado para levá-los de volta a Copacabana, tinha esquecido de levar o remédio da pressão e, na hora de ir embora, declarou que não estava se sentindo bem para dirigir.

Depois de uma animada discussão, em que a possibilidade de eles dormirem na casa do Fred foi cogitada e descartada, principalmente porque o seu Rodolfo precisava tomar o bendito remédio, o Lourenço se declarou o mais apto a levá-los, já que tinha tomado só uma taça de vinho na hora do jantar. Na verdade, a Bia era a mais apta, mas ninguém levou em consideração sua oferta de ir dirigindo para Copacabana àquela hora da madrugada. Eles tinham se espremido no carro, e como não fazia sentido o Lourenço ficar indo e vindo, ele decidiu dormir lá e voltar com eles para o almoço.

Que a Bia teve dificuldades para dormir, não foi novidade, o motivo é que foi inédito. Deitada entre as duas filhas, que também custaram a pegar no sono — no caso delas, culpa da injustiça da mãe em exigir que elas esperassem até o dia seguinte para brincar com a quantidade enorme de presentes que elas tinham ganhado — ela não conseguia parar de sentir falta do Lourenço, pensando no que eles estariam fazendo se ele estivesse ali. 

Mesma angústia que apertava o seu peito enquanto esperava ele chegar. Ela tinha prometido a ele um dia de cada vez, mas como não se preocupar com o futuro? Se a falta dele por uma noite estava sendo uma tortura, como seria dali a três dias quando ele fosse embora? Tudo bem, eles iam conversar, planejar, mas ainda que os planos incluíssem uma volta dele ao Rio, tinha a viagem dela com o Fred e as meninas para Fortaleza logo depois do ano novo.

Quatro mil e duzentos quilômetros de distância entre ela e o Lourenço por, no mínimo, quinze dias.

É, ela tinha pesquisado.

Quem sabe ela não fazia uma surpresa para ele e ia passar o réveillon em Porto Alegre?

— Onde você vai passar o ano novo? — a Bia perguntou ao irmão, que desviou o olhar da Alícia, sentada na mesa forrada com a toalha manchada de suco, com o kit de telas, pinceis e tintas, presente do Lourenço, tentando reproduzir uma miniatura de árvore de Natal. A Amanda tinha ganhado um igual, mas tinha preferido brincar no chão com a casinha e as bonecas que o Papai Noel tinha trazido para ela.

— O Diego vai ficar com as meninas?

— Foi o que a gente combinou, Natal comigo e ano novo com ele.

— Eu tenho uns convites pra algumas festas, mas claro que eu só vou se você for também — o Fred respondeu.

Ela teria que arrumar uma excelente desculpa para não passar o ano novo com o irmão, principalmente se ela não quisesse contar sobre o Lourenço e esconder que estava indo para o Sul, mas ela não precisava decidir ainda. Depois da conversa com o Lourenço, ela pensava melhor.

— O doutor Lemmer já arrumou o laboratório pra você fazer os seus exames em Fortaleza? — o Fred mudou de assunto.

— Tá tudo certo. Ele já me passou o endereço e tudo.

— Tô gostando de ver a animação — ele implicou com o tom desanimado da Bia. — Você quer desistir de ir?

— Não é isso, Fred. É que... você sabe. — A Bia não queria mais ficar reclamando, o irmão sabia que as férias poderiam ser sua última oportunidade de ficar com as filhas por um bom tempo. Uma semana depois da volta deles, era a audiência. Seria difícil relaxar e aproveitar a viagem sem aquela sombra pairando sobre a cabeça. 

— Vai dar tudo certo. Não fica assim. — Ele deu um beijo na cabeça dela.

O som das portas do carro batendo do lado de fora, encerrou o assunto.

— Eles chegaram — ela tentou não soar tão entusiasmada quanto se sentia.

Alguns segundos depois, a porta da frente abriu.

— Dá licença. — O Lourenço foi o primeiro a entrar segurando a porta aberta para o resto da família passar.

Ele estava mais lindo que nunca com a mesma roupa da noite anterior, toda amassada, os cabelos bagunçados como se ele tivesse penteado de qualquer jeito com os dedos e a sombra da barba por fazer escurecendo o rosto cansado. Pelo jeito, a noite dele tinha sido tão insatisfatória quanto a sua.

Depois dos bons dias e repetições de feliz Natal, o Lourenço se virou para a Bia.

— Biatriz, ou Fred, eu não sei quem pode ajudar, mas a tia tá preocupada com o tio, será que um de vocês pode tirar a pressão dele?

— Claro. — O Fred pulou do sofá, tomando a frente. — O que o senhor tá sentindo? Dor no peito?

— Sem dor no peito, a cabeça tá um pouco zonza, mas não é nada. — O seu Rodolfo abanou a mão. — Eu não quero incomodar. A Marinês se preocupa demais.

— Mas ela tá certa. — O Fred levou o seu Rodolfo até o sofá, com a voz calma, mas insistente, que ele usava quando estava em modo médico. — Com saúde é melhor pecar por excesso de cuidado que falta. Eu vou lá em casa, pego meu aparelho, a gente tira a pressão e todo mundo pode aproveitar o Natal despreocupado.

— Deus lhe pague, meu filho. — A dona Marinês sorriu, sentando ao lado do marido no sofá.

— Não tem de quê, dona Marinês. A senhora fica tranquila, não deve ser nada. Eu não demoro.

— Viu, tio? — o Lourenço disse depois que o Fred saiu. — Eu sabia que eles não iam se incomodar, e agora que tá tudo resolvido, eu vou tomar uma chuveirada.

A rodinha em volta do seu Rodolfo se dispersou, e a Bia acompanhou o andar do Lourenço, que deu uma paradinha por trás da Alícia, tão concentrada que nem parecia ter percebido a chegada deles.

— Tá muito bonito — ele elogiou a pintura, fazendo um carinho no alto da cabeça dela.

Ela piscou algumas vezes antes de olhar para cima e sorrir ao ver quem estava falando com ela.

— Obrigada, tio Lôro, foi o presente que eu mais gostei.

— De nada, minha linda. — Ele deu um beijo onde a mão tinha estado alguns segundos antes, e seguiu seu caminho quando viu a Alícia de volta perdida na pintura.

— Eles são muito fofos, né? — a Alexa falou, fazendo a Bia dar um pulo.

— Muito — ela respondeu distraída, a cabeça trabalhando a mil em um plano.

O Fred, o único que a vigiava o tempo todo ia demorar, no mínimo, uns dez minutos para ir em casa e voltar. O Lourenço estava sozinho no quarto dele. A Bia só precisava de uma desculpa plausível para ir lá em cima também. E quem lhe deu foi o Bento indo em direção à Amanda.

— Minha filha! — A Bia chegou primeiro e levantou a casinha, a deixando fora do alcance das mãozinhas rechonchudas do menino. — Aqui tem muita coisa pequena. É perigoso o Bento engolir. Que tal se a gente guardar?

— E com o que eu vou brincar, mamãe?

— Aqui. — A Alexa abriu uma sacola cheia de peças grandes de Lego no chão.

— Eu posso, tia? — A Amanda esqueceu da casinha e engatinhou até a nova distração.

— Claro! — A Alexa sentou com eles. — Vamos ver quem constrói a torre mais alta!

A Bia voou escada acima antes que alguém sugerisse que ela colocasse a casinha em cima da mesa mesmo.

Ela tinha menos de dez minutos e não podia perder tempo. Ela largou a casinha de qualquer jeito no chão do quarto da Amanda e correu até o quarto do Lourenço, entrando sem bater e virando a chave atrás dela.

— Lourenço! — ela chamou sem gritar.

Como no domingo pela manhã, ele apareceu surpreso na porta do banheiro. Ao contrário do outro dia, ele estava deliciosamente nu.

A Bia não perdeu tempo apreciando a visão e correu para ele.

— A gente só tem dez minutos. — Ela pulou no colo dele, que a segurou com facilidade. — Menos de dez minutos!

Ela colou a boca na dele, como se ele fosse o oxigênio que ela precisava para não morrer. Ele retribuiu do mesmo jeito, apertando sua bunda com força. A Bia enfiou a mão entre eles, o segurando, acariciando, precisando dele pronto.

— Porra, Bia. Espera. O chuveiro tá aberto!

— Foda-se o chuveiro! — Ela aumentou o ritmo da mão. — Eu quero... eu preciso...

— Puta que pariu! — Ele deu dois passos e a deitou na beirada do colchão. — O que deu em você?

— Saudade? — Ela sorriu com a surpresa no rosto dele.

— Eu também. — Ele encostou a testa na dela, jogando o quadril para a frente, usando a mão em volta dele para se endurecer. — Eu também morri de saudades de você.

Ele a beijou devagar, subindo a saia do vestido dela.

— O que você tá fazendo de calcinha? — ele murmurou contra os lábios dela passando os dedos de leve pela barreira entre eles.

A Bia o largou e se contorceu até tirar a peça de roupa ofensiva e a jogou para trás.

— Que calcinha?

A resposta do Lourenço foi uma risada safada e a tentativa de se ajoelhar no chão, entre suas pernas. Ela enfiou as mãos no cabelo dele e o puxou para cima.

— A gente não tem tempo. Lourenço, por favor, eu preciso de você! — Ela envolveu as pernas nos quadris dele e o puxou para perto.

— É isso aqui que você quer? — Ele enfiou a mão entre eles e a Bia sentiu a rigidez escorregando nela.

— Isso! — ela gritou quando ele começou a entrar nela. — Por favor... rápido... e forte... por favor...

Com um grunhido, ele a atendeu, bombando o quadril num ritmo insano, que a Bia devolveu com a mesma loucura. Ela se agarrou nele, nos ombros, nas costas, nos cabelos, abafando seus gemidos com o rosto enfiado no pescoço dele.

Encaixando as mãos entre ela e o colchão, o Lourenço levantou seu quadril, o virando levemente de lado, e um choque elétrico a percorreu de cima a baixo.

— Assim! Não para! — seu pedido saiu abafado, mas ele deve ter ouvido porque continuou e continuou, fazendo ela explodir, seus gemidos se misturando com os dele que gozou junto com ela.

Ele foi diminuindo, aos poucos, até parar, ainda dentro dela, e levantou a cabeça, afastando uma mexa de cabelo grudada no rosto da Bia.

— Satisfeita?

— Pelos próximos quinze minutos.

— Humm... — ele murmurou preguiçoso. — Você tem ideia do que é ver você assim, louca de tesão por mim?

— Quem disse que eu estava com tesão?

Ele deu uma gargalhada.

— Eu vou precisar de umas vitaminas então, pra quando você estiver com tesão.

— Eu queria poder ficar aqui, mas o Fred deve estar voltando, e eu preciso voltar lá pra baixo.

Lembrar da família toda lá embaixo foi o suficiente para fazê-los agir. O Lourenço ficou de pé, estendeu a mão e a ajudou a se levantar da cama.

— Sinto muito, mas você não vai conseguir esconder de ninguém que acabou de ser muito bem comida.

— Talvez, eu não queira esconder. — Ela se segurou nele por alguns segundos até as pernas voltarem a funcionar.

— Sério? — ele acariciou o rosto da Bia, a cabeça de lado.

— Não — ela respondeu com uma risada e se afastou. — Eu vou no meu quarto me ajeitar antes de descer. E vai tomar banho que tá desperdiçando água!

Ela o surpreendeu com um tapa naquela bundinha mais linda e firme e redondinha. Ele riu e segurou sua mão.

— Não veste outra calcinha — ele mandou.

— Talvez, eu vista. Talvez, não. Você vai ter que descobrir. — Ela se soltou e jogou um último olhar provocante por cima do ombro.

Apesar de toda a brincadeira, ela abriu a porta com cuidado, esticando o pescoço para escutar se tinha alguém no corredor e só depois de uma espiada rápida, correu até o seu quarto.

Depois de se limpar, pentear o cabelo e lavar o rosto, quase como tinha feito na noite anterior, a Bia vestiu uma calcinha fio dental bem bonita e indecente para provocar o Lourenço, se tivesse a chance.

O Fred estava concentrado tirando a pressão do seu Rodolfo quando ela desceu, o mais discretamente possível, e se enfiou na rodinha que tinha voltado a se formar em volta deles, assim como quem não quer nada.

— Catorze por nove — o Fred anunciou, removendo o aparelho do braço do seu Rodolfo. — Um pouco alta, mas nada alarmante. É só o senhor não esquecer de tomar o remédio.

— A gente não esqueceu hoje, tá dentro da minha bolsa. — A dona Marinês deu um tapinha na bolsa no colo dela. — Mas agora, eu já fiquei de moleza muito tempo. Biatriz?

— Aqui. — Ela saiu de trás do Lucas como se estivesse ali o tempo todo.

— O que você precisa de ajuda pro almoço? — A dona Marinês se levantou, deixando a bolsa ao lado do marido.

— Hã... — O cérebro da Bia demorou alguns segundos para pegar. Como ela podia se preocupar com algo comum como almoço quando ainda sentia o Lourenço entre as pernas? Mas ela se obrigou a pensar e a responder. — O arroz. Eu não sei calcular se vai dar. A senhora olha, pra mim?

— Claro.

A Bia começou a seguir a dona Marinês para a cozinha, mas parou e colocou a mão na testa.

— A sua quiche, Fred. Tá na sua geladeira.

— Sério, Bia, eu acabei de vir de lá. Por que você não falou antes?

— Eu esqueci, desculpa. O estrogonofe acabou, se você quiser comer, tem que ir buscar sua quiche. E tem as sobremesas e o resto das bebidas. Você traz logo tudo.

— Eu vou ter que vir de carro, né? Pra trazer tudo?

— Eu posso te ajudar — o Lucas se ofereceu, largando a cuia de chimarrão que ele estava tomando na mesinha de centro. A Bia não entendia como ele conseguia tomar tanto chá quente naquele calor, mas a Alexa disse que gaúcho só para de beber chimarrão quando morre.

Antes mesmo que ele falasse, a Bia sentiu o cheirinho gostoso de sabonete ao seu lado.

— Eu também ajudo — o Lourenço tocou a cintura da Bia tão rápido que ela não teria certeza se tinha imaginado, não fosse pelo calor que ficou por lá.

— Eu posso ir, mamãe? — A Amanda puxou a saia do vestido da Bia.

— Filha, eles vão buscar a comida e voltam.

— Mas eu quero ir, posso?

— Pode, mas dá a mão pra alguém.

— Eu também vou. — A Alícia desceu correndo da cadeira.

— E aquela bagunça? — A Bia segurou o ombro dela. — A gente vai precisar da mesa limpa pra almoçar.

— Eu arrumo quando eu voltar, mamãe, eu juro.

— Tudo bem.

Ao ver a procissão prestes a sair, o Bento correu atrás deles.

— Calma aí, guri! — A Alexa segurou a mão do filho, mas continuou andando. — Vai todo mundo passear na casa do tio Fred. Eu também arrumo a bagunça quando eu voltar, mamãe — ela brincou, olhando para a Bia, que prendeu o riso nos lábios e balançou a cabeça se fingindo de brava.

— Vamos olhar o arroz? — a dona Marinês chamou.

— Vamos. Seu Rodolfo? — A Bia esperou o tio do Lourenço a olhar. — Se o senhor quiser ver televisão, fica à vontade.

— Obrigado, minha filha. Eu aceito.

Ele foi para a sala de televisão, e ela, a dona Marinês e a Mariana pegaram o caminho da cozinha, na casa subitamente silenciosa. A Bia tirou a vasilha do arroz da geladeira para a dona Marinês, que decidiu que, junto com a torta de bacalhau que só tinha que ir ao forno e o que sobrou do dia anterior, não se precisava fazer mais nada.

A Bia estava com a mão no acendedor do forno quando o interfone tocou. Ela ficou paralisada como se um alienígena tivesse resolvido pousar o disco voador bem no meio da sua cozinha.

Quem podia ser em pleno Natal?

O Diego vinha buscar as meninas para passarem um pouquinho do dia com ele, mas a Bia tinha sido clara ao dizer 'depois das cinco horas'. Não era nem meio-dia. Não era possível que ele tivesse a cara de pau de desrespeitar o seu pedido!

— Quer que eu atenda?

O oferecimento da Mariana foi feito com o eco do segundo toque do interfone pela cozinha, e a Bia percebeu que não podia ficar ali parada o dia inteiro.

— Não precisa, obrigada. — A Bia encostou o fone no ouvido com as mãos trêmulas. — Alô?

— Bom dia e feliz Natal, dona Biatriz.

— Feliz Natal, seu João. Chegou alguém aqui pra casa?

— Tem uma moça aqui. Nicole. Ela disse que é sobrinha da dona Marinês?

— Só um minutinho. — A Bia tampou o fone, quase flutuando de alívio. — A senhora tem uma sobrinha chamada Nicole?

— Ela não é minha sobrinha. Ela é filha de um primo meu, mas ela me chama de tia — ela respondeu calma, mas arregalou os olhos e pôs a mão no peito. — Ela tá aqui? Ai, meu Deus! Aconteceu alguma coisa!

— Pode deixar entrar, seu João. Obrigada. — A Bia desligou enquanto a Mariana corria para o lado da tia.

— Calma, tia.

— A Nicole não ia aparecer aqui do nada.  É má notícia. Eu sei!

— Aparecer aqui do nada é exatamente uma coisa que aquela cabeça de vento é capaz de fazer. Fica calma, senão o tio Rodolfo fica nervoso e a pressão dele sobe, outra vez.

— Por que a gente não espera no jardim? — a Bia sugeriu. — A gente descobre o que aconteceu sem alarmar o seu Rodolfo.

— Isso, meu bem. Vamos. — A dona Marinês saiu correndo da cozinha.

Quando a Bia e a Mariana a alcançaram logo de fora da porta, uma mulher com um vestido vermelho super curto e uma sandália preta super alta descia do táxi.

— Surpresa! — Ela levantou os braços, e a Bia sentiu a tensão deixando o corpo da dona Marinês com um longo suspiro, enquanto a Mariana murmurava um 'não acredito!', do seu lado.

Depois de agradecer ao motorista do táxi, que colocou uma maleta rosa choque do lado dela, a Nicole agarrou o puxador e se aproximou com um sorriso no rosto.

— O que você tá fazendo aqui, minha filha? Aconteceu alguma coisa? — a dona Marinês perguntou, num tom que não carregava mais preocupação, só curiosidade.

— Aconteceu que eu fiquei com saudade. — Ela largou a mala e deu um abraço na tia.

— Desde ontem? — a Mariana perguntou num tom de desdém que lembrou a Bia do almoço de tantos anos atrás, quando ela própria tinha sido o alvo daquela frieza, e não conseguiu deixar de sentir uma certa simpatia pela mulher.

— Olha — a Nicole devolveu o mesmo tom para a Mariana, jogando os cabelos louros cacheados por cima de um ombro. — O meu amigo estava vindo pro Rio. De jatinho particular. E eu pensei, bah, por que não pegar uma carona com ele e passar um pouquinho de Natal com vocês? A gente sentiu tua falta ontem, tia.

A dona Marinês se derreteu, mas a Mariana continuou a olhar a outra como se quisesse matá-la.

— E você achou que era boa ideia vir pra casa de alguém que você não conhece, sem ser convidada? Aliás, como você conseguiu o endereço daqui?

— Pelo celular da Alexa. A gente compartilha nossa localização — ela respondeu como se a Mariana fosse uma imbecil por não saber daquilo, e se virou para a Bia. — E você deve ser a Biatriz. Desculpa eu ter vindo sem ser convidada. Eu não vou ficar. Se você não se incomodar, eu só vou cumprimentar todo mundo e vou embora.

— Vai ser um prazer se você ficar pro almoço. Não tem problema nenhum. — A Bia estendeu a mão para a mulher que retribuiu seu aperto com um olhar de vitória para a Mariana. — Vamos entrar?

A Nicole tentou empurrar a mala para a Mariana que a ignorou, e a dona Marinês acabou pegando ela mesma a alça e puxou a bagagem da sobrinha para dentro de casa.

— Eu vou avisar ao Rodolfo que você chegou antes que ele tome um susto.

— Bia, a gente nunca se viu, mas é como se eu te conhecesse. — A Nicole passou o braço pelo da Bia, entrando em casa como se elas fossem velhas conhecidas. — O Lourenço fala muito de você. Eu estava com ele naquele dia de manhã, quando você ligou pra ele.

O primeiro sinal de alarme tocou dentro da sua cabeça. O significado do que a Nicole falou ficou bem claro. A Bia não tinha ligado muito cedo, mas ela se lembrava de ter tido a impressão de ter acordado o Lourenço, e se a Nicole estava com ele, então ela estava com ele na cama. Ela respirou fundo e se manteve calma. O Lourenço tinha o direito de ter estado na cama com quem ele quisesse e a Bia não tinha o direito de se irritar.

— Você não se importa, né? Do Lourenço conversar sobre você comigo? A gente é praticamente noivo.

A Bia largou o braço da mulher com o segundo alarme. Estar na cama era uma coisa, estar quase noivo, outra.

— Praticamente noiva do Lourenço só nos seus sonhos — a Mariana debochou e o coração da Bia se acalmou um pouco.

— Tu não sabe de nada. Eu vi o anel escondido no meio das cuecas dele. E eu contei pra ele que o meu sonho é ser pedida em casamento na noite de ano novo, durante os fogos. Eu tenho certeza que ele tá esperando dia trinta e um pra colocar aquele anel no meu dedo.

A mulher podia estar exagerando, mas não dava para negar que ela era mais que uma qualquer na vida do Lourenço. Primeiro, ela era sobrinha, ou prima, ou qualquer coisa, da dona Marinês. Ela era da família, e o Lourenço não ia tratar alguém da família como uma qualquer. Ela dormia na casa dele e tinha intimidade o suficiente para mexer onde ele guardava as cuecas. O que significava que ele tinha escondido algo importante da Bia, outra vez. A Nicole podia não ser namorada dele, mas era alguém. Alguém que deveria ter sido mencionada quando o Lourenço falou que queria fazer planos com a Bia.

Ninguém tinha fechado a porta depois que elas entraram e o início da réplica da Mariana para a Nicole sobre o iminente noivado dela com o Lourenço, foi interrompido pela entrada da Alexa correndo, de mãos dadas com o Bento e a Amanda.

— Nicole? — Ela parou de surpresa, quase derrubando o filho. — O que você tá fazendo aqui, aconteceu alguma coisa?

— Não! — A Nicole rolou os olhos. — Eu fiquei com saudade e resolvi vir ver vocês. Feliz Natal!

— Desde ontem? — a Alexa repetiu a pergunta da Mariana sendo abraçada por uma entusiasmada Nicole.

A Bia cruzou os braços e esperou. Ele não ia demorar, e ela não queria perder um segundo da reação dele ao ver a 'noiva'.

O Lucas foi o segundo a entrar carregando duas sacolas, seguido pelo Fred com uma travessa em cada mão e, por último, finalmente, o Lourenço com uma bolsa numa das mãos e a Alícia na outra.

— Nicole? — ele franziu a testa, e o olhar dele imediatamente começou a vagar pela sala até encontrar a Bia.

O breve piscar de pânico foi tudo o que ela precisou ver para saber que ela estava certa. A Bia apertou os punhos, ela não podia falar nada ali, na frente de todo mundo. Na verdade, ela não ia falar nada nem para ele sozinho.

Eles não tinham feito nenhuma promessa. Não tinham nenhum compromisso. A política do 'um dia de cada vez' tomou outro sentido. Um dia com uma, outro dia com outra, e ela tinha caído feito uma idiota.

— Oi, meu amor, você não tá feliz de me ver? — a Nicole falou toda melosa.

Meu amor! Ela chamava ele de meu amor!

O Lourenço estava focado na Bia e só percebeu a intenção da Nicole no último segundo, virando o rosto de lado, fazendo o beijo dela cair no queixo.

E se a Bia também não estivesse concentrada na reação do Lourenço, talvez, tivesse ouvido a disparada de alarmes dentro da cabeça e pudesse ter evitado o desastre, mas foi tão rápido, tão inesperado, que ninguém teve tempo de reagir.

— E você nem precisa me dizer que essa é a sua filha, Lôro. — A Nicole se abaixou na frente da Alícia, que deu um passo para trás. — Você é a cara do seu pai, Alícia!

Por alguns segundos, ninguém fez nada. A Bia até achou que tinha imaginado o que a outra mulher falou. Ou talvez, só ela tivesse ouvido? Mas a Alícia largou a mão do Lourenço com os olhinhos arregalados. E enquanto ela olhava do Lourenço para a Mariana e de volta para o Lourenço, a Bia praticamente via as peças se encaixando na cabecinha da filha.

— Mamãe? — ela murmurou com os olhos cheios de lágrimas, como se estivesse pedindo para a mãe negar o que ela tinha acabado de ouvir, mas a Bia nunca tinha mentido para a filha, não seria aquela a primeira vez.

— Filha, vem cá? — A Bia deu um passo à frente com a mão estendida.

— Não! — A Alícia deu um grito que cortou o coração da Bia. — Não!

Ela ignorou sua mão estendida e saiu correndo, e foi como se o grito da Alícia tivesse acordado todo mundo junto. O Lourenço puxou o braço da Nicole, que ficou de pé com um pulo.

— O que foi que eu fiz? — ela perguntou sem entender o tamanho do estrago que tinha causado.

Todo mundo da família do Lourenço começou a responder ao mesmo tempo, e a Bia se virou para correr atrás da Alícia que estava subindo a escada, tropeçando e quase caindo ao ser agarrada nas pernas pela Amanda.

— Mamãe, o que foi? — Ela olhou a Bia, assustada.

— Amor, a mamãe tem que ir atrás da Alícia. Fica com o tio Fred. Fred? — A Bia procurou pela única pessoa a quem ela podia confiar a Amanda naquele momento. Ele largou as travessas que estava carregando em cima da mesa e veio socorrê-la. — Cuida dela pra mim?

— Vem cá comigo. — O Fred abaixou e pegou a Amanda no colo. — Tá tudo bem, meu amor, não chora, vem.

O coração da Bia se dividiu em dois, mas a Alícia era quem precisava mais dela e, ao contrário da explicação sobre a prisão do Lourenço, aquela era uma conversa que ela tinha que ter com a filha mais velha, sozinha. A Bia se virou, e novamente foi impedida de ir, daquela vez por uma mão no seu braço.

— Bia!

— Agora não, Lourenço! — Ela puxou o braço e ele a soltou, mas continuou andando ao seu lado.

— Bia, por favor...

— Não! Eu preciso ir cuidar da minha filha — a Bia não usou, de propósito, o 'nossa filha' como vinha fazendo. Nem se deixou comover pela mágoa que tomou o rosto dele. Era tudo culpa do Lourenço, se a Nicole estava com ele quando a Bia ligou, se ele contava tudo para ela, como ele esqueceu do pequeno detalhe fundamental de avisar que a Alícia não sabia de nada. Uma raiva tão grande tomou conta do peito da Bia que ela se virou para ele, gritando. — E faz o favor de tirar a sua noiva de dentro da minha casa! Ela já causou estrago bastante por hoje!

E dando as costas para ele, a Bia subiu as escadas correndo, atrás da única coisa que lhe importava naquele momento, que era pegar a filha no colo e a proteger do resto do mundo.


***

Sinto muito, eu também estou morrendo de dó da Alícia, mas tinha que acontecer.

Eu considero esse o primeiro capítulo da nossa reta final. Então, podem deixar os corações preparados, e nada de roer as unhas, mas vem muita emoção a partir de agora. 

Espero vocês terça-feira com a Bia tentando se explicar para a filha, bjs ♥

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